A Realeza só proíbe, a família vive do bom e do melhor, com fartura nas mesas e os guarda-roupas cheios, enquanto o povo era obrigado a quase morrer de fome para pagar todos os impostos exigidos.
Inclusive, a Inspeção daquele mês estava marcada para hoje. Tal evento mensal consistia na visita da Realeza à cada um dos vilarejos do Reino, checar as colheitas das suas terras, analisar os trabalhadores e punir qualquer um que se tornasse uma exceção à regra deles. Eram dois destinos: açoite até a morte na praça pública ou ficar preso no calabouço do castelo eternamente, dependendo de seu delito.
Jimin tentava agir o mais normalmente possível diante daquela situação, enquanto se arrumava no espelho. Ele estava mais magro por conta do trabalho árduo nas colheitas, sua pele estava em um tom acobreado pelo sol, mas o que mais chamava atenção era seu cabelo. Ruivo, quase como se tivesse sido pintado, mas era realmente natural, ele nascera com as madeixas alaranjadas. Por conta do tom, ele era visto como um "feiticeiro" por outras pessoas do vilarejo.
Seus pais morreram quando ele ainda era uma criança, por isso morava sozinho naquela casa. Se é que aquilo poderia ser chamado de casa, era feita de madeira, só havia um cômodo e tudo que tinha ali era um sofá rasgado, um fogão, um armário empoeirado e um banheiro bem precário. Saiu do lugar e começou a caminhar até a Grande Praça.
Toda semana, enfiava numa mochila suas poucas roupas, um cobertor e outras coisas que ele tinha. Deixava o objeto sobre o sofá e prometia a si mesmo que pegaria aquela mochila e sumiria do Reino para sempre. Como não podia deixar de ser, falou o mesmo naquele dia.
Se pôs no centro da Grande Praça, principal centro do Reino, onde aconteceria também a Inspeção. Jimin não sabia como o rei ainda se sentia no direito de exigir a colheita, já que eles haviam acabado de sair do inverno e ainda havia neve acumulada em alguns locais. Os caminhões viriam pegar as cargas, que deveriam ser do povo, em algumas horas.
Havia um guarda revistando a casa de uma mulher e Jimin o viu pegar o braço dela, arrastando-a para fora sem delicadeza nenhuma. Cerrou os dentes e se controlou para não fazer nada. Se não fosse por esse ato, ele estaria sendo açoitado ou enforcado agora. Engole em seco, voltando a caminhar, logo ficando junto as outras pessoas do vilarejo, assim que a Realeza chegou.
O rei, Chung-Hee, era como um ditador. Era quase irônico, já que o nome dele, em coreano, representava o "mais justo". Ele não aceitava que nada fosse diferente de suas ordens e não media esforços para punir qualquer um que fosse e o seu tapa-olho, que usava para substituir o olho que perdera na guerra há anos, só o deixava mais assustador. A rainha, Chung-Sook, tinha um cabelo loiro exageradamente carregado de spray, fazendo-o ficar em pé. E o vestido era armado, que a fazia parecer um círculo.
Eles eram muito brancos, quase pálidos, mais limpos que a maioria da população do vilarejo. Isso se devia ao fato de ficarem o dia inteiro no castelo, apenas fazendo os outros trabalharem por si. Ele mesmo se declarou rei, já que apenas ele e uma pequena parte população da população da Coréia do Sul sobreviveu a guerra, então, com tudo que sobrou deles, Chung-Hee ergueu o Reino, transformando-o em uma província que passou a responder pelo que eles chamavam de ambas Coréias. Ele se manteve no poder usando o método mais eficaz de controle: o medo.
— Você é interessante... – diz Chung-Hee, bem na frente de Jimin. – Veja o cabelo dele, Sook.
A rainha se aproximou, com as duas mãos levantadas e suas expressões de poucos amigos. Com sua voz estranhamente estridente, ela exclamou:
— Eu quero essa cor!
A rainha fez a menção de tocar em seus cabelos, mas Jimin se afastou na hora. Recebeu um olhar quase mortal, mas não tinha medo de nada que eles pudessem fazer, então continou firme. Pelo menos estava firme, até sentir as mãos dela em seu maxilar e ver seu sorriso cínico.
— Ah, você é Park Jimin...Eu me lembro de você. Me lembro dos seus pais. Como eu poderia me esquecer, não é? Eu que os mandei para a forca.
Foi rápido demais para que pudesse controlar. Em um segundo, tinha as mãos da mulher em seu maxilar, e, no outro, sentiu sua mão arder e viu Sook no chão, segurando sua bochecha, parecendo chocada. Todas as pessoas ali presentes, que não eram poucas, estavam com uma das mãos cobrindo a boca, tamanha surpresa por aquele ato.
Jimin mal podia raciocinar. Ele havia mesmo acabado de bater na rainha?
— Prendam essa aberração! – a voz de Chung-Hee soou mais grossa que nunca. – Por esse e pelos outros crimes!
Rapidamente, dois guardas seguraram os braços de Jimin, enquanto ele se debatia inutilmente. Eles o arrastam para o outro lado da Praça, para o lado onde os calabouços ficavam. Parou de lutar depois de um tempo, percebendo que não tinha muito a perder, não fizera amigos no vilarejo, não tinha família, seria melhor se morresse.
Chegaram ao calabouço, ou pelo menos até a entrada dele, já que a maior parte dele se localizava no subsolo. Era uma porta de madeira maciça, que estava trancada, mas Jimin podia ouvir vozes vindas do lado de dentro.
Quando Jimin menos esperava, os dois guardas o soltaram, se virando para ele. Não pareciam ter armas, nem muito obstinados em prender o ruivo de verdade, até que um deles disse:
— Se conseguir sair daqui em cinco minutos e nunca mais pôr os pés no Reino novamente, deixamos você viver.
O Park olhou para os guardas, perplexo. Não pôde sequer responder, assim que um homem, que usava uma máscara preta que deixava apenas seus olhos expostos, estes que eram negros e ameaçadores, se aproximou. O homem possuía a mochila de Jimin nas mãos, mas não demorou a jogá-la para o ruivo.
Jimin não conseguiu sequer abrir a boca para perguntar nada, apenas virou as costas e correu o mais rápido que podia, tomando o máximo de cuidado possível para não ser visto por algum outro guarda. Contornou o vilarejo, evitando a Grande Praça, já que todas as ruas que não fossem aquela estavam vazias naquele dia. Duvidava que tivesse corrido tanto na vida como corria naquele momento, sua vida dependia daquilo.
O Reino era rodeado por montanhas, o que fez Chung-Hee cercar o lugar com uma grade de metal para que ninguém tentasse entrar ou sair sem permissão, porém o que ele não sabia era que alguns fugitivos do lugar descobriram lugates onde a cerca tinha falhas, onde haviam buracos. Jimin chegou até o primeiro buraco com muito esforço, passando sua mochila pela falha na segurança e logo arrastando seu corpo para fora.
Não podia ficar ali apenas para recuperar o fôlego, então tratou de levantar e analisar o que vinha pela frente. Depois da cerca, uma estrada longa e coberta de neve se estendia até o começo da subida da montanha, provavelmente levaria um dia para atravessar aquela montanha e mais tempo ainda se decidisse contorná-la.
Andou por aquela estrada por um tempo, ignorando que o frio estava maltratando sua pele e passando a focar na passagem. Ao redor da estrada, altos pinheiros formavam uma trilha perigosa até a montanha, mas seria um bom esconderijo para ficar por uma noite.
Parou por um tempo para questionar o motivo daqueles guardas terem deixado ele ir embora tão facilmente. Era quase como se tivessem feito de propósito, como se os guardas "escolhidos" para matá-lo já quisessem que ele fosse embora, não pareciam querer apenas se livrar do trabalho. Além disso, o cara mascarado até pegou a mochila que ele havia arrumado!
Deixou de pensar nas duas teorias, quando foi percebendo tudo ao seu redor, afinal estava livre. Estava certo que ele tinha que sair dali o mais rápido possível, viriam atrás dele assim que descobrissem que estava vivo. O ruivo não podia mais correr esse risco.
Abriu a mochila que carregava, a fim de verificar se nada foi tirado dela pelos guardas. Uma corda, duas maçãs, uma faca bem afiada e um cobertor grosso, isso era tudo que havia ali. A faca e as frutas não estavam ali antes, o que plantou mais dúvidas na cabeça do ruivo.
Fechou a mochila imediatamente quando ouviu um farfalhar no arbusto ao seu lado direito da estrada. Estava ficando paranóico ou as folhas estavam se mexendo de um jeito esquisito demais para um dia sem ventania como aquele? Estava ficando escuro, mas o ruivo tinha certeza que tinha alguém escondido no arbusto.
— Quem está aí? – gritou, desatando a tentar olhar atrás da planta. Tirou a faca da mochila, apontando para quem é que estivesse ali – Saía daí agora mesmo!
Então, a figura desconhecida sai. Os olhos negros e assutados da criança é a primeira coisa que chama atenção em Jimin. Sua pele tinha um tom moreno bem bonito, mas que estava um pouco mais clara por conta do frio, seus cabelos castanhos estavam um pouco molhados por causa da tempestade de neve mais cedo. Ele ficava muito fofo usando um casaco muito maior que seu próprio corpo e usando as luvas, que quase escorregavam de suas mãos. Devia ter uns treze, talvez quatorze anos.
— Quem é você? – Jimin repete a pergunta, mais calmo por se tratar apenas de um garotinho, logo abaixando a faca.
— Kim Taehyung – ele responde, sua voz baixa e medrosa – E você?
— Park Jimin. – diz, sem desviar o olhar do rosto dele. – Por que estava escondido? O que pretendia?
— Eu queria ver se você era confiável. – encolheu os ombros, olhando para baixo. – Queria ter certeza de que não era mau como os outros.
— O que te faz pensar que eu não sou mau? – perguntou, cruzando os braços. Não que fosse fazer alguma coisa de ruim com aquele pobre menino, nem ousaria, mas ele não podia auxiliar um desconhecido. Não podia, certo? – Por que acha que vou te ajudar em algo?
— Porque você está conversando comigo, está me dando uma chance de falar. As pessoas más geralmente não fazem isso.
Jimin suspirou. Parecia que as "pessoas más" já haviam cruzado com esse garoto, podia dizer isso apenas pela sua tristeza em dizer aquela frase. Era meio injusto que um menino tão pequeno já tenha passado por alguma coisa ruim, mas não era como se o ruivo quisesse falar sobre isso com ele, precisava poupar seu tempo ali fora.
— Tudo bem. Pode ir, eu vou seguir meu caminho.
— Espera! – ele segurou em seu braço, o impedindo de andar. - Para onde você está indo?
— Não faço ideia. – responde com sinceridade, recomeçando a andar.
— Seja lá onde isso for, posso ir com você?
Jimin franziu a testa. Era quase incrível que ele quisesse ir para algum lugar desconhecido, com uma pessoa desconhecida (ainda mais quando essa pessoa desconhecida o ameaçou à minutos atrás). Será que ele não sabia o quanto era perigoso?
— Não. – falou, simplista. – Sua mãe deve estar preocupada, garoto. Volta para a sua família.
— Mas eu não tenho família. – falou, arregalando os olhos como se fosse um ultraje afirmar que ele tinha um lugar para ir.
— De onde você veio, então?
— Eu trabalhava no castelo. Não tinha um trabalho muito pesado porque...Bem, porque eu tenho diabetes, mesmo que eu não entenda direito o que é isso, então costumava cuidar do jardim. Na semana passada, eu tive uma das minhas crises e a rainha decidiu que eu estava causando prejuízo demais, já que eu tinha que aplicar minhas injeções todos os dias. Eu ouvi a Sook falando em me matar, então eu fugi. – deu uma pausa, mostrando a bolsa que carregava com cuidado nos braços. – Antes de sair, passei no laboratório e peguei todo o estoque de que eu precisava para seguir a minha viagem.
Jimin sabia pouco sobre diabetes, apenas tomou conhecimento da doença porque sua vizinha a possuía. Algumas vezes, as mãos dela tremiam, ela ficava pálida e até desmaiava por conta de algo chamado de crise de hipoglicemia. Não tinha certeza de como tratar aquilo ou o que faria se Taehyung tivesse uma crise daquelas, lhe dando mais um motivo para não levar o garoto consigo.
— Sua viagem? Para onde planejava ir? – questionou.
— Eu queria encontrar os Rebeldes.
— O Rebeldes? O que iria fazer no território deles?
Oh, sobre isso Jimin sabia. Desde pequeno, ouviu coisas horríveis sobre os Rebeldes. Diziam que eles eram selvagens, que torturavam os que tinham ideias diferentes das suas, não respeitavam ninguém além de seu comandante, que provavelmente deveria ser o cara mais forte do grupo. Foi ensinado a ter medo deles desde que nasceu, por que agora se jogaria no território deles?
— Ouvi que eles aceitam pessoas lá, todos que não se encaixam no Reino.
— Eu vou me arrepender muito disso, mas, tudo bem. Vamos procurar um lugar para dormir hoje e partiremos amanhã. – Jimin suspirou, quando viu o sorriso do menor crescer em seu rosto. – Não faço ideia de onde isso fica, mas disseram que é depois daquela montanha, então, assim que chegarmos lá, vamos seguir caminhos diferentes, ok?
Taehyung assentiu, um pouco menos animado. O ruivo tinha que admitir era melhor ter ele ali do que seguir aquela viagem sozinho.
(X)
Jimin achou uma caverna no meio da subida da montanha, que ainda não tinha sido soterrada pela neve, logo resolvendo que eles passariam a noite ali. Tentou ir até o final da caverna, para que ficassem mais aquecidos, porém estava escuro demais lá e Tae estava com medo, acabando por segurar sua mão. O mais velho achou fofo, não poderia negar.
Eles estavam perto da boca da caverna, quase literalmente tremendo de frio. Jimin só carregava o próprio casaco que vestia e um cobertor grosso de camurça na mochila, mas, em comparação a Tae, que só usava uma jaqueta bem fina e levemente rasgada no meio, estava bem melhor. Teve que guardar suas injeções na mochila do ruivo, para que pudessem ter as mãos livres e carregar o mínimo possível.
— S-Sabe, eu ouvi em algum lugar que...Se você abraça uma pessoa durante o frio, o calor dos dois corpos acaba aquecendo ambos – falou, esfregando os braços. Seu lábio inferior tremia e os dentes batiam quando tentava falar. Não era bom que ficassem assim, talvez pegassem hipotermia. – Não sei se funciona de verdade, então, só dizendo, a gente podia...
— Vem logo, garoto. – chamou e o pequeno foi na hora, se ajeitando entre as pernas dele. Jimin o abraçou, colocando o cobertor sobre eles, enquanto Tae se agarrava nele como um ursinho, ficando bem mais aquecido. Tinha certeza que ele tinha sussurrado um "Boa noite" antes de fechar os olhinhos. – Você precisa descansar. Eu fico olhando.
Ali, tendo o garotinho em seus braços, prometeu a si mesmo que faria de tudo para protegê-lo, pelo menos até chegarem ao destino final. Mesmo que isso fosse a coisa mais idiota que já havia feito, mesmo que não o conhecesse direito, que eles tivessem se encontrado em um péssimo momento, sabia exatamente como era crescer sem ninguém e não ia deixar aquilo acontecer com Taehyung.
No entanto, não gostava nem um pouquinho da ideia de ir até os Rebeldes e ainda menos de pensar que veria de perto o comandante deles.
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