História Irmãos pelo Sangue - Neve

Mansão Eatteen Marven – 2000

- Ei, irmão... a mamãe mandou levantar. Temos visita hoje. São nossos tios.- Uma voz feminina invade a sala, com gritos receosos.

- Eu pensei que eles só viriam no natal.- Retruco com uma voz firme.

- Ao que parece, houve um contratempo e eles não poderão vir no natal. Então resolveram vir na pascoa.- Diz a voz feminina com certo receio.

- Tudo bem. Eu queria mesmo vê-los.- Digo enquanto me levanto da cama.

- Me espere lá embaixo.

- Ok, eu te vejo lá embaixo. – Diz a voz descendo as escadas.

Hoje é um grande dia. Hoje é a pascoa. O nascimento de Jesus? Ou a morte dele? Ele era uma mulher ou um homem? São dúvidas sempre cruéis.

Para muitos o dia parece brilhante. Mas eu vejo apenas tudo cinza, preto e branco. Mas, eu não me importo.

A minha infância inteira foi assim. Eu não consigo sentir... nada. Todos sentem raiva, repulsa, nojo, medo, amor. São sentimentos mútuos. Mas eu nunca consegui sentir tais sentimentos. Mas eu não me importo.

Hora de descer... e fingir ser uma família feliz por mais uma vez. Tendo um pai drogado e psicótico. E uma mãe abusiva. Era óbvio que eu nasceria com defeito. Minha irmã é quebrada, também. O defeito dela é bem... interessante.

Eu desci as escadas e encontro todos reunidos lá embaixo.

- Qual a causa da demora? Estávamos te esperando para começar a entregar os presentes. Sua irmã está super feliz.

- Olha, olha!!! O meu ovo é o melhor! Muito obrigada tia! – Disse ela com um enorme sorriso e com os olhos brilhando

- Não se preocupe. Guardamos um pouquinho para você também, pequeno Kyle. – Disse meus tios se olhando entre si

- Sério? Estou lisonjeado! Estava esperando o natal por um longo tempo, estava com tanta saudade de vocês, tios! – Disse dando um abraço em cada um.

- Ora, ora. Desse jeito você vai matá-los com sufocamento! – Disse minha mãe em um tom risonho, meu pai permanecia distante.

- Eu vou no banheiro e já volto... podem me dar licença?

- Claro, vá em frente. – Disse minha mãe, e meus tios logo assentiram.

- Ora, seus filhos são tão educados! Seria ótimo se a Marina e a Karina tivessem um pouco de educação assim. – Dizem meus tios com um grande sorriso.

- Hehe, eu crio eles na base da disciplina. Eles nunca me deram trabalho. – Diz minha mãe com um sorriso dominante.

“Na base da disciplina”, em? Várias cenas se passam na minha cabeça. Imagens da minha irmã e eu sendo espancados.

- Eu preciso ir ao banheiro, me deem licença. – Disse me dirigindo ao banheiro.

- Malditos velhotes, eles fizeram de propósito, me deram esses malditos ovos sendo que eu não posso comer doce.- Disse minha irmã quebrando os ovos e os jogando na descarga.

- Eu sabia que você não tinha gostado. – Disse com uma voz séria.

- Eu tenho suspeitas a ter diabetes, você sabe...  ELES sabem disso.

- Eles só tentaram ser educados.

- Tanto faz, eu não me importo. É um dos meus defeitos, afinal.- Disse olhando para o espelho com um ar de tristeza

- Somos todos defeituosos. – Disse me afastando para a sala novamente.

Ouvi eles discutindo sobre diversos assuntos, mas que show de falsidade. Decidi me despedir e voltar para o quarto. Afinal, em assuntos de adultos, crianças não estão convidadas.

- Hora de pular essa janela. – Coloco um dos meus pés na parede e com o outro eu pulo. Sem ruído, sem dor, sem nada.

Observo alguns garotos brigando no meio da rua, na neve. Parece que um deles matou o cachorro do outro. Quando eu vejo pessoas assim, eu não me sinto tão estranho.

- Vamos... por favor Lan, acorde... eu te imploro... não me deixe... – Disse o garoto de cabelos grisalhos com uma voz trêmula.

- Eu pretendia comprar uma coleira para você... o tanto que eu me comportei...

- É realmente uma pena. – Disse um garoto com uma blusa vermelha e uma mochila da mesma cor nas costas. Em um tom irônico.  

- É SUA CULPA, VOCÊ O MATOU, Ô MEU PRECIOSO...

Eu observo a comoção de longe. Um dos garotos tira uma gilete do bolso e ameaça o outro. Crianças deveriam andar com armas assim?

- E-Eu t-tenho uma arma, s-se a-afaste o-ou.. – Disse o dono do falecido cachorro.

- A-Ahhhh! Como você tem algo assim? Eu vou chamar a polícia, wahhh!!

- Saudações! Desculpe me intrometer, mas eu não pude deixar de notar. Esse cachorro estava com Calazar! Se eu fosse vocês, me afastaria.

- Calazar? O que é isso? – Disseram em uníssono.

- É uma doença causada por um parasita. Esse parasita também passa para humanos! Vocês irão morrer em quarenta e oito horas, sério, procurem um médico antes que seja tarde!

- N-Não pode ser! Eu cuidei bem dele!!! – Disse o dono.

- Para sua segurança procure um profissional na área da saúde! – Disse em um tom apreensivo.

- M-MAMÃE!!! – O dono do cachorro saiu gritando.

- E-E E-EU? – Disse o outro garoto.

- Me dá essa gilete, se eu levar até um centro, pode ajudar na cura! Você tem que ir ao hospital! Venha! Meu pai é médico! Ele pode lhe ajudar, me siga.

- Como eu saberei de que não é um truque? – Retrucou.

- Aquele outro garoto vai morrer, mas você pode ajudar na cura! Imagina só! Ser famoso e rico! Incrível não acha? Se imagine na capa dos jornais, cara! Se imagine na rádio! Até na TV! Só ricos a tem. – Disse em um tom convincente.

- S-Sério? EU, serei famoso? – Disse surpreso com um olhar excitado.

- Claro, tudo isso por essa gilete. Vamos! – Disse no tom de pressa.

- O-Ok!

Finalmente chegamos em casa. Eu tenho algumas idéias, beeem interessantes. Como será que isso funciona? Talvez eu finalmente acabe com esse maldito vazio sem fim, será?

Meu nome é Kyle. Kyle Marven. E este é o meu inferno.