História Je vois la vie en rose (Eu vejo a vida em rosa) - Reclusão

Dia 1

Acordei deitada no chão, sem ter certeza de onde estava. Levantei com dificuldade tentando ignorar as dores nos meus ombros. Dei comida à Athena e fiquei olhando ela comer, pacificamente. Eu me sentia vulnerável, então resolvi me distrair. Comecei a limpar a lavanderia. Depois passei para a cozinha, depois a sala e os quartos. Limpava como se quisesse tirar a presença de Nick ali. Quando acabei de limpar, já eram 17h. Fiz um chá e sentei no sofá para ver um filme. Surpreendentemente meu pé não doeu, já que desde que Valerie me fizera cair eu sentia dores constantes quando ficava muito tempo de pé. Coloquei cidades de papel, um dos meus filmes favoritos. Quando terminou, abri a porta para soltar Athena um pouco. Não tirei os pés de casa e esperei por 15 minutos até ela aparecer novamente. Entramos e dei o jantar a ela, mas pulei o meu, pois não estava com fome.

Dia 2

Acordei com meu celular tocando. Era Claire, provavelmente ligando para me avisar que os professores estavam entregando os trabalhos ou algo parecido. Não atendi. Em vez disso, liguem para Owen.

            - Rachel?

            - Oi, Owen, como vai você e sua namorada?

            - Vamos bem. Você tá bem?

            - Não. Nick pediu um tempo e eu não quero um tempo.

            - Ai, Rachel, que droga.

            - Pois é. Enfim, falou com Caleb?

            - Não e não pretendo.

            - Como?

            - Você quer arriscar mesmo que Valerie vá competir no europeu? Ela deve estar treinando que nem uma louca! Você não pode desistir, Rachel. Monte uma coreografia na cabeça e escolha uma música. Daqui a três semanas você volta, então tem todo esse tempo para pensar. Você consegue.

            - Mas só vou ter um mês para treinar!

            - E daí? Você é muito boa Rachel, não deixe seu sonho escapar por medo.

Fiquei um tempo em silêncio.

            - Tem razão. Vou focar nas coisas que importam.

Desliguei o telefone, eu já sabia o que fazer. Liguei meu computador e procurei os horários dos trens para Brighton. Comprei com o pouco dinheiro que me restava, o que me lembrou que eu precisava trabalhar. Aproveitei e vi quem conseguiu o estágio na ONU, mas não era eu, o que não tinha problema. Finalizei a compra, as passagens de trem eram para o dia seguinte às 22h.

            - Athena, comida!

Dei o almoço a ela e não lembrei a última vez que eu comi. Fui até a geladeira e fiz um ovo frito. Comi rapidamente e liguei a TV, estava passando friends. Falei junto aos personagens, já que tinha decorado as falas há muito tempo. Nick odiava quando eu fazia isso, apesar de ele ter decorado algumas também.

Liguei para Claire perguntando sobre a aula e ela me contou que eles tinham feito uma visita à organizações internacionais por Londres. Fariam isso toda a semana, mas eu perdi o dia da inscrição pois fiquei limpando a casa, então não podia ir. Isso me enfureceu.

            - Por que você não veio?

            - Tenho que ir – desliguei.

Não era da conta dela. Meus problemas com Nick e com Valerie iriam causar o clima mais estranho na sala, eu precisava acalmar minha cabeça, por isso pensei em Brighton. Minha casa, minha fonte de inspiração a patinar, o lugar que eu passei anos sonhando em estar aqui. Precisava voltar, fazia sentido.

Coloquei How I Met Your Mother na netflix para mudar e passei a tarde inteira rindo com os personagens.  Adormeci ao som de La vie en rose, pois Tracy canta essa música na última temporada.

Dia 3

            - Henry? – chamei. Abri os olhos mas estava sozinha. Dois olhos azuis como o céu me encaravam.

            - Oi, Athena.

Dei comida à ela e repassei o sonho na minha cabeça. Meu avô estava cantando La vie en rose e, ente os versos, repetia que ia ficar tudo bem. Comecei a chorar, sentia muita falta dele. Peguei meu celular e liguei pra minha mãe.

            - Rachel!

            - Oi, mãe.

            - Tudo bem?

            - Vou para Brighton hoje.

            - Finalmente! Estamos com saudades. Seu pai está no trabalho agora, mas eu aviso ele.

            - Como vai Julie?

            - Todos estão bem, eles foram à Disney no sábado, só voltam ano que vem! Imagine só.

            - Nossa, queria ter ido junto.

            - Você parece triste.

Contei tudo para ela.

            - Preciso ver vocês.

            - Filha, eu sei que você é confusa, mas ele também é!

            - Verdade! Vou falar pra ele, mereço ser escutada.

            - Claro, ele te deu chance não é? Mas você estava ocupada demais fugindo dele.

            - Mãe!

            - Apenas verdades, filha. Vocês dois tem que se resolver e crescer.

Revirei os olhos, mas sabia que era tudo verdade. Liguei para Nick.

            - Rachel.

            - Nick. Só queria falar uma coisa.

            - Onde você está?

            - Onde você acha que estou? Enfim, esse não é o ponto. O ponto é que você disse que me ama e depois pede um tempo! Qual é o seu problema? Acha que pode brincar comigo assim?

            - Não! Não estou brincando com você!

            - Você é igual a todos os outros caras, Nick, vocês adoram fazer esse joguinho imbecil para machucar as garotas. Mas eu não vou ficar me lamentando aqui não.

            - Que jogo Rach? Não é um jogo!

            - É o que todos dizem, Nick. Vou ser feliz, já que você não me deixa.

Desliguei satisfeita com minha mensagem. Passei o dia todo arrumando minhas coisas. Levei todos os meus collants e meus patins. Mesmo não podendo usá-los, gostava de ter eles comigo. Às 19:30 em ponto saí da porta de casa, com duas malas de roupa, um par de patins de gelo e uma Husky Siberiana, que segurava sua própria coleira. Fomos até a estação de trem e embarquei sem olhar para trás.