Eu não consegui. Eu não consegui alcança-la a tempo. Entrei no carro pegando uma pistola no porta luvas comecei a perseguir o carro. Eu não os deixaria levar.
Acelerei o carro virando em uma curva. Eu iria atrás dela até mesmo no inferno, e quem entrasse no meu caminho eu mataria. Só ela valia a pena para mim, só ela valia a pena viver.
Encostei com o carro ao lado do enorme carro preto batendo nele com força, abri a janela e estendi a arma . A posicionei mirando na cabeça do motorista.
Era um cara grande com olhos estreitos e cabelos escuros, tinha uma cicatriz enorme no rosto e algumas tatuagens. Nunca esqueceria seu rosto.
- solte-a. – seus olhos se arregalaram. Eu o faria solta-la.
Mirei e dei um tiro, sem a intenção de matar, bateu na sua orelha.
- solte-a. – ele gritou de dor, mas mesmo assim não desligou o carro. Dei mais um tiro. Mas eu não conseguia manter o carro na linha, estava perdendo o controle.
Foi questão de um segundo.
Eu não prestei atenção.
O carro bateu. Parou, mas ainda assim o carro que levava Lilith continuou andando.
Eu nem sequer pude ver o seu rosto. Mas enquanto eu apagava eu tive certeza. Eu ouvi seu grito.
*****
- me solte .
Ordenei ao homem a minha frente. Estava amarrada, descabelada e furiosa.
O homem não respondeu nada apenas ficou sentado na minha frente, sem dizer uma única palavra. Foi ordenado que não falasse ,podia perceber. Se ao menos eu tivesse um canivete ainda poderia tentar alguma coisa.
Cruel e eu fomos treinados, para sermos perfeitos em tudo, postura, ética e armas. Sabia pegar uma arma melhor do que aqueles homens. Sabia lutar.
Mas eu não estava sozinha, eu carregava uma criança comigo, poderiam fazer algo que a prejudicasse.
Ouvi um grito. Eu conhecia aquela voz, era impossível confundi-la. Era Cruel.
Tentei me soltar, esperneando e me mexendo freneticamente, gritei seu nome, mas eu sabia que ele não ouviria. Me estiquei e pude ver uma arma apontando para o motorista.
Tudo foi rápido demais. Uma hora ela estava ali, e no segundo depois não mais, os barulhos de um carro, de uma batida, e eu vi tudo ,cada momento ,ate mesmo quando o carro se incendiou.
Eu gritei esquecendo de tudo aquilo , sentindo o pânico tomar conta de mim e o desespero me invadir seguida por raiva e odio.
Ele não poderia ter sobrevivido, não com tudo aquilo. Consegui me soltar, pulei em cima do homem ,o atacando com tapas e chutes, ele me tinha tirado o homem mais precioso da minha vida, e eu tiraria a sua vida como troca.
Embora eu soubesse que não fosse o suficiente.
Eu não sei como eu consegui uma arma, nunca lembrei, foi tudo rápido demais. Foi automático, eu apenas a posicionei e atirei.
Eu apenas matei como os meus pais me ensinaram.
Eu não senti nada, arrependimento nem muito menos remorso.
Apenas nenhuma sensação.
Foi apenas o vazio e a escuridão.
Abri os olhos. Estava em uma sala, a conhecia bem, principalmente Cruel, era a sala aonde ele apanhava.
A sala tinha se mantido intacta, continuava ali.
Mas o menininho que eu vinha socorrer todas as noites não existia mais.
Algo em mim queria acreditar que ele vivia, que ele tinha sido forte e que tinha sobrevivido aquele acidente, que ele tinha escapado a tempo ,mas parte de mim já tinha perdido as esperanças.
Olhei em volta, estava sentada em uma cadeira de madeira no centro da sala. Era uma sala branca, com algumas armas e objetos cortantes em exposição na parede, uma a uma pendurada delicadamente com ornamentos de prata e ouro. Ainda existia nos cantos da parede sangue seco, os que as empregadas não foram capazes de tirar, eu sabia que existia mais abaixo de toda aquela tinta , mas toda semana George mandava pinta-la novamente, para que quando a tinta secasse a tortura viesse a se repetir.
Era como um relógio.
Abaixei a cabeça fitando o meu ventre coberto pela roupa. Seu pai se foi, somos apenas nós.
Fruto do nosso amor e obsessão, ainda podia ouvir a sua voz em minha mente, era como uma tortura, pois a cada segundo seu rosto, seu sorriso, sua voz vinha, me lembrando do que eu tinha perdido.
Uma lagrima escorreu desencadeando as outras, os soluços saíram fazendo eco por todo o cômodo, caí da cadeira e engatinhei para um pedaço da parede e me deitei no chão encolhida, pela primeira vez na vida eu estava sem ele.
Era algo vazio , era como se meus órgãos estivessem congelados, ele tinha levado minha alma com ele. Estendi o braço vendo a pequena tatuagem era a única marca no meu corpo que mostrava que eu pertencia a ele, nunca poderia ser apagada.
E mesmo que pudesse jamais a tiraria, eu pertencia a ele mesmo na morte.
Passaram-se dias, ou talvez tenham sido semanas que eu estava sozinha, de manhã, antes mesmo de eu desmaiar de exaustão um prato de comida aparecia, era o único jeito que eu encontrava para cronometrar o tempo.
Era humilhante, mas não era por mim que eu comia, se estivesse sozinha nem mais viva estaria. Uma vez me vi em pé em caminhando em direção as armas, mas quando as toquei eu acordei, percebendo o que estava fazendo.
As armas em exposição era uma tentação
Morreria apenas para estar ao seu lado.
Mas ainda assim aquela criança existia, a criança sem nome e que não conheceria o pai, que viveria trancado naquela gaiola assim como eu fui.
Iria ser prisioneiro dos Hell.
Lucian nunca deu as caras, não daria nem tão sedo. Era igual a George, quando a raiva explodisse viria, era questão de tempo.
Lucian e George maquinas mortíferas, ninguém duvidaria que eram irmãos.
Não tinha oque se fazer, então assim como os dias que se passaram eu apenas fiquei sentada, sem forças de me mexer, sem esperança de respirar.
Estava quase fechando os olhos fraca e exausta quando ouvi passos, a porta se abriu e eu o olhei por entre os cílios. Era um homem alto acompanhado de uma empregada, os conhecia. Foram empregados de George , os únicos que ele não matou em seus ataques de fúria.
Martha e Ren, seus primos assassinos.
- vieram me buscar presumo. Passaram rápido de lado, me digam George e Lucian são parecidos ? são os mesmos tiranos ?
Eles não responderam, era a sua resposta, não tinham língua, foi a única coisa que George fez descentemente, arranca-las e joga-las para os cães .
Me pegaram pelos braços me arrastando para fora da sala. Não se preocuparam em me vendar, eu sabia por cada canto que passávamos.
Pensei em resistir ,mas enquanto passávamos podia ver guardas se amontoando pelos corredores.
Quero que todos vão para o inferno.
E que o ceifeiro os corte em mil pedaços.
A cada passo que eu dava era como se pisasse em pequenas agulhas, era doloroso até mesmo respirar.
Nossas vidas estiveram entrelaçadas por tanto tempo que agora apenas um segundo sem você é estar morta.
Os guardas abriram as portas e eu pude ver, a minha antiga casa, a casa subterrânea.
Sem janelas, com apenas uma porta de entrada e saída, era como o inferno, assim que pisasse uma vez jamais voltaria.
A descida ao inferno é fácil, era a coisa mais certa.
Por um tempo achei que fosse mentira, mas aqui estou. Dentro das paredes construída sob sangue e lagrimas, a legitima casa dos Hell.
As mãos que me seguravam desapareceram, os irmãos tinham ido embora, me deixaram sozinha. Embora com ou sem eles minha vida não mudaria.
O caos já tinha sido feito.
Comecei a andar olhando cada pedacinho agora com outros olhos. Tudo continuava a mesma coisa, os moveis caros e antigos ,as paredes com o papel de parede escuro e a sombra em cada canto.
Como se fossem controlados meus pés se mexeram para o fim do corredor, nunca tinha entrado ali. Era o quarto de George e Rose ,nunca pude entrar e nem mesmo Cruel. Mas George e Rose tinham morrido, não tinham mais poder nenhum ,tinham virado pó.
Espero que estejam no inferno.
A porta estava intacta como se fosse nova, era como se tivesse sido colocada no mesmo dia, era a única coisa que não possuía um rastro de pó.
A abri. O quarto era claro, as paredes eram azuis claras, possuía uma cama king no enorme quarto, de um lado ficava uma escrivaninha com vários papeis velhos empilhados, ao lado uma estante com vários volumes únicos de livros, do outro lado havia uma janela, estava fechada com pedaços de madeira bloqueando até mesmo a passagem do ar.
Passei por toda a extensão do quarto. Em cima da cama, pendurado, havia um quadro, era enorme e mostrava quatro pessoas.
Os Hell.
George estava em pé atrás da poltrona que se localizava no centro, estava com os cabelos penteados para trás mais pretos do que nunca, o olhar sério e os lábios sem vestígio de um sorriso. Sentada no braço do sofá estava Rose, os cabelos loiros caindo ondulados até a cintura, usava um vestido rosa bebe de manga longa, os olhos estavam sem emoções e nos lábios um pequeno sorriso brotava, e sentado na cadeira me segurando estava Cruel, os cabelos loiros penteados para o lado já chegando a nuca ,usava um terno completo, os hematomas iam até a perna, ele sorria, de verdade enquanto me segurava, eu não deveria ter mais de três anos, eu usava um vestido rosa e estava com o cabelo descendo liso pelas costas, os olhos parados e um sorriso enorme enquanto segurava a mão de Cruel.
Tudo tinha mudado.
Eu fui a única que tinha sobrado. A única que tinha ficado para contar historia.
Subi em cima da cama e comecei a quebrar o quadro com socos, não suportava ver aquela imagem ,seja dos meus pais quanto dele, observar ambas doía.
E ver que eu estava sozinha parecia injusto. Como ele pode morrer e me deixar ,nos deixar para trás ?
Você não tinha o direito de me deixar sozinha. Cai na cama com as mãos sangrando e com vários cacos de vidro ao meu redor.
- você não tinha o direito Cruel.
As lagrimas vieram de novo, manchando meu rosto, as enxuguei, mas estava apenas piorando, manchando sangue com lagrimas.
Depois de muito tempo me levantei e fui em direção ao espelho.
Estava horrível.
O cabelo despenteado, resseco e quebrado, a roupa em farrapos, o corpo cheio de hematomas e o rosto marcado com alguns cortes e com sangue em varias partes se misturando as lagrimas que ainda persistiam em cair .
Como você pode me amar ?
Você poderia me ver assim Cruel ?
Você conseguiria me olhar?
Deslizei minha mão ao meu ventre minha barriga já estava um pouco grande , apenas comprovava o quanto tempo tinha se passado.
Foi de repente, eu estava perdida nos meus pensamentos, soluçando e chorando quando eu senti uma pontada forte no meu ventre, um chute.
Um sinal de vida.
Um sinal que eu não estava só.
Que eu teria que lutar para sair dali.
****
Meus olhos se abriram , eu estava em uma sala branca, em uma sala de hospital. Varias sondas estavam conectadas ao meu corpo.
Foi então que seu rosto veio a minha mente como sempre acontecia assim que eu abria os olhos, mas dessa vez ela não estava lá.
Estava longe de mim.
E eu não a tinha salvo.
Me enchi de raiva, eu precisava sair dali. Desconectei uma sonda e logo depois outra sentindo pequenas tonturas, já estava sentado quando Gaye entrou no quarto.
- você não vai sair daí. – ele se aproxima apressado.
Ignorei sua voz e me levantei procurando minhas roupas, olhei por todo o quarto ,estavam em cima de uma cadeira, tirei a roupa do hospital e comecei a me vestir na sua frente.
- preciso achar Lilith. – falei assim que passei a blusa pela cabeça.
Ele negou. O olhei por cima do ombro sem paciência, precisava achar ela, e nem mesmo ele me impediria.
- você ainda não entendeu? Você não vai sair dessa sala Cruel. Você sofreu um acidente!, não está em condições de andar – ele me colocou sentado e eu o empurrei pelo braço, estava começando a ficar com raiva, mas ainda assim tinha que ter cuidado, Gaye não era um adversário qualquer. – eu tenho homens atrás dela nesse instante. Eles vão acha-la. Apenas fiquei ai.
Neguei com a cabeça, não queria abrir a boca acabaria saindo algo que eu me arrependeria. Me levanto e passo a mão pelo cabelo, precisava sair dali.
- seus homens não poderão salva-la Gaye. – falo perdendo o resto da paciência, respiro e me acalmo o máximo, não iria surtar ali, tinha coisas mais importantes - Eu preciso salva-la, é meu dever. Nem que seja no inferno, mas eu vou acha-la.
- você bateu com a cabeça seu imbecil! Você está cego? Como acha que vai acha-la nesse estado? Lucian também está procurando você ,se sair daqui eu não vou conseguir escondê-lo.
O ignoro e passo por ele olhando firmemente em seus olhos.
- eu não vou desistir, nem que eu precise passar por você.
- isso tudo é amor? Seu amor te deixa tão cego assim Cruel? A ponto de arriscar sua vida por ela? – ele fala preocupado, passa a mão pelo cabelo com força e fixa seu olhos em mim.
- você não entende. Ela é a minha vida, eu preciso dela, ela pode estar sofrendo nesse momento, e eu estou aqui.
Ele abaixa a cabeça e saca o celular se afastando, demora alguns segundos e depois volta.
- use esse celular. – ele me estende o aparelho, e logo depois tira de dentro do casaco uma pistola a coloca na minha mão – use-as balas com cuidado, os homens de Lucian podem estar em qualquer lugar. tem um carro aí na frente a sua espera, seja rápido.
coloco a arma dentro da calça e o celular no bolso.
Ele me olha mais uma vez e vejo que uma lagrima está prestes a cair, a ignoro , mas mesmo assim continuo a olha-lo.
- vá Cruel! Rápido!
Fui em direção a porta e ouvi suas ultimas palavras.
- apenas não morra.
Eu vou acha-la Lilith apenas espere. Eu vou achar você e nosso filho nem que eu faça isso até a morte.
Me pus a correr assim que dei o primeiro passo para fora da sala, os Hell nunca correm, George disse uma vez, mantenha a elegância e a escuridão ao seu lado e todos se curvarão aos seus pés, mas eu não me considerava mais um Hell, aquilo não se aplicava mais a mim.
Eu era apenas Cruel.
Passei por varias pessoas me esquivando até que quando estava virando um corredor vi homens de preto vindo em minha direção, pensei em sacar a arma, mas então vi uma janela, não pensei duas vezes, me apoiei com uma mão e pulei.
Aterrissei e me levantei vendo um carro acelerar em minha direção com a porta do passageiro aberta, conhecia muito bem o motorista.
Theo Miller.
Pulo dentro do carro e fecho a porta com tudo.
- acelera.
- vocês Hell sempre são mal educados assim ? – ele falou e me fitou pelo para-brisa. Suas mãos agiram rápido no volante e logo estávamos na esquina. Já tinha se passado meia hora quando ele resolveu falar de novo – tenho ideias de onde ela possa estar. Pode levar tempo, mas vamos tira-la de lá.
- quanto tempo – passei para o banco da frente e me sentei.
Ele não me olhou, apenas apontou para o computador dentro do porta luvas, puxei o notebook vendo vários carregamentos de armas dentro.
- acha que foi o único que foi treinado para matar? Está errado.
levantei sua tela onde um gráfico apareceu, a casa dos Hell.
- quanto tempo – perguntei novamente.
- um ano.
Foi a sua resposta.
Acordei com susto, quando tinha dormido?
Não, eu não lembrava. Mas tinha certeza que não tinha dormido por conta própria ,olhei para os lados vendo uma pequena neblina se formar no chão.
Sonífero.
Foi então que eu percebi minha roupa , me levantei da cama e fui em direção ao espelho. Estava igual á ela.
Tinham trocado a minha roupa, me limpado e penteado meus cabelos. Estava com eles ondulados e com uma tiara de perolas, um vestido rosa com babados e uma sapatilha fina. A única diferença eram os olhos, os olhos de Rose eram azuis, os meus eram verdes, frios e sem expressão.
As características de um Hell.
A única coisa que Rose não possuiu.
Saio do quarto andando pelos corredores, estava entrando na sala quando vi Lucian.
Estava apoiado em uma pilastra que dividia o ambiente. Era alto, mais alto do que eu lembrava, os cabelos escuros estavam despenteados como os de um adolescente, os olhos azuis incandescentes estavam estreitos, a boca estava formada em um sorriso maldoso exclusivamente para mim.
- parece até mesmo ela, menos os olhos, que infortúnio – fiquei parada apenas o observando se aproximar, sua mão segura meu queixo e o puxa para cima – entendo o porque seu irmão ter se apaixonado. É uma maldição de família, nem mesmo eu consegui me safar. Eu falei para a sua mãe, eu avisei Lilith, avisei a sua mãe se ela não fosse minha não seria mais de ninguém, mas George me ultrapassou e a roubou de mim.
Ele se abaixa deslizando a mão pelo meu braço e colocando sua boca perto da minha orelha.
- E você é o suficiente parecida com ela. – ele sussurra.
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