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História Jimmy Stuart e o Livro dos Anos - Primeiro dia de aula


Escrita por: LBSantana

Notas do Autor


Pessoas importantes aparecem neste capítulo. Boa leitura! :)

Capítulo 2 - Primeiro dia de aula


O despertador tocava, incessantemente, não me lembro de ter programado, deve ter sido a Sra. Carmem. Aos poucos, fui abrindo os olhos, a luz entrava pela porta de vidro e iluminava, timidamente, o quarto. Estiquei o braço e desliguei o despertador, que marcava sete em ponto. No internato, eu costumava acordar meia hora depois, talvez por isso, os meus braços e pernas estavam tão pesados, querendo me trair. Levantei, vagarosamente, até sentar na cama, Michael ainda dormia, profundamente, como quem trabalha duramente a madrugada. 

Fiquei de pé, deixando que a minha visão ficasse lúcida o bastante para que eu pudesse me mexer, e comecei a dar os primeiros passos rumo à varanda. O céu estava meio acinzentado, com algumas nuvens que o escondiam, o sol tentava chegar à Terra por qualquer fresta. As pessoas já começavam a sair das casas e a retomar os seus típicos afazeres de segunda-feira. Espreguicei-me, entrelaçando os dedos e esticando os braços para cima, bocejando logo em seguida. Um menino, que passava na rua, ficou parado, me olhando com uma cara meio esquisita, presumi que minha expressão estava assustadora, o que me fez voltar para dentro. 

- Meninos?! Vocês já acordaram? – interrogou uma voz, do outro lado da porta.

Michael abriu a porta, era Melanie, já com roupas normais, aos seus pés, alguns gatos que miavam felizes, pareciam querer nos dar bom dia.

- Bom dia, rapazes - começou ela – desculpe ter batido na porta. Não quero que cheguemos atrasados na escola, pois quero apresentar uma pessoa importante.

- Oh, tudo bem. Bom dia. – respondi. Melanie saiu logo em seguida.

- Quem você acha que é? – me perguntou Michael.

- Não faço a mínima ideia, - respondi – mas espero que não seja nenhum professor.

Não que eu tivesse algo contra professores, todavia, preferia não ficar muito próximo deles, porque acreditava que, desta forma, eles não me fariam perguntas em sala - baseados na suposição que eu era um CDF. Porque, por algum motivo que eu não sei explicar muito bem, todo aluno que um professor consegue ficar amigo, é, automaticamente, considerado um CDF. Talvez seja, somente, paranoia da minha cabeça, ainda assim, preferia não tirar a prova. 

Pegamos nossas toalhas e escovas e saímos pelo corredor, não tinha quase nenhum gato, creio que a Sra. Carmem estava colocando a ração deles. Chegamos quase no fim do corredor, e parei, automaticamente.

- Onde é o banheiro? – perguntei espantado.

Michael, de forma bastante natural, continuou até o fim do corredor e entrou na última porta, com um sorriso malicioso na cara. Com certeza, perdi essa parte da aula de “anatomia” da casa. Resolvi descer, para beber um copo d’água, estava somente de pijama, porém confiei na minha toalha como escudo, em caso de possíveis olhares. Desci as escadas e atravessei a sala, que também possuía poucos gatos. Ao chegar à cozinha, minhas suspeitas foram confirmadas - a Sra. Carmem colocava ração para os gatos. Quando a percebi, segurei a toalha sobre o meu peito, deixando que escorregasse sobre o meu corpo.

- Bom dia. – falei. Ela me olhou por alguns instantes, com uma reação meio espantada.

- Bom dia, Jimmy. Michael já acordou? 

- Já, ele está tomando banho, eu vou fazer o mesmo, logo que ele sair.

- Ok!

A Sra. Carmem vestia outro vestidinho, dessa vez, era verde, estampado com pequenas flores cor-de-rosa; nos pés, uma sapatilha creme, que lembrava bastante o formato do que ela usara ontem. Fui até a geladeira, quase cai com os gatos que se amontoavam pelo piso. No armário ao lado, estavam alguns copos, cada um de uma cor e com um desenho particular, peguei um amarelo que tinha algumas estrelas desenhadas.  Abri a geladeira, que estava bem preparada com mantimentos e peguei um litro de água, após beber, me dirigi em direção à pia. Foi quando um gato passou correndo pelos meus pés, me impedindo de dar um passo. O meu corpo continuou com o impulso que eu lhe dera, de modo que eu caí no chão, fazendo o copo voar e se quebrar em cima da pia.

- Oh. – deixei escapar uma exclamação com o susto. Os gatos passavam por cima de mim, correndo, apavorados com o meu tombo.

- D- desculpa Sra. Carmem, eu n-não tive a intenção... – falei rápido, me colocando de pé, comecei a sentir a vergonha possuir o meu corpo. Felizmente, segurei firme a toalha, embora não saiba o quanto me expus durante a queda.

- Não foi nada, querido. Isso acontece.  – me interrompeu, antes que eu continuasse com as desculpas.

Tentei começar a juntar os cacos, mas ela insistiu para que eu não me preocupasse. Depois de pedir desculpas, mais uma vez, sai da cozinha apressado, nem percebi se os gatos atravessavam o meu caminho, subi as escadas e entrei no banheiro, no exato momento, em que Michael saía. Ele me olhou confuso quando eu passei por ele, esbarrando em seu ombro. Fechei a porta, antes que ele falasse algo. Fechei os olhos e passei as mãos nas minhas orelhas. O meu dia não tinha começado nada bem e muita coisa ainda ia acontecer. Levantei a cabeça e olhei para o espelho na minha frente...

- UAU - o meu cabelo parecia que tinha passado a noite lutando contra os gatos. Comecei a acreditar que esse era o motivo do espanto do garoto na rua e da Sra. Carmem na cozinha.

Tirei a roupa e entrei no boxe, com portas fumês, abri o chuveiro e deixei que a água escorresse pelo meu rosto, estava morna. Vesti, novamente, o meu pijama, ao terminar e saí pelo corredor, apressado para chegar ao quarto. Michael já se vestia, colocava uma calça comprida preta e uma blusa azul. Caminhei até a cama e me joguei nela. Michael me olhou, novamente confuso. Levantei-me e comecei a me trocar.

- Você não sabe o que aconteceu! – comecei a falar para impedi-lo de descer, não queria chegar à cozinha sozinho e ter que olhar para a cara da Sra. Carmem, eu morreria de vergonha.

- O quê? – Michael me perguntou, já demonstrando preocupação. 

Eu já tinha vestido uma calça jeans e começava a colocar uma camisa branca de malha.

- Eu quebrei um copo, na frente da Sra. Carmem. – vesti a blusa e amarrei um cachecol vermelho no pescoço (Eu era vaidoso).

- Como isso aconteceu, Jimmy? – um sorriso já aparecia em seu rosto.

- Eu tropecei, num gato! – peguei a minha mochila e coloquei nas costas. Caminhei até o espelho que ficava em cima da mesinha branca e arrumei o meu cabelo, tentando domar seus fios castanho-escuros para o lado.

- Você tem que tomar mais cuidado, cabeça oca. – Michael bateu, levemente, em minha cabeça, enquanto saíamos do quarto. Como eu o odiava quando fazia isso, eu ficava tentando colocar o meu cabelo no lugar, novamente.

Descemos as escadas e atravessamos a sala, que já estava repleta de gatos espreguiçando-se e lambendo as suas patas. Passamos pela cozinha, dei um bom-dia, com a cabeça meio baixa. Fui até a porta que dava passagem ao quintal, olhar se o céu ainda ameaçava chover e observei algo verde e protuberante à poucos centímetros dali. Resolvi ir até lá. Um sapo, incrivelmente, grande repousava, seus olhos cerrados olhavam para mim. Olhei por pouco tempo e dei meia volta. Logo após alguns passos, algo tão leve, como um assobio, chegou aos meus ouvidos:

- Lobo. – isso me fez congelar, automaticamente. Olhei para trás e a única coisa que vi, foi o sapo me expiando. Voltei a passos largos.

 Ao entrar na cozinha, Melanie e Michael já tomavam café. Na mesa, estavam uns bolinhos de creme e alguns pães, sentei e comecei a comer junto com todos. Enquanto comíamos, ninguém pronunciou uma palavra. Fiquei com a cabeça um pouco baixa, pois a Sra. Carmem sentara na minha frente.

- Você não precisa ficar envergonhado com o que aconteceu. – disse-me ela. – eu já falei que está tudo bem.

Michael prendeu um sorriso e quase deixara o café escapar pela sua boca. - o que me fez sentir começar a esquentar, envergonhado. Novamente, abaixei a cabeça e olhei para minha xícara.

- O que você viu no quintal, Jimmy? – a Sra. Carmem partia, levemente, um pão, com um sorriso tímido, com o olhar preso no que fazia.

- Ah... eu... bem... - todos me olharam, esperando a minha resposta. Não pensei em outra saída, meu cérebro parecia estar, totalmente, desconexo – eu tive a impressão, de que um sapo falara ‘lobo’, para mim. Talvez eu ainda esteja sonolento. – falei tão rápido, que as palavras quase se atropelaram na minha boca.

Michael apenas olhou me reprovando e continuou a dar atenção aos bolinhos. Entretanto a Sra. Carmem e Melanie olharam-se, meio espantadas, por algum momento. Eu, com certeza, deveria fechar mais a boca - agora elas devem estar achando que eu tenho delírios.  

- Impressionante. – falou a Sra. Carmem, deixando o ar escapar dos pulmões, com um tom meio sombrio.

- O que é impressionante? O que vai... – Melanie perguntou, rapidamente, a sua voz estava um pouco alterada, porém, a Sra. Carmem a interrompeu, antes que ela continuasse.

- IMPRESSIONANTE, como os sapos parecem falar! – ela falou, olhando, severamente, para Melanie, fazendo a menina recostar-se em sua cadeira, sem esperanças de obter a resposta que queria.

- É melhor vocês irem à escola. – a Sra. Carmem olhava para mim e sorria, maldosamente.

Levantamos e saímos pela porta dos fundos. Melanie aparentava estar bastante frustrada com o que aconteceu. Michael apenas me dera três pequenos tapas na cabeça, como se eu estivesse pirando. Mas eu, realmente, fiquei intrigado com a forma como a Sra. Carmem e Melanie reagiram. Talvez, essa esquisitice fosse de família, sorri, internamente. Demos a volta na casa e atravessamos algumas ruas, até chegarmos ao colégio, que ficava atrás da igreja, como Melanie dissera. 

A escola não era muito espaçosa, não tanto quanto o internato. Tinha dois andares, havia colunas amareladas, que saiam do chão e subiam até o forro do teto. O segundo andar tinha aberturas retangulares enormes, que permitiam que as pessoas olhassem boa parte do vilarejo; na fachada estava escrito, com letras brancas: “Riverplace School” (bem típico para um vilarejo). 

Subimos as escadas e entramos pela porta de madeira amarelada, bem grande, que tinha alguns desenhos em alto relevo. Parecia ser arte sacra, pois eu identifiquei uma imagem superior, provavelmente, uma deidade, que espantava e amaldiçoava outras criaturas, com algo que lembrava uma espada, creio que eram demônios. Depois disso, fiquei imaginando como seria a porta da igreja! Logo na entrada do colégio, havia uma pequena área arredondada no piso, com o nome Riverplace, escrito bem grande.

- Ali, do lado direito, fica a diretoria - mostrou Melanie, apontando com seu indicador. – e deste lado, ficam os banheiros. – apontando, desta vez, para a sua esquerda.

- Em cima, ficam a biblioteca e a lanchonete, junto às outras salas - continuou ela.

- E logo em frente, ficam as salas de aula. – falou um menino, um pouco mais alto que Melanie, o qual abraçou e beijou-a. Ele tinha um cabelo castanho-claro, olhos pretos, não tinha um corpo atlético, mas não era nem magro ou gordo, usava uma jaqueta verde sem muitas estampas.

- Rapazes, esse é Adam, - anunciou Melanie. – meu namorado. - Bom, agora não tenho com quem conversar entre uma aula e outra. - E esses, são Michael e Jimmy, meus primos, que vieram de Londres para morar em Riverplace. – apontando para nós.

- Tudo bem, rapazes? – Adam estendeu a mão para Michael. 

- Muito prazer! – respondeu Michael, apertando a mão de Adam. Eu segui o seu exemplo, com o mesmo gesto.

- Vamos para a sala? – sugeriu Melanie.

Entramos em um corredor comprido, com muitas portas abertas. Nas salas, somente alguns alunos. Melanie e Adam nos guiaram à uma das primeiras salas, onde lia-se na porta: Diretora Elena Jackson. A sala era aconchegante, cheio de quadros com lindas paisagens e flores. Por trás de uma mesa de mogno, uma mulher, que aparentava uns quarenta anos, bem saudáveis, escrevia em alguns papéis. 

- Ah, com licença professora, - a voz de Melanie interrompeu seus afazeres. Ela ergueu um rosto rosado, onde se deitavam olhos castanhos sob um cabelo negro, amarrado em um coque. – estes são James e Michael Stuart, os alunos novos!

- Ah, sim, - ela entoou simpática. – seus horários estão no canto à direita da mesa, podem apanhar e tenham um bom dia! – a diretora deu um sorrisinho alegre e recomeçou seu trabalho.

Seguimos suas instruções e retornamos para o corredor, apinhado de gente.

- São poucos alunos? – perguntei, enquanto caminhávamos.

- Na verdade, os alunos são todos do vilarejo! – desta vez, foi Adam quem respondeu, ele parecia estar tentando se socializar conosco. Seria bom ter mais amigos.

- Esta, é a sua primeira sala, Michael. – Melanie apontou para a primeira sala que havia, logo depois de dobrarmos na única curva, que ficava à direita.

- Não se esqueça de me procurar no intervalo. – Michael me lembrou, antes de entrar na sala.

- Não se preocupe. – respondi.

Continuamos até o fim do corredor (já estava tornando-se comum eu percorrer corredores por completo) e, na última porta, Melanie e Adam entraram e sentaram-se na terceira cadeira, lado a lado. Infelizmente, não havia mais cadeiras vazias ao lado deles.

- Sente-se aqui, Jimmy – Adam mostrava uma cadeira vazia, atrás de Melanie.

- Obrigado. – coloquei a minha bolsa em cima da mesa e me sentei na cadeira.

Só agora, eu olhava como era a sala, o quadro verde estava em ótimo estado, em cima dele, havia uma tela enrolada, possivelmente, para apresentações em data show. As mesas não eram nada velhas, como eu imaginei que seriam, eram cerca de vinte, as janelas ficavam ao fundo e, por elas, era possível ver algumas pequenas montanhas e parte da floresta. 

Foi quando o vi, um garoto alto, com cabelo negro, meio espetado, tinha um corpo atlético. Seus olhos, negros e grandes, ficavam, visualmente, perfeitos com a sua sobrancelha de tamanho mediano. Ele era um pouco bronzeado, o que fugia à regra naquele local, porém ficava muito bonito em seu corpo. Seu rosto, embora fosse, realmente, bonito, me passava uma sensação alarmante, como, se no fundo, eu soubesse que ele é do tipo de pessoa com o qual você não quer estar perto, mas sem razão alguma. Sombrio – essa era a palavra certa para descrevê-lo.  

Ele parou na porta e olhou por alguns instantes a sala, procurando algum lugar para se sentar, até que seus olhos se encontraram com os meus. Por um segundo, ficamos parados, olhando um para o outro - minhas orelhas começaram a esquentar, o que nunca acontecera antes, acompanhadas por todo o meu corpo. Eu quis olhar para outro lugar, todavia, eu parecia estar preso na escuridão dos seus olhos. Ele começou a andar na minha direção, com os olhos fixos em mim. Virei a cara e fiquei olhando para a minha cadeira. O meu coração parecia que ia explodir dentro do meu peito. Fiquei imaginando o que ele falaria quando chegasse perto de mim: “O que você estava olhando em mim” imaginei, o meu coração parecia um tambor, que aumentava o ritmo, ininterruptamente. E depois? O que ele faria? 

- Bom dia! – eu quase decolei da cadeira, ele tinha se sentado na cadeira ao meu lado, atrás de Adam e me olhava com um sorriso que revelava seus dentes tão brancos, que chegavam a fazer inveja.

- Bom dia! – as palavras pareciam que iam ficar engasgadas em minha garganta, as minhas orelhas, com certeza, estavam vermelhas.

- Meu nome é Kevin Brown. – ele estendeu a mão na minha direção.

- Eu me chamo James Stuart – a minha mão estava meio trêmula e suada, no entanto, quando eu apertei sua mão, a minha parecia ter relaxado na sua, era, especialmente, quente.

- Você é novo aqui? – ele perguntou, levantando uma das sobrancelhas. Eu ficava fascinado como seus olhos eram de um negro profundo e como brilhavam.

- Eu sou de Londres, - comecei – vim morar na casa da minha avó, junto com meu irmão. Você não é daqui, não é?

- Percebeu pelo bronzeado, não foi? – sorriu novamente. – na verdade, eu sou do Brasil, mas vim morar aqui com a minha família, há algumas semanas. Seus pais estão viajando?

- Na verdade, eles morreram, há duas semanas. – falei, novamente, olhando para a mesa, fiquei um pouco triste quando lembrei o que aconteceu.

- Eu sinto muito! – ele falou.

- Tudo bem. – respondi. Seguiu-se um breve momento de silêncio. Pude sentir seus olhos em mim, analisando-me. Comecei a sentir o meu corpo ganhando vida novamente, um calor que subia dos meus pés até à cabeça.

- Como suas orelhas ficam vermelhas assim, tão rapidamente? – ele perguntou, depois soltou um sorriso no canto da boca.

- É... eu...

- Bom dia, turma. Quero todos em seus lugares, para poder dar início à nossa aula. – um homem alto, com uma barriga saliente entrou na sala, a calvície já tinha tomado conta de sua cabeça, quase por completa, vestia uma bata branca por cima. O professor me salvou. Respirei, aliviado. 

Os alunos se acomodaram em seus lugares e deram atenção ao professor. Fiquei olhando para aquele homenzinho de branco, não queria olhar para o rosto de Kevin, iria me sentir obrigado a responder a sua pergunta. O professor analisou, rapidamente, a sala, com as mãos entrelaçadas atrás das costas, até que seus olhos pousaram em mim.

- Você deve ser o aluno novo?! – não sei se prestava mais atenção ao fato dele ter pronunciado o meu nome ou aos espaços vazios em sua arcada dentária.

- Jimmy, é com você. – Melanie me chamou, tentando entender, em que planeta eu estava.

- Por favor, venha até aqui, na frente e apresente-se para a turma. – o professor falou com a sua voz grossa, olhando, fixamente, para mim.

Eu me levantei lentamente, o meu corpo tremia um pouco, - como o odiei nesse momento. Caminhei a passos curtos, até o piso que ficava à frente das mesas e virei para os alunos, devia estar parecendo um zumbi. Espontaneamente, meus olhos foram parar em Kevin, que me olhava, aguardando a minha apresentação. Depois que o vi, minhas pernas pareciam querer sair correndo do meu corpo, de tanto tremerem. Pensando bem, não seria uma má ideia sair correndo pela porta, mas, infelizmente, este era o único colégio no vilarejo.

- M.. meu nome é James Stuart - pensava que não conseguiria falar.

- De onde você veio e em que escola você estudava? – alguns alunos começaram a rir baixinho, lá atrás. Kevin fazia uma cara de pena. Minha vontade era de matar o professor, ali mesmo, na frente de todos.

- Eu estudava no colégio interno, São Bartolomeu, em Londres.

- Bem, James, eu sou o professor Arnold, de Química - ele me estirou a sua mão enorme, cheia de cabelos. Eu a apertei e saí, velozmente, para a cadeira.  Depois de tudo isso, ficaria, ainda, mais difícil estudar Química, uma vez que eu não era muito fã.

Apesar das primeiras impressões, Arnold não era chato, ele sempre contava algo de engraçado, entre uma explicação ou outra, fazendo todos rirem. Ele mesmo explicou, que 50 minutos de pura Química eram exaustivos, por isso, sempre fazia distrações, o que servia para manter a atenção da sala nele. Acho que, este ano, conseguiria aprender Química, sem detestá-la tanto!

Durante toda a aula, eu não tive coragem de virar o rosto na direção de Kevin, quando a campainha tocou e o professor saiu, reuni meus pertences, nervoso, e acompanhei Melanie e Adam.

- E aí, como vocês se conheceram? – eles me olharam, meio espantados com a minha pergunta repentina.

- Riverplace não é, exatamente, um lugar muito grande. Nós sempre estudamos nas mesmas classes, até que, um dia, nós começamos a sair juntos. – Adam falou e, logo em seguida, deu um beijo em Melanie.

Eu fiquei parado, observando a cena, sem ter coragem de desviar o olhar. Logo após se beijaram, eu dei continuidade ao meu questionário. Sentindo uma ânsia no estômago.

- E vocês já estão juntos há quanto tempo? – tentei demonstrar interesse com a voz, mas não saiu como eu queria.

- Há mais de um ano. – desta vez, foi Melanie quem respondeu, depois recomeçaram a seção de beijos.

Entramos numa sala, não muito distante da anterior, que possuía microscópios, em mesas de dois. Melanie e Adam, é claro, sentaram-se juntos, e eu fiquei com um garoto loiro, que não parava de conversar com um grupo ao seu lado. Kevin sentou-se atrás de mim, senti seu olhar queimando na minha nuca. Descobri que ele estaria em todas as minhas salas, devido à quantidade ínfima de alunos.

- Bom dia, classe! – falou uma voz, um pouco aguda, que saia de uma mulher de baixa estatura, magra, que entrou segurando uma garrafinha de água. Era negra e usava os cabelos presos num rabo de cavalo. Usava o mesmo modelo de bata que o professor anterior usara, junto com uma sandália preta plataforma, bem alta.

Ela me observou e caminhou na minha direção.

- Eu sou a professora Irena, de Biologia. – Falou, enquanto apertava uma das minhas mãos. Provavelmente, não queria me fazer passar pelo constrangimento de me apresentar para a sala, novamente. – E você é?

- James Stuart, do internato, São Bartolomeu, em Londres. – me antecipei.

Ela deu um sorriso discreto e retornou para perto do quadro. Eu adorava Biologia, era a minha matéria preferida. A professora Irena, apesar de baixa, não se deixou intimidar pelos alunos, possuía o domínio completo da sala. A sua aula era boa, respondi à uma pergunta que ela fizera à turma e, como ninguém respondeu, resolvi me arriscar, o que me garantiu um: “Muito bem”, da professora. Talvez, por estar um pouco adiantado no internato. A aula prosseguiu calma, analisamos as organelas celulares pela lupa e, quando faltavam doze minutos para acabar o horário e iniciar outra aula, a professora Irena sugeriu algo.

- Quero que cada um pegue uma folha e faça um caça-palavras, bem grande, com vinte palavras que estejam relacionadas à citologia, - ela falava, enquanto percorria os espaços entre as cadeiras. – não se esqueçam de colocar sugestões e dicas sobre as palavras que vocês esconderam, em cima da folha, e o seu nome, em baixo. Dentro de cinco minutos, eu irei receber.

Peguei uma folha em minha mochila, fiz um grande quadrado nela e comecei a escrever as palavras que me lembravam citologia. Tentei fazer, com que o meu caça-palavras ficasse bem difícil. Colocava palavras de cabeça para baixo e invertido, em todas as direções, se cruzando bastante - acho que ficou bem difícil. Há exatos cinco minutos após anunciar a tarefa, a professora Irena começou a passar pelas cadeiras, recolhendo as folhas. Escrevi meu nome na folha e a entreguei.

- Agora eu vou entregar a cada um, o caça-palavras de um outro colega, - anunciou, com as mãos repletas de papéis. – procurem as palavras e não se esqueçam de colocar o seu nome na folha. Dentro de cinco minutos eu, novamente, recolherei.

Recebi uma folha, assinada por Marry Fernandes e, ainda que tivesse letras pequenas, consegui encontrar todas as palavras, bem rápido. Logo depois, assinei meu nome e esperei a professora recolher. A professora Irena recolheu e entregou cada folha aos seus respectivos donos, instruindo para que, cada pessoa, fizesse uma correção do trabalho que o colega fizera. 

Quando recebi minha folha, reuni forças para não olhar para o rosto de Kevin. O seu nome estava escrito em baixo da folha, a sua letra era bonita, bem legível, puxadas para a direita. Comecei a analisar as palavras, ele tinha encontrado todas, o que me deixou, um tanto, frustrado. No canto do quadro, sublinhado com uma caneta vermelha, para destacar, estava circulado o meu nome. Olhei fixamente, não tive dúvidas que era a minha letra dentro do círculo. Não entendi, como eu escrevi meu nome no caça-palavras sem percebê-lo. 

A campainha bateu, fiquei olhando o nome de Kevin por um instante, comecei a me sentir angustiado novamente, então me virei para a direita e encurvei-me. Comecei a desamarrar o cadarço de um tênis, refazendo o laço, em seguida, resolvi repetir a mesma operação no outro par do sapato. O casal de namorados, já estava me aguardando na porta, Kevin parecia não querer insistir, pois já saíra. Caminhamos até à próxima sala, durante o percurso, alguém empurrou, de leve minha cabeça, virei para trás, escandalizado, acreditando ser Kevin, no entanto, apenas vi Michael distanciar-se, com um sorriso malévolo.

- Bom dia. – eu quase não tinha ouvido. Era um professor, com orelhas enormes, com uma cara fechada, o seu cabelo fazia pequenos redemoinhos acinzentados. Ele não era muito atlético, possuía uma barriga grande.

- Bom dia. – poucos alunos, incluindo eu, responderam. Pelo visto, ele não tinha uma boa aceitação dos alunos, talvez pela posição meio defensiva que ele passava.

O Professor começou a escrever no quadro o assunto que daria na aula de hoje, para que os alunos fossem anotando em seus cadernos. Ele, simplesmente, não notou a minha presença na sala. Por um lado, achei bom, ele, possivelmente, pediria para eu passar outra seção de vergonha. Quando ele terminou de escrever, virou-se e esperou, brevemente, que os outros alunos terminassem de escrever e, finalmente, acabou me percebendo. Primeiro, me olhou com um olhar severo, o que me fez voltar a copiar, rapidamente, depois falou:

- Você é novo aqui?

- Sim, meu nome é James Stuart...

- Eu sou o professor Newman, de geopolítica. – ele falou e, logo em seguida, começou a explicar sobre a Segunda Guerra Mundial.  

Tenho que confessar que, embora de poucos amigos, o professor Newman explica, incrivelmente, bem. Ainda assim, alguns alunos fazem questão de conversar durante a sua aula (muita coragem da parte deles), o que faz com que a diretoria receba visitas constantes. 

No meio da aula, resolvi fazer uma pergunta que maltratava minha consciência. Ao fazê-la, o professor Newman olhou para o lado, com um ar de repugnância e começou a me explicar. Ele olhava, profundamente, nos meus olhos, me impedindo de desviar a atenção. Seu tom de voz era alto, como se tentasse fazer com que o conhecimento passasse por transporte ativo para minha cabeça. Senti-me, como se estivesse levando uma bronca. Quando ele terminava de explicar, continuava olhando em meus olhos e, logo em seguida, recomeçava. Pensei que nunca fosse acabar aquela tortura, quase comecei a suar. Alguns alunos começaram a rir da minha situação. Agora, entendi a baixa popularidade do professor. Até mesmo Melanie e Adam, prenderam o riso. Senti-me, como se tivesse sido espancado, moralmente, após ele terminar a explicação. 

A aula já se aproximava do fim, o professor então, começou a falar sobre preconceito e sobre liberdade de expressão, ainda no contexto do nazismo. Nesse momento, a imagem que ele tinha me passado se diluíra, com o seu discurso que era, realmente, cativante. Foi um dos poucos professores dos quais eu conheci, que além de ensinar o assunto, se preocupava com a construção moral de seus alunos. Depois do que ele falou, comecei a pensar que, talvez, a sua posição, meio na defensiva, fosse o seu jeito natural de ser. Quem sabe?!

A campainha, de repente, soou, anunciando o intervalo. Comecei a ficar nervoso, pensando o que responder à pergunta de Kevin: “Não sei, fiquei assim, quando eu vi você!”, ele, realmente, me estranharia. Não pensei duas vezes, me levantei e sai da sala, antes mesmo de Melanie e Adam, sem falar nada a eles. Sai apressado pelo corredor, esbarrando em algumas pessoas, quando, finalmente, vi Michael, encostado ao lado da porta de sua classe, parecia me procurar.

- Aí está você! – falei, meio ofegante.

- Aconteceu alguma coisa? – ele me olhava, meio espantado.

- N-nada, só acho que estou um pouco com fome! – menti.

- Onde estão Melanie e Adam? – ele perguntou, ainda confuso.

- Não sei! Pensei que estivessem atrás de mim! – menti, novamente. Kevin passou por nós e me olhou, sem entender nada, parecia esperar alguma explicação para os meus atos. Eu, simplesmente, abaixei minha cabeça, enquanto ele passava.

- Você, às vezes, realmente, parece um louco. – Michael me falou, olhando Melanie e Adam, que pareciam ainda mais confusos.

Precisava encontrar uma desculpa por ter saído da sala daquele jeito, não queria parecer, ainda mais, demente, me adiantei, em relação à Melanie e Adam.

- Melanie, onde fica mesmo o banheiro? – eles me olharam, um pouco indigestos. – eu me esqueci das suas instruções! – tentei sorrir. Saiu falso demais.

- Eu levo você. – Adam se pronunciou. – também estava querendo ir lá.

Passamos por Michael, sem dizer nada, apenas o escutei perguntando à Melanie aonde íamos, e ela respondendo logo em seguida. Até imagino o riso que Michael deve ter soltado, quando soube o motivo do meu desespero. Adam saiu logo depois de mim, no caminho, perguntou, tentando ser amigável:

- Você está bem, Jimmy? Você saiu tão apressado, que nós ficamos assustados.

- Estou! Eu não queria perder Michael de vista! – as palavras não saíram muito convincentes. Hoje, realmente, não era o meu dia.

Michael e Melanie estavam esperando ao lado da escada. Enquanto subíamos, tive a impressão de Adam ter dito à Melanie, que estava tudo bem. No segundo andar, havia a biblioteca que, ao menos de fora, não me parecia ser maior que a da Sra. Carmem, mais alguns banheiros ao lado da biblioteca e o refeitório, que ficava em frente à biblioteca, na parede esquerda, ao lado da entrada. Servimo-nos e sentamos numa mesa, que ficava perto das grandes janelas. Como eu suspeitava, era possível ver quase todo o vilarejo e boa parte da floresta.

- No colégio, não tem quadra de esportes? – Michael perguntou.

- Ah, temos sim. - Melanie respondeu. – fica atrás do prédio do colégio. Afinal, Jimmy, vamos ter aula de educação física, amanhã.  

Ótimo, era tudo o que eu precisava. Ao menos, já posso me preparar para a possibilidade de amanhã ser pior que hoje. Possibilidade, pois o único esporte que eu, realmente, detestava era futebol, parecia que eu tinha tanto medo da bola, quanto ela de mim. Percebi Kevin, comendo seu lanche. Às vezes, ele olhava para mim. Sinto muito pelo que fiz, mas quem poderia explicar o real motivo para o que aconteceu comigo, nem eu sabia! Ou pior, quem poderia prever a reação dele diante dos meus esforços para explicar algo que eu não sabia?

- Como foram as suas aulas, até agora, Jimmy? – Michael me perguntou, após terminar de comer.

- Foram boas, exceto pela parte das apresentações e da surra que eu levei em sala! – Melanie e Adam começaram a sorrir, discretamente, eu quase os acompanhei, se não fosse pela reação de Michael!

- Como? 

- Relaxa! – comecei, meio, sem jeito. – eu fiz uma pergunta ao professor e ele, quase, não parava de me explicar. – não queria falar sobre o biótipo de Newman, no fundo, havia gostado de sua aula! – foi só isso!

- Surra! – falou ele, com ar de zangado.

- Uma palmatória teria sido melhor! – Adam falou, fazendo-nos rir.

Kevin conversava com algumas pessoas na mesa, não parecia muito entrosado, entretanto, ainda olhava para mim, às vezes. Consegui desviar o olhar, antes que minhas orelhas voltassem a ficar vermelhas. 

- E você, Mike - perguntei. – como foram as suas primeiras aulas?

- Foram boas, gostei dos professores. Também não gostei, muito, da parte das apresentações, mas, ao menos, conversei com algumas pessoas, acho que vou fazer novas amizades! – ele sorriu, satisfeito. – e você, Jimmy, conversou com mais alguém?

- Não, na verdade, não! Você sabe como eu sou tímido! – não queria falar de Kevin.

- Nós acabamos deixando você de lado, Jimmy - Adam lembrou. – desculpa?!

- Sem problema. – achei que as suas desculpas foram sinceras.

A campainha bateu, pedi que fôssemos beber água, antes de entrar na sala, não queria chegar antes de Kevin. Entramos pouco antes do professor, novamente não olhei para Kevin. Todavia, meu coração parecia não ter o mesmo controle. As outras aulas, com exceção de literatura, não foram muito boas, talvez porque eu odiasse física e matemática, especialmente, depois de ter errado o nome de um cientista, durante a aula de física. 

Quando a campainha tocou, marcando o fim da aula, comecei a arrumar minhas coisas, rápido, inutilmente, pois Melanie e Adam não pareciam apressados. Porém, Kevin não tentou falar comigo, por mais que o momento fosse favorável, ele ainda havia ficado na sala, quando nós saímos. Pouco depois de atravessar a porta, atrás de Melanie e Adam, senti um toque no meu braço me puxar para trás, era Kevin. Nós ficamos bem próximos um do outro, ele parecia meio confuso, seus olhos negros me fizeram ficar sem reação. Senti o sangue nas minhas orelhas.

- Você esqueceu sua caneta na sala! – ele me entregou e saiu sem falar mais nada.


Notas Finais


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