Andava pela orla. O vento da noite fria batia contra a minha pele me deixando um arrepio gostoso como quando no dia que o conheci. É claro que dessa vez seu perfume não estava impregnado em cada lugar que passava. Seus braços não me envolviam. E seus lábios.... Ah, seus lábios não mais tocavam os meus. Mas de todas as infinitas coisas que eu amava nele, a mais memorável, a que mais fazia falta e me doía era sua voz. Não poder ouvir aquilo que para mim soava como a melodia mais gostosa que se podia ouvir todos os dias. Aquilo machucava muito mais que o esperado...
Aos poucos eu me aproximava cada vez mais do nosso primeiro lugar. Deixei a parte calçada por pedras e comecei a caminhar pela areia. Aquela mesma areia na qual brincávamos e rolávamos. A areia onde estávamos enquanto olhávamos no fundo dos olhos um do outro e nos comunicávamos desta forma.
Enfim cheguei ao lugar desejado. O píer. O píer onde tinha vivido uma das melhores sensações. Tocar e ser tocado. Beijar e ser beijado. Um misto de sentimentos que até o momento eram julgados inexistentes para ambos. Sentir seu perfume. Ouvir sua voz próxima ao meu ouvido. Me arrepiar. Sentir uma explosão em meu peito. Ouvir uma declaração que tinha um valor maior que qualquer palavra bonita que já me tinha sido dirigida.
Aquele era ele. A pessoa que me fazia pensar mais e mais em um futuro. A única pessoa que me fazia suspirar e imaginar coisas fofas e bonitas. Quem me fazia chorar de alegria. Aquele era ele. A única pessoa que, mesmo depois de 6 anos, ainda sentia a dor da minha morte e chorava por mim. Que ainda visitava o lugar no qual passamos nossos últimos e mais felizes momentos. A pessoa que eu amava.
Ele chorava e soluçava tão forte. Como se estivesse vendo a cena novamente.
Ele podia sim estar triste. Mas eu estava satisfeito.
Ele pressionava as palmas das mão contra os olhinhos já inchados. Sentou na beira do píer e colocou uma flor ao seu lado logo abrindo uma garrafa de vinho, assim como fazia todos os anos.
- Eu cheguei muito tarde dessa vez não é?
- Nam... Como você está? - Perguntou levando a garrafa a boca e olhando pro nada - Bem... Desde minha última visita muitas coisas aconteceram. Sabe.. Eu finalmente terminei a faculdade e adivinha! Eu consegui meu primeiro emprego! - Disse sorrindo de leve - Eu fiz alguns amigos também. Eles são muito especiais, tenho certeza que gostaria deles. São 5... Uma evolução para a pessoa que era rodeada por colegas e que era totalmente depressiva, certo?... Eu também aluguei um apartamento! Ele não é muito grande, mas é o suficiente pra mim. E dessa vez é tudo por minha conta, ou seja, todas as contas vêem pra mim! Isso me deixou muito satisfeito. - Deu mais três goles na bebida e fez uma pequena pausa. - Ah! Eu finalmente tenho um filho! Claro que não é como a gente planejava... E nem é tão grande como um cachorro. Na verdade... É um hamster! Mas ele é lindo e fofo. Você dizia que eu parecia com um hamster quando comia. Lembra? - Seus olhos brilhavam enquanto falava - Mas Nam... Isso tudo... Não faz muito sentido. Tudo é bom e agradável, porém nada me deixa feliz. Sem você aqui eu sinto um vazio tão intenso quanto a imensidão desse mar. Namjoon! Se eu pudesse levar aquele tiro. Se nós não estivéssemos juntos naquele dia, naquele horário... Se eu não tivesse discutido com você por um pedido... Talvez... Não. Com certeza! Nós estaríamos juntos aqui. Nós teríamos novos amigos! Nós teríamos nossa casa, nosso emprego e nossa vida. Até mesmo um bichinho como filho... - O brilho havia se transformado em lágrimas que agora escorriam por seu rosto.
Eu fui sim baleado. Fui baleado por uma pessoa com a mente preconceituosa e poluída. Uma mente maldosa e infeliz. Injusta e inconformada.
Ah... Aquele dia... O dia em que eu o pediria oficialmente em namoro. Com direito a anel e uma noite longe do faro de nossos pais.
Eu e Jin estávamos naquele píer tendo mais um de nossos momentos e, se tudo ocorresse de acordo com meus planos, ele reclamaria de minha demora para oficializar nossa relação, me daria um tapa (no mínimo) e correria para casa, que não era muito longe dali.
E deu tudo certo. Infelizmente...
Quando meu Jin começou a correr eu esperei alguns segundos e corri atrás do mesmo. Foi uma ideia idiota? Sim, foi! Mas eu queria que fosse como uma brincadeira e não algo meloso demais.
Esse foi meu erro.
Quando cheguei mais perto tinham duas pessoas além do esperado ali. O problema era o homem armado que se encontrava, agora, na nossa frente. Lembro exatamente o que ele dizia.
"O que porras vocês estavam fazendo? Namorando? Não sabia que você era desse tipo Kim! Não sabia que você achava correto estar com alguém igual a você. Isso é sério? Tu acha que vai ser feliz assim? Que isso vai te satisfazer? Porra! Você é nojento!!"
Ele apontou a arma para o meu namorado. E depois daquilo só pude ouvir o outro falando "Mano para com isso, você tá alterado!", Jin gritando e o barulho da bala sendo disparada em direção ao meu amado. E só tive tempo suficiente para me jogar em sua frente e ouvi-lo gritar meu nome.
No dia do meu enterro eu ouvi Jin falando que o homem que atirou em mim saiu correndo e nunca mais foi visto e que na verdade eles estudavam juntos. E aqui estou eu, vagando pela praia e aguardando para poder ver meu amado uma vez por ano.
- Nam... Naquele dia, depois que eu encontrei isso com você... - Disse olhando para o anel que estava em seu dedo - Eu me senti mal. Mas eu te fiz uma promessa. Não importava o que, eu te vingaria. E faria com aquele desgraçado o mesmo que ele fez contigo! E acredite. Eu realmente vou acabar com aquele merdinha! Espero que isso deixe sua alma mais leve e assim você possa ficar mais tranquilo.
Eu sou uma alma, sim. Mas não estava aqui por vingança. O meu motivo era Kim Seokjin e o desejo de se vingar.
Não é como se eu estivesse feliz sendo um "espírito" nem como se não tivesse raiva daquele desgraçado. Só estava satisfeito em saber que Seokjin estava vivo. Por mais torturosa que fosse a sensação de ter que esperar um ano até poder reencontra-lo e que mesmo estando ao seu lado ele não poderia me enxergar. Se eu o salvei pra mim isso já bastava. Mas o que me preocupava era a raiva de meu amado para com o indivíduo que me matou.
Eu não quero nunca que ele se machuque, ainda mais tendo minha morte como razão, e era isso que ainda me prendia a esse mundo.
Seokjin se levantou e começou a se afastar da ponta do píer, quando estava quase alcançando a orla virou olhou no fundo dos meus olhos, como se soubesse que eu estava ali, e disse: - "Só mais um ano, eu só te peço mais um ano Kim Namjoon, e tudo estará resolvido.". Ele disse de forma tão calma que os meus pressentimentos acabaram sendo assustadores.
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Sabemos que tudo tem um fim. Só não sabemos quando tudo finalmente chegará ao fim. E cada vez mais torcemos para que as coisa dêem certo. Nem sempre nossas preces são ouvidas e nem sempre nossas ações são certas. Nem sempre discussões são necessárias e nem mesmo a angústia ou a vingança fazem sentido depois de um tempo. Afinal tudo um dia acaba. Só basta esperar.
Eu esperava por ele mais uma vez, mais um ano. E nessa noite não fui eu o atrasado.
Me sentei onde ele sempre ficava e deitei a parte superior do meu corpo na madeira do píer deixando apenas minhas pernas soltas no ar. Enquanto observava as estrelas lembrava de momentos em que eu me sentia tão brilhante quanto aquelas esferas luminosas e tudo isso se resumia aos momentos que me encontrava com Seokjin.
Depois de alguns minutos ouvi alguém se aproximando, olhei para trás e lá estava ele vindo em minha direção. Me levantei e ele logo sentou abrindo a garrafa e logo dando um gole na bebida.
Ele ficou em silêncio por um longo tempo. Olhava para o horizonte, apoiava o peso do corpo no antebraço fazendo uma inclinação para que pudesse admirar as estrelas, olhava para a garrafa quase vazia em suas mãos, suspirava. Ele de fato parecia inquieto, e isso estava mexendo comigo.
Ele não me visitava no cemitério exatamente por que o nosso lugar o acalmava e assim ele não se sentiria nervoso por motivo algum. Mas aquilo não estava adiantando no momento.
- Talvez... Você arranjou outra pessoa Jin? - Falei observando sua feição pálida - Se for isso está tudo bem. Quer dizer, eu realmente ficaria aliviado com isso, até porquê agora você tem alguém que te cuide. Eu ficaria bem feliz. - Ele olhou em minha direção e simplesmente paralisou - Não pode ser... Seokjin você me ouviu??? Você-
- Nam! Foi aqui que eu te vi pela primeira vez. Lembra?
Ele não tinha me escutado e nem me visto...
Ele tirou mais uma garrafa, dessa vez, pequena e um objeto que eu julguei ser a flor de sempre de dentro de sua jaqueta.
Não, aquilo não era uma flor! Não estava nem perto de ser uma simples e inofensiva flor. O que Seokjin agora depositava no chão do píer era maior, mais resistente e mais problemático que uma planta. Era uma arma.
- Jin! Porque caralhos você tem uma arma???? - Gritava inutilmente sabendo que não haveria resposta.
- Nam... Eu fiz! Eu te prometi que lhe vingaria. Eu fiz com aquele homem o mesmo que ele te fez e roubei essa arma dele... Mas tá tudo bem, ninguém sabe que eu o matei. E ele já estava sendo perseguido então meio que eu facilitei pro lado de quem o queria preso ou morto. - Ele abriu a outra garrafa e deu um sorrisinho me assustando - Eu devo estar parecendo um maluco falando isso com tanta tranquilidade né!?... Bem, eu não estava tão tranquilo assim antes. Depois de matar aquele ser, por mais repugnante que ele fosse, eu me senti culpado, um lixo. Até porque eu continuo sendo o Jin doce, meigo e medroso de sempre... Eu passei dias me sentindo mal. Não conseguia comer direito e mal falar com os meus amigos. - Bebeu um pouco do líquido da garrafa e continuou - No dia em que eu matei aquele cara eu peguei essa arma pra nunca me esquecer do que eu havia feito e pra te provar que sua vingança estava completa e assim você já poderia ficar em paz. Mas depois que consegui deixar de lado a morte que eu causei eu percebi que não tinha feito aquilo por você e sim por mim... Todos esses anos eu fui egoísta Nam. Por todo esse tempo eu simplesmente corri atrás da MINHA vingança e eu ficava puto por MINHA causa. Eu só te usava como desculpa quando na verdade eu estava me vingando por aquele desgraçado ter me tirado a única coisa que importava na minha vida. - Ele estava chorando e fazendo com que eu chorasse e quisesse o abraçar forte, como se houvesse uma saída para aquela angústia - E então eu tomei uma decisão muito importante Nam. Eu espero poder te ver o mais rápido possível!
Ele terminou a bebida, pegou a arma e levantou a mesma até sua cabeça.
"Adeus"
Essa foi sua despedida.
Eu não tive reação.
Esse foi seu fim...
Esse foi meu fim...
Tudo havia desaparecido.
E nosso fim finalmente havia chegado.
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