Parte II
“Será que Langley sabe disso? Eles deveriam: está enterrado em algum lugar. X Quem sabe a localização exata? Só WW”
[...]
Nove.
Estranhamente as nuvens pareciam carregadas naquele dia de verão. Ana tinha certeza que tinha um pacto singular com os céus, já havia acontecido antes: quando Daehyun havia sido desligado a força. Quando ele tinha morrido. Mas agora era uma situação bem diferente. Havia uma morte, bem significativa, e Ana não sabia mais como reagir. Doutor Lee não poderia ser religado ou transformado em um relógio para prosseguir ao lado da garota. Não tinha conseguido terminar de almoçar, mesmo que Bambam e Jung-su tivessem implorado para que continuasse a comer. E, quando estava a caminho de sua casa, não queria que as nuvens timidamente carregadas de água fossem como espelhos de seus próprios olhos.
Jackson, que agora havia se acalmado e conseguia falar mais de três palavras sem voltar a chorar, passava as mãos pelo ombro de Ana. O silêncio cortava o carro, ninguém tinha coragem de dizer nenhuma palavra.
Havia tantas coisas, tanto a ser dito, tanto a ser discutido com tanta gente. Ana não sabia o que fazer. Agora entendeu as palavras confortantes de Bang Yongguk no dia anterior: descanse, vamos nos reunir à noite, será um longo dia. E seria. Mais do que nunca, Ana sabia que Bang Yongguk prezava pela sua saúde. Não só quando ela havia corrido atrás de Nichkhun em Tóquio; não só quando tentava impedir a garota de passar noites em claro para levantar nomes dos possíveis maníacos com seu humanóide. Ele sabia o que tinha acontecido, resolveu não apavorá-la por ora, e tentou fazê-la descansar. Ele sabia o baque que esperava a garota no momento que pisasse os pés no chão sul coreano.
Ela devia ter percebido que algo não estava legal no momento que viu Jung-Su, a sua espera, estranhamente sozinho, deslocado — sem o seu filho — e ao mesmo tempo acompanhado de uma figura que sempre lhe trazia paz e que, não muito tempo atrás, lhe trouxe a solução de muitos problemas: Bambam.
Ela devia ter percebido que não estava tudo bem. Conheceu a realidade em Tóquio, viu as máquinas, tomou antipatia, se ligou como nunca imaginou a Chansung. Ah, Chansung... Como ela diria aquilo pra ele? Provavelmente o moreno tinha conhecido Lee Chunji o qual, além de orientar trabalhos nas pós-graduações, também dava aula na graduação. Era até mais antigo que Jung-Su, não precisava de muito pra perceber. Ana sabia muito dele, eram muitos anos de convívio. E mesmo que no começo Ana tivesse problemas de comunicação com ele, soube que ele havia te acolhido tão bem quanto seus amigos, tão bem até mesmo como seu porteiro, senhor Kim, que lhe tratava como filha.
E agora se via em um dilema de pensamentos listados necessariamente nessa ordem: lamentava pela morte; se desesperava por se vir sozinha na academia; não sabia a quem recorrer; não sabia com quem conversar primeiro.
Ana passou pelo porteiro, o qual tentou pará-la para ver sua situação, estranhando, mas ela subiu correndo. Nem mesmo foi de elevador. Viu o seu humanóide se desculpar com senhor Kim, dizendo que depois poderia descer e explicar o que houve, e seguiu Ana pelas escadas até o sétimo andar. Junior não era projetado para ser um maratonista, então quando chegou ao alcance da dona, sua bateria vacilou. Ana não percebeu aquilo, afinal ela estava ocupada, com suas mãos tremendo, enquanto tentava abrir a porta do apartamento. Assim que conseguiu, adentrou se jogando no sofá e se lembrou que havia esquecido sua mala no carro de Jung-Su. Odiou-se por aquilo, mas pode se aquietar quando viu o humanóide se sentar ao seu lado completamente perdido.
— Ana-shi... O que significa?
Ana queria perguntar o que, mas o olhar que lançou a Junior havia dito bem mais que aquilo.
— Doutor Lee morreu. — Junior disse neutro. — O que significa?
— Que ele morreu. — Ana não queria soar grossa, mas depois se lembrou que Junior não havia se deparado com aquilo na vida. Quer dizer... Ele havia sido abandonado quando o irmão de Jinyoung morreu e quando aconteceram todas aquelas coisas. Mas ele não sabia, não é? Não tinha consciência do peso da morte. Mesmo dizendo que Ana poderia ser morta o tempo todo, Ana tinha certeza que ele não entendia a dimensão daquelas palavras. — Junior... — tentou parar de tremer, seu orientador não lhe saía da cabeça. — Ele se foi. Nunca mais a gente vai falar com ele. — a voz saiu embargada. — Ele foi desligado. — fez aquela analogia e Junior talvez tenha entendido dessa vez.
— Talvez um café possa ajudar. — Junior disse inocente, o que fez Ana sorrir fraco.
— Melhor não. Eu vou dormir, vai demorar pro Jung-su perceber que minhas coisas ficaram lá no carro, talvez até o Jackson me traga mais tarde.
— Ana-shi...
— Vou dormir um pouco, ainda temos uma reunião hoje à noite. Eu não sei como eu vou entrar naquela universidade, eu to me sentindo péssima.
— Junior não gosta de ver Ana-shi chorar. — Mas Ana saiu, com lágrimas ainda insistindo em cair, da sala em direção ao seu quarto. — Não tranque a porta!
Mas dessa vez Ana não trancou. Ponderou, claro, mas soube que a melhor forma de tentar ficar em pé seria com seu humanóide ao seu lado.
020
Mas Ana não conseguiu dormir por muito tempo. Seu celular não parava de tocar um só segundo. Apostava que era Bang, Jackson, até mesmo Jinyoung, seu namorado. Vai saber. Mesmo que tivesse certeza que Park Jinyoung soubesse da morte de doutor Lee, por meio do pai, não tinha certeza se ouviria palavras do mesmo. Tudo bem, era pedir muito depois de tantas semanas afastados. Nem sabia dizer se estavam juntos, ficou confusa até em contar para Chansung no dia anterior.
Chansung. Aquilo a despertou de forma que uma força aleatória a fez se levantar do colchão com tudo e sua cabeça girou. Doía tanto depois de ter chorado sozinha, ainda bem que seu humanóide havia sido compreensivo, que teve que fechar os olhos por alguns segundos. Não duvidava nada que Junior tivesse ido pesquisar no seu próprio celular — já que seu computador estava na sua mala — sobre coisas relacionadas à morte. Talvez ele tenha entendido que queria ficar um pouco sozinha, respirar e pensar no que fazer. No que dizer a noite também. Faltavam apenas duas horas para escurecer e pensou que podiam ser importantes aquelas ligações. Tentou ser forte por alguns segundos, mas se espantou — e ao mesmo tempo se aliviou — de suas suspeitas estarem certas: Hwang Chansung te ligava a meia hora. Não era Bang te cobrando, nem Jackson aos prantos no telefone.
— Alô? — atendeu desesperada quase caindo de sua própria cama. A voz não saiu tão empolgada quanto queria, ainda mais porque seu nariz estava entupido.
— Ana! — ele parecia aliviado. — Jackson me ligou, me disse o que aconteceu... Sinto muito.
— Ah, obrigada. — mas Ana não parecia tão feliz com aquelas palavras. — Você o conhecia, não é?
— Ele foi meu professor. Ele orientou seu mestrado também? — Chansung sabia apenas que Ana tinha seguido carreira acadêmica. Entretanto, a garota nunca havia mencionado o nome do seu orientador a Chansung. Mas podia imaginar que os dois se conheciam pelo moreno ter estudado há pouco tempo atrás na Universidade de Seul.
— É... E agora no doutorado. — se aconchegou entre os travesseiros. — Eu mal posso acreditar. Ele...
— Vocês pareciam ter sido próximos.
— Ele me aceitou junto com a minha linha de pesquisa no momento que eu mandei o primeiro email. Antes mesmo de sair do Brasil. — explicou. — Eu ainda não consigo crer que... A gente brigava, teve uns problemas com o Junior também, mas... Acima disso tudo, ele era uma pessoa maravilhosa. Ele me acolheu.
— E como vai ficar? Quer dizer, acho que você não pensou ainda sobre isso, mas... Quem vai te orientar agora?
Ana voltou a se sentar rapidamente. Não havia pensado nisso.
020
Depois que falou com Chansung, ouvindo palavras de conforto e de esperança, Ana se sentiu um pouco melhor. Não que fizesse tanta diferença ouvi-las de Jackson, Junior ou de Chansung nesse momento. Não tinha muita coragem de se comunicar pra falar daquilo, mas tinha que levantar para ir pra faculdade. Bang havia mandado uma mensagem, Ana se deparou com aquilo agora, e pelo conteúdo não fora mandada há muito tempo, senão ele mesmo teria telefonado.
“Vou te buscar, esteja pronta quinze pra sete. Confirme.” Já era seis e vinte e cinco e seus olhos cresceram. Enquanto se levantava, digitava uma resposta, correu para a sala para apressar Junior. Porém, ao abrir a boca para avisá-lo, viu-o ler um artigo interessante no seu celular, e embora concentrado demais para perceber que estava ali, Ana não deixou de se sentir agradecida de uma forma que humano algum poderia ter lhe feito. O artigo na tela do smartphone modesto apontava como consolar uma pessoa após uma perda no resultado de busca, conseguiu ler depois de um tempo. Não queria interrompê-lo, mas estava mais do que atrasada.
— Junior?
Ele abaixou o celular despreocupado e olhou para a garota.
— Sim, Ana-shi? Se sente melhor?
— Sim. — disse não com tanta certeza. — Esteja pronto, ta bem? Temos que ir pra Universidade. Quem sabe... A gente consiga se distrair. Bang vai nos buscar.
Quando finalmente Bang havia chegado à porta do prédio, Ana já estava esperando pelo mesmo no térreo conversando com senhor Kim. Havia lhe contado sobre a viagem por cima e noticiado a morte do orientador. Não havia ligado para Jackson ou ninguém que estivesse no carro para buscar suas malas, mas isso seria a última coisa que queria no momento. Andou apressada para o banco da frente e Junior entrou no de trás. O silêncio esquisito fez Bang sorrir amarelo e Ana retribuir sem graça.
— Como vai sua perna? — era a última coisa que Bang Yongguk perguntaria, sem dúvida, mas ele não sabia como perguntar como ela estava de um jeito mais profundo.
— Melhor. Ah. — lembrou-se e pegou algo na bolsa. — Esqueci de ligá-lo depois que a gente chegou do aeroporto. — entregou-lhe o relógio hibernado. Junior havia se lembrado de ligá-lo, mas teve o trabalho de, enquanto Ana dormia, avisar Daehyun que ficasse quieto. Então talvez Ana não tivesse percebido que o relógio estava sim desperto, porém quieto como fora aconselhado. — Estava nas coisas do Junior. Minha mala ainda ta com Jackson, eu... saí correndo pra dentro de casa, acho que...
— Tudo bem. Não precisa se explicar. Vai ter muito que falar hoje no laboratório, mas eu prometo que não será tão doloroso.
Não seria. Pelo menos queria que não fosse.
— Chansung me ligou. Parece que o Jackson contou pra ele sobre o doutor Lee...
— É, eu falei com ele também.
Ana parecia confusa.
— Eu estava com Jackson até agora. Ele foi me contar mais coisas sobre o caso e acabei fazendo um pequeno apanhado dos velhos tempos. Mas ele parecia apressado, não entendi bem. Talvez estivesse cheio de trabalho.
— Deve ser. Eu tomei muito o tempo dele essa semana. — Ana apoiava o cotovelo no vidro da porta e não se interessava muito em olhar para o mais velho.
— A família dele entrou em contato. Quer dizer...
— Como?
— A família do Lee Chunji hyung. Ele falava muito de você pra eles.
E toda aquela história de não ser doloroso havia apenas sido uma fase. Ana voltou a se sentir horrível.
— Imagino.
— Eles acharam um contato do Jackson, disseram que foram sábios em não ligar diretamente pra você. Jackson disse que você entrou em casa e não sabia que horas estaria pronta.
— Claro. — Ana olhou pelo retrovisor e viu que Junior navegava na internet como mais cedo. Ainda lendo artigos, provavelmente.
— E ele está com suas coisas.
Ana assentiu.
— E avisaram que o enterro será às onze da manhã amanhã. — disse de supetão e Ana assentiu novamente.
— Não precisa ir sozinha; ele foi professor de todos nós. A gente te acompanha.
— Tudo bem. — e Bang saberia que seria assim até a ida ao laboratório.
Bang decidiu ficar puxando conversa com Junior até lá e o humanóide prontamente respondeu. O mesmo pegou Daehyun a pedido de Bang e continuou com ele até pisarem no laboratório cinco, onde rostos parecidos esperavam Ana, ansiosos.
020
Ana abriu a porta devagar, com medo do que poderia ver do outro lado. Respirou fundo e empurrou a maçaneta, mesmo que todos já tivessem visto o rosto preocupado da garota pelo pequeno vidro da porta. Bang e Junior entraram logo em seguida. Bambam, Jung-su, Jackson, Youngjae, Sulli e até mesmo Zelo estavam esparramados pelas bancadas. Uns pareciam distraídos, outros olhavam hipnotizados ansiosos pelo que escutariam a seguir.
— Oi gente. Que bom que ta todo mundo aqui, a gente precisa conversar. — Ana acenou e obteve resposta rapidamente. Alguns a cumprimentaram, outros acenaram. Jackson foi até a amiga e lhe deu um abraço. Vai ficar tudo bem. Era algo que sempre ouviu do amigo, desde que se conheceram, e agradeceu por isso.
— Suas coisas estão lá no canto, Bang hyung disse que te levaria pra casa na volta. — Ana assentiu. — Seu computador ta ali, caso precise dele pra agora. Mas acho que Junior vai funcionar bem melhor. Quem sabe até o Daehyun. — mas o relógio provavelmente ficaria calado durante toda a reunião.
Ana sorriu agradecida. E novamente eles estavam ali, cada um olhando para cada um como há poucas semanas, quando fizeram a última retrospectiva enquanto ainda tentavam descobrir o que havia acontecido aos humanóides.
— Vamos esperar as coisas se explicarem primeiro, por meio dos relatos de Ana, Jackson, eu ou Junior; depois façam as perguntas. Vamos terminar logo com isso, acho que nossos amigos que chegaram de viagem pela manhã precisam descansar.
Sabia o que aquilo significava, amanhã seria outro longo dia, quem sabe pior, por acontecer o enterro e tudo mais.
— Então, eu sei que é uma hora difícil. Eu que o diga, mas eu vim aqui pra trazer um pouco de esperança ou... quem sabe esclarecer as coisas. Poucos sabem, mas eu viajei pra Tóquio não só pra apresentar um artigo em um Congresso, mas também para ir atrás de algumas respostas sobre o maníaco do python. — Ana falava assim, mas provavelmente todos estavam por dentro de algumas coisas, explicadas por alto, enquanto esteve fora. — Pra quem não lembra, Daehyun achou um rastro de IP na capital japonesa. Bem, eu realmente sou muito grata pela confiança que o Bang teve em mim, de ir atrás dessas pessoas, e pelo Youngjae ter ajudado o Bang a fazer com que o Daehyun me auxiliasse e por que não dizer me protegesse, não é?
A notícia, mesmo que agora conhecida, que Daehyun havia virado um relógio protetor chegou dias depois de Ana ter ido para Tóquio, e foi recebida de forma muito positiva. Daehyun era um anjo da guarda, uma materialização de um sistema que Bang havia trabalhado e adotado pra si de uma maneira jamais feita em sua vida e, Youngjae, claro, havia ajudado a concretizar as chances de acharem os responsáveis. Sem contar que Daehyun, com o tempo, havia conquistado a todos. Era como se fosse uma máquina daquele laboratório também. Ana sintetizaria o que Daehyun havia achado, então quanto menos pessoas falassem, melhor para organizarem as ideias.
— O fato é que, como sabem, eu achei essas pessoas. De uma forma bem interessante, e graças ao Daehyun, no meio do congresso. O Daehyun tava pronto pra invadir toda e qualquer máquina dentro daquele espaço, porque a gente achava que seria provável eles estarem lá pela dimensão do evento. E foi tiro e queda. Daehyun achou. — riu sem graça. Alguns acompanharam. — E é fato que a coisa é um pouco mais séria do que podíamos pensar. Mas eu acho melhor o Bang contar essa parte, o fim da história eu mesma posso explicar. Acho que saberem a parte difícil pelo Bang seria melhor.
Bang estava ao seu lado, esperando e pensando em como contar aquela coisa toda aos seus colegas. Essa parte nem todos sabiam. Sendo bem sincero, apenas Ana, Jackson, Jung-Su e Junior sabiam.
— Bem, é certo que eu havia avisado que conheci pessoas capazes de fazerem algo assim, e por meio disso comecei as suspeitas e é por isso também que Daehyun ficou impossibilitado de usar seu próprio corpo. E constatamos tudo isso semestre passado; havia algo querendo vingança ou, que seja, querendo atingir nossas máquinas. Essas pessoas têm um sistema hacker, a princípio com propósitos de segurança de informação: o Kryptos. Eu sei muito desse sistema e confesso que nunca havia confidenciado o meu conhecimento a respeito dele porque achei desnecessário. Pelo menos até agora. Não me passava pela cabeça que esse sistema, na época quando eu estava envolvido, poderia se tornar uma grande dor de cabeça. Pra ser sincero, nem imaginava que seria possível ele acontecer. Mas aconteceu. Ele saiu do papel.
— Hyung, exatamente como sabe tanto do Kryptos? — Bambam não se agüentava com a curiosidade e Bang fez um sinal para ele esperar. Mesmo que tenha entendido que Bang havia mexido naquilo, não lhe passava pela cabeça como o hyung de todos ali poderia ter feito algo tão perigoso.
— Eu ajudei a fazer. — e os murmúrios começaram e tudo virou uma bagunça. Ana olhou pra Bang que visivelmente parecia cansado e se sentia parcialmente culpado agora.
— Gente! Por favor! — eram oito pessoas conversando, incluindo as máquinas, então estava insuportável. — Deixa o Bang terminar, calma!
O grito de Ana fez todos voltarem ao foco.
— Eu confesso que participei, mas não vinguei no projeto. Nos formamos, eles foram embora e pelo visto o terminaram.
— Do que se trata o Kryptos? Quem são essas pessoas?
— Youngjae... — Bang tentava conter as perguntas, mas era impossível. Mesmo que Bang, naturalmente, adorasse interromper Youngjae, queria continuar sem impedimentos. Quando o moreno teve que ajudar o seu hyung com Daehyun, Bang não havia entrado em detalhes, e nem sabia que o Kryptos estaria envolvido nessa época. Tirando o trio que foi a Tóquio, Youngjae tinha o conhecimento mais avançado naquela sala sobre o problema. Ele e Bambam apenas especulavam sobre o que teria acontecido, mas nunca imaginariam que o sistema que havia os atacados partiria do próprio Yongguk.
— O Kryptos é o sistema de redes. Ele é especializado em segurança da informação e poderia trabalhar pra qualquer lugar protegendo coisas sigilosas, seja lá o que sejam. — Ana respondeu quase automaticamente. — É o sistema de uma série de humanóides supercomputadores. Sim, foram humanóides que invadiram aqui.
E a gritaria recomeçou.
— Por favor! — dessa vez fora a voz grave de Bang Yongguk. — Assim ficaremos a noite toda aqui. — viram todos voltarem a se calar. — O que Ana disse é verdade. Em nenhum momento o propósito dessas máquinas seria pervertido para destinos maus. Em. Nenhum. Momento. Mas lembrem-se que eu não estou nesse projeto tem três anos. Eu participei apenas por poucos meses, bem no início, depois disso eles foram embora. Nem imaginava.
— O fato é que há algumas cabeças, aliás, muitas cabeças por trás desse sistema hoje em dia. A sede de desenvolvimento é uma empresa japonesa chamada New Future. O dono do lugar é um doido, ficou interessado no Junior e tudo. Pra falar a verdade, parecia interessado demais.
— Acha que ele sabe?
— Não sei, Bambam. Mas depois da morte do doutor Lee, temo que sim.
— Acha que foi um assassinato? — Bambam não conseguia acreditar. — Ana, é uma acusação séria. Hackers nem sempre vão muito longe, eles conseguiram o que queriam com bem menos.
— Eu não duvido. Há muito poder e dinheiro ali. — olhou para Jung-Su. — E o pior é que não é a primeira vez. Não foi a primeira vez que esses caras invadiram nossas máquinas. Youngjae, você programou zeta há dois anos aqui, não foi?
— Sim, mas...
— Já estava tudo infectado desde então. Dois anos atrás um primeiro ataque foi feito pelas mesmas pessoas. Ou quase as mesmas pessoas.
— Como assim?
— Eu os conheci. Os donos, os primeiros, do Kryptos. Junto com Bang. Jang Wooyoung e Hwang Chansung. — olhou para Jung-Su. — E eu tive meus meios de comprovar que, sim, foram eles.
Jung-su contou o que houve no primeiro ataque. Tudo que Bang havia dito a Ana quando estavam no Japão, então resolveu ouvir mesmo assim. Todos estavam calados, surpresos, e pela primeira vez com medo daquilo. Tudo que doutor Lee, confidenciado agora a equipe como o informante anônimo, sabia ou o que havia dado tempo de contar a Jung-Su — o trato, todo o dinheiro, códigos... — foi esclarecido para todo mundo. Ninguém suspeitava que houvesse acontecido outra invasão e, como imaginava, havia sido um ataque em surdina. Poucas pessoas tiveram contato, pelo visto. E, parando pra pensar, poucos ali tinham tempo suficiente na Universidade para suspeitarem de alguma coisa.
— É gente perigosa, Ana, você é louca? — Sulli, pela primeira vez, disse alguma coisa. — Aconteceu alguma coisa bem séria pra você ter descoberto tudo isso.
— Espera só pro que ela vai contar agora. — Jackson disse em alerta.
— Eu descobri coisas cruciais. Não vou poder contar tudo o que aconteceu nessa semana hoje, mas vou fazer um resumo. Eu conheci os Kryptos, e há apenas dois deles. Um dos seus donos quis que eu trabalhasse com eles, para continuar o trabalho no segundo humanóide que até então estava incompleto. Mas, na verdade, ele não está. Nichkhun está mais completo do que Wooyoung acha que está. — viu os rostos confusos e decidiu detalhar mais. — Seguinte, gente, prestem atenção. — foi até o quadro branco recém instalado. Antes, no seu lugar, havia sido colado o papel pardo no qual Jackson desenhou com tanta afeição em uma das reuniões passadas. Pegou um pincel. — O Kryptos, inicialmente, tinha três donos. Hwang, Jang e o Bang. — alguns riram pela sonoridade dos sobrenomes. Ana anotou. — Kryptos, como talvez vocês saibam, é o nome de um enigma muito conhecido da CIA. Há quatro dizeres decifrados, frases desconexas, onde os três — apontou para os nomes — esconderam detalhes do sistema, coisas que eles acharam interessantes em fazer. Como uma forma de deixar o trabalho mais divertido, quem sabe? Ou talvez... Mais sinistro? O fato é que, Bang ficou pouco tempo no projeto e caiu fora. — riscou o nome do amigo, que ria de forma interessada no banco ao lado. — E achamos que o projeto havia sido arquivado completamente. Isso foram palavras do Jung-Su, Bang também pode confirmar tudo isso que eu to falando, que foi o professor deles na época nessa disciplina de programação de IA. — viu Jung-su assentir. — Depois disso, eles conheceram um cara que mudou a vida deles: Kim Minjun. Guardem esse nome, ele é o diretor da New Future, a empresa que eu disse pra vocês mais cedo. Ele abraçou o projeto do Kryptos, por isso o desenvolvimento desses humanóides foi feito lá.
— Minha nossa senhora. — Bambam disse baixinho. Junior fez sinal pra ele ficar quieto.
— O cara financiou tudo. Tudo mesmo. O projeto saiu do papel. Jang é o principal programador, Hwang é o cara das redes. Ele e o Bang são ótimos no que eles fazem. Vocês não têm ideia do que eu vi lá. — suspirou. — Taecyeon, TCY, nasceu como o primeiro Kryptos. O cara é um gigante, muito inteligente e perigoso. Ele foge do controle, como eu já vi, e ele é a central do Kryptos. Manda até nos robôs da casa dos caras.
— Mas como você... — Jackson bateu na orelha do mascote.
— Bambam, só escuta. — Ana riu. — Eu o conheci de uma forma bem esquisita. Ele tentou invadir o Junior por esporte. Me envolvi com esses caras justamente porque o Jang queria se desculpar pelo comportamento danado da máquina dele. O pedido de desculpas foi ter me apresentado ao segundo Kryptos, Nichkhun ou NCK. E agora ele entra na jogada. Meses depois do TCY ter sido executado pela primeira vez, o Nichkhun nasceu. Eles não foram criados juntos, nasceram com certo espaço de tempo. Mas aí ta a questão. Lembra que eu falei que eles eram baseados no enigma da CIA? O Kryptos real?
Viu todo mundo assentir sem piscar.
— Desde o começo eram pra ser dois. — Ana leu o primeiro enigma escrito no seu celular e disse exatamente o que significava. — Entendem? Cada um tinha uma personalidade, mesmo que o Wooyoung achasse que fossem iguais, que tinham a mesma essência do Kryptos original. Só que cada um representa parte desse primeiro enigma.
— Mas...
— Eu sei o que você vai dizer, Bambam. — Ana disse empolgada. — Ah, mas o Wooyoung foi a cabeça, ele saberia que seriam muito diferentes se seguissem o enigma ao pé da letra, não seria inocente a tal ponto. Não foi ele que programou? Ele não viu os códigos? Claro que ele saberia! Só que aí ele se enganou: eles são diferentes sim. E graças ao cara aqui que ta do meu lado. Bang Yongguk. Ele, quando fazia parte do projeto, forneceu não só assistência a rede, mas também códigos. Não só códigos gerais do sistema central, mas também os códigos que o Nichkhun tem na cabeça hoje. Códigos exclusivos do NCK. E só foi capaz disso acontecer, porque Hwang Chansung foi encarregado do Nichkhun, ele é o dono dele, entendem? Cada um é responsável por um Kryptos, Wooyoung pelo Taecyeon e o Chansung pelo Nichkhun. Hwang e o Bang queriam que o segundo Kryptos fosse diferente do primeiro, como um yin yang. Mesmo que os dois fossem poderosos e tivessem o mesmo propósito, eles queriam gamificar¹ o projeto, mas claro que o Wooyoung não quis. Queria duas mentes treinadas, frias, calculistas e que não vacilassem na hora do trabalho, porém ele associou isso de forma errada. Nichkhun era diferente, mas não era menos competente. Então o Chansung fez tudo por debaixo dos panos. E aí entra o pequeno problema.
Todos estavam boquiabertos. Bang segurava pra não rir. A forma que Ana explicava, riscando o quadro, era hilária.
— Chansung se meteu tanto, que foi chutado do projeto. Há outros hoje com o Wooyoung e o Minjun. Nichkhun, apesar do Chansung não ser mais da equipe oficial, é ainda protegido pelo mesmo. É como o caso do Bang com o Daehyun. Os dois são amigos, há um laço entre eles. E mesmo que eu tenha convencido o Chansung a nos ajudar, ele vai perder o humanóide se vier. Entendem? — Ana disse de forma triste, frustrada. — Ele presta serviços adicionais ao Kryptos, porque trabalha na empresa, mas não é dono da máquina como o Wooyoung é do Taecyeon. Pelo menos não como ele era antes de sair da equipe oficial.
— Mas esse cara... ele é confiável?
— É. Tive minhas provas. E tem outra. Sabe por que eu sei que ele realmente quer nos ajudar? — Bambam negou. — Ele impediu uma coisa horrível de acontecer meses atrás quando o vírus voltou. Se ele não tivesse usado os códigos do Bang e não tivesse intercedido por essa parte do projeto lá no começo quando o Nichkhun nasceu, provavelmente teríamos perdido tudo. Tanto que o Nichkhun assumiu a tarefa e salvou o Junior. Ele invadiu o Junior no lugar do Taecyeon. Taecyeon invadiu os outros, sem jeito do Nichkhun tirá-lo disso, e quase destruiu tudo. Daehyun, Zelo e o Jongup, por exemplo. Foram os únicos que sofreram coisas horríveis, quase morreram. E há memórias do NCK dos ataques que não tivemos acesso ainda. Podem pensar que ele apenas salvou o Junior, mas então por que os outros não desligaram totalmente? Não me tira da cabeça que o Nichkhun fez muito mais do que proteger o R207. Ele deve ter feito algo contra o Taecyeon pra ele não terminar a sua tarefa.
— E sabem como isso aconteceu? O Nichkhun guardou os códigos para não serem copiados ao invés de completar a missão e transferi-los para o pessoal da equipe. Isso é bem impressionante, é bem diferente do propósito deturpado que aqueles humanóides supercomputadores têm. Foi assim que ele o protegeu. Não permitiu o mau uso das linhas da Ana. E tudo isso porque o Chansung interferiu indiretamente usando os códigos antigos que fizemos — Bang comentou impressionado pelo aquele fato. Olharam surpresos para ele. — Já o Taecyeon... Não sabemos o que ele fez quando entrou nos outros. Mesmo não tendo os estragado completamente. — Bang sem dúvida havia enchido Chansung de perguntas naquela tarde. O papo havia rendido de uma ótima forma.
— Então os outros foram copiados possivelmente? — Sulli disse.
— Tudo indica que sim. E como o Bang disse, com os códigos copiados do Junior, a única forma dele proteger, sem o Taecyeon pegar e repassar pro destino final, era executando. A execução não deixa copiar códigos, vocês sabem. Sabemos que há meios, senão a gente nem atualizava as máquinas em tempo real, mas entendem? Nichkhun executou os códigos do Junior, e isso fez com que ele escondesse, como se não tivesse pegado nada. Os códigos se misturaram com o código original do Kryptos e agora eu e o Chansung somos mestres do Nichkhun. A maestria foi repartida nesse exato momento.
Viu Bambam e Youngjae vacilarem na cadeira, quase caindo. Os outros estavam chocados, igualmente Jung-Su.
— E Chansung? Ele vai continuar lá depois de tudo? Quer dizer, ele foi chutado da equipe e pelo visto foi contra o ataque, não é? Ajudou o Nichkhun a ajudar a gente. Sem saber. E agora há sangue do R207 na máquina dele.
— É isso que eu queria falar. Eu queria que ele viesse pra cá, mas não faço ideia como. Se ele vir, ele perde o humanóide. Sem o Nichkhun, é impossível a gente parar as coisas. Há mais coisas que aconteceram, eu ainda vou falar com detalhes. Principalmente sobre o primeiro ataque. Mas é algo que ele teria que nos dizer. E realmente precisamos fazer alguma coisa. A gente precisa do Chansung, e ele precisa do Nichkhun. Ele não sabe o que fazer e eu, como uma boa parceira de maestria de humanóide, prometi que iria tirá-lo dessa.
— Ana... É perigoso. Confiar nessa gente.
— Youngjae... Eu me fiz esse questionamento até o último segundo. Se estou dizendo tudo que estou é porque há embasamento, eu não seria maluca... Mas o que eu vivi... Gente, pra vocês terem noção, o Nichkhun me deixou entrar na casa deles, eu vi o laboratório, ouvi coisas comprometedoras pelos próprios humanoides. Por causa dele o Chansung decidiu me ajudar, me fornecer informações, se juntar a gente. Eu vi como eles vivem, eu ouvi o Taecyeon falar sobre gurus. Isso é não é novidade aqui, pelo amor de deus. Essas máquinas são estranhas, e inegavelmente estão envolvidas com os incidentes, é uma inteligência que não tem como os nossos humanóides competirem. Mas nós temos o Nichkhun. Assim como o Bang fez o próprio veneno, eles fizeram o nosso antídoto.
020
Bambam estava completamente obcecado. Não era de se admirar. Depois de ter visto o enigma e discutido com Jackson sobre, na última hora, ele correu atrás de Ana, a qual estava andando pelos corredores da faculdade deserta, para falar do segundo. Mas Ana não estava afim de conversar sobre aquilo. Estava desconcertada, reviver aquilo tudo não fazia bem, queria deixar pra outro dia. Tudo bem, havia coisas positivas, tinham um caminho novo a ser traçado, mas não sabia como tirar Chansung junto com Nichkhun de lá. E isso, depois da morte do seu orientador, lhe perturbava como se fosse a primeira e última coisa que precisasse fazer pra ter paz.
— Ana, por favor! — tentou pará-la e a garota se virou impaciente. — Eu sei que está cansada, eu juro que não vou demorar! Teve que falar tudo isso e... Não está sendo fácil. Mesmo com esperanças você está muito preocupada. Todos estamos, mas...
— Não quero ouvir nenhuma palavra contra o Nichkhun. — disse séria e Bambam ficou surpreso.
— Não é sobre o Nichkhun, quer dizer... Tem a ver claro. — riu sem graça. — E a gente acredita em você. Se você viu tanta coisa que provou ser o caminho, quem somos nós pra dizer alguma coisa? Nós te apoiamos. Foi incrível.
— Não fiz sozinha. Se não fosse o Daehyun, pra começo de conversa, nunca teria chegado ao Kryptos, muito menos ao Nichkhun.
— E como o conheceu?
— Estava no congresso, eu já tinha conhecido o Taecyeon por meio do Jang, ele também ia apresentar um artigo. Ele, o TCY, tentou invadir o Junior, foi bem difícil. A gente brigou, Jackson chegou a bater nele dias depois — viu o rosto de Bambam querer rir. Ana sorriu nostálgica. — Conheci o Chansung no segundo dia, Dae ficou preso em uma armadilha de rede, sabe? Iguais aquelas de banco. — o viu assentir. — Foi aí que ele suspeitou. Eu não podia confiar nele de cara, e mesmo assim ele viu o Dae e não falou nada. Viu o Dae invadindo e ficou na dele. Ele tava inconformado com a vida dele, Bambam. Tudo que ele fazia pra proteger o Nichkhun ele tinha que proteger a rede primeiro, porque pensava que podia ser vigiado. — Bambam fez Ana se sentar em um dos bancos do corredor. — Tem sido difícil. E a gente descobriu sobre a maestria juntos. Nichkhun simplesmente me disse. E ele tem umas memórias ocultas, o Taecyeon meio que interfere no NCK, mas ele tem resistido. E me contou tudo que lembra. Acho que a gente pode ajudar a recuperar todas as memórias. Ou pelo menos as importantes. Mas só se trouxermos eles. — falava pausadamente, pensando. — A gente precisa deles. Sem eles a história acaba aqui. E eu acho que o doutor Lee, mais do que ninguém, queria que fôssemos até o fim.
— Iremos pensar em alguma coisa. Talvez o Jung-Su hyung possa...
— Vamos esperar passar o baque do doutor Lee. Sabe, não somente pelo luto, mas... É muita coisa pra pensar e planejar e nisso inclui o pai do Jinyoung. — Ana engoliu em seco. — E eu to sem orientador. Sem isso, eu volto ao problema de ter que voltar ao Brasil. Preciso achar um jeito de continuar aqui, depois eu salvo o Chansung.
Bambam abraçou Ana, achou que seria o melhor a fazer por ora.
020
Antes de Ana ir embora com Bang de volta pra casa, ficou pensando no que Bambam havia dito logo antes de voltar ao laboratório. Não queria te pressionar, mas viu o que dizia o segundo enigma? Bom, o primeiro já foi decifrado, mas olha só: “Será que Langley sabe disso? Eles deveriam: está enterrado em algum lugar. X Quem sabe a localização exata? Só WW” Acho que tem que se apressar em saber quem é Langley e WW. Talvez seja um bom começo de decifração. Bambam tinha razão. Precisavam urgente que Chansung viesse até eles e ajudasse com o enigma. Se nada mudou desde o começo de Kryptos, talvez ele soubesse quem eram aquelas representações, só esperava que nada envolvesse seu orientador. Que ele descanse em paz.
O baque voltou a ocorrer quando chegou a sua casa, depois de Bang inutilmente tentar conversar com Ana sobre qualquer coisa durante o caminho. Ela, Junior e suas malas subiram em silêncio. Viu que o humanóide ponderava em dizer alguma coisa e, sinceramente, Ana estaria aberta a ouvir o que ele tinha a falar. E não tardou a vir. Antes de pegar no sono, Junior não estava ali no quarto como costumava fazer. Porém, pouco antes da meia noite, ele entrou no mesmo com uma caneca de alguma bebida quente — sabia que poderia ser um café — que ele havia aprendido a fazer com Mark, e se sentou ao seu lado com cuidado.
Ana fingiu estar dormindo, mas sabia que Junior era muito mais esperto. Não queria espantá-lo, de longe, mas queria ver até onde ele iria. Ficou realmente comovida quando o viu mais cedo pesquisar sobre formas de consolo, e isso foi uma das coisas que Ana andou pensando no caminho do laboratório cinco. O que seria de si se não o tivesse por perto? Por mais que todos da equipe de alguma forma estariam ali pra você, o amparo de Junior era essencial. Sem ele, estaria naquele quarto, sozinha, e nem saberia se teria coragem de aparecer amanhã no funeral de Lee Chunji.
Virou-se na direção do humanóide que te olhava paciente. Poderia ficar assim a noite toda, mas o café esfriaria. Então Ana se sentou, encarou Junior, e pegou a caneca em suas mãos.
— Obrigada. — havia sido mais abrangente do que apenas por aquele momento, mas não quis começar a dizer de novo tudo o que sempre dizia a ele. Não naquele estado deplorável.
— Vai se sentir melhor. Ana-shi, eu sei que está triste, mas estou aqui pra ajudar.
Claramente viu aquelas frases na internet, mas não deixavam de significar menos. Junior as escolheu cuidadosamente pensando no que poderia ter efeito na dona, e Ana sorriu agradecida.
— Eu sei. E sou muito feliz por estar aqui.
Junior deu uma pausa.
— Todos os seus amigos vão te ajudar, então você pode chorar o quanto for necessário, é bom para aliviar. — ele continuou. — Doutor Lee hyung não vai te abandonar.
E Ana abraçou Junior com força. Aquilo era importante, como se te conformasse mais depressa do que se Jackson ou Bambam falassem aquilo. Ou se Jinyoung, o humano. Este não era bom com palavras, ela sabia disso, mas a encheu de orgulho não muito tempo depois. Sentiu-se amargurada por não ter notícias dele ainda, e se lembrou com um sorriso de deboche que até mesmo Chansung havia ligado para prestar condolências. Que coisa patética. Alguém que conhecia há uma semana estava sendo mais prestativo do que o próprio namorado. Então Ana soltou Junior, que olhou de forma enigmática para Ana.
— Por que está rindo?
— Jinyoung. Ainda não veio falar comigo. — mas algo lhe ocorreu. — Será se aconteceu alguma coisa?
— Talvez não saiba o que dizer ou como pesquisar a coisa certa. — a sinceridade de Junior fez Ana rir.
— Sinto falta dele.
— Amanhã você liga então. — parecia que tinha lido sua mente. — Agora é a hora de dormir.
020
E novamente as nuvens estavam ali. O verão estava tão quente que provavelmente aquela chuva foi formada sem querer. Tomou café devagar, ainda estava cedo, vendo Junior mexer no celular. Até mesmo as tecnologias estavam presas às tecnologias. Riu ao pensar naquilo. Arrumou-se sem muita vontade, Bang novamente passaria para te pegar, então escolheu algo neutro para Junior também. Sabia dos problemas que ele teve com doutor Lee até não muito tempo atrás, mas Junior havia aprendido a lidar e sabia que o seu orientador também. Não seria tão fácil mudar o humanóide, ele era muito mais bem construído do que as pessoas achavam. E isso foi algo que doutor Lee também havia aprendido de forma dura.
Logo estavam novamente no carro de Bang, trajando algo apropriado, e Ana novamente se apoiou na porta, sem olhar muito pro mais velho.
— Ana, eu não vou perguntar se você está bem. — disse firme. Ana fez questão de olhar pra Bang Yongguk. — Mas não quero que fique assim. Quer dizer... Você faz um ótimo trabalho, ele não quereria que você desistisse.
— Não é questão de desistir, deu a entender a isso? Estou só pensando nas coisas.
— Ana-shi queria falar com Jinyoung, o humano, mas eu falei pra ela ir dormir cedo.
Bang riu um pouco do relato de Junior e Ana revirou os olhos.
— Verdade, o que aconteceu? Até poucos meses atrás via vocês dois sempre juntos.
— Não sei. Pouco antes de ele ir pra Tailândia tava meio esquisito.
Bang havia pegado parte do seu relacionamento. Quando Bang Yongguk começou a freqüentar o laboratório, Ana ainda estava assiduamente vendo Jinyoung. Quando as coisas pioraram, pouco antes das férias, Ana havia posto, em uma lista de prioridades, que o laboratório era mais importante. Sem ele, não havia nada a ser feito, estariam todos perdidos. Seu namoro poderia esperar.
— Ah, eu sempre esqueço que ele é filho do Jung-Su hyung.
— É. — suspirou. — Acho melhor eu acabar com isso logo assim que eu o vir. — não sabia se Bang havia interpretado do modo certo, mas Ana queria ter uma conversa séria com o namorado. Não queria dizer que ela não gostasse mais dele, não era isso, mas que talvez fosse infantilidade do seu humano favorito não estar falando com a mesma.
Mas Bang não disse nada. Continuou a dirigir, como se aquela informação fosse pessoal demais e achou que não devia comentar. Mas Ana continuou.
— Acredita que o Chansung não tinha acreditado que eu namorava?
— Mas talvez você não estivesse mais namorando. — Junior novamente comentou de forma sincera. Ana torceu os lábios. Onde estava o Junior prestativo e solidário naquela hora?
Bang se segurava pra não rir.
— Pode parar de rir, por favor? — Ana quase suplicou a Bang. — Será se sou tão horrível assim?
— Ana-shi não é horrível. Ela tem uma aparência muito boa.
— Junior... — e Bang não se agüentou. — Estou falando sobre ser desinteressante.
— Pra quem divide um quarto com uma máquina, a informação é meio impactante sim. — após ouvir isso, Ana deu um empurrão no ombro de Bang Yongguk.
— Vocês são meus amigos ou o que?
O local do funeral estava bem decorado, ainda que discreto, então Ana não deixou de passear entre os arranjos de flores — que logo reconheceu sua dona —. Sulli estava terminando de organizar a parte floral não muito mais a frente, então Ana foi até a garota.
— Não esperava que fosse a floricultura da irmã do Mark que traria as flores. — Ana disse de repente e Sulli pulou com o susto. — Foi uma ótima escolha. — riu, tentando confortar a si mesmo, e logo após deu um longo abraço em Iseul.
— Sinto muito, Ana. — olharam em volta e Ana pode encontrar Zelo mexendo em alguns ornamentos de forma curiosa. — Não deve ser fácil. Sabe, acho que posso entender um pouco da sua agonia. Meu pai está internado há uns dias. Depois que voltei pra Seul de novo.
Ana se impressionou com o que ouviu.
— Mas ele ta bem?
— Na medida do possível. — ela deu um sorriso fraco. — Himchan ainda estava lá e, como eu já tinha voltado, me atualizou.
— Himchan é uma grande pessoa, que bom que ele pode te ajudar nessa hora.
— É, se não fosse ele nada teria dado certo pra mim.
Ouvindo aquelas palavras, Ana olhou pra algumas mensagens postas que prestavam homenagens a Lee Chunji em um mural bem decorado. Provavelmente feito pelos filhos. Pegou uma folha que tinha ali e uma caneta na bolsa. Seria uma boa hora para uma despedida.
— Eu vou... — Ana apontou para o mural, então Sulli assentiu, dando tapinhas nas costas de Ana. Rumou até o local e aproveitou que Junior não estava ali perto para escrever alguma coisa.
Não havia tantas pessoas, talvez seu orientador fosse mais restrito em suas amizades. E isso não a impressionava nem um pouco. Sabia o tanto que ele havia brigado consigo, mesmo que a considerasse uma de suas melhores orientandas. E Ana nunca se esqueceria de toda a ajuda que ele forneceu desde o começo, antes mesmo de ser aprovada naquela universidade. Como Sulli havia falado para si, levou a frase para seu contexto: se não fosse pelo doutor Lee, eu nem estaria em solo coreano. Se não fosse por ele, nada aqui teria dado certo. Eu não teria nada do que tenho, não teria conquistado meus maiores bens. Lembrou-se das amizades, de sua máquina, das pessoas que continuava a conhecer. E aquilo lhe pesou de tal forma que, ao escrever essa frase na folha, seus olhos se embaçaram.
“Se não fosse pelo doutor Lee, eu nem estaria em solos coreanos. Se não fosse por ele, nada aqui teria dado certo. Eu não teria nada do que tenho, não teria conquistado meus maiores bens.
Havia brigas, desentendimentos, mas jamais isso foi maior do que sua prestatividade, sua bondade e sua dedicação. Grande homem, sempre acreditou em mim. Até o último segundo.
Prometo, onde o senhor estiver, que ficará orgulhoso.
Ana. Orientanda preferida.” Ficaria mais um tempo com aquela mensagem antes de por no mural como as outras poucas — inclusive achou uma de Jackson — e, se não tivesse sido interrompida, poderia ter lido até o final. Alguém lhe cutucou o braço, virou-se limpando os olhos que já estavam vermelhos.
Não sabia o que dizer quando viu aquela pessoa. Não estava brava ou com má vontade, apenas havia ficado surpresa. Mas aí se lembrou. Lee Chunji lhe apresentou os seus primeiros amigos. E isso incluía seu ex namorado.
— Jaebum...
— Ana, quanto tempo.
Realmente fazia um bom tempo. Ainda estava no mestrado quando o viu pela última vez, no shopping, depois de ter provocado Jinyoung, o humano. A garota apenas sorriu sem graça, não queria pedir para ele se retirar do recinto, afinal ele era até mais próximo que você era de doutor Lee.
— Deixei minha mãe ali, vão trazer o corpo do Lee hyung a qualquer momento. Então vi você aqui. Escreveu alguma coisa? — viu que ainda estava com o papel na mão. Os nós dos dedos brancos de tanta força. Não era raiva, era desespero. Queria ficar sozinha, ainda mais depois de ter escrito aquelas palavras e Jaebum era a última pessoa que queria ver.
— Ah. — Ana sorriu amarelo. — É melhor eu ir. — virou-se abruptamente, pondo a mensagem de forma discreta para que corresse menor risco de ser lida por outros. Havia uma foto, como se tivesse sido tirada pela própria faculdade, e Ana se demorou olhando pra ela. Disse que teria que ir, mas ainda estava parada olhando pras as outras fotos enfileiradas — ao lado da foto formal que viu primeiro — bem diversificadas de seu orientador com sua família, amigos... e o pessoal da faculdade. Havia fotos com Jung-su e até com ela junto com outros alunos orientados por ele. Ana sentiu o coração se apertar.
— Estranho né? Morte repentina.
— Acidentes acontecem. — Ana disse quase sem voz. Parou de encarar as fotos, aquilo estava lhe fazendo mal. — É uma pena.
— Você quer um abraço?
— Não me leva a mal, eu só quero ficar sozinha. — e saiu, deixando JB embasbacado. — Desculpa. — virou-se apenas pra dizer isso e saiu daquela sala.
Encontrou Jackson que conversava com um rosto familiar até demais. Estava como da última vez: a franja caída pela testa, as ruguinhas rabugentas, o sorriso não era tão esplendoroso devido as circunstâncias, mas ainda era ele. Ana o encarou, esperando que ele a visse, e demorou quase cinco minutos pra isso.
— Oh. — viu que ele se enrijeceu, e Ana se aproximou. — Ana...
Jackson viu aquela cena e saiu de fininho.
— O que aconteceu? — foi direta, talvez a adrenalina por ter reencontrado JB houvesse sido descontada em Jinyoung. — Por um minuto pensei que fosse o Junior, mas me lembrei que ele penteou o cabelo pra cima.
Ele quis rir.
— Onde está ele?
— Por aí. Jinyoung... — Ana suspirou. — O que aconteceu? Você viajou e...
— Sumi. Achei que assim você poderia trabalhar melhor. — não havia mágoa, mas Ana saberia que poderia ouvir alguma coisa assim.
— Não seja duro. Sabe o que aconteceu.
— Sei. Meu pai quase não dormia pensando nisso. Principalmente quando você foi pro Japão. Deu em alguma coisa? — não sabia se ele estava chateado, mas não podia pensar que havia pelo menos um pouco de mágoa sim.
— É, aconteceram coisas. Sei que aqui não é o melhor lugar pra gente conversar, né... Quer dizer...
— Senti sua falta. — te cortou e você agradeceu. Não sabia o que dizer, apenas o sentiu puxá-la para um abraço apertado. Durou minutos. Foi a melhor coisa que poderia acontecer naquele dia. Ou talvez quase a melhor, porque ouviu um pigarreado longo e divertido e quase teve certeza que escutou uma risada bem característica em seguida. Ana se soltou, virando-se de forma tão assustada que até mesmo Jinyoung olhou na mesma direção.
— E não é que você tava falando sério? — a voz divertida de Hwang Chansung sem dúvida se referia ao humanóide e ao namorado terem a mesma cara. Mal sabia que eles eram tão diferentes.
— Chansung?!
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