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História A Leoa e a Coruja - Capítulo 10


Escrita por: Sapatomics

Notas do Autor


Olá, pessoal.
Acredito que eu seja daquelas pessoas que só conseguem escrever de madrugada e bem, aqui estou atualizando de madrugada. Desculpem por isso. Espero que 2021 já seja um ano melhor para vocês, e se não for, então pelo menos possamos contar uns com os outros. Enfim, uma ótima leitura.

ALERTA: tem gatilhos de violência, se você for sensível a isso, não leia!


Música do capítulo: Premonitions - Vaults (escutem o capítulo todo, qualquer coisa deixa repetir).

Capítulo 10 - Capítulo 10


Emma não conseguia se distrair. Não importava o que fizesse, o quanto corresse ou onde estivesse, sua mente estava atormentada. Já tinha algumas horas que saíra do apartamento e precisava comer algo. As dores de cabeça só aumentavam à medida que fazia seus exercícios físicos. Sentou-se à margem do rio Lea, num ponto onde poucas pessoas visitavam e não havia trânsito. Abraçou os joelhos e observou a correnteza. Faltava-lhe compreensão sobre algumas coisas, pontos que não se encaixavam em tudo que acontecera nas últimas semanas.

Eva era sua mãe, um fato que Emma conhecia desde os trezes anos, quando descobriu o único assunto proibido dentro do palácio. No entanto, era difícil pensar que ela simplesmente tinha morrido após o parto. Algo em Emma a fazia recusar a ideia. Talvez fosse a vontade de conhecer Eva, afinal. Embora soubesse que ela tinha sido uma filha abandonada. Um bebê completamente indefeso. Se nascera às margens do rio Lea, então como Eva fora parar ali? Não sabia responder.

Outro pensamento que a atormentava, sem dar o mínimo de descanso, era sua própria volta. Tristan àquela altura já sabia que ela estava na capital, possivelmente já sabia também sobre sua futura nomeação ao trono. O acordo fora quebrado, e por mais que ela tivesse um plano, não deixava as coisas mais fáceis, muito menos mais seguras. Emma o conhecia. Ela o conhecia o bastante para saber do que ele era capaz. Precisava se organizar e colocar em prática suas estratégias. Algumas peças eram fundamentais naquele jogo e ela estava sem tempo para lidar com detalhes insignificantes, como seu próprio passado.

Porém, o que provocava suas crises de insônia era Regina, a viúva de seu irmão. A imaculável, misteriosa e inalcançável Regina. Era verdade que nunca tiveram um minuto de trégua, mas Emma reconhecia que não fazia esforço em deixar tudo mais agradável. Robin e ela não eram tão unidos quanto os outros, todavia ela o respeitava e o amava. Ela o amava tanto, que jamais cogitou a possibilidade em prejudicar seu irmão. Mesmo quando ele apresentou Regina como sua nova namorada, a mulher que Emma amara incondicionalmente desde a adolescência. A duquesa era alguém que a desestabilizava, embora Emma fosse especialista em manipular seus próprios sentimentos. Tudo, é claro, cortesia dos ensinamentos de George.

Não havia motivos para se casar com Regina. Pelo menos nenhum que fosse plausível. As leis em Petroia mudaram há tanto tempo, que a avó de Emma nem tinha nascido quando resolveram que o casamento arranjado, pelo menos entre cunhados e cunhadas, não seria mais uma obrigação da nobreza. Robin tinha morrido, mas ele sequer era rei. Todavia, mesmo que não fosse uma regra absoluta, os casamentos continuaram ao longo dos anos. Situações como a de Emma e Regina se repetiam nos clãs influentes e a tradição era respeitada sem questionamentos. Mas por que, então, parecia tão difícil de seguir com aquela decisão? Por que Emma se sentia uma verdadeira traidora, sobretudo com seu irmão? Ela não sabia sequer como lidar com seus breves relacionamentos, que dirá com alguém que provavelmente deveria passar o resto de sua vida num compromisso matrimonial.

Apesar de muito bem decidida em tudo em sua vida, Emma não se envolvera com muitas pessoas ao longo do tempo. Claro que parte disso se devia ao medo da aceitação. Ela nunca sabia se outras mulheres lidariam bem com seu corpo. Grande parte dos petroianos, mesmo aqueles que escondiam suas opiniões, ainda tinham receio dos chamados hirbics. Apesar de saberem que seres divinos jamais fariam mal aos humanos, havia quem ainda pintasse sua casa com sangue de carneiro e jogasse enxofre nos batentes de janelas, portais e tapetes do lado de fora das casas. O medo de tais seres se transferiu para pessoas como ela. Pessoas cujos corpos eram dotados do que chamavam de “dois-dois”, ou ainda, “dois espíritos”. Mesmo que houvesse uma explicação médica irrefutável, em Petroia a Ciência jamais se desvinculou da Religião. E foram as crenças absurdas dos antigos dominadores que criaram nos petroianos aquele medo. Um medo velado, mas ainda vivo e forte nos subconscientes de muitos.

Lembrou-se da época em que viveu com Milah, uma de suas poucas namoradas. O relacionamento trouxera mais dores de cabeça do que prazeres. Ficaram juntas quase seis meses num pequeno apartamento, que era no mesmo prédio de Lily. Sua melhor amiga não gostava muito de Milah, mas Emma nunca presenciara nenhuma discussão entre as duas. Claro, sempre podia contar com aquela amizade. E até quando ela não era digna de um bom tratamento Lily ficava ali ao seu lado, à sua espera. Emma também estava ciente que, na maioria das vezes, seu mau humor era intragável. Perante todas aquelas reflexões, como então decidira se casar com Regina? Quando decidira aquilo? E o mais importante... Regina aceitaria? Se não, o que Emma faria?

Ela estava exausta demais para procurar qualquer indício de resposta ou afirmação. Seu estômago roncou e sua cabeça parecia uma placa de metal alvo de um martelo inconveniente. Não sabia se um café era a melhor solução, ou uma aspirina. Talvez escolhesse ambos. Levantou-se da grama úmida e acendeu um cigarro. As águas do rio Lea já não eram mais as mesmas, e provavelmente nem ela. Caminhou por algumas ruas conhecidas. Não sabia ao certo se o restaurante continuava no mesmo lugar, mas não custava nada verificar pessoalmente.

Quando dobrou a esquina da Rua Buffon com a Rua Elvin, a princesa parou de súbito. Lá estava ela. A encarnação de seus desejos mais doentios e profundos, que procurava algo em sua bolsa e ia em direção a um carro. Emma acendeu outro cigarro e rezou para que não fosse vista. E olha que ela não era nem um pouco religiosa. Continuou ali, estática e com a garganta seca. Regina estava deslumbrante. Não havia como descrever de outra forma, e Emma não se importava com adjetivos. Tragou a fumaça com mais afinco e coçou a testa. O que raios ela estava fazendo? Vigiar alguém? Não havia o mínimo de coerência em seu comportamento. Deu meia volta e saiu dali, antes que Regina a visse. Não demorou mais do que cinco minutos para chegar ao restaurante. Do lado de fora viu Lily, que a essa altura já estava acordada e mais disposta. Ruby e ela conversavam no balcão. Emma jogou o cigarro fora e empurrou a porta.

— Opa, o assunto chegou. Vamos passar para outro. — Ruby brincou.

— Nossa, muito engraçada você. Já pensou em ser comediante algum dia? Talvez algum circo por aí tenha uma vaga. — Ironizou e se sentou em um banco ao lado de Lily. Emma roubou um biscoito de chocolate do prato da amiga.

— Não, prefiro ser a melhor musicista de Petroia mesmo.

— Ei! — Lily desferiu um tapa leve na mão da loira. — Amiga, que autoestima hein. Estou impressionada com você.

— Meu amor, se você não se ama, como poderá amar outra pessoa?

— Não acredito que você está citando um bordão de reality show de drag queens. O pior de tudo é que você tem tempo para assistir essas coisas. Não tem que trabalhar, doida? — Emma zombou e continuou a pegar comida do prato de Lily.

— Você não anda alimentando essa menina direito, Lilith?

— Querida, o tipo de comida que ela quer apenas uma pessoa pode dar. — Respondeu com um sorriso torto e arqueou as duas sobrancelhas. — Por falar nisso, como anda a sua noiva, Emma?

— Não sei do que vocês estão falando. — Murmurou e encheu a boca de comida, mas logo engoliu tudo ao ver a expressão séria e os braços cruzados de ambas. A comida quase entalou em sua garganta e por isso tomou um gole do café que Ruby tinha servido a ela. — Tudo bem. Tudo bem. — Suspirou e revirou os olhos. — Nós quase nos beijamos na adega do meu pai. — Sussurrou. 

— O que?

— Tira o ovo da boca, mulher!

Ruby e Lily falaram juntas.

— Nós quase nos beijamos na adega do meu pai! — Falou alto demais, o que chamou a atenção das pessoas das mesas envolta. 

— Por todas os espíritos da natureza. — Ruby colocou as mãos sobre a boca e revezou o olhar entre Emma e Lily.

— Eu estou chocada. — Lily arregalou os olhos, mas em seguida soltou uma risada estridente. — Loirinha, eu não sabia que você era tão rápida assim.

— Isso porque dizia que “eu não sigo as tradições. É uma perda de tempo e eu não tenho nenhum apreço pela Regina”. — Ruby imitou o tom de voz da princesa.

Emma apenas coçou a nuca e ignorou as amigas, que continuavam com suas provocações. Mesmo assim, era bom estar naquelas companhias. Sempre se esquecia um pouco dos problemas e se divertia, sem ao menos ver o tempo passar. Na época do colegial, quem dava a ela um pouco de alegria era Ruby e August. Já quando resolveu sair da capital, Lily e outros amigos se encarregavam de fazer com que ela vivesse com o mínimo de felicidade, sobretudo nos dias de solidão. 

Comentaram sobre a cerimônia de coroação, que deveria acontecer em menos de cinco meses. Existiam alguns desafios a serem cumpridos pela candidata ao trono. Emma conhecia tais testes, mas não os deixava mais fáceis de cumprir. Os rituais duravam alguns dias e ela temia que não tivessem tempo para isso, principalmente George. Assumir o trono e refazer as pazes com o pai, ainda era um assunto delicado para Emma. No entanto, ela sabia que pelo menos com as duas amigas poderia compartilhar seus receios e ansiedades. Mesmo que não fizesse isso de forma completa e mantivesse certos sentimentos para si. Era seu mecanismo de defesa. Sequer se lembrava de quando fora diferente.

Naquele momento, ela percebia que era cada vez mais difícil derrubar os muros que construiu ao longo do tempo. Duvidava que quisesse mudar sua situação. Já estava completamente fora de sua zona de conforto. Emma acreditava que, talvez, nunca mais fosse a mesma. E por fora, tentava conviver com sua própria verdade. Mas internamente, suas preocupações iniciavam um processo incômodo, onde precisava expressá-las de alguma forma. 

As três mulheres combinaram outro encontro no fim de semana, quando Ruby novamente tocaria na mesma boate. Emma tinha prometido que levaria Zelena, quando as duas se despediram após o jantar no palácio. Lily tinha ido ao banheiro e Emma estava comendo mais biscoitos. Ruby atendia uma mesa de alguns jovens universitários. O restaurante não estava cheio, mas poucas horas depois, o movimento começaria a crescer. Emma serviu a si mesma com um pouco mais de café, quando notou que um homem careca e de pele queimada de sol a observava. Ela podia dizer que ele fora algum soldado apenas pela postura e a expressão facial.

Emma reconheceu o tipo. Alguns de seus próprios subordinados carregavam aquele olhar. Era um olhar de cansaço, culpa e raiva. Ele tinha algumas cicatrizes no rosto, principalmente uma na testa do lado direito. Não era muito alto, a julgar pelas pernas mais curtas e o tronco pequeno. No entanto, era musculoso e pesado. Emma encarou as próprias mãos, fingiu mexer no cardápio e tomou mais um gole de café. O homem a vigiava e ela tinha percebido isso há tantos minutos, que se perguntava se Lily tinha desmaiado no banheiro ou algo assim.

— Emma! — Uma mulher idosa, baixa e gorda apareceu do outro lado do balcão. As mãos estavam apoiadas na cintura e os óculos escorregaram até a ponta do nariz.

— Widow!

— Eu deveria te expulsar a pontapés daqui. — A senhora quase gritava e seu rosto ficava cada vez mais vermelho. — Não tem mais nenhuma consideração por quem trocou suas fraldas, menina?

— Não fale assim. — Emma engoliu seco e contornou o balcão. Ela ainda olhou uma última vez para o homem, mas ele tinha ido embora. Não o viu em outra mesa, ou na calçada do lado de fora. Resolveu ignorar aquilo por algum tempo. Tinha uma pessoa muito mais perigosa para acalmar. — Me dá um abraço, venha.

— Vou arrancar sua orelha, isso sim. — Widow deu dois tapas fortes no ombro de Emma, que massageou o local e fez uma careta.

— Ai! Isso dói, sabia?

— Exatamente. — Apertou a princesa num abraço firme, embora a senhora não ultrapassasse a altura dos seios dela. — Eu me recuso a dizer que senti sua falta, já que você não merece.

— Também senti a sua. — Sorriu e beijou o topo da cabeça, que já tinha todos os fios de cabelos completamente brancos. — Muito mais do que você imagina.

— Então, o que faz aqui? Ruby não me contou direito. — Perguntou ao sair dos braços de Emma e encostar no balcão.

— Receber a minha coroa e me casar.

— Aprendeu a mentir?

— Não, eu falo muito sério.

— Emma? Desde quando você decidiu que quer seguir tudo aquilo que seu pai impôs por tanto tempo? — Widow estava séria, as sobrancelhas finas unidas e o cenho franzido. — Tenho respeito e muita admiração pelo meu Rei, mas sabe o que acho sobre ele como pai.

— Eu sei. — Desviou o olhar, cruzou os braços e se encostou no balcão num ponto onde ninguém poderia ouvi-las, — Ele está debilitado, muito debilitado, o suficiente para que não consiga resistir às pressões do Conselho por agora e muito menos as demandas do reino.

— Os médicos não conseguiram cuidar disso?

— Não tive a oportunidade de conversar diretamente com eles, mas pelo jeito é algo incurável. Tentaram alguns rituais, o que diminuiu bastante as dores e os sintomas e só isso. — Deu de ombros.

— Emma, você sabe que é capaz de governar até melhor do que George, quiçá melhor do que sua avó. — Sorriu de forma gentil e acariciou o rosto da princesa. — Contudo, eu penso que deve primeiro pensar melhor sobre toda essa situação. Tudo que você já passou não é qualquer coisa.

— Obrigado, Widow. — Retribuiu o sorriso. — Eu sei me cuidar.

— Claro. — Ela se virou para pegar um pedaço de torta de abacaxi, uma das favoritas de Emma. — Vocês, descendentes de leões são resistentes e fortes, mas ao mesmo tempo um pouco cegos eu diria.

— Por que?

— Porque existem coisas que apenas uma coruja velha como eu consegue enxergar. — Entregou a torta para Emma e colocou seus óculos que estavam presos ao pescoço por um cordão dourado. — E sei que existem detalhes ocultos nessa sua volta.

— Widow, eu não sei do que você...

— Sim, você sabe. — Revirou os olhos. — Mas agora saía do meu balcão! Eu preciso trabalhar.

— Ok.

Emma encheu a boca de torta, deixou o prato sujo no balcão e saiu com um olhar travesso. Widow se recordou quando ainda era uma garota com seus doze anos e a inocência resguardada apesar dos abusos do treinamento real. Emma, aos seus olhos, era apenas uma mulher quebrada e necessitada de carinho.

Lily saiu do banheiro a tempo de ver Emma conversar com a avó de Ruby e devorar uma torta. Ela riu da fome descontrolada da amiga e se aproximou. Emma disse que iria embora, pois precisava ir até a empresa visitar August e verificar alguns documentos. As duas se despedem de Ruby e Widow e saem do estabelecimento. A ida ao apartamento foi tranquila, sobretudo porque Lily estava de carro. Emma tomou banho, se arrumou e disse a amiga que não tinha hora para voltar, pois iria ao seu antigo estúdio de treinamento do exército.

 

 

***

 

 

A sede da Cooperativa Swan ficava no centro comercial da cidade. O prédio era enorme e correspondia somente aos negócios administrativos da empresa. Havia centenas de colaboradores apenas ali, fora outros milhares que trabalhavam no porto e nos distritos do interior. Não possuía ligação com as funções políticas e sociais do clã real. A empresa fora fundada pelo tio avô de George e o mesmo nunca se tornara rei. 

David e Killian eram os responsáveis pela liderança, embora o mais novo tivesse alta patente na Marinha e por isso estava fora em uma missão, antes de pedir licença após seu casamento. Na verdade, eram apenas algumas semanas ao mar, vigiando as fronteiras do país. Sobrava então para o loiro todos os problemas e papeladas para resolver. Como Emma ainda não estava exercendo suas funções na nobreza, ela ajudava seu irmão na cooperativa.

Assim que chegou no prédio, ela foi direto para a sala de David, mas descobriu que ele estava numa importante reunião com comerciantes estrangeiros. Resolveu voltar ao seu escritório, onde uma pilha de relatórios a esperava para serem lidos e devidamente assinados. Algumas horas depois, ouviu alguém bater à sua porta e pediu para que a pessoa entrasse. 

— August? — indagou ao observar o homem parado ali. O cabelo escuro dele estava penteado cuidadosamente, a barba era cerrada e os olhos azuis com o mesmo brilho curioso de sempre. Claro, estava mais alto e mais robusto do que da última vez em que se viram. 

— Emma! — Caminhou até a loira, que o recebeu de braços abertos e o abraçou forte como sempre fazia. — Há quanto tempo.

— Nem me fale! 

— Não te vejo desde que, bem... Você sabe. — Se referiu ao enterro de Robin. August estava presente, mas não trocaram muitas palavras devido ao clima pesado.

— Sim. Mas agora está tudo bem. — Assentiu, pegou dois copos e uma garrafa de conhaque. Sentaram-se um de frente ao outro, com a mesa os separando. — Então, me conte as novidades. — Entregou a bebida ao amigo, que se serviu meio copo. 

— Bom, agora estou como secretário de finanças de David, quer dizer, da cooperativa em geral.

— Isso é muito bom. É apenas meu segundo dia aqui, então ainda estou conhecendo as coisas. Ele me contou que você está noivo. — Sorriu com lascívia. — Quero saber o nome do guerreiro que enlaçou o meu velho parceiro de aventuras.

— Neal Cassidy. — Brincou com o copo antes de tomar o primeiro gole. — Ele é a melhor coisa que já me aconteceu. — Desviou o olhar e ficou com as bochechas coradas.

— Pelos deuses! Jamais imaginei que August Booth Wayne, o maior namoradeiro do Educandário Misthaven, um dia estaria todo apaixonado e falando em se casar. — Ambos riram da expressão de surpresa de Emma.

— Pois é! As coisas mudam e o tempo passa, minha camarada. — Os dois brindaram e se serviram novamente. — Eu sou um homem muito realizado, Emma. Encontrei um amor e também o meu pai.

— Não acredito! — Sorriu genuinamente feliz pela notícia. Ainda se lembrava de todas as vezes em que o vira chorar por ser órfão. — Um dia quero saber como foi essa história. Mas então? O que ele disse?

— Muitas coisas. Nunca fui abandonado, amiga. Apenas a vida brincando com nossos destinos como se fôssemos meros bonecos. Bom, os deuses sabem o que fazem. — Suspirou aliviado. — Mas então, fiquei sabendo que vai assumir o trono.

— Sim, eu pretendo. Afinal, fui criada para isso, não é mesmo?

— Eu me recordo bem. — Inclinou um pouco o corpo sobre a mesa e abaixou o tom de voz. — Mas você precisa tomar cuidado. As tensões e os com Barbacenas podem ser um verdadeiro perigo. Além disso, eu sei que George desagradou a certos parlamentares nos últimos meses.

— Eles são uma praga que eu preciso exterminar, August, principalmente porque sei que não gostam de mim.

— Bom, eu nunca fui de me meter em política. — Manteve o olhar sério. — Mas tenho uma dívida eterna com você. Então, no que precisar, conte comigo.

— Pode apostar que vou.

— Quando acontecerá a Coroação?

— Acredito que em menos de cinco meses. Existe um protocolo e eu já o quebrei por não assumir imediatamente após a situação com Robin.

— O que você planeja fazer?

— Sinceramente? Não sei. — Deu de ombros e bebeu. — Tenho várias questões para resolver antes de qualquer decisão.

— Emma, eu sei que você ainda não o conhece, mas Neal é a pessoa que eu mais confio na vida. — Retirou um papel do bolso, onde havia o número de telefone do noivo e entregou para a princesa. — Ele tem conversado com Sidney desde que os apresentei num evento.

— Neal também tem alguma experiência com o meio?

— Sim. — Ajeitou o terno, que vestia sobre uma túnica verde escura e lenço branco no pescoço. — Ele já trabalhou para alguns parlamentares, mas não podia mais compactar com algumas posturas.

— Entendo. — Leu o papel e estreitou os olhos. — Pode deixar, vou procurá-lo no momento certo.

— Tenho certeza disso.

Continuaram a conversa por mais algumas horas e reviveram os bons momentos da juventude. Eram muito próximos desde o colegial, porém havia algo mais profundo que os ligava. Um problema em que August se metera e Emma fora a única a resolver com a ajuda de Ruby. No entanto, mesmo alegre com aquele reencontro, ainda existiam assuntos para ela se preocupar. Problemas que não dependiam apenas dela.

Emma se despediu de August, pois seu expediente se aproximava do fim. Enviou uma mensagem para David perguntando se ele queria uma carona para casa, mas ele recusou dizendo que se encontraria com Mary na casa da sogra para o jantar. Sendo assim, a princesa decidiu que era melhor ir treinar, embora houvesse um pressentimento que a deixava cada vez mais incomodada. Não gostava de tal sensação, mas sempre fora muito sensível quando algo muito sério estava prestes a acontecer.

 

***

 

Quando chegou ao seu destino, a rua já estava deserta pelo horário avançado. Reconheceu as construções antigas. Desceu da sua moto, que deixava estacionada próximo à calçada. Não havia necessidade de guardá-la. Passou pelo porteiro, que a concedeu um "boa noite" puramente formal, sem emoção alguma na voz. Emma o reconheceu da última vez em que visitou a academia de treinamento militar.

A instituição tinha vários andares, pátios extensos e um bosque ao lado, onde os guerreiros recebiam os treinamentos de sobrevivência. A sala que Emma gostava de utilizar ficava no quarto andar, que praticamente vazio, pois apenas os de alta patente tinham acesso. O corredor estava escuro e silencioso, exceto por uma coronel mais velha que organizava algumas armas num pequeno depósito.

Emma abriu a porta e o cheiro de alvejante exalou. Assim como requisitado por ela, o ambiente fora limpo no dia anterior. Jogou as chaves no balcão de granito, tirou suas botas e as colocando ao lado da porta. O capacete ficou num canto no chão. Tudo estava exatamente como pediu para organizarem. Ela gostava de treinar num ambiente limpo, com os instrumentos colocados em suas devidas posições e descalça. Era natural que os guerreiros não utilizassem sapatos em seus treinamentos, já que aquele era um costume quase milenar.

Trocou de roupa e prendeu os cabelos. Nas mãos amarrou faixas vermelhas. Aquela preparação a deixava mais relaxada, embora ainda não fosse a terapia que ela procurava. Caminha até o centro da sala, onde tinha um saco de areia pendurado num suporte de ferro preso ao teto. Era forte o suficiente para aguentar seus golpes. A cada soco, a cada chute, Emma liberava o estresse que a incomodava há mais de um mês. Sua pele brilhava com o suor, que deixa seu top preto e o calção amarelo ensopados. Ela não sabia de onde surgia tanta adrenalina.

Depois dos golpes manuais, resolveu exercer a luta com machados, que há alguns anos não utilizava, especificamente desde sua última missão. Pegou um que tinha a base de madeira e a lâmina era tão pesada, que sua mão esquerda quase não suportou o peso na primeira vez. Emma esperou que seu corpo se acostumasse com a arma novamente e desferiu os primeiros ataques contra um boneco de 3 metros de madeira, que estava chumbado ao chão. Ela ficou ofegante em poucos minutos. O que atrapalhava seu desempenho não era nada físico ou porquê não estava em forma, mas sim as emoções intensas das últimas semanas.

Desistiu de seu treino, pois precisava voltar para casa ou Lily a questionaria além da conta. Arrumou sua bolsa de couro, onde trouxera suas roupas e acessórios, saiu da sala e registrou sua presença no caderno de controle. Era permitido que guerreiros de altas patentes tivessem armas próprias, embora não as utilizassem se não fosse em casos extremos. Emma pegou o machado e colocou numa capanga, que o envolvia. Quando saiu da instituição, seus ouvidos captaram sons estranhos. Ela se virou e não viu uma única alma nas ruas, que embora fossem bem iluminadas, haviam alguns pontos de penumbra.

Quando colocou sua bolsa e o machado no suporte da moto, outro barulho chamou sua atenção, eram pneus em atrito contra o asfalto. Claro, poderia ser apenas alguém num veículo qualquer, no entanto, ainda sim ela ficou em alerta. Era um mecanismo automático para os guerreiros. Fingiu procurar as chaves e desamarrou a cordinha que prendia a capanga do machado à moto. Então, ela percebeu que os fios dos freios estavam todos cortados. Não demorou mais do que trinta segundos para que um carro preto entrasse em alta velocidade.

Emma correu na direção contrária e tentou entrar pelo portão lateral da instituição. A passagem era conhecida apenas por alguns militares, mas estava interceptada por dois homens com armas de fogo. Ela até conseguiria lidar com eles, se não fosse pelo carro tentando encurralá-la no fim da rua. O campo de treinamento se estendia por um quarteirão inteiro, além do bosque. Porém, ela não teria tantas chances exposta nos pátios abertos. Emma cogitou o bosque, pois era especialista nesse tipo de lugar.

Optou pelo bosque, mas ao cruzar a cerca que o separava do restante da instituição, outro homem apareceu. Emma o reconheceu do restaurante de Ruby. Era o mesmo sujeito, que naquele momento sustentava uma expressão nada agradável. Seus olhos estavam arregalados e a postura defensiva. Ele carregava uma corrente enrolada no braço direito, que se estendia por metros no chão. A corrente era fina, mas feita de algum metal cortante e brilhoso como prata.

Vinte segundos e o carro estava posicionado na parte traseira de um dos pátios. Emma estranhou que nenhum dos seguranças noturnos tinham aparecido, mas logo ela se recordou que aquela parte específica da construção fora desativada. Outros três homens saíram do carro. Todos eles carregavam uma pequena espada, que amarravam na cintura. Emma analisou o perímetro, mas estava sem saída. Porém, se ela conseguisse ultrapassar o homem da corrente, então chegaria na central do prédio e chamaria por reforços. Sua moto estava fora de cogitação. Os três homens se jogaram em sua direção. Brandiram as espadas, mas Emma bloqueou os ataques. Todos eles eram carecas, embora um possuísse uma tatuagem na cabeça.

Emma acertou seu machado na perna do homem tatuado, que caiu de joelhos no chão e urrou de dor. Com um movimento rápido, ela bloqueou outro ataque e derrubou o segundo homem, que usava uma corrente de outro com um símbolo estranho como pingente. Esse caiu desmaiado, pois levara um único soco no queixo. Para o terceiro, Emma emboscou uma rasteira e o atingiu no peito com a ponta do cabo de madeira do machado. Ele ficou sem ar e desmaiou. A princesa procurou pelos outros dois armados, mas não os encontrou. Contudo, ela estava preocupada com o cara da corrente, que mal tinha se mexido durante a luta.

Havia um quarto, que Emma não tinha visto devido à penumbra. Ele estava escondido próximo ao muro do pátio e carregava uma faca. Ela desviou dele e pela primeira vez, o homem da corrente se moveu. Conforme caminhava em direção à Emma, ele batia com a corrente no chão e fazia um barulho agudo. O quarto soldado da faca pulou na sua frente e tentou acertá-la na região do abdômen sem sucesso. Emma o cortou na perna esquerda, mas fora superficial o suficiente para não causar uma hemorragia. O homem da corrente acertou um chute nas costas da princesa, que se abaixou com dor por um instante.

Se quisesse mesmo sobreviver, Emma precisaria agir da forma como nunca gostara. Vinha se segurando desde o início do ataque, sobretudo porque poderia arrancar informações daqueles mercenários. Entretanto, em momentos como aquele não havia motivos para hesitar. Emma apertou o machado em sua mão esquerda. Sentir a madeira do cabo e o peso do metal trazia para ela lembranças dos conflitos que enfrentara, quando ainda era uma aspirante a guerreira. As primeiras guerras jamais seriam esquecidas e as vidas de seus colegas sempre honradas. Emma se lançou para o homem das correntes e acertou uma rasteira o derrubando no chão.

O quarto mercenário tentou outras vez, mas ela era mais rápida e experiente. Ele era apenas um rapaz, certamente ainda em treinamento, pois parecia inseguro. Emma se aproveitou do nervosismo dele para deixa-lo atordoado ao dar-lhe um golpe na lateral da cabeça. O homem da corrente tinha se levantado e girou a mesma, que zuniu no ar como uma sinfonia desarmônica. Na segunda chibatada, a corrente pegou no rosto de Emma e ela enxergou vermelho através do olho esquerdo. O direito ainda estava intacto, mas diminuir o campo de visão era uma desvantagem considerável numa luta desequilibrada.

Emma se protegeu de outra chibatada, mas o rapaz mais novo já estava em pé novamente. A princesa sentia muita dor, a ponto de não conseguir controlar seus movimentos, o que a deixou vulnerável. O homem da corrente a acertou, desta vez nas costelas do lado direito. Respirar era uma tarefa quase impossível e Emma sentia gosto de sangue na boca. Então, antes que ela pudesse se recuperar, o rapaz da faca cravou um golpe certeiro em suas costas. Não havia condições para que ela continuasse, o que a leva a crer que existia algo muito estranho naquele ataque. Emma já tinha passado por situações bem piores, inclusive à beira da morte, onde conseguira se defender e fugir. No entanto, ela mal se movimentava e os golpes que recebera não eram graves o suficiente para aquilo.

— O diabo te criou e permitiu que você vivesse. — O homem da corrente se aproximou e sorriu com os dentes amarelados e tortos. — Mas Deus vai purificar sua alma e leva-la ao inferno.

— Diga a Tristan... Diga a ele que... — Emma balbuciou com a voz trêmula, mas não tinha forças para continuar.

— Quem é esse homem? — Ele franziu o cenho e olhou para seu parceiro, que estava ao seu lado com uma careta de dor. — Não importa, nada disso importa mais. Você está livre dessa aberração, vai arder no fogo de Deus, onde ficará pela eternidade até que ele decida...

Não completou, pois tiros ecoaram pelo quarteirão. Emma já não escutava quase nada, porém se recusou a fechar os olhos. A lateral esquerda de seu rosto estava dormente, embora ela não percebesse com clareza, pois suas costas ardiam de forma absurda. Antes que se deixasse levar pelo cansaço e a estranha letargia que dominava seu corpo, Emma avistou uma sombra e sentiu um perfume que ela conhecia muito bem. No entanto, não tinha mais condições para suportar os ferimentos. Então, num último suspiro e pela primeira vez em doze anos, Emma rogou aos Deuses que não a abandonassem ou ela jamais veria Regina outra vez.


Notas Finais


E aí? Teorias? Críticas? Querem me matar? O que acharam?
Lembrem-se, eu amo vocês, então me perdoem pela Emma hahahahha
Até breve, abraços. =)

(Sobre o grupo do whatsapp em relação a fanfic, me procurem por mensagem privada quem tiver interesse).


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