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História Irresistible Desire - Sob as Escadas


Escrita por: LiihAndrade

Notas do Autor


Esse capitulo ficou um pouquinho maior que os outros… Pensei em dividi-lo em duas partes, mas achei melhor deixá-lo um só. Espero que gostem!
Boa leitura :)

Capítulo 18 - Sob as Escadas


Fanfic / Fanfiction Irresistible Desire - Sob as Escadas

O ambiente era abafado.

Conforme descia a escada, escutava a música do piso superior se tornando cada vez mais distante e contida, assim como as vozes juvenis excitadas; restando apenas o cheiro de álcool e de algo forte, talvez algo como charuto, o que combinava com o espaço rude. 

O piso era de madeira escura, quase parecendo negra, enquanto as paredes eram preenchidas por tijolos já desgastados. Barris de chope se encontravam concentrados ao lado de um bar igualmente feito de madeira, enquanto outros barris na vertical serviam como mesas espalhadas pelo salão. Duas mesas de sinuca também compunham o lugar que, diferentemente do piso superior, não estava nem perto de estar lotado — Parecia que aquele era um espaço mais reservado.

Próximas às paredes do extremo canto direito, estavam as mesas de jogo de azar, e então percebi porque o ambiente era tão exclusivo. Pelo que podia reparar, havia ali três tipos de jogos de aposta: o primeiro, ocupando duas mesas, era reservado a BlackJack. Homens e mulheres participavam, e dava para perceber as notas de dinheiro que iam e vinham entre suas mãos; O segundo, ocupando três mesas, era de Three-Card Monte, onde os jogadores, mais novos, tinham de ficar atentos nas cartas de dama para não as perder de vista; E o terceiro e último, em uma única mesa que nem lotada estava, era Poker.

Desviei meu olhar das mesas de azar ao esbarrar em algumas pessoas, e decidi ficar atenta no meu caminho. Estava próxima ao bar, mas logo que o barista perguntou o que eu gostaria de beber, saí de lá para dar espaço para outros clientes. Estiquei meu corpo para conseguir ver novamente as mesas de apostas, e decidi chegar mais perto das de Three-Card Monte, afinal, eram as únicas que estavam repletas por jovens.

Ao me aproximar, uma surpresa: o dono da banca de jogos era ninguém mais, ninguém menos, que Jim OneEye.

Ou era ele, ou havia mais alguém em Hudson Lake que também não possuía um olho e frequentava o John’s.

Curiosa, apressei-me a chegar mais perto da mesa, introduzindo-me no meio da plateia e dos jogadores. Consegui então chegar à frente da bancada, um jogador tentava a sorte, enquanto Jim OneEye misturava rapidamente as cartas, mudando-as de sequência mais rápido que um piscar de olhos; quando parou, e perguntou onde a dama estava, pude sentir a confusão na mente do jogador. Ele não fazia a menor ideia de onde estava a dama; e então, além de perder a carta de vista, perdeu também uma nota de 20 que tinha apostado.

— Vejo que temos uma novata aqui! — Ouvi a voz embargada e alta de Jim OneEye dizer.

Foi então que percebi que todos haviam dado um passo para trás no momento em que o jogo acabou, e apenas eu permaneci ali. Jim me olhava tentadoramente, balançando uma moeda entre seus dedos, com um sorriso perito em enganar os outros. Ele era extremamente alto, e o que tinha de altura, também tinha de magreza. Seu cabelo era encaracolado, às vezes dando a impressão de ser cinza, e outras negro. Um chapéu marrom que mais parecia vindo de um pirata, todo rasgado e desgastado, cobria parte de seu rosto — deixando evidente apenas uma cicatriz enorme no lado esquerdo de sua face e o tapa-olho que usava para esconder sua deficiência.

— Eu?! — Perguntei surpresa, dando mínimos passos para trás, afinal a plateia me cercava: — Ah, não… Não tenho como apostar.

— Mas não seja este o problema! — Gritou de repente, apoiando-se contra a mesa e segurando a moeda que balança contra seu punho: — Não há dúvidas de que um destes cavalheiros ficará feliz em ajudar uma bela mulher…

— Eu não poderia aceitar… — Recomecei, temendo não ter escapatória para não jogar.

— Ora, e por que não? Oh, mas que orgulho é esse? — Perguntou, fingindo-se triste, e apoiou seu corpo ainda mais contra a mesa, ficando muito próximo a mim: — Vejo que não é como todos estes fanfarrões que ainda acreditam conseguir vencer Jim OneEye. Você é inteligente.

E então todos ao meu redor urraram em desaprovação a suas palavras, enquanto Jim apenas riu-se de todos. Parando subitamente de rir, e ficando sério a ponto de quase parecer com ódio, ofereceu sua mão para que a pegasse.

Com medo do que faria se não reagisse como gostaria, coloquei minha palma na sua.

— Qual é o seu nome, querida? — Perguntou enquanto caminhávamos lentamente para a direita.

— Caitlin.

— Caitlin…?

— Dagger… Caitlin Dagger.

— Caitlin Dagger! — Gritou de repente meu nome, com entusiasmo, até voltar ao seu tom normal: — Pois farei um favor a você, Caitlin Dagger.

Paramos em frente a uma mesa de poker.

Jim OneEye foi para trás de mim, colocando suas mãos sobre meus ombros, massageando-os suavemente, e fazendo com que eu analisasse a mesa e os jogadores. A mesa, revestida por feltro verde, possuía dez lugares, dos quais nove já estavam ocupados. Cada jogador tinha uma montanha de fichas coloridas à sua frente, parecia que tinham acabado de começar a jogar. Ao olhar para os jogadores, todos homens e muito mais velhos que eu, encontrei uma excessão:

Heath.

Ele me olhava boquiaberto, como se não acreditasse que estava bem ali, com Jim OneEye. Para ser sincera, nem eu acreditava no que estava acontecendo, ou como pôde acontecer.

— Poker! Sabe jogar, querida? Oh, não importa, metade dessa mesa também não sabe. — Jim brincou, e os jogadores olharam com raiva para ele, com excessão de um e outro que riram de sua provocação. Ele então chacoalhou meus ombros, como se me apresentasse para os jogadores, e anunciou: — Esta é Dagger… Caitlin Dagger. Essa noite aposto nela: se ganhar, metade-metade, se perder… Nunca a vi na vida.

Soltei ar por meu nariz, tanto por graça quanto por medo. Ele estava falando sério?

Aparentemente, estava.

— Quanto está valendo o jogo? Vinte? — Perguntou, já tirando de seu casaco comprido de couro uma nota de vinte.

— Vinte… Mil. — Respondeu um dos homens, e todos riram.

Vinte mil em um jogo?!

— Vinte mil em um jogo?! — Jim OneEye tirou as palavras da minha boca, assustado, e, virando-me para si, sussurrou: — Eu te dou vinte, você tem outros…19.980?

Começaria a rir de sua pergunta naquele exato momento, se não tivesse sido cortada por uma voz já bem conhecida:

— Dou trinta mil para ela começar.

— O quê?! — Eu, Jim e todos os outros jogadores da mesa gritamos espantados.

Heath estava ficando louco?

— Trinta mil. — Heath repetiu, e, como se não tivesse nada demais apostar trinta mil em um jogo, continuou: — Vocês tem razão, não é certo apostar trinta mil… Dou quarenta mil pela garota mais linda do John’s.

Antes que eu pudesse ter qualquer reação, Jim OneEye comemorou a iniciativa de Heath e me levou até a cadeira ao lado dele, a única vazia, para me sentar. Tentei escapar dali duas vezes, mas Jim sempre me impedia, fazendo-me voltar a sentar à mesa. 

Olhei para Heath furiosa, entretanto ele apenas sorriu divertido e piscou para mim.

O homem do meu outro lado começou a colocar as fichas coloridas à minha frente, enquanto eu tentava buscar em minha memória o que sabia sobre Poker:

"Sequência do mesmo naipe é bom. Se for Dez, Valete, Dama, Rei e Ás então… Eu ganho.”, pensava, enquanto tentava me acostumar com a ideia de que iria jogar para valer: “Mas e se eu só sair com um par? E se os outros saírem com uma trinca? Afinal, como eu sei tanto sobre Poker?!”.

Lembrava-me de jogar Poker com o meu pai na varanda de casa, quando ainda não tinha nem ao menos onze anos. Recordava-me de suas lições sobre cada nome que as sequências e jogadas recebiam, e como era apaixonado por aquilo. Lembrava também como sempre acabava me deixando ganhar. O problema era que naquele momento, rodeada por homens experientes e que apostavam milhares no jogo, tinha a certeza de que ninguém gostaria de me deixar ganhar.

Jim cumprimentou Heath com um aperto de mãos, e então voltou ao seu posto no Three-Card Monte, não sem antes garantir que, se eu ganhasse, metade iria para ele. As cartas começaram a ser distribuídas, duas para cada um, e comecei a pensar no que faria a seguir.

— Quarenta mil… — Um homem barbudo parecia inconformado: — Ela é só uma garota.

— Ela não é “só" uma garota… Ela é a minha garota. — Heath disse com um olhar provocador e um sorriso confiante: — Quero vê-la quebrar a cara de vocês.

Foi distribuída a segunda carta, e olhei para o que tinha conseguido: um par de quatro. Era bom, mas teria que fazer bem melhor que aquilo. Entrei no jogo apenas cobrindo as apostas anteriores, e no final consegui uma trinca — mas não era o suficiente, estava jogando com pessoas que riam de trincas, e assim perdi a primeira para Heath.

A segunda e a terceira jogada também não foram muito boas. Em uma saí depois de perceber que não tinha carta alguma, e em outra acabei perdendo cinco mil em ficha. Se continuasse daquele jeito, logo estaria fora da mesa e com uma dívida de quarenta mil para Heath.

Na quarta rodada, senti que as coisas talvez começassem a dar certo.

Havia recebido um Quatro e um Ás, e, para minha alegria, duas das três cartas viradas foram um Valete e uma Dama na mesa; se saísse um Dez e um Rei nas próximas, não teria como perder. Cobri a aposta de dois mil que haviam colocado para revelar a quarta carta, e então a boa noticia: era um Dez. Se a quinta carta fosse um Rei, ganharia.

Tentando esconder a minha expressão feliz, esperei a mesa girar. Vários saíram da jogada por perceber que não tinham chance, e outros aumentaram a aposta para dez mil. Aquilo era insano, e mais insano ainda foi eu ter aumentado a aposta para 15 mil. Outros desistiram, e restaram somente eu, Heath, um homem barbudo e outro que fumava um charuto imenso.

A quinta carta foi então virada — Se não fosse um Rei, com certeza perderia.

— E é um… — O barbudo narrava, parecendo quase tão ansioso quanto eu: — …Três.

Engoli em seco.

Se pudesse demonstrar emoção, estaria gritando naquele momento. Aquele Três havia acabado de decretar a minha sentença de morte no jogo.

Antes que as apostas recomeçassem, o homem barbudo repentinamente se zangou com o do charuto. Berrava que este não tinha o direito de algo, embora parecesse não conseguir nem ao menos fundamentar seu argumentos; o whisky que tomavam provavelmente começava a fazer efeito.

Foi então que senti a mão de Heath se aproximando de minha pele.

Começou pela borda da minha cadeira, puxando-me discretamente para mais perto, enquanto todos prestavam atenção na briga. Olhei confusa para ele, que apenas me pediu para ficar em silêncio e olhar adiante. Apesar de não entender a razão, fiz o que mandava.

Seus dedos passaram da cadeira para a costura externa da minha calça jeans, e com calma, apossaram-se de minha coxa. Sentia uma onda de calor subindo por meu corpo ferozmente, e sabia que não era por causa do ambiente abafado. Sua mão, grande, conseguia cobrir toda a extensão de minha coxa, e com calma e cuidado, quase como se para me torturar, passeava vagarosamente por ela, cada vez mais para seu ponto interno.

Começava a me perguntar por quê estava deixando aquilo continuar.

E pior: por quê estava começando a gostar.

Heath então com um pouco mais de força, apertou minha coxa, e ao mesmo tempo em que um arrepio trespassou por meu corpo inteiro, olhei para ele para ver se me chamava. Fixamos nossos olhos, e Heath arqueou sua sobrancelha como se pedisse para eu olhar para baixo, para a sua mão na minha perna. 

Baixei meu olhar, e então entendi tudo: Heath estava com uma carta entre seus dedos; para ser mais exata, um Rei.

“Um Rei!”, quase gritei para todos. Mas, se fizesse aquilo, provavelmente o cara do charuto me mataria na hora por ter roubado.

Olhei novamente para Heath, e sorrimos cúmplices.

Peguei o Quatro que estava comigo e o substitui pelo Rei nas mãos dele. Heath então, sorrateiramente, passou a mão mais uma vez pela minha perna e a voltou para seu jogo — A confusão entre os dois jogadores já chegava ao fim, e voltavam a prestar atenção no jogo.

— Senhores, e senhora… — O barbudo começou, recuperando sua pose de superior após tossir algumas vezes, provavelmente por causa da fumaça que o cara do charuto soltava ao seu lado: — Não vejo outra alternativa senão terminarmos este jogo o quanto antes: aposto tudo o que tenho.

E então ele jogou todas as suas fichas para o centro da mesa.

— Pois se o senhor assim deseja… — Redarguiu o do charuto, fazendo o mesmo movimento que o barbudo e jogando todas as suas fichas ao centro.

— Senhoras… — Heath brincou para irritá-los, também jogando suas fichas ao centro: — Desejo a melhor das sortes. Vocês vão precisar.

Fiz o mesmo, e empurrei todas as minhas fichas para o centro da mesa.

O primeiro a mostrar as cartas foi o barbudo. Um deque impressionante com cinco cartas do mesmo naipe: um Flush.

Com essa jogada, o do charuto jogou as cartas à mesa, não se conformando que havia perdido. Heath fez o mesmo, bebendo mais um gole do que parecia ser whisky. Segurei minhas cartas firmemente, deixando um suspense no ar para que aquele momento não acabasse tão rápido. 

— E a princesinha? — O barbudo perguntou embriagado, abrindo um sorriso em minha direção que mostrava quantos de seus dentes haviam caído. E eram muitos.

Abri um sorriso ganancioso; o barbudo percebeu que talvez houvesse me menosprezado. E, respondendo à sua pergunta com ironia e triunfo, mais para mim mesma que para ele, sussurrei discretamente:

— …Encontrou o rei. 

Abaixei minhas cartas, deixando-as encontrarem-se com as da mesa, e expliquei com um tom vitorioso:

— O seu Flush foi bom, admito. Mas nada que se compare ao meu Royal Straight Flush… Sinto muito. 

O barbudo ficou boquiaberto, assim como todos os outros jogadores.

Tentou dizer algo, mas suas palavras não passavam de balbucios sem sentido, ainda chocado com a minha vitória. Todos começaram a rir de sua cara, e aos poucos sua expressão parva se transformava em ódio e, quando posicionou sua mão na lateral de sua cintura, como se segurasse uma arma, todos ficaram em silêncio.

Ele tinha uma arma?

Quando levantou sua camisa e mostrou o coldre de uma pistola, percebi que a resposta para a minha pergunta era “sim”.

Quase no mesmo instante, antes que pudéssemos ter qualquer reação, uma briga na mesa de Three-Card Monte foi iniciada, com copos de vidro sendo jogados contra a parede e socos sendo dados. Percebendo que a briga havia tirado a atenção do barbudo, o do charuto virou um murro em seu rosto. Mas o barbudo não desistiria tão fácil assim: após recuperar sua pose, ele retirou sua arma do coldre e apontou para nós… E nisso Heath virou a mesa de Poker contra o armado.

As fichas coloridas foram arremessadas no ar, juntamente com os copos cheios de whisky que se partiam no chão. A música alta e agitada, que parecia escocesa, apenas aumentava os ânimos dos homens ali, e de repente todos estavam se atracando, entre murros, xingamentos e copos quebrados. 

Heath segurou minha mão, forçando-me a ficar abaixada e escondida contra a mesa de Poker virada. Quando vimos que o cara do charuto havia voltado a esmurrar o barbudo, agora com o apoio de outros jogadores, corremos abaixados para longe das mesas de azar, às vezes tendo de nos desviarmos dos copos arremessados contra as paredes. 

Ele às vezes se virava para olhar como estava, e eu começava a rir da cena toda junto com ele. Apesar de preocupante, aquele lugar rondava em torno de algo cômico, com toda a música escocesa e as pessoas bêbadas se atracando sem motivos que realmente valessem a pena. 

Fomos correndo até a escada de incêndio, e a subimos até acharmos a porta dos fundos. Ao passarmos por ela, pudemos finalmente respirar ofegantes.

— O que foi isso?! — Perguntei rindo e tentando buscar ar para os meus pulmões.

Havíamos ido parar na rua de trás do estabelecimento, que na verdade nem rua era. Havia uma estrada que passava bem ali, um pouco mais a frente de onde estávamos, e uma vegetação rasteira se encontrava debaixo de nossos pés. Um carro, especificamente um Camaro preto e de uma versão mais antiga, se encontrava parado ao nosso lado — O único carro ali estacionado.

Sentei-me ao seu capô, ainda sem conseguir parar de rir.

— Isso… — Heath começou a falar, aproximando-se de mim e colocando seus braços ao redor do meu corpo, com suas mãos apoiadas no capô, deixando-me encurralada: — …Foi uma noite comum no John’s.

— Você está me dizendo que isso acontece sempre?

— Como você acha que Jim OneEye perdeu um olho?

Fiquei confusa com aquela nova explicação sobre a perda do olho:

— Calma. Ele não tinha fritado o próprio olho?

E Heath, dando de ombros na maior cara-de-pau, alegou com um sorriso sem-vergonha, cerrando seus olhos:

— Existem várias teorias…

Fiz um “O" com a minha boca, não acreditando que havia mentido sobre Jim OneEye. Não estava brava, e sim impressionada com sua desenvoltura para mentir de um jeito tão discreto. Lembrei-me do que pensara no dia em que nos conhecemos na diretoria, quando Kidra, a secretária, não conseguira de maneira alguma se zangar com ele.

— Você, Heath, mente muito. — Comentei, e reparei que estávamos próximos demais.

— E você, Cait, é uma ótima jogadora de Poker.

Rimos com mais uma mentira sua. Estávamos tão próximos que conseguia sentir sua respiração em meu rosto. Nossos narizes quase se tocavam, e rir apenas aumentava aquela proximidade.

— Mas eu tenho certeza que você é melhor em outra modalidade.

Olhei-no confusa:

— Qual modalidade?

— Strip-Poker. Você até treinou outro dia na sua janela. — E então Heath fez uma dancinha como se me imitasse, e eu bati em seu ombro para parar de me irritar: — Sem dúvida você ganharia daquele barbudo nessa modalidade.

— Você acha? Ele parecia ter um certo dom para esse tipo de coisa…

Rimos ao mesmo tempo e, com isso, acabamos chegando ainda mais perto. Os músculos de Heath estavam tencionados contra o capô do carro, sua postura estava descontraída e suas pernas mais afastadas do carro para conseguir deixar seu rosto da altura do meu. Minhas pernas estavam juntas, e meus pés, cruzados. Enquanto eu olhava para cima, seus olhos encontravam os meus olhando para baixo.

Senti uma de suas mãos passarem do capô do carro para a minha cintura, fazendo movimentos de baixo para cima nela, suave e vagarosamente. Nossos olhares, fixos um no outro, pareciam prontos para se cerrarem assim que nossos lábios resolvessem agir. 

Mas antes que isso acontecesse, sussurrei próximo aos seus lábios:

— Sabe… Eu não vou te beijar essa noite.

— Ah, é? — Heath perguntou, parecendo não se importar muito com o que eu disse: — E por que não?

— Quando eu chego perto de você, lembro da primeira vez que nos vimos… Você, com outras duas garotas, e do seu sorriso malicioso… — Comecei, e logo que disse aquilo, Heath me lançou seu melhor sorriso: — Viu? Esse mesmo! 

— E o que tem ele? — Perguntou, achando graça na minha reação, sem se afastar um milímetro de mim.

— Esse é o sorriso que diz que eu não posso confiar no cara. — Respondi, lançando-lhe um olhar de desafio: — E é por isso que eu não vou te beijar essa noite.

Heath então passou seu olhar dos meus olhos para os meus lábios, parecendo ter mais desejo ainda de me beijar depois do que eu falei.

— Tem certeza que não, Cait? — Perguntou provocante, e senti que seria mais difícil de resistir do que pensava: — Nem se eu fizer isso?

Suas mãos foram para a minha nuca, levando as mechas do meu cabelo para o outro lado, deixando meu pescoço livre. Seus lábios se apossaram dele, depositando alguns beijos por sua extensão. Tive de conter um arrepio antes de sussurrar um “hum, hum”, como resposta negativa para sua tentativa de me fazer mudar de idéia.

— Não? — Perguntou também sussurrando, e voltou sua atenção aos meus lábios: — E se eu fizer isso?

Suas pálpebras cerraram, enquanto eu lutava para manter as minhas abertas e não cair em suas tentações. Heath então partiu para os meus lábios, e levei um susto quando vi que ele realmente faria aquilo sem meu consentimento. 

Mas ele não fez: assim como eu, queria me atiçar, me deixar morrendo de desejo, até se tornar irresistível. E para isso, avançou para o canto direito dos meus lábios, dividindo-os com o começo de minha bochecha. Beijava-o com carinho, estimulando arrepios e desejos por partes do meu corpo que mal podia acreditar. Aquela região da minha boca estava extremamente sensível, e quando senti que Heath deu uma leve mordida no meu lábio inferior, mal pude me controlar.

— Heath. — O chamei, atraindo sua atenção para mim e, com a voz mais sacana que conseguia fazer, sussurrei: — Aceite: eu não vou te beijar essa noite.

— Isso, Cait, é o que nós vamos ver. — Sussurrou de volta, com sua voz mais sacana, e, dando passagem para que eu descesse do capô do carro, disse: — Eu te levo para casa.

Desci do capô e ajeitei minha blusa. Heath me acompanhou até a porta do lado do passageiro e a abriu para mim. Minha consciência relutou um pouco com a minha vontade de entrar no carro, mas ao lembrar de tudo que já havia feito em discordância com a minha sanidade naquela noite, resolvi ceder ao meu desejo. Afinal, seria apenas uma carona.

— Preciso voltar para buscar minha carteira… — Heath disse através da janela aberta do carro, após ter fechado a porta comigo já dentro: — Volto em cinco minutos.

— Se você não voltar, devo chamar a polícia?

E, refletindo, respondeu brincando:

— …Talvez uma ambulância.

Ri mais uma vez ao lembrar do que se tinha passado lá dentro, e então Heath sumiu de vista.

Nos primeiros segundos ali, dentro do carro, um sentimento estranho adentrou em minha alma, e mesmo sem me mexer, sentia a inquietude de minha mente gritando algo que não conseguia ouvir. Estar em um ambiente tão dele, tão singular e quase como que reservado, causava algo de turbulento em mim.

O cheiro de seu perfume podia ser sentido embaraçado no couro dos bancos, gritando ainda mais sua presença. Algumas moedas e notas de dinheiro estavam concentradas no porta copos, logo ao lado da marcha; discos de CD’s estavam um pouco mais acima, jogados ao painel do carro. Olhando para trás, encontrei a mochila de Heath aberta, com alguns cadernos caídos, e me perguntei porquê tinha cadernos se nem ao menos frequentava as aulas.

Voltando a olhar para frente, deparei-me com o porta-luvas do carro, e uma curiosidade tremenda invadiu meu corpo. Coloquei minhas mãos nele, prestes a abri-lo, e então, com um clique, pude ver o que resguardava.

Nada.

“Nada?!”, pensei comigo mesma, decepcionada: “Não tem nem mesmo espaço para guardar alguma coisa!”.

Aquele compartimento era falso, como algumas calças jeans que possuem o formato de um bolso, mas, quando você mais precisa guardar algo, percebe que eram apenas de aparência.

Ao mesmo tempo em que me sentia frustrada por não encontrar mais nada que me revelasse um pouquinho mais sobre Heath, também me sentia culpada por bisbilhotar seu carro. Aquilo não era certo, não devia ter aberto o falso porta-luvas. 

Arrependida, fechei-no novamente.

Ou melhor: Tentei fechá-lo.

Logo que empurrei a cobertura do porta-luvas, um barulho como que um estalo foi ouvido, e então um tipo de placa plástica caiu aos meus pés; de repente, descobri: O porta-luvas não era falso, mas sim o seu forro.

Com apreensão, curvei-me para conseguir ver o que havia em seu interior com mais clareza, e levei um susto: a arma que havia visto em seu quarto, estava ali, com seu cano apontado para mim. 

Mal podia acreditar que havia aceitado pegar carona com alguém que tinha uma arma no porta-luvas.

Por garantia e com cuidado, virei o cano do revolver para o outro lado, e recuperei minha coragem para vislumbrar o restante do compartimento: Alguns maços de dinheiro se encontravam mais a frente, e, no fundo do porta-luvas, um pequeno caderno chamou minha atenção.

Enfiei minha mão até o fundo e o trouxe à vista. Olhei através da janela do carro, preocupada em ser vista por Heath mexendo em suas coisas, mas ainda devia resta alguns minutos para que pudesse descobrir o que havia ali dentro. 

Desabotoando a faixa de segurança do caderno, consegui então abri-lo: não havia páginas próprias dele, o caderno servia mais como um fichário, onde bilhetes e anotações escritas às pressas se encontravam ali guardados. 

Não consegui ler as palavras, estava muito agitada para aquilo, e sua caligrafia não ajudava. Percebi que um papel mais duro se encontrava no meio das anotações, e quando cheguei até ele, a surpresa: aquela era uma foto. Mas não era apenas uma foto, aquela era…

Eu.

Enquanto olhava para a minha fotografia no meio do caderno, o perfume tão característico de Heath no carro invadia meu olfato, emanando um sentimento de preocupação com sua volta. Queria ler aquele caderno, entender o que minha foto fazia ali e porque estava tão escondido em seu carro; sabia que se Heath voltasse e me visse com ele em mãos, não me deixaria investigar a fundo, ou traria à tona mentiras e perguntas que confundiriam minha mente.

Assustada com a hipótese de perder aquelas informações, fechei-no bruscamente, e saí do carro com o celular em uma mão e o caderno em outra.

— Hey, Tyler. Sim, sim, eu vi que você ligou. Não, não aconteceu nada. Escute, você ainda está no John’s? Eu preciso da sua ajuda, você pode me encontrar na frente dele? — Perguntava apressada no telefone, correndo para longe do carro de Heath, e, com a confirmação de Tyler, aliviei-me um pouco: — Obrigada!

Saí dos fundos do John’s e logo estava passando pelas fileiras de carros estacionados em frente ao estabelecimento. Após me desviar de um e outro carro que estacionavam ou iam embora, cheguei à porta de entrada e, após alguns segundos, Tyler também apareceu.

— Caitlin! Você apareceu! — Tyler disse contente, me tirando do chão como comemoração, mas logo em seguida me soltando: — Pensei que a Gabriela tinha te matado no banheiro ou algo do tipo… Ou também que…

— Tyler — Entrecortei-no, com medo de que assim que Heath notasse o sumiço do caderno, viesse me procurar: — Eu preciso ir para casa o mais rápido possível, você pode me levar?

— Claro! Eu só preciso falar para o pessoal da sinuca que eu vou sair e… — Tyler parou de falar o que faria antes de me levar para casa ao perceber minha feição preocupada e beirando o desespero. E então mudou de ideia: — Não? Não! Estava perdendo de qualquer jeito… Que se danem. Eu te levo agora, vamos.

Agradeci-o mais uma vez, e então corremos para o seu carro.

Por ter bebido um pouco mais que o recomendado, Tyler não tirou os olhos da estrada por um segundo, e nem mesmo fez suas brincadeiras usuais com medo de causar algum acidente. Eu, por minha vez, também resolvi não abrir a boca: estava curiosa demais com o caderno para falar sobre qualquer outra coisa. 

Ao chegarmos em frente à minha casa, percebi que todas as luzes de seu interior estavam apagadas, o que queria dizer que Joe já havia ido dormir. Peguei minhas chaves do bolso, e procurava a certa quando Tyler me chamou:

— Hei, Cait… — Tyler começou, e quase não conseguia conter meu riso ao olhar para seu estado: — Você estava linda hoje, sabia?

— Obrigada, Tyler. Você também não estava nada mal…

— Se eu não estivesse compromissado com a Gabriela, eu te daria uma chance. Juro. — E, parando de falar um pouco confuso, continuou depois de um tempo: — Você é como uma irmã menor para mim, sabia? Tipo, muito menor. Você é muito baixinha. Cara, por que você não cresce?

— Juro que tentei… — Respondi rindo, e quando finalmente achei a chave correta, sai do carro: — Obrigada pela carona, Tyler. Volte com cuidado para casa, o.k.?

— “Cuidado” é o meu nome do meio, gata. — Respondeu, e logo em seguida caiu em uma gargalhada.

Despedi-me mais uma vez e fui em direção à porta, destrancando-a cautelosa e silenciosamente.

Consegui chegar ao meu quarto sem maiores problemas; meu pai estava dormindo e meu quarto continuava do mesmo jeito que o havia deixado, com as luzes apagadas e as almofadas debaixo do cobertor. Tirei minha roupa e vesti um pijama. Escovei meus dentes, desejando tirar ao máximo que conseguia o cheiro de álcool, e prometi que logo pela manhã tomaria um banho: estava cansada demais para fazer aquilo naquele momento.

Saindo do banheiro, fui até a janela. Heath ainda não tinha chego em sua casa, as luzes de seu quarto estavam apagadas — sorte a minha. Não sabia quando ele descobriria que havia pego o caderno de seu carro, mas tinha certeza de que assim que descobrisse, tentaria o recuperar de minhas mãos.

Joguei-me à cama e, logo após apagar as luzes e acender o abajur, para que assim Joe não desconfiasse de que estava acordada, abri o tão misterioso caderno.

Na primeira página, uma anotação datada havia mais de um ano e meio:

            “Hoje eu a vi. 
            Estava pintando o céu em um quadro, com o olhar sereno e sorriso indecifrável. 
            Mal imaginava que eu estava ali, atento a cada um de seus passos, obcecado em vigiá-la e em entendê-la. 
            Um lobo faminto que observa sua presa ante seu último suspiro.
            Caitlin, Caitlin… Cait. Como pode estar tão despreocupada?"

Ao terminar de ler, mal podia acreditar em meus próprios olhos.

O que Heath quis dizer com aquelas palavras?


Notas Finais


Críticas, elogios ou reclamações serão muito bem aceitos e amados :)


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