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História A Leoa e a Coruja - Capítulo 11


Escrita por: Sapatomics

Notas do Autor


Boa noite, pessoal.
Não tem jeito, eu sou um animal noturno e só consigo atualizar de madrugada. Espero que tenham paciência com isso. O capítulo de hoje foi aguardado por muitos, mas ainda estamos no começo da história, então fiquem calmos. Peço que ouçam a música de hoje, ela é importante e acompanha muito bem o capítulo. Boa leitura!

Música: Into Dust - Mazzy Star.

Capítulo 11 - Capítulo 11


(Storybrooke, há 50 anos)

Suas mãos estavam extremamente doloridas. Os nós dos dedos ensanguentados, as lágrimas queimavam os olhos, mas não caíam. Ele não poderia permitir que elas caíssem. Era isso, ou ter mais uma vez aquela maldita régua acertando suas mãos. A dor era tão forte, que mal conseguia sentir o que fazia. As teclas do piano lhe davam pequenos choques nas pontas dos dedos e aumentavam o seu sofrimento. Não entendia por que sua mão o obrigava a isso. Não entendia como os adultos poderiam ser tão cruéis. Ele queria brincar lá fora, correr e se divertir como as outras crianças. Mas George não era como as outras. Ele era um príncipe.

— Concentre-se. — Seu professor o tirou de seus devaneios.

— Aumente para três palmatórias. — A voz de sua mãe, a rainha, ecoou pelo salão musical fazendo o garoto se encolher. — Caso ele erre mais uma vez a nota.

— Por favor, eu preciso descansar... — suplicou com seu timbre infantil e trêmulo.

-— Não seja fraco!  – A rainha gritou, se aproximou e desferiu um tapa em sua cabeça. — Nenhuma hora a menos de ensaio, George. Eu já lhe disse que os desistentes sempre perdem antes mesmo de começarem.

— Vamos lá, mais uma vez... — O professor de bigode preto e rosto gordo indicou o som que gostaria que ele reproduzisse.

Pelo menos duas vezes por semana, as suas tardes eram verdadeiras torturas. Não só as aulas de piano e violino, mas também tinha esgrima, pelo menos duas línguas diferentes do idioma petroiano, economia, política e literatura clássica. Os castigos eram variados. Palmatórias, refeições racionadas, surras, dias sem nem ao menos ver a luz do Sol trancado em seu quarto com as cortinas fechadas, ficar ajoelhado em frente à mesa da mãe, até que ela terminasse seu trabalho. Além do sono regulado todas as noites.

No entanto, a punição que ele mais temia era a que sua mãe mais lhe dava. Havia um quarto, uma espécie de armário, perto da cozinha. A rainha o trancava ali durante dois dias inteiros ou mais, apenas tomando água e saindo para ir ao banheiro. Seu irmão, Leopold, por ser mais novo não tinha as mesmas penitências. Era o preferido entre os dois, e dificilmente tinha alguma responsabilidade ou tarefa a cumprir. Leopold seria rei, por isso deveria ser tratado como um nobre. Já George seria seu braço direito, o que era apenas uma desculpa para dizer que ele resolveria os problemas de Petroia, enquanto o irmão levaria o crédito, a fama e as riquezas do clã Swan.

Continuou com sua aula de piano. Não levara mais pancadas nas mãos, mas isso não diminuía a dor que sentia. Sabia que mais tarde, quando seu sangue esfriasse, iria chorar até adormecer. Seu pai tentava ajudá-lo, mas uma vez George o viu ser humilhado pela rainha. Ele sabia que não era certo, no entanto, se nem mesmo seu pai poderia se defender, o que um garoto de dez anos faria? Nada.

 Levantou-se após a aula, indo direto para seus aposentos a fim de se arrumar para o jantar. Deveria ficar apresentável e usaria luvas para esconder os hematomas nos dedos. Caso alguém perguntasse, deveria dizer que era um tratamento médico para problemas na articulação.

Mesmo ele sendo uma criança, muitos acreditavam naquilo. Porém, os poucos que sabiam a verdade nada comentavam. Era isso, ou enfrentariam a ira da rainha Alana, uma mulher amada pelo povo, mas temida por aqueles que conheciam sua verdadeira face. George estava cansado, quase caindo de sono em cima de seu prato. Mesmo assim, mantinha a postura. Não queria ficar trancado no “Quarto Escuro” como costumava a chamar aquele armário. Que além de apertado, quente e abafado, ainda tinha um cheiro de mofo insuportável. Preferia morrer a voltar para lá mais dois dias. No entanto, sabia que em breve aquele seria seu destino, bastasse que a mãe acordasse de mau humor.

Todos foram se deitar, mas ele ficara na mesa, pois Alana assim ordenara. Estava com medo, muito medo de sua própria progenitora. Aquela que supostamente deveria amá-la incondicionalmente e cuidar de seu bem estar. Tentava não tremer a cada passo que a mãe dava em sua direção. Esta que lhe disse para que saísse da cadeira e a siga até seu escritório. George assim o fez, em silêncio e de cabeça baixa. Ao chegar, Alana fechou a porta se colocando à frente do filho.

— Sabe George. Meu pai dizia que o pior defeito da humanidade, aquele que é repudiado até mesmo pelos deuses, é roubar. — Olhou para o garoto, com um semblante estranhamente neutro. – Quando você mata você está roubando o direito do outro de viver. Quando você mente, você está roubando do outro o direito da saber a verdade. E é claro, quando você pega algo que não te pertence, você está roubando aquilo que uma pessoa se esforçou para adquirir. Entendeu?

— Sim, majestade. — Era desta forma que Alana gostava de ser chamada, até mesmo pelo marido e os filhos.

— Então, eu vou perguntar apenas uma vez. Você roubou comida de nossa cozinha?

— Não, claro que não. — Fechou os olhos tentando parecer firme em sua fala. — Eu sei que não devo pegar nada sem sua permissão, ou comer aquilo que me é proibido.

— Nenhum dos empregados faria isso. Você sabe que eles são de minha confiança. Nem seu pai, nem seu irmão estavam em casa esses dias, pois chegaram de viagem hoje. — Sua voz estava alta e descontrolada. — Agora confesse George. Foi você quem fez isso? — O filho assentiu, deixando lágrimas caírem. — Engole o choro! — esbravejou enquanto apertava forte o queixo do pequeno, obrigando que a olhasse. As unhas longas cortavam a pele macia. — Por que você fez isso?

— Porque eu... — Não seria correto dizer que era para uma criança que passava fome e pedira dinheiro para ele, através do portão da mansão, ou a criança seria encontrada e punida. — Porque eu quis.

Sim, era um ato de bravura, mas infelizmente o corpo magro e miúdo do príncipe não poderia ir contra os músculos protuberantes da mãe, que tinha exímio treinamento militar. Enquanto dizia que o filho merecia, que ele não passava de um ladrão ingrato, Alana o enchia de socos e pontapés. Minutos após aquela tortura, o garoto estava semiconsciente no chão.

A rainha ordenou que a governanta da mansão, naquela época uma senhora que seguia fielmente as ordens dela, levasse George para seu quarto e cuidasse dos ferimentos. Mas, que não fosse permitido que este saísse para nenhum outro local, além das dependências da casa. A senhora assim o fez. Afinal, precisava daquele emprego e não seria ela quem interferiria na criação dos herdeiros. Sabia da fama de carrasca de Alana, pelo menos entre os empregados que a enfrentavam.

Assim que acordou na manhã seguinte, George sentiu seu corpo inteiro dolorido e mal conseguia abrir seu olho direito, estava extremamente inchado. Uma outra senhora quem cuidou de seus machucados, enquanto chorava silenciosamente. Arthur, seu pai, acompanhava do canto do quarto com os lábios comprimidos e os olhos vermelhos. Nenhuma palavra foi dita. Os três sabiam que eram prisioneiros daquela mulher que jurou protegê-los e amá-los. George tinha apenas nove anos, mas sua vida já parecia um fardo pesado demais para se carregar.

 

***

 

 

(Storybrooke, tempo presente)

Acordou assustado e se sentou rapidamente na cama. A respiração estava ofegante, o coração acelerado e o suor que cobria sua face eram os sinais de que não foi apenas um pesadelo qualquer. Era uma lembrança. Uma dolorosa e horrível lembrança, de uma época que queria esquecer, mesmo que fosse impossível. Há muito tempo não pensava em sua mãe e nas coisas cruéis que passou na infância. Se é que se pode chamar aquele calvário de infância. A noite em que a rainha soube do pequeno furto foi a que mais o machucou, tanto fisicamente quanto psicologicamente.

Lembrou-se de arder em febre devido à dor. Teve ferimentos internos, mas deveria suportá-los porque se fossem ao hospital alguém desconfiaria. Afinal, sendo rainha ou não, as leis contra abuso infantil em Petroia eram bastante rígidas com aqueles que cometessem tal crime. O que era no mínimo irônico, tendo em vista que o próprio príncipe sofria com isso. Seu pai chorava quase sempre que o via. Mas Leopold... Esse nem se deu ao trabalho de visitá-lo em seu quarto. Ainda o causava angústia todas aquelas memórias, mas preferiu afastar tal pensamento. Ingrid ainda dormia ao seu lado, mas logo se remexeu. 

— O que foi? Você está passando mal? — A rainha perguntou e se sentou. Verificou as condições de George com as mãos e com o olhar.

— Não. — Abaixou o rosto, pegou nas mãos de sua esposa e as apertou entre seus dedos. Odiava parecer fraco diante dela. — Eu só tive um pesadelo.

— De novo os mesmos pesadelos? — Acariciou o rosto do rei e deu um beijo em seus lábios secos. — Vem, vou preparar um chá para você.

Vestiram seus roupões por cima dos pijamas e desceram as escadas lentamente. As dificuldades de locomoção de George só se acentuavam a cada dia. Chegaram à cozinha, que àquela hora da madrugada estava vazia. Os empregados que ali moravam, provavelmente dormiam. No entanto, assim que acenderam a luz, os dois encontraram Alexis sentada na mesa, com um copo de chocolate quente na mão e os olhos fechados. Não aparentava dormir, mas sim refletir sobre algo. Seu rosto demonstrava certo cansaço.

— Filha? — Ingrid se aproximou e viu a garota abrir os olhos com um sorriso contido. — O que faz aqui de madrugada?

— Estava em mais uma de suas... Casas noturnas? — George provocou. Não era tão próximo de sua caçula, não conseguia acompanhar a energia dos jovens e Alexis estava sempre em festas ou viagens sem aviso prévio.

— Seria uma boa ideia, meu velho. — Tomou um gole de sua bebida e cruzou as pernas cobertas pela calça de moletom cinza. — Mas não. Eu estava até agora lendo alguns projetos da Universidade. Eles não me dão descanso.

— Entendo. — George piscou surpreso e admirado, mas não quis transparecer. — Então já sabe quando fará sua prova final?

— Sim, no entanto, outras coisas também me preocupam.

— Como o que?

— Eu saí algumas vezes com o filho mais novo do Midas.

— Não me diga que vocês... — George pigarreou com receio de completar a frase. Não o agradava a ideia de sua princesa se relacionando com aquele rapaz, mas não podia interferir.

— Pelos deuses, não desta forma. — Balançou a cabeça e riu. — Aliás, eu imagino que ele não gosta muito de mulheres.

— Entendi. Então, qual o problema?

— Creio que ele tenha ouvido o pai falar sobre Barbacenas e as negociações, pelo menos algumas vezes. Não consegui arrancar muitas informações que sejam úteis, mas...

— Por favor, deixem isso para depois. — Ingrid interrompeu e revirou os olhos azuis, mas no fundo estava aliviada com a conversa amigável de ambos, que fez George ignorar o pesadelo. — Bom, já que não ando te vendo muito, então vou comunicar algo. Trata-se de uma ordem, não estou aberta a discussões.

— Isso não me soa muito agradável. —  George brincou e arrumou um pouco de chocolate quente para si, exatamente na mesma medida que Alexis gostava tanto. Viu a esposa o repreender com o olhar, mas apenas deu de ombros. 

— Você vai experimentar sua roupa na próxima semana para o aniversário do seu pai. E ainda temos que confirmar com Emma e Regina sobre o casamento, pois se isso acontecer mesmo, a cerimônia já passou da hora de ser planejada.

— Eu não vou usar uma roupa tradicional.

— Que seja esses trapos que os jovens usam hoje em dia, mas da organização da festa você não escapa. — Franziu o cenho e deu por encerrada aquela conversa.

— Sim, senhora. — Murmurou e se encolheu na cadeira. Ingrid não era do tipo que dava muitas ordens, mas quando o fazia ninguém tinha coragem de desobedecer.

— Óh! Eu me lembro dessa mesma tortura no meu último aniver... — Ficou tonto e quase caiu no chão, se não fossem os braços de Alexis à sua volta.

— Pai? — Colocou o rei sentado à mesa. — Tudo bem? Precisa de algo?

— Não. — Fechou os olhos por alguns segundos, mas quando os abriu tinha a vista turva. — Um pouco de água, por favor.

— Claro.

Ingrid atendeu seu pedido e olhou preocupada para Alexis. As duas possuíam expressões assustadas, embora a mais nova conseguisse disfarçar melhor. Elas sabiam que George não estava nada bem. E isso ficava cada vez mais evidente. George terminou seu copo com água e o telefone tocou. Alexis atendeu e Ingrid ficou com o marido para vigia-lo.

— Lily? Fale devagar, o que foi? — A princesa se afastou em direção à sala, pois não queria perturbar o pai.

Por favor, chame George, é urgente.

— Ele não está se sentindo bem. Pode me falar.

É a Emma, ela foi atacada.

— O que? Como? Quando?

Lily explicou as poucas informações que tinha e pediu que alguém alertasse a David. Da cozinha, Ingrid ouviu a filha no telefone e indagou o que havia acontecido, mas Alexis pediu que ela não se preocupasse, mentiu que era apenas uma amiga da Universidade que tinha perdido o seu próprio livro e precisava estudar para uma prova do dia seguinte. A garota correu pelas escadas, que davam acesso aos quartos e arrumou suas coisas. Ela precisava ser rápida, se quisesse ajudar a irmã.

 

***

 

Emma nunca sentira tanta agonia, nem mesmo quando esteve à beira da morte numa missão complicada do exército. Seu corpo estava dormente e ela não conseguia se mexer. O perfume que sentira antes se tornou cada vez mais forte à medida que os tiros cessavam. Escutou vozes, que no início eram indecifráveis, e por fim, reconheceu pelo menos uma delas.

— Emma! Emma! Levante-se. — Bomani gritou.

— Acho que ela está inconsciente. Precisamos tirá-la daqui. — Outra voz comentou, mas essa Emma não conhecia.

— Os ferimentos são leves demais. O que aconteceu?

— Não sei, mas ela também está perdendo sangue. Vamos para um hospital.

— De forma alguma. — Bomani pisava forte em volta da princesa, mas ela não sabia o que ele estava fazendo. — Ninguém que não deve saber sobre isso pode vê-la. Já sei o local adequado para ajuda.

— Tem certeza?

— É claro que tenho, Fa. — O general começou a delegar algumas tarefas, que Emma não entendeu porque se sentia cada vez mais fraca.

— A hemorragia está aumentando, Bomani. — A voz feminina disse próximo ao rosto de Emma.

— Ok.

A princesa sentiu um tecido pressionar seu rosto e alguém pegá-la no colo. A julgar pelo perfume, era Bomani quem a carregava. Ela quis avisá-lo que estava consciente, mas não conhecia mexer sequer a boca. Sentiu tanta ardência no olho esquerdo, que desistiu de abrir os dois.

— Você está acordada, eu percebi. — Bomani sussurrou.

— Tenho uma hipótese baseada nas armas que encontramos com aqueles caras.

— Qual?

— Talvez algum veneno. — A mulher respondeu, seu timbre era trêmulo e os batimentos cardíacos muito rápidos. Emma percebeu que ela estava um pouco assustada e talvez preocupada.

— Faz sentido, mas eu preciso que um médico a veja.

— Senhora Comandante, pode me escutar? Se sim, tente algum sinal, por favor. — Pediu a mulher.

— Acho complicado que ela faça isso, está perdendo muito sangue e se for envenenamento, precisamos retirar do organismo dela agora. — Bomani colocou Emma no assento traseiro de um veículo, que ela não reconheceu de imediato. No entanto, pelo barulho do motor e o bater das portas só poderia ser uma caminhonete.

— Para onde vamos? Esse caminho é...

— Sim, do hospital militar. — O general atingiu a velocidade máxima e se não fosse a sua experiência em dirigir em zonas de risco, eles com certeza sofreriam um acidente.

— Faz sentido, ela é a mais alta patente.

— Quero que ligue para a Lily, depois para um homem chamado Murilo. Ele é responsável pela segurança do hospital e vai permitir nossa entrada sem as burocracias necessárias.

— Tudo bem.

— Depois mobilize a equipe de limpeza e solte um decreto, eu mesmo vou assinar, pois estou às ordens da Comandante.

— Não seria melhor avisar os —

— Nem pense nisso! — Emma abriu um pouco o olho direito e mesmo que estivesse com a visão embaçada, conseguiu ver Bomani encarar a mulher como se ela tivesse falado a coisa mais absurda do mundo. — Não vê que ela foi atacada no nosso território?

— O prédio estava abandonado.

— Essa não é a questão! — O general aumentou o tom de voz e ultrapassou a fala da mulher. — Emma é um alvo em potencial. Sempre foi, desde que nos conhecemos eu sabia disso. E as pessoas que a querem morta podem ser aqueles que estão ao lado do rei.

— É uma acusação séria, general.

— Sabe o que é sério e muito grave? — Bomani girou o volante e Emma sentiu um solavanco no corpo. — A nossa futura rainha deitada no banco do meu carro e à beira da morte.

— Desculpe. — A mulher suavizou o timbre e Emma a viu por uma abertura no encosto do banco, ela abaixar a cabeça.

— Você está preocupada e confusa. Sei disso. É sua primeira missão, certo?

— Tecnicamente, sim. — Ela assentiu. — Na verdade, eu tinha acabado de chegar para cumprir o meu turno, quando o senhor me abordou e eu vi toda a movimentação estranha.

— Seja bem-vinda, então. — Bomani riu brevemente. — Que jeito intenso de estrear.

— Talvez, mas eu estava ansiosa por alguma emoção.

— Poderia ter sido uma menos perigosa para o reino. — O carro freou e Emma sentiu outro solavanco. — Merda, a patrulha não deveria estar em outro local?

— Eles... Eles estão aguardando os artistas do... Festival. — A princesa murmurou. Embora na cabeça dela tenha sido alto.

— Emma! — O general se virou para o banco de trás. — Pode me ouvir corretamente? O que está sentindo?

— Fale baixo. — A mulher se virou também e Emma pôde ver que era linda. Seus traços eram delicados, sobretudo os olhos repuxados nas pontas e o nariz fino, mas a expressão passava firmeza.

— Não leve a mal, garota... Ele é... Emocionado. — Tentou rir, mas um tremor percorreu seu corpo e ela mordeu a língua. — Merda! — Urrou de dor e revirou no banco, quase indo ao assoalho do veículo.

— Não se mexa, o veneno pode se espalhar. — A mulher alertou.

— Qual... Qual seu nome?

— Pode me chamar de Mulan.

— Muito bem... Agora, Mulan... Você tem outra ordem. Sob hipótese alguma... Deixe que... — Emma tossiu e um líquido estranhou saiu de seus lábios pálidos. Era sangue, mas misturado a outro elemento. — Deixe que eu morra antes dela sabe... Ela tem que saber... No chão do quarto da mansão... Tem... Tem os meus diários. Eles estão no chão do quarto... Na mansão. Isso, na mansão. Entregue... Entregue à ela... Por...

Antes que pudesse terminar, Emma foi atingida por mais tremores, enfim, seus sentidos se entorpeceram e para ela restou apenas a escuridão.

 

***

 

Todos os dias, Ingrid ligava para Regina. As duas tinham uma proximidade grande, mas a duquesa sempre se resguardou. Não conseguia dar a atenção necessária para a sogra, principalmente após a morte de Robin. Não que ela não gostasse da rainha, mas suas mudanças de humor eram constantes. Regina estava sobrecarregada em sua cooperativa e ela sabia que era mais uma questão de escolha, do que do trabalho propriamente dito.

Porém, há três dias que ela não recebia notícia de ninguém da família real. Tinker e Mary pareciam evasivas demais, até mesmo quietas. Sobretudo Mary, que conversava tanto a ponto de incomodar Regina. Ela tinha percebido que David também não havia passado pela cooperativa, e ele costumava almoçar com ela algumas vezes na semana. De fato, as coisas estavam estranhas. Nem mesmo Killian, que sempre mandava mensagens provocativas em relação à Emma, tinha aparecido até então. Sentindo-se um pouco deslocada, Regina decidiu almoçar em seu próprio escritório. Ligou para Zelena, mas a ruiva estava na cama de alguém e dispensou a irmã para viver mais uma aventura sexual. Regina estava comendo, quando Aurora apareceu em sua sala carregando uma vasilha.

— Posso acompanha-la?

— Sim, claro. — A duquesa assentiu e apontou para que a outra se sentasse na cadeira à sua frente.

— Poucas vezes a vi comer por aqui.

— É porque hoje me abandonaram. — Brincou e sorriu. — E você? Não vai almoçar com seu filho hoje?

— Não. — Balançou a cabeça e se ajeitou. — Ele está com os avós maternos e quando é assim, não me dá muita moral.

— Entendi.

— Bom, sei que não é adequado conversar sobre problemas enquanto comemos, mas como vai o projeto daquela escola?

— Quase terminando. Alguns materiais vão chegar em breve.

— Não deve ser fácil lidar com os distribuidores. — Aurora sorriu, colocou uma garrafa de suco na mesa e serviu as duas. — Ainda bem que minha função é puramente artística e de planejamento.

— Você não gosta de lidar com comerciantes?

— Com pessoas, em geral. — Deu de ombros.

— Admito que pode ser cansativo.

— Imagino. — Remexeu sua comida. — Posso fazer uma pergunta?

— Sim. Vamos dispensar essas formalidades.

— Muito bem. — Respirou fundo. — Você vai... sabe... se casar com a princesa?

Regina quase engasgou, mas engoliu a seco as batatas cozidas. Bebeu um gole de seu suco e coçou a nuca.

— Perdão. Eu não quis...

— Não se preocupe. — Mordeu o lábio inferior e desviou o olhar. — Eu não sei, sinceramente.

— Entendo.

— Não é uma decisão só minha e sequer é uma obrigação.

— Claro, eu sei que não é uma lei.

— Por outro lado, ainda continua um hábito comum entre os nobres.

— O motivo da minha curiosidade foi esse. — O rosto de Aurora se tornou rubro. — Eu acho.

— Depois de perder Robin, as coisas ficaram... Complicadas.

— Sinto muito por isso.

— Enfim, e você? Não tem ninguém?

— Não, pelos Deuses... — Aurora sorriu ainda com o rosto rubro e a voz baixa. — Não tenho.

— Me parece pouco provável que alguém como...

— Senhora Regina. — Um rapaz de vinte e poucos anos entrou afobado no escritório. Ele estava ofegante e suado pelo esforço. — Tem uma mulher pedindo para falar com a senhora, ela diz que é urgente e não me parece nada bem.

— Pietro, não precisa me chamar...

— Eu acho que a senhora deveria vir. — Os olhos castanhos do rapaz estavam arregalados.

— Muito bem, deve ser mesmo importante. — Regina se levantou e limpou a boca com um lenço que estava em uma de suas gavetas. — Me desculpe, Aurora, mas nossa conversa fica para outra hora.

— Tudo bem, claro.

— Onde ela está Pietro? — Regina indagou assim que saiu do seu escritório e foi para o corredor.

— Na sala de reuniões, aquela mais isolada.

— Obrigado.

Quando Regina chegou à sala, estranhou a figura conhecida em pé ali e com o rosto banhado em lágrimas. Ao lado dela estava Cora. As duas tinham as expressões abatidas, embora a senhora Mills se mantivesse mais séria e contida. Lily passou a mão nos cabelos e enxugou as lágrimas com a manga do casaco de lã marrom que usava.

— O que aconteceu?

— Regina, você precisa me escutar bem. — Cora disse.

— Bom, eu estou escutando.

— Aconteceu algo grave e que paredes finas como essas não podem saber. — Alertou.

— Tudo bem, vamos para outro local. — Regina indicou com a cabeça e entraram num depósito velho, que estava desativado há quase dois anos por decisão da própria. — Agora me falam o que foi.

— Emma foi atacada. — Lily, pela primeira vez, murmurou. Ela colocou a mão sobre a boca para evitar um soluço.

— Quando?

— Fazem três dias. — Cora continuou. — A questão é que o ataque gerou consequências maiores do que poderíamos prever. Emma está... numa espécie de coma.

— Como assim? — Regina se apoiou numa prateleira de madeira antiga e mofada. — Não compreendo, ela... Ela é a Comandante Vermelha, pelos Deuses. Não tem como ela...

— Foi um veneno poderoso. — Lily fungou e limpou algumas lágrimas do rosto. — Quem fez isso planejava que ela morresse em poucos minutos.

— Onde ela está? — Colocou a mão na testa. Regina sentiu a vertigem deixa-la com as pernas bambas e o estômago enjoado.

— Imaginei que você gostaria de saber. Está aqui o endereço. — Cora entregou um pedaço de papel à filha.

— Não podemos ficar mais do que trinta minutos, eles isolaram a área e todos os quartos ao redor de Emma.

— Então, por que eu...

— Ela te chamou. — Lily interrompeu a duquesa. — O seu nome foi a última coisa que Emma repetiu inúmeras vezes antes de ficar semiconsciente.

— Não entendo.

— Regina. — Cora se aproximou da filha e pegou a mão dela entre as suas, que estavam muito quentes. — Por favor, coloque qualquer diferença entre vocês de lado. Ingrid e George estão fragilizados. Talvez eles não suportem outra...

— Eu vou!

Regina mal se despediu da mãe com um abraço tímido e um olhar afetuoso para Lily. Não se lembrou de avisar a Pietro, ou Aurora que não poderia concluir suas atividades naquele dia, porém, sabia que a mãe encontraria uma desculpar qualquer para encobri-la. A única coisa que Regina se preocupou foi em acelerar seu carro e chegar o mais rápido possível no endereço que recebera.

Logo que chegou ao hospital, percebeu uma quantidade razoável de guerreiros posicionados do lado de fora. A construção não passava a imagem que deveria, e Regina chegou a duvidar se tinha encontrado a localização correta. No entanto, reconheceu Bomani do outro lado do portão de madeira, que cercava a entrada principal. O hospital era, na verdade, um conjunto de pequenas cabanas de madeira. Em cada uma delas havia dois sentinelas guardando as portas, médicos, curandeiros e sacerdotes que entravam e saíam a todo minuto.

A duquesa estacionou o carro de qualquer jeito e se aproximou. Foi barrada por um soldado, que se recusou a deixa-la entrar, mesmo que ela se identificasse como duquesa. O soldado insistiu que nem mesmo a família real tinha passe livre, exceto o rei e a rainha. Regina queria socar o rosto daquele homem exageradamente alto, mas se deteve. Não era o momento de fazer uma cena teatral.

— Escute, meu rapaz, eu respeito sua firmeza. Acredite, sei apreciar muito bem a disciplina. Mas não tenho escolha, eu preciso entrar.

— Duquesa Mills, não é permitido. — O soldado não mexeu sequer os músculos da face e seus olhos negros eram quase vazios. — Seu nome não está na lista.

— Pois pegue essa lista e...

— Regina. — Bomani se aproximou e parou ao lado do soldado. — Desculpe por isso, mas eu quem tinha dado essa ordem.

— Muito bem, agora revogue por mim.

— Regina, eu não...

— Sim. Você vai. — Ela aumentou o tom de voz e mordeu o lábio inferior. Uma angústia apertava o coração dentro do peito e ela já não sabia quanto tempo aguentaria sem ver Emma. Uma angústia semelhante, ou quiçá maior de quando recebera a notícia do acidente de Robin. — Você sabe porquê.

— Eu entendo, mas não posso...

— Bomani. — Regina se aproximou do general e o soldado, pela primeira vez, encarou o rosto dela com empatia. — Ou você me deixa ver a minha noiva, ou eu juro que farei da sua vida um inferno.

Ficaram dois minutos fitando um ao outro, até que Bomani cedeu e fez um sinal para o soldado, que permitiu que Regina passasse. A duquesa sequer agradeceu, ou se despediu do general, que não a seguiu, apenas indicou em qual cabana Emma estava. A duquesa tinha uma única preocupação e não arredaria o pé dali até que sua futura esposa acordasse.

Não demorou para encontrar a cabana. Um médico estava na entrada, mas ela o ignorou, pois não ouvira o que ele disse. Sentiu um frio na barriga e as mãos suarem até que os pingos caíssem no chão de terra batida. Regina respirou fundo uma, duas, três vezes... E assim que entrou na cabana de apenas um cômodo, seu coração veio até à garganta e errou o compasso. O corpo sobre a cama está pálido, tão pálido que Regina duvidou se havia vida ali. No entanto, ela precisava ser forte. Por ela e por Emma.


Notas Finais


Gostaram? Me deixem saber a opinião de vocês, por gentileza. Ah, e me avisem por mensagem privada sobre o interesse no grupo do whatsapp para a gente fofocar sobre a fanfic e outros shipps.

Até logo =)


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