1. Spirit Fanfics >
  2. A Leoa e a Coruja >
  3. Capítulo 9

História A Leoa e a Coruja - Capítulo 9


Escrita por: Sapatomics

Notas do Autor


Olá, pessoal. Bom, aparentemente eu tenho fetiche por atualizar minhas fanfics de madrugada, mas cá estou. De antemão, quero desejar a todes um Feliz Natal (atrasado, eu sei). Espero que possam ter saúde e alegria na vida de vocês. Esse capítulo não teve revisão, pois eu dei um perdido na minha leitora beta (espero que ela não me mate). Eu vim correndo atualizar, pois estou em falta com vocês. Enfim, tentarei voltar antes do Ano Novo.

Nesse capítulo teremos música: Loreena McKennitt - The Mystic's Dream. Por favor, escutem, pois a música é muito muito importante, principalmente no começo.

Boa leitura!

Capítulo 9 - Capítulo 9


Quando ele abriu seus olhos, a penumbra tomava conta do campo de alecrins. Fazia frio, bastante frio. Os pelos de seu peitoral estavam eriçados, mas ele estranhou quando abaixou a cabeça. Não havia pés, mas pernas longas e cascos. Estava sob duas patas e o corpo enrijecido. Nos braços e no peitoral, os pelos eram finos e claros como dos humanos que conhecia no vilarejo onde morava, no entanto, do abdômen e à medida que os pelos desciam abaixo de sua cintura se tornavam cada vez mais grossos e escuros.

Seus braços eram muito fortes, tão fortes que poderiam derrubar cinco dos mais valentes guerreiros do sul. Seus cabelos continuavam dourados, como imaginava que fossem. Os cachos se enroscavam uns nos outros e balançavam com a brisa. Sentiu um peso em sua cabeça, mas não era desconfortável. Era uma extensão de seu corpo e quando a tocou, pôde identificar um par de chifres. Eram muito longos e retorcidos. Por que era daquela forma? Então, antes que pudesse procurar por respostas, um grupo de jovens mulheres corria em sua direção e dançavam conforme outro grupo de rapazes tocavam tambores feitos de couro.

Esquivou-se cobrindo o rosto, mas os adolescentes não deram atenção a ele. Riam e cantavam letras no idioma antigo petroiano. Formavam círculos pequenos e depois fileiras, onde levantavam os braços e bailavam ao som das cantigas tradicionais. Outro grupo, desta vez de adultos, seguia juntos em passos mais lentos e jogando flores e pós coloridos para o alto. Já estavam totalmente pintados e com os cabelos úmido. Então, ao se virar para a direção em que as pessoas se dirigiam, ele viu o que os atraía até ali. Era um festival, um festival em nome dos espíritos da floresta.

Observou os humanos por alguns minutos, mas temia que o atacassem se o vissem. No entanto, havia algo que o atraía até ali. Era como uma força gravitacional impossível de ser vencida. Cedeu ao chamado e se aproximou, ainda se acostumando com seus cascos, mas alguma coisa dentro de si o dizia que já sabia andar naquelas condições, porque afinal nascera assim. Aliás, onde estavam os outros de sua espécie? A pergunta não demorou a ser respondida, quando avistou outros como ele reunidos com os humanos e com os chifres enfeitados. Estavam muito belos, embora mantivessem o ar altivo e postura firme. Eram nobres. Os verdadeiros chefes de sua aldeia, que estava infestada por outros criaturas menores e diferentes. Eram os mensageiros dos espíritos da floresta. Eram os hirbic.

Ele então percebeu que numa mecha de seus cabelos tinha uma trança grossa e nela algumas flores amarelas penduras. Eram pequenas e de pétalas delicadas. Os punhos estavam cobertos por braceletes de ouro e no nariz um brinco no septo. Eram os enfeites de um rei. Reconheceu, de algum lugar que não se recordava, o símbolo tatuado no antebraço. A marca da realeza e do cargo de chefe daquela tribo. Era o comandante, o guardião de toda sua espécie e seu povo. Nos seus chifres, também havia enfeites, embora não pudesse vê-los. Lembrava-se de alguém, um hirbic muito especial que havia enfeitado seu corpo antes do festival. O toque ainda ardia em sua pele, como o aviso de que era alguém que ele amava profundamente. O rei de seu coração, seu amado e seu companheiro. Onde estava?

Então, do outro lado dos grupos que dançavam e cantavam ao redor de uma fogueira, estava o dono de seus sonhos. Qual era seu nome? Sim, seu nome era Ragnar. O hirbic que se casou com ele e juntos juraram amor eterno e fidelidade debaixo da figueira, a árvore onde celebravam os rituais mais importantes de seu povo e oferendas aos deuses. A pele dele era marrom e os cabelos pretos, quase como a noite que se aproximava. Ele sorriu, sorriu como se tivesse visto o próprio deus da beleza. O abdômen do rei se contraiu e suas mãos suaram. Não tardou em caminhar até seu esposo, quase correu, mas precisava não podia demonstrar tanta emoção. Não era do seu feitio demonstrações de afeto em frente aos aldeãos. Recostou no suporte de madeira, onde Ragnar estava apoiado.

— Você está tão belo, que eu poderia montá-lo aqui mesmo, mas eu acho que assustaria as humanas que o cobiçam tanto. — Ragnar murmurou com os lábios próximos demais de sua orelha.

— Pare.

— Tem certeza, meu rei? — respirou fundo e o ar de suas narinas era tão quente, que deixou os pelos da nuca do marido eriçados.

— Pare.

— Hum. — Deu de ombros e descruzou os braços. — Não me procure para aquecê-lo hoje, então. Divirta-se com as próprias mãos, querido.

Ragnar saiu batendo os cascos no chão em protesto. As orelhas dele se abaixaram. O rei, de alguma forma, reconheceu a postura um pouco juvenil e exagerada. Revirou os olhos e seguiu o esposo até certo ponto. Quando já estavam quase dentro da floresta densa, o pegou pelo braço e o jogou contra uma árvore de tronco largo e galhos enormes. Ragnar gargalhou e arqueou a sobrancelha esquerda. Seus lábios eram tão carnudos, que se destacavam do restante do rosto quadrado. Os olhos eram verdes, quase como esmeraldas brilhando com a luz do Sol. O rei sabia que jamais resistiria a qualquer pedido que aqueles lábios sussurrassem em seu ouvido. Ragnar costumava montá-lo às noites de amor, mas agora ele queria se vingar pela pequena birra.

Sem dizer uma só palavra, o rei levantou o esposo do chão e este apoiou as pernas em sua cintura de forma desajeitada. O rei podia sentir os cascos contra suas nádegas, que ficavam doloridas à medida que se enroscavam um contra o outro. O pênis de Ragnar estava ereto, o que dificultava a manobra, mas o rei mal sentia o desconforto. Seu próprio membro entrava e saía do sexo úmido e escorregadio de Ragnar, que sempre se lubrificava com facilidade ao menor sinal de carícia que o rei fizesse. Os hirbic eram todos dotados de ambos os sexos, mas apenas alguns exemplares conseguiam amamentar os filhotes. No caso de ambos, não poderiam amamentar nenhum deles, mas o rei já tinha parido um. À medida que penetrava o esposo, as imagens de suas vidas juntos o invadiam como cenas de uma história antiga e bastante conhecida. Ragnar chegou ao ápice primeiro, com um urro audível a metros de distância.

— Edmund, mais devagar...

— Me perdoe. — O rei interrompeu o movimento e se afastou brevemente de Ragnar.

— Não, continue, está... Agradável. Diferente, mas agradável. — Sorriu e lançou uma piscadela. — Você ainda não chegou lá.

— Bom, eu demoro um pouco mais, sabe disso. — Justificou com as bochechas rubras.

— Nunca reclamei, não é? — Acariciou o peitoral do rei e subiu suas mãos para os cabelos. Puxou com tanta força, que Edmund resmungou com a cabeça tombada para trás. — Agora, continue.

Com um som rude em concordância, o rei se pôs a penetrar novamente. Os braços já estavam dormentes em segurar Ragnar, que era mais pesado do que ele alguns quilos, mas não se importou. Concentrava-se apenas à sensação prazerosa de senti-lo tão aberto, tão quente e tão úmido. Como era extasiante. No movimento final, as ondas percorreram por seu corpo, que tremeu. Não costumava a fazer muito barulho, algo com que Ragnar já estava habituado, mas se libertava ao mordê-lo com força. O rei gostava de marca-lo sempre que podia.

— Isso, meu bem. — Beijou sua testa. — Fique calmo.

— Eu sei. — Soltou o esposo e se encostou à árvore. — Você ainda será o motivo da minha morte.

— Como é bobo, meu rei. — Gargalhou e ajeitou os cabelos de Edmund, que estavam grudados ao seu rosto suado. — Jamais te causaria dor, à menos que goste, é claro. — Mordeu os lábios inferiores.

— Você sabe que aprecio certa rudeza, mas temos um festival para participar.

— Sim.

— Vamos.

Caminharam juntos de volta à aldeia. Ragnar escutara um galho se partindo a alguns metros, mas ignorou. Talvez fosse apenas um animal passando por ali. Era comum que os cervos e leões da montanha se aproximassem na virada para o inverno, em busca de lugares mais quentes e aconchegantes para se abrigarem. Os dois conversavam sobre a próxima colheita antes da reclusão, o momento onde ficavam em suas casas com a comida e água que tinham armazenado durante o verão e primavera. Embora os humanos ainda saíssem nesses momentos, os hirbics não se expunham à estação congelante. Odiavam essa época do ano, pois podiam adoecer com facilidade e os filhotes sofriam muito com a temperatura baixa.

O festival continuava, a ausência dos dois não fora sentida pelos aldeãos, que se fartavam com o banquete e as músicas. Em certo ponto, havia como parte do ritual a dança entre o casal real. Ragnar e Edmund foram até o centro do círculo, próximo à fogueira. Reverenciaram um ao outro e num ritmo já conhecido há anos pelos dois, movimentaram-se à medida que os tambores aceleravam o ritmo. Os cabelos negros e dourados uniam-se e balançavam, os cifres se encostavam de vez em quando e as mãos se agarravam firmes, para depois se soltarem. Ragnar girava como um verdadeiro lorde e Edmund mostrava as presas e batia palmas para o esposo. A dança era uma referência ao período de reprodução, quando alguns hirbics cortejavam outros, em busca do parceiro ideal. A monogamia não era uma regra nesta época, embora fosse comum a exclusividade entre os pares no restante do ano.

Para muitos humanos que viviam na aldeia principal, os hábitos eram os mesmos. Logo o centro estava repleto de casais, que dançavam e se encantavam. Ragnar e Edmund riam, já tomados pelo efeito das várias taças de vinho. Estavam próximos, a dança não era mais o ponto principal entre os dois, apenas o toque de seus lábios. Beijavam-se em meio ao abraço compartilhado há tanto tempo. Armenita, a hirbic que o rei gerou, correu na direção dos dois e o abraçou pela cintura. Ragnar pegou o filhote no colo e passou a mão pelos cachinhos castanhos, que caíam na altura dos ombros. Os cabelos eram partes importantes de seu povo, pois demonstravam a força e a beleza dos deuses.

Entretanto, o festival não acabaria da forma pacífica e harmoniosa de outrora. O estrondo forte espantou Armenita, que gritou e apontou para seis humanos que desciam a colina da floresta com espadas nas mãos. Outro grupo com dezenas de cavalos se aproximavam à galope com tochas, escudos e lanças nas mãos. O crepúsculo dava lugar à noite e com ela, a sensação de desespero. Um hirbic jovem soprou o clarim feito de bronze, que alertava os guerreiros em tempos de guerra. Porém, muitos estavam alcoolizados e vulneráveis. Ninguém àquela altura do festival aguardava por um ataque.

Ragnar entregou Amenita para uma humana, que era responsável por evacuar os aldeões junto com outras mulheres. Elas eram exímias rastreadoras, talentosas na caça a na fuga. Edmund rosnou e se defendeu do primeiro de muitos ataques, que surgiram em sua direção. Os olhos azuis preocupados recaíram sobre seu filhote, que à essa altura corria com as mulheres em direção aos túneis de fuga que cavaram perto da colina. Estariam a salvo nos esconderijos espelhados pela floresta. No entanto, ele deveria proteger seu povo também, assim como sua família. Pegou um machado e um escudo, que sempre deixava por perto. Não havia como escapar da batalha e tinha sensação que o susto levara todo o vinho de seu sangue. Com seu machado deu cabo de quatro humanos, que mal conseguiram se defender de sua ira.

Edmund com um grupo de hirbics arqueiros abateram algumas dezenas de humanos inimigos. Eram homens de pele muito clara e quase todos de cabelos ruivos. Ele os reconhecia de algum lugar, mas não se lembrava aonde ou quando os viu pela primeira vez. O líder, que portava uma espada cravejada com pedras preciosas no cabo, tinha o rosto com algumas cicatrizes. Seus olhos eram escuros e os cabelos cortados como círculo na cabeça, não ultrapassava a altura da orelha. Edmund nunca sentira tanto medo em perder seu povo, embora não fosse de longe a primeira batalha que enfrentava na vida.

Ao lado do líder havia um homem idoso, com os cabelos brancos e cortados da mesma forma que o homem ruivo. A pele enrugada era salpicada de sardas, e no pescoço havia um amuleto pendurado no colar de prata. O símbolo era o mesmo que o idoso carregava na ponta de seu cedro. Edmund nunca tinha visto aquele símbolo, mas pareceu mau presságio. Ignorou um dos inimigos que correu em sua direção e partiu para cima do que seria o líder. O homem era forte, mas muito menor que Edmund. No entanto, ainda que fosse apenas um humano, ele sabia a arte de guerrear. Edmund estranhou o fato que não havia mulheres no grupo, já que as fêmeas dos humanos eram suas aliadas há alguns anos. Porém, não podia se ocupar com pormenores naquele momento. Era só ele e o líder.

— Renda-se, sua besta. Ou Deus não permitirá que você viva! — O homem gritava à medida que brandia sua espada contra Edmund, que permanecia calado. — Eu disse para se render. Vocês estão encurralados. Eu vou matar cada um dos seus demônios-soldados, escravizar seus filhos e vender suas mulheres aos pervertidos.

Ontò ontò, no me kunta ishtar. (Deuses, Deuses, me emprestem sua força). — O rei grunhiu no idioma antigo, pois mesmo que conhecesse a língua do invasor, não queria que ele o ouvisse.

— Essa língua do diabo. Eu cortarei sua língua.

Edmund desviou de alguns golpes e observou cada movimento do inimigo. Havia muita rudeza nas palavras que ele professava, embora tentasse apenas desestabilizar o rei. Não demorou para que o homem ficasse ofegante. Ele era rápido, mas um pouco pesado e Edmund se aproveitou do momento. O machado cravou o único golpe no peito do homem, que caiu de joelhos e urrou em agonia. O idoso, que antes assistia à luta enquanto apontava para o céu e rezava algo numa língua qualquer, fugiu com seu cavalo para a floresta. Edmund se virou para alguns casebres de madeira na praça principal onde acontecia o festival. Viu que Ragnar estava encurralado por alguns homens a cavalo, mas assim que pensou em resgatar seu amado, sua visão ficou turva.

Uma dor insuportável na nuca fez com que Edmund perdesse a força em suas patas e então encarou Ragnar mais uma vez. No entanto, não parecia mais o hirbic com quem se casara e sim com uma mulher humana... Uma mulher que o rei conhecia há muito tempo, com uma cicatriz no lábio superior e uma expressão séria. Uma mulher que ele sabia se chamar Regina. Sem que pudesse fazer algo a respeito, tudo ficou escuro e Edmund não estava mais lá.

 

 

Emma se sentou na cama com uma puxada de ar, como se retornasse do fundo do mar. A garganta ardia e estava seca, embora seus cabelos estivessem úmidos e o suor escorresse por suas costas. As mãos tremiam e um calafrio atingiu seus braços. Demorou a reconhecer que estava em seu quarto, no apartamento que dividia com Lily. Não era a primeira vez que acordava daquela forma, mas tudo pareceu tão real, que afastou o cobertor para verificar se tinha pernas, e não as patas com pelos escuros de seu sonho. Por sorte, seus pés estavam inteiros e pálidos. Apalpou a cabeça e não havia chifres, mas as tranças nos cachos desgrenhados ainda permanecia, sem as flores.

— Emma? — A porta se abriu com o impacto e Lily entrou no quarto com o rosto vermelho e os olhos arregalados.

— O que?

— Como assim “o que?” Eu quem te pergunto isso.

— Não aconteceu nada. Acordei para pegar um copo com água. — Mentiu.

— Não adianta me esconder. Você estava... Gritando. — Lily abaixou o tom e sentou na cama ao lado da princesa. — E também disse o nome de uma pessoa, eu pensei que...

— Pensou o que?

— É que o nome não faz muito sentido. — Lily franziu a testa e colocou a mão no queixo. — Parecia que você estava aflita e chamando essa pessoa.

— Quem? — Indagou e prendeu o cabelo, estava com muito calor e as janelas fechadas não ajudavam. — Fala mulher! — A relutância da amiga a irritou.

— Regina. — Suspirou e mordeu os lábios. — Você gritava o nome dela constantemente.

— Não seja estúpida. Deve ter sido de outra pessoa.

— Emma. — Ralhou com a amiga e revirou os olhos. — Eu não tenho ganho algum em inventar isso.

— Preciso me exercitar. Não consigo dormir mais por hoje.

— Ainda nem amanheceu e você chegou tarde em casa ontem.

— Fiquei preso no escritório de Sidney por horas. — Deu de ombros, se levantou e calçou suas botas de couro. — Avise para a Ruby que depois passo no restaurante para um café rápido.

— Avise você, não seja folgada.

— Garota, eu não vou levar telefone. — Colocou o casaco de lã e balançou a cabeça. — Tem certeza que não viu minha jaqueta por aí? Eu não me lembro onde deixei.

— Talvez no quarto de algum de seus amantes.

— Claro. — Retrucou num tom sarcástico. — Não me irrite hoje, porque minha paciência está abaixo do fundo do poço.

— Nem paciência eu tenho, princesa. Saia do meu apartamento, porque eu preciso dormir.

— Nosso apartamento.

— Que seja. — Bocejou e beijou a testa de Emma. — Leve as chaves e qualquer coisa que acontecer, não me chame.

— Eu espero que na próxima reencarnação eu não veja nenhum de vocês. Ruby, Lilith, August, Killian, David... Estou farta de todos. — Pegou as chaves e bateu a porta do apartamento quando saiu.

— Essa mulher foi muito mimada, dona Ingrid. Muito mimada. — Lily revirou os olhos e voltou para seu quarto. Precisava realmente descansar.

 

 

***

 

Suas pálpebras pesavam, as lentes dos óculos estavam embaçadas e a sua cabeça poderia explodir de dor a qualquer momento. Regina estralou os dedos das mãos e largou a caneta, que usava para assinar alguns papéis. Não conseguia dormir bem há algumas noites. Não sabia distinguir se era devido aos últimos acontecimentos, ou a imagem do jogo do xadrez que teve com a cunhada. Emma a afetava mais do que gostava de admitir.

Regina estava saturada de do estresse, que experimentava todas as vezes em que se encontrava com a princesa. O julgamento de Will estava próximo. Além disso, nas duas últimas semanas se dedicava às obras na escola que Mary Margaret dirigia. Eram assuntos que a deixavam tensa e não podia simplesmente fugir. Precisava resolver aquelas pendências, o que incluía sua situação com a nobreza. Na verdade, George não tinha tocado no assunto em nenhuma das vezes em que estiveram juntos. Seu sogro sempre fora alguém de poucas palavras e quando discutiam algo, não passagem de assuntos relacionados a política ou esportes. A cobrança partia de si mesmo. Sua consciência, em muitos momentos, era uma companhia inconveniente e egoísta.

Após horas de trabalho, Regina decidiu que era uma boa hora para almoçar, embora não tivesse apetite. Almoçaria com os pais e a irmã. Enfrentar o questionário de Zelena não chegava aos pés de lidar com sua mãe. Claro que não podia reclamar muitos dos próprios pais. O velho Henry era um anjo em sua vida. Sempre fora muito atencioso, fazia o possível para ver um pequeno sorriso no rosto de suas duas filhas. Já Cora era outra história. Devido à sua criação tradicional e rigorosa, não era de demonstrar afeições. Preferia a ordem e prezava pelos limites entre elas. A genética dos Mills não se sustentava no amor, mas na obediência.

No entanto, com o passar do tempo, a matriarca se mostrou alguém bastante compreensiva e ótima conselheira. Era uma mulher sábia, observadora, perspicaz e inteligente. Porém, da mesma forma que oferecia colo e solução para os problemas, dizia coisas que faziam qualquer um refletir por dia. Muitas vezes, recorria às suas respostas ácidas e alfinetadas sutis. Regina era especialista em lidar com o gênio de sua mãe, mas não estava nem um pouco disposta naquele momento.

Sob suspiros e resmungos, arrumou suas coisas e pegou sua bolsa de couro, que levava junto à lateral do corpo. Vestia uma saia longa e preta, sem estampas com um chemise tradicional branco, a gola solta e os cordões dourados desciam pelo peitoral. Não usava nenhuma maquiagem, exceto por um batom vermelho, que sempre fazia morada em seus lábios. A empresa tinha poucos colaborados e quase todos trabalhavam meio expediente. No entanto, nas últimas, ela preferia passar o dia no escritório, do que ficar em casa remoendo suas dores em suas pinturas. A fotografia, há muito esquecida como passatempo, voltava aos poucos para sua rotina. Lembrou-se da câmera em sua bolsa. Poderia, talvez depois do almoço, fazer algumas fotos no parque da capital.

— Ah, você ainda está aí. — Afirmou para uma das colaboradoras, que estava sentada numa das mesas disponíveis na sala de reunião.

 — Sim, hoje Patrick está com os avós e eu quis terminar de preencher alguns papéis. — Aurora, uma das mais antigas na empresa, comentou com um sorriso contido. Patrick era seu filho de seis anos.

— Pode me fazer um favor?

— Claro, é só me pedir. — Assentiu.

— Feche tudo quando sair. Não volto hoje e receio que alguns clientes possam aparecer de última hora. Nem sempre eles marcam horário.

— Eu sei como é. — Respirou fundo e se recostou um pouco mais na cadeira acolchoada. — Precisei chamar a atenção do senhor Hanson há alguns dias. Ele sempre vem aqui no horário de almoço.

— Completamente sem noção. — Procurou pelas chaves do carro na bolsa. — Bom, como sempre, eu posso contar com você. Obrigado pela milésima vez.

— Fique tranquila e tenha uma boa tarde.

— Para você também. — Se despediu com um aceno e virou-se para a porta de saída.

— Regina?

— Pode falar. — Voltou alguns passos e encarou a moça de cabelos ruivos e olhos azuis.

— Você gostaria de tomar uma bebida na nossa próxima folga? Quero dizer... — Ela coçou a nunca e mordeu os lábios. — Se já não tiver qualquer compromisso e vamos apenas conversar, se você não...

— Tudo bem, eu aceito.

— Ótimo. — Sorriu e suas bochechas ficaram rubras.

— Preciso ir, mas depois combinamos um dia e horário.

— Sim. Até logo.

— Até logo, Aurora.

Regina ergue as sobrancelhas ao abrir a porta e sair da empresa. Não entendia o motivo para aceitar o convite. Tinha a impressão que Aurora a convidara com intenções que desconhecia, mas precisava estar na companhia de alguém com quem não compartilhasse o sangue, ou fosse da nobreza. Talvez saindo com alguma pessoa, pudesse enfim se desligar um pouco de suas preocupações, e quem sabe, ter uma noite realmente divertida. Aurora era uma jovem talentosa, dedicada e inteligente. Sua beleza era singela, mas instigante. Andava sempre apressada pelos corredores do prédio, mas ultimamente, sustentava um olhar quase apaixonado. Regina percebera, porém não possuía intimidade para saber sobre a vida pessoal de Aurora, então se manteve discreta.

Caso não estivesse tão ocupada com seus devaneios, veria alguém parado em frente ao seu carro, do outro lado da rua, onde fumava um cigarro e a observava. No entanto, quando Regina se deu conta da estranha presença, teve a sensação de ser vigiada, olhou para todos os lados, mas não viu ninguém que prestasse atenção nela. Apenas pessoas apressadas nas calçadas e uma lanchonete que ficava em frente ao seu escritório. Balançou a cabeça e colocou seus óculos escuros.

Era primavera em Storybrooke. Os ventos já traziam a brisa amena, mesmo porque ao norte do reino quase não fazia calor, exceto em algumas semanas de verão. No entanto, os raios solares inundavam a cidade por entre as nuvens. Era aconchegante e agradável. As flores desabrochavam a cada dia, como portadoras de novidades. Rosas, tulipas, orquídeas, dentes de leão e lírios enfeitavam as ruas da capital. Combinadas com as construções mais antigas e a arquitetura clássica, formavam uma bela paisagem. A casa dos Mills se encontrava no meio desse cenário, na parte periférica, num bairro quase na fronteira de Storybrooke com a cidade vizinha.

Em pouco mais de meia hora, Regina pegou a última avenida antes de chegar na rua da casa dos pais. As copas das árvores envergavam e se encontravam, construindo um verdadeiro túnel natural. Com a capota do carro abaixada, ela sentia o vento balançando seus cabelos escuros, que estavam um pouco mais rebeldes naquele dia, contrariando os fios lisos e alinhados que usava para trabalhar. Regina adorava a primavera, definitivamente era sua estação preferida. Apesar de também simpatizar com o outono. No entanto, o frio do inverno não trazia boas lembranças.  Parou o veículo em frente à entrada da casa de dois andares. A construção possuía o estilo clássico, que era o preferido de sua mãe.

— Boa tarde. Elas estão aqui, Alfredo? — Perguntou ao mordomo, que abriu a porta antes mesmo que a morena tocasse a campainha. 

Alfredo era um senhor de cabelos grisalhos e corpo magro, com a pele já enrugada devido à idade. Porém, o olhar e o sorriso eram tão doces e joviais. Seu espírito sereno despertava as melhores sensações em Regina, que gostava de ouvi-lo contar as histórias de sua terra natal.

— Na sala, esperando pela senhorita.

— Muito obrigada.

Alfredo apenas assente e se retirou. Trabalhava para a família antes mesmo que as duas filhas dos Mills nascessem, quando Cora ainda era jovem. Regina adentrou a sala, onde Zelena e Cora tomavam rum, uma de suas bebidas favoritas. Conversavam amenidades e sorriam uma à outra. Possuíam um relacionamento complexo, pois a artista durante muito tempo deu dor de cabeça à mais velha. Afinal, não seguia quase nenhum dos valores ensinados pelos pais e muito menos fizera as escolhas que Cora e Henry imaginaram. Porém, Zelena era indomável e os pais desistiram de pressioná-la depois de tantos anos conturbados.

— Veja só quem resolveu aparecer para visitar a mãe, dona Regina. — A matriarca provocou. 

— Segure a língua, senhora Mills. Eu estava ocupada com uma reforma em mãos. — Revirou os olhos e se abaixou para dar um beijo na testa da mãe. Sentou-se ao lado de Zelena no pequeno sofá de veludo negro, enquanto Cora estava na poltrona vermelha do outro lado do cômodo. 

— Marya parece bem animada com essas mudanças. Eu a ouvi comentando sobre isso em quase todos os encontros em que tivemos nos últimas dias. Mas mudando de assunto, o Will ainda não foi julgado? — A artista estava a par das notícias sobre o acidente do cunhado, desde que retornara do interior. 

— Não. O juiz resolveu adiar porque ele estava no hospital. Ficou desacordado por alguns dias e meses sem andar. — Explicou, já cansada do assunto, ainda mais porque pensava que só conseguiria realmente seguir em frente quando tudo aquilo terminasse.

— Ultimamente nosso sistema judiciário deixa a desejar. — Cora comentou. — Acredito que se fosse há alguns anos provavelmente ele já estaria numa unidade de regeneração.

— Após a morte de Robin... — Ainda era doloroso falar sobre o marido, mas tentava ignorar o gosto amargo na boca. — George ficou meio desestabilizado. Ainda mais agora que está doente. Isso reflete diretamente no reino e em todos seus setores.

— Foi só por esse motivo toda a tensão naquela noite? Pela doença do pai? — Esse era o assunto que Cora queria abordar muito antes da filha aceitar seu convite para um almoço.

— Aparentemente sim. — Regina se serviu com um copo de rum e tomou um generoso gole. — Porém, pelo visto ela não abdicará do trono.

— E nem do casamento. Ela está caidinha por você. — Zelena gargalhou e passou a língua nos lábios rosados. Seus olhos azuis estavam mais abertos do que de costume.

— Não diga besteiras. — Bufou e desviou a atenção para o copo que segurava, pois sentia o olhar de sua mãe esquentar seu rosto. — São apenas formalidades e tradição.

— Meu bem, ninguém segue os costumes apenas por seguir, especialmente alguém como Emma. — Cora alertou com a expressão rígida e os ombros eretos. — Se nossa cultura ainda é conservada até hoje, é porque nos sentimos bem em sermos quem somos, e fazer o que fazemos.

— Se a princesa assumir o trono, ela precisa se casar comigo ou terá que arranjar outra esposa. Vocês conhecem bem as regras.

— Exatamente. — Concordou e terminou sua bebida. — Se ela tem outra opção, por que sugerir uma união com você? Bem, ao menos foi o que ela disse naquele jogo. Não existe razão. Pense bem nisso.

De fato, a morena pensava, quase todos os dias. Talvez mais do que gostaria. Claro que passou por sua cabeça a possibilidade de Emma desistir e procurar outra pretendente. Mas por que então ela? Quais os motivos em seguir uma tradição tão antiga? Regina sabia que Emma não era conhecida por aceitar os costumes de bom grado. Só esperava que não fosse tratada como apenas mais um de seus rompantes. Um casamento feito às pressas, pois a princesa não sabia controlar seu próprio temperamento intempestivo. Regina não aceitaria isso, com toda certeza. Ela não era uma pessoa que se submetia aos caprichos alheios. Tinha a vida que sempre quis, fazia suas escolhas que a convinha e era dona de si, casada ou não.

No entanto, naquele momento poderia aproveitar proximidade de sua família com a realeza. Outro questionamento ressurgiu em sua mente. Era baseado num comentário que Robin um dia fizera e em alguns boatos que ouvira de Kathryn, que por sua vez descobrira na boca do pai. Precisava conhecer mais sobre a princesa e o passado sempre era uma boa fonte de pesquisa.

— Mãe, a senhora se lembra de Ingrid grávida de Emma? Quero dizer, ela é mesmo filha biológica da rainha? — Claro que estava se arriscando ao perguntar aquilo, até porque não era o tipo de pergunta que se fizesse de repente, como algo trivial.

Regina não conhecia mais ninguém que pudesse a ajudar, por isso optou por interrogar a própria mãe. Porém, a reação Cora foi enrijecer os ombros e encarar as mãos por alguns instantes.

— Na verdade, não. Na época ela viajou por mais de um ano e voltou com um bebê já de algumas semanas de vida. — Deu de ombros e encheu seu copo novamente. — Há um boato entre aqueles mais velhos e íntimos.

— A elite petroiana e suas fofocas. — Zelena quase gritou e se ajeitou no sofá com a expressão bastante interessada no assunto. — Sempre existem histórias dignas de filmes.

— Vocês sabem que não suporto esse tipo de coisa. — Ambas acenaram positivamente, conheciam a mais velha e ela nunca foi mulher de boatos. — Porém, até mesmo para mim que tentava me manter distante dessas intrigas, algo não se encaixava. Primeiro, essa viagem repentina de Ingrid. Segundo uma história mal explicada envolvendo George.

— Aposto que era uma amante. — A ruiva interrompeu e recebeu uma cotovelada da irmã, que tentou não transparecer sua imensa curiosidade.

— Zelena, por favor. — A mais velha ralhou. — Meus pais eram amigos da antiga rainha, mãe de George, e faziam parte da corte. Ela era uma governante severa e dita por muitos como alguém fria, que não amava nem mesmo os filhos. Como todos sabem, Ingrid fora noiva de Leopold, o verdadeiro herdeiro ao trono. No entanto, ele morreu pouco antes do casamento. Claro que a tradição não valia, mas por algum motivo, a família real pensou que Ingrid poderia ser uma boa esposa e rainha. Após o período de luto, George assumiu no lugar do irmão e se casou com Ingrid. Eles não eram apaixonados um pelo outro, mas eram grandes amigos. Acontece que ele era apaixonado pela filha de um dos maiores opositores ao clã Swan. Uma família muito rica e influente, que não concordava com algumas posições políticas da avó de Emma.

— Eu me lembro disso. Até hoje eles são abertamente contra os Swan. — Regina disse num tom firme. Franziu o cenho e ajeitou os cabelos. — Então os dois apaixonados não ficaram juntos, obviamente.

— Bom, digamos que George foi obrigado a terminar seu romance. Não sei bem dos detalhes, mas foi algo bastante dramático. Alguns dizem que ele foi abandonado. — Fez uma careta e tomou mais um pouco de rum. — Eu era jovem, estudava na mesma universidade que ele, mas não tínhamos muito contato. Acontece que pouco depois de seu casamento com Ingrid, essa tal garota por quem ele foi apaixonado voltou à cidade. Estavam divulgando uma peça de teatro. Algumas pessoas diziam terem visto os dois aos beijos numa festa e depois indo embora juntos. Quase um ano depois, Ingrid apareceu com Emma nos braços. Porém, a gravidez não foi anunciada oficialmente e Robin tinha pouco tempo de vida. Não é possível que ela tenha tido dois filhos num espaço de tempo tão curto.

— Isso parece um livro de romance, pelos deuses! — Zelena riu e tomou o restante de sua bebida. Estava fascinada com a história.

— Não entendo. Segundo as regras do acordo de um casamento como esse, a infidelidade anula a união e têm como consequência a perda de todos os bens, pelo menos aqueles que adquiriram após o casamento. — Afirmou Regina, com uma expressão confusa. — Emma não poderia ascender ao trono, pois o sangue materno é o que vale na família real.

— Como eu disse, são apenas boatos. Hoje em dia o assunto não é discutido, mesmo porque sendo filha ou não fora do casamento, Emma foi reconhecida por Ingrid, possui seus direitos e tem total liberdade de reivindicar o trono. Então devemos esquecer isso. Não é auspicioso desenterrar certos segredos. — Cora finalizou, o que dava como oficialmente encerrada aquela conversa.

— Claro. — Sorriu, mesmo que tentasse disfarçar a enxurrada de perguntas que se formava em sua cabeça.

Zelena mudou de assunto, pois percebera o desconforto da irmã e Cora saiu com a desculpa de verificar se o almoço estava pronto. Após ouvir o que sua mãe dissera, Regina já não duvidada tanto assim. Emma, de fato, tinha grandes chances de não ser filha biológica da rainha. Seria por isso que sua relação com George não era das melhores? Regina ainda não sabia dizer e estava cada vez mais intrigada. Queria entender um pouco mais sobre o passado e a história da princesa, daquela família.

Ela imaginava que aquilo talvez ajudasse a compreender as atitudes de Emma e sua personalidade, que ora parecia tão rude, ora tão doce. Como se existissem duas mulheres num só corpo. Regina sabia que ainda estava longe da verdade. Precisava confrontar Emma, em algum momento, para descobrir o que realmente queria. Mas não iria desistir. Pelo menos uma decisão foi tomada após aquele almoço: ela com certeza descobriria quem era Emma Swan, a verdadeira Emma Swan.


Notas Finais


Caso eu não "veja" vocês antes de 2021, tenham uma ótima virada de ano. Que 2021 tenha tudo de bom que 2020 não teve. Sucesso, dinheiro, saúde, amor e muitas fanfics boas para nós lermos. Até logo, pessoinhas especiais. Abraços.


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...