História Invisible Line - Decididos

Hoseok havia descoberto então a história jamais contada antes. Namjoon e Yoongi eram os líderes por trás do sucesso da pequena comunidade de atlantes que sobreviveu mesmo com todas as investidas dos Arcanjos para exterminar o que Deus criou. O Anjo e o Demônio viraram uma esperança para o povo, sinal de proteção e paz. Eram como deuses.... Não... eles eram os Reis. O Reinado do Dia combatia os anjos guerreiros nas fronteiras do Vórtice quando ele ainda era acessível, o exército de homens que tinha mais força bruta e alguma magia relacionada aos poderes elementais, comandados pelo Ishin tinham sempre sucesso no combate. Já o Reinado da Noite fazia as vigílias e evitava emboscada, como se sempre estivessem a um passo à frente do inimigo, ficando à espreita, escondidos de maneira que eles e o bosque fora da fronteira do Vórtice quase pareciam um só, esses por sua vez eram liderados pelo Incubus.

Unindo forças, mesmo sendo reinados diferentes, era como ver o claro e o escuro. Um não seria possível sem o outro. Havia um único trono, construído pelos próprios habitantes da terra que recebeu o nome de Dialmon, uma palavra que eles usavam na língua antiga para indicar o que era perfeito. A comunidade que abrigava os foragidos, que esperava os machucados se recuperarem e que permitia a vida de quem ainda estava por vir. Gerações se passaram e os Reis que ocupavam os tronos em seus respectivos momentos eram perenes. Mas ninguém desconfiava de nada, a fé era tão grande e densa que ousar questionar era quase um pecado. Apesar de eles nunca pretenderem esconder o que eram. O único berço conhecido da humanidade era bem protegido por eles, e isso os unia. Todos ali sabiam quem havia ceifado a vida de seus familiares e amigos, todos ali tinham agora a noção de que lutar era a única opção para sobreviver, só não entendiam o que exatamente eram os seus inimigos quando tinham que enfrentar seres alados e arrancar o coração deles para que não sobrevivessem, mas a crença que os fazia seguir os Reis não permitia dúvidas de que enquanto estivessem ao lado deles, estariam protegidos.

Dialmon era um lar. Porém, um dia, quando quem hoje governa de forma soberana todos os cantos do inferno encurralou um dos Reis de forma baixa e suja, o pesadelo teve início. Capturado, sem chances de agir contra o que era maior do que si e com a fragilidade da Criação e responsabilidade por milhares de vidas em seus ombros, ele, por um único erro, caiu no golpe. O feiticeiro ouviu de Namjoon que em uma noite, foi covardemente capturado e levado a presença de um dos Arcanjos. Lúcifer. O ‘diabo’, como muitos chamam. Ora, dentre suas inúmeras habilidades, a de controlar e moldar os pensamentos mesmo dos mais poderosos seres era quase que natural. O discurso foi belo e as promessas também, capaz de ludibriar e corromper qualquer um, porém mesmo com tudo isso, o apreço que tinha pelos humanos era maior e o sentimento lapidado ao longo dos séculos por alguém em particular também.

E esse mesmo sentimento forte, ainda não definido, que o fez ceder quando viu que ele estaria em perigo. Mas a sua determinação não foi suficiente, havia sido inocente ao acreditar no falso desprezo do Arcanjo pela pequena parte sobrevivente. Lúcifer lhe disse que não iria machucá-los, pois não precisava perder tempo, desde que o espaço fosse só aquele. O demônio acreditou, foi ingênuo. Mais tarde, quando o sol estava prestes a ascender no céu e o seu período acabar, ele foi perseguido e no fim, a entrada de Dialmon estava já cheia de sangue e cadáveres, o seu interior teve o mesmo trágico destino. Na madrugada vermelha de sangue e fogo, os Reis foram separados, derrotados, presos e condenados.

As palavras pairavam em sua mente, a história se completando aos poucos e ele tentava imaginar o quanto Yoongi sofreu. Mas agora tinham que agir, era necessário ter pressa, mas teriam que ser cautelosos também. Quando Hoseok terminou de desenhar o círculo rústico no chão, ele passou a abrir o grimório e então se preparar para chamar aquele que os daria informações sobre o próximo passo agora. Do canto do olho, ele observou o Anjo que fitava a paisagem pela janela com uma expressão séria. O Ishin não havia se movido há horas, parecia contemplar bastante, já Taehyung saiu afirmando que iria dar uma volta e o infernal sumiu para dentro de um dos quartos com uma expressão estranha.

O Serafim havia voltado, caminhou por horas no bosque pensando bastante. As coisas faziam tanto sentido agora que lhe deixava amargurado. Um tão frágil fio o segurava na ideia de que o que os dois lhe contaram era mentira, mas sentia no fundo que esse fio estava prestes a se quebrar. Fora tão enganado quanto eles, serviu como um boneco, como um peão descartável. Assim como todos os outros que vieram caçá-los. Sabia agora que o celeste e o infernal eram muito mais poderosos do que pensou antes, se não eles não teriam conseguido combater os agentes dos Arcanjos, e apesar do apoio daqueles habitantes de Dialmon, combater forças como aquelas só cabiam aos seus semelhantes.

Os passos de Taehyung no corredor eram lentos, um na frente do outro, como se fosse uma criança. Mas não ligava muito para esse fato, não mesmo. Porém algo o chamou atenção. Ouviu uma respiração pesada vir de uma das portas, se aproximou devagar e viu alguns objetos jogados no chão de qualquer jeito. Olhando um pouco mais para baixo, pode notar que alguém estava ali. Se surpreendeu com a imagem. Namjoon estava sentado, apoiava-se na parede com uma das mãos enquanto a outra subia pela garganta, procurando desesperadamente arrancar os botões que fechavam a camisa emprestada, ele aprecia estar sufocado e muito, muito mal. O anjo abriu a porta vagarosamente e se surpreendeu com os ruídos que ouvia, aquilo definitivamente não era normal.

“O que houve com você? ”. Apesar de saber que ele claramente precisava de ajuda, não chegou perto mesmo assim, temia ser atacado, não era bobo e só pelo que pode experimentar de sua breve luta com ele há dias atrás, não queria que aquilo se repetisse.

O Incubus olhou para cima, com as sobrancelhas franzidas, a boca aberta tentando puxar algum ar a mais, estava suando e provavelmente muito pálido, os efeitos haviam o atacado de novo e só uma única coisa o salvaria. Precisava de algo que o satisfizesse. A necessidade de sua Ordem era tão forte quanto á dos seres humanos por água e ele já vinha infringindo essa lei desde que veio a Terra, aquele parado ali não era quem realmente desejava ver, mas o que não conseguia controlar direito se espalhava e ele sabia, por isso havia tentado se trancar no quarto e esperar passar.

“Vá embora...”. A voz imponente ressoou, porém, as chances de isso funcionar eram poucas, quando ele tinha consciência de que a sua essência já estava presente no quarto todo.

Assim, um arrepio passou pelo corpo do anjo, os olhos perdendo o brilho como em uma hipnose. O calor vindo de algum lugar, leve, sorrateiro. Logo depois um certo frio na barriga, doses de adrenalina produzidas o afetavam e faziam as pernas bambearem. O que estava acontecendo consigo? Só conseguia enxergar aquele largado no chão! A respiração agora se descontrolava e Taehyung sequer sabia o porquê, mas abaixou-se e ergueu uma das mãos.

“Posso te ajudar...”. A voz do celeste saiu baixa, mas deu para ouvir. “P-Por favor me deixe-“

“Saia! ”. Namjoon quase gritou, estava fraco e era difícil reverter o efeito que causava nas vítimas. O que estava acontecendo ali não era o que queria, nunca..., mas de qualquer forma, precisava se satisfazer ou ficaria louco.

“Você não quer que eu saia...”. Ainda com a mão no ombro do ser que agora tinha a sua total atenção, ele sentiu que o desejo por mais contato aumentava, queria poder tocá-lo, queria que ele retribuísse, podia fazer tudo por ele... podia agora dar-lhe exatamente o que ele queria, podia pertencer a ele.

Como conhecia exatamente o que se passava na mente do Serafim no momento, ele sequer levantou a cabeça para fita-lo, fazer isso era intensificar ainda mais o efeito de sua essência sobre o anjo, aliás tudo o que fizesse iria, até mesmo a sua voz. O seu próprio ser se agitava e ideias insanas lhe passavam pela mente, ele não queria, realmente não queria, porém, a sensação parecia forte demais, era muito para aguentar, contendo-se ali, de maneira falha e com um ser como Taehyung tão perto...

Em um impulso, Namjoon o puxou para si, o segurou pela nuca de forma possessiva, aproximando-os dentro de um segundo. Os seus olhos, vermelhos em sem brilho se fixaram nos escuros do outro, as respirações se chocando uma contra a outra e os lábios... A centímetros de distância.

“Está quase na hora. Namjoon deve estar aqui também para realizarmos o feitiço.”. O feiticeiro avisou quando finalmente havia terminado as molduras místicas no chão, já havia gravado runas em seus braços e estava plenamente preparado.

“Sei, eu irei chamá-lo.”. Yoongi disse, após guardar o vidro frágil que sustentava a tinta negra com que os desenhos foram feitos, esteve esse tempo todo ajudando o amigo, eles conversaram também, mais especificamente, o anjo esclareceu algumas dúvidas que restaram para o amigo sobre a história de sua vida. “Estava pensando... Era estranho não me lembrar do passado, e mesmo assim continuar vivendo como se tudo tivesse um sentido. ”

Hoseok sabia pelo que o amigo devia estar passando, mesmo ele parecendo aceitar o que viveu, ainda era difícil pensar que fora enganado esse tempo todo. “Você não vive sem um sentido, a sua existência por si só já basta... Principalmente para quem está por perto. Pense bem, provavelmente não teríamos nos conhecido se nada disso tivesse acontecido. ”

“Naquela época eu vivia como um andarilho, achei você muito ferido no deserto, não é? ”. O anjo o fitou com a memória, e agradecia por tê-lo encontrado e até mesmo por ter enfrentado alguns outros feiticeiros que queriam acabar com a vida dele. “Pelo que me contou, vivia fugindo de comunidades por não aceitar tirar vantagens com a feitiçaria, os outros te caçavam de maneira incansável. ”

“Exatamente, não foram os meus melhores anos e eu sequer pensava em viver mesmo. Agora veja, estou em uma das mais famosas cidades do mundo e tenho uma casa! ”. O de cabelos negros brincou e os dois deram risada.

Os risos foram interrompidos por um barulho vindo do andar de cima, um ruído alto que pareceu caótico na hora. Yoongi e Hoseok ficaram alarmados de repente, foi necessário apenas um olhar trocado entre eles para dispararem escada acima, algo definitivamente aconteceu.

No andar de cima, Namjoon mantinha um sorriso no rosto enquanto a boca sangrava tanto que encharcava a blusa. De fato, havia levado um golpe formidável, mas o seu plano teve êxito. Não iria -mesmo em caso de extrema necessidade- tentar fazer algo fora do comum com aquele Serafim, algo o segurava e o impedia de fazer isso, como avisos em sua mente, contrariando de maneira incrível os próprios instintos. Sabia que não era o mesmo desde que recobrou as memórias, sabia que algo estranho acontecia dentro de si, um sentimento revolucionário que poderia mesmo mudar toda a sua personalidade. E tudo isso apenas por uma única existência nesse e em todos os universos: a de Min Yoongi.

“Mas o que...? ”. Ouviu o tom de surpresa vindo daquele em quem pensava naquele exato momento. Pelo canto do olho, avistou o Ishin parado no corredor há alguns metros de distância. Queria muito que ele viesse, queria muito poder chama-lo, queria imensamente a presença do outro perto de si, mas sabia perfeitamente que seria um erro.

“Maldito! Irei certamente acabar com você agora! ”. Taehyung atravessou o grande buraco feito na porta -de onde o infernal havia sido arremessado-. Estava irado.

Sem nem pensar duas vezes, o Incubus levantou-se, com as mãos na frente do corpo, teria que se proteger no momento ou estava condenado. Yoongi ascendeu os punhos, sem raciocinar muito, ele não esperava aquela atitude vinda do outro anjo, mas de qualquer forma ele iria atacar Namjoon e se ele não fizesse nada, iria ser um estrago.

“Se afastem! Não cheguem perto de mim.”. Todos pararam quando a voz dele foi alta o suficiente para surpreende-los. “A minha essência... Não estou conseguindo controlar, por isso fiquem longe...”.

O Anjo do Fogo estava surpreso, mas já tendo passado uma vez pela mesma situação, foi mais rápido para raciocinar a realidade. Sendo assim, pediu para que Hoseok tirasse Taehyung dali no mesmo instante, o feiticeiro foi ágil, mas teve um pouco de dificuldade, afinal o celeste estava muito alterado por ter sido pego de maneira tão “baixa”. Apesar de não entender direito o que havia acontecido, ele pressupôs que o melhor amigo sabia resolver e assim deixou-os a sós.

O Ishin se aproximou a passos lentos. Não tinha medo. Ouviu o outro pedir para ele parar e sair dali algumas vezes, mas dessa vez, se aproximar era vontade sua, sem estar sobre efeito de nada. Abaixou-se então, entrelaçou os dedos do outro com os seus e com a mão livre segurou o rosto do infernal com carinho. Viu a boca sangrando e a palidez evidente. Tinha que fazer algo, era difícil para si mesmo vê-lo tão frágil.

“Yoongi, não sabe mesmo o que está fazendo, não é? ”. Ouviu ele dizer, com os olhos vermelhos presos aos seus de forma tão intensa. Era de tirar o fôlego.

“Sei perfeitamente...”. Estava definitivamente corado, gostaria que o outro parasse de fita-lo daquela maneira, mas quanto á isso não podia fazer muita coisa. Atravessou uma de suas pernas para o outro lado e sentou-se no colo do infernal, o puxando pela nuca para manter os rostos próximos.

“Não vou conseguir me controlar... Não estou suportando mais...”. Namjoon já respirava pesadamente e a vontade louca de mover-se e atirar o menor no chão era o que ocupava os seus pensamentos, havia se esforçado ao máximo da última vez que isso aconteceu, mas sentia que ali, não iria conseguir.

“Você não precisa Namjoon... Não mais...”. O anjo estava convicto, sabia perfeitamente o que estava fazendo e também sabia que o próximo passo para destruir a linha invisível teria que esperar um pouco.

Sem mais demora ele mesmo que uniu os lábios aos do demônio em um beijo intenso. Os dias que passaram sem o contato estavam vagarosamente os fazendo perceber que ambos sentiram saudade. O anjo sentiu a cintura ser pressionada fortemente, mas não se incomodou nem um pouco. Estava plenamente confiante, porque aquele que estava em sua frente nunca poderia feri-lo de qualquer forma. Estava decidido e faria o que estivesse ao seu alcance.