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Nos dias que se seguiram, Deidara se dedicou plenamente à fabricação de esculturas.
Cada hora livre que tinha ele gastava em seu ateliê, trabalhando com a substância viscosa e densa de Kurotsuchi. Ele lambia uma porção com a língua da palma, e sentia a matéria endurecer na mão enquanto a moldava e injetava seu chakra. Quando botava pra fora, a escultura em miniatura já estava pronta. Então ele as levava até o museu e depositava em cima de um pedestal. Em seguida fazia um selo de mão, e pronto: uma grande estátua de pedra aparecia no local.
Era um pouco diferente do que ele estava acostumado.
Aquelas esculturas não se mexiam, o que fugia um pouco do estilo dele. Mas pelo menos elas iam durar bastante, e estavam realmente ficando bonitas.
Conforme a semana ia se passando, Deidara ia intensificando seu trabalho.
Não apenas porque o prazo ia apertando, mas porque ele estava verdadeiramente inspirado. Depois de um tempo ele passou a fazer esculturas diferentes.. não só animais, mas objetos e coisas abstratas também.
De vez em quando Kurotsuchi aparecia pra abastecer a banheira e ver se ele precisava de alguma coisa. Ela também estava claramente ansiosa: andava de um lado pro outro, dando os retoques finais e verificando se estava tudo em ordem. Naturalmente, ela reparou nas esculturas mais recentes de Deidara.
– Hum.. você tá numa vibe diferente né? – comentou, analisando uma estátua de sereia sem cabeça – O que é isso, impressionismo?
– Sei lá. Nem sei se isso tem um nome. – riu Deidara – Só tô fazendo o que me vem à cabeça, hm.
– Sua cabeça deve ser um lugar muito perturbador.
– Você não faz ideia..
Os dois trocaram sorrisos, e olhares enigmáticos.
O clima entre eles claramente não era o mesmo nos últimos dias. Havia uma certa tensão no ar, uma emoção congelada lutando pra se desprender. Eles sentiam que se ficassem mais alguns minutos a sós o calor seria tão insuportável que aquele gelo ia derreter, e a qualquer segundo eles se atirariam pros lábios um do outro. Mas infelizmente eles não tinham tempo: estavam correndo uma maratona contra ele, e precisavam se concentrar.
Assim que Kurotsuchi saiu, entretanto, Deidara se voltou pra uma coisa nova em que estava trabalhando.
Uma pedra.
Uma pedra redonda e lisa, idêntica por fora a outra qualquer.
Mas aquela não era uma pedra qualquer. Ela tinha sido especialmente moldada por Deidara, inspirado pela única imagem que ocupava sua mente agora: Kurotsuchi.
Ela tinha um certo valor simbólico. Isso porque dentro dela estava contido tanto o chakra de Kurotsuchi quanto o de Deidara. Ela, pelo jutsu que forneceu a matéria-prima, e ele pelo trabalho de modelagem com as mãos. A pedra representava o vínculo sólido dos dois. E Deidara pretendia mostrar isso a ela. Quando tudo aquilo acabasse, Deidara iria levar Kurotsuchi até a Fonte Sagrada. Então finalmente ele iria colocar a sua pedra no lago, e se declarar pra ela.
Já estava decidido.
Mas agora, precisava se concentrar na exposição..
Faltavam apenas dois dias.
***
Deidara quase não dormiu nas próximas noites.
Ficou acordado até de madrugada, finalizando as últimas esculturas. Ele até voltou a dormir temporariamente no seu antigo apartamento, que era mais próximo do museu.
Kurotsuchi também se manteve ocupada confeccionando panfletos, que Deidara distribuiu por toda a aldeia usando pombas de argila branca. Elas voavam por todas as pontes, torres e praças, derramando os panfletos sobre as pessoas, que recolhiam e liam curiosas a respeito da grande inauguração.
Então finalmente chegou. O grande dia.
Era uma manhã de sábado.
O sol brilhava, e uma multidão se aglomerava na praça em frente ao museu, esperando as portas se abrirem. Até Akatsuchi estava lá, mais animado que muita criança. Segurava um punhado de balões, e admirava ao lado do chafariz a bela construção que assomava acima dele.
Encostada no paredão de um penhasco, de onde despencava uma cascata no fundo, o museu era formado por várias colunas e blocos de pedras claras, muito bem lapidadas. A nave central era enorme e perfeitamente circular, encimada por uma grande cúpula redonda. E no alto da fachada, letras gigantes esculpidas:
“MUSEU KURODARA”
Lá dentro, os donos do nome aguardavam ansiosos o relógio bater dez horas.
– É isso.. – disse Kurotsuchi, respirando fundo e soltando o ar – Nem acredito que conseguimos!
– Pode crer.. a gente é foda.
De certa forma, Deidara parecia ainda mais nervoso do que ela.
– Hey.. você tá legal?
– Hm? To ótimo.. só meio cansado. Não dormi direito essa noite.
– Não se preocupe.. – tranquilizou Kurotsuchi – Tenho certeza que eles vão adorar sua arte.
– Que? Claro que vão adorar. Eles vão pirar! Não tem artista melhor que eu, hm!
– E você já conheceu algum outro? – provocou ela.
Deidara não respondeu. E nem precisou: naquele momento, o relógio na parede marcou dez horas, e em algum ponto da aldeia um sino ecoou as badaladas.
– É agora! – disse Kurotsuchi – Tá legal, não entre em pânico.. Ai meu Deus!
– Vamo logo!!
Os dois agarraram as aldravas de bronze da grande porta dupla de carvalho, e puxaram ao mesmo tempo.
– Bem vindos!!! – entoaram em coro.
A multidão invadiu o museu, entrando como um rio que subia das escadas e da praça ensolarada lá fora.
Kurotsuchi e Deidara iam perfurando buraquinhos nos ingressos e devolvendo-os às pessoas. Levaram um bom tempo fazendo aquilo, até que foram substituídos por funcionários e eles puderam participar da exposição.
– Nossa.. não achei que viria tanta gente! – disse Kurotsuchi, entusiasmada.
De fato, até Deidara estava surpreso. O museu inteiro estava apinhado de gente, circulando e apreciando as obras, e enchendo todo o ambiente com vozes e conversas animadas.
Eles logo encontraram Akatsuchi, fascinado com um grande esqueleto de estegossauro. Ele abriu um grande sorriso no rosto balofo quando os viu se aproximar.
– Kuro-chan! Deidara-nii!
– Hey! Como vai o nosso convidado VIP?
– Eu tô adorando isso! Que baita bichão, deve fazer um belo estrago com esse rabo! As suas esculturas também estão bem bacanas, Deidara-nii.
– Valeu..
Mas Deidara sentia que sua arte não estava fazendo o mesmo sucesso que os fósseis de Kurotsuchi.
As pessoas pareciam achar que elas eram simples enfeites, porque a maioria passava direto por elas sem sequer olhar. Ao menos, era o que acontecia com as esculturas de animais. Porque as outras, com certeza, estavam chamando a atenção..
E não era por menos.
A nova fase artística de Deidara era, no mínimo, curiosa.
Isso era evidente em suas estátuas: havia uma escultura de um ovo com olhos, e de uma rachadura na casca brotava uma árvore. Havia outra de um homem agonizando, que parecia estar derretendo. E havia outra de um guarda-chuva aberto de cabeça pra baixo, exibindo fileiras de dentes afiados.
Os visitantes paravam quando passavam por elas, e se detinham por longo tempo observando. Deidara andava discretamente entre o público, e pôde entreouvir alguns comentários:
– Isso é bem... diferente, né? – diziam, meio que inseguros.
– Nunca vi nada parecido. Quem será o artista?
– Parece ser um tal de Deidara.. – respondiam, consultando o portfólio.
– Deidara..? Esse nome não me é estranho..
– Não é ele a quem chamam de Ave Indomável?
– Aquele marginal de rua?
Os burburinhos nesse sentido iam aumentando, conforme os minutos passavam.
Deidara estava começando a se sentir desconfortável.
– Hey, aniki! – chamou Kurotsuchi alegre, depois que terminou uma breve palestra sobre biologia pré-histórica. – Sua arte impressionista parece estar atraindo muita atenção, não é?
– É.. mas não tenho certeza se as pessoas tão gostando, hm.
– Que isso.. claro que estão! Elas só devem estar meio.. surpresas. – riu ela.
Mas “surpresas” não parecia ser a palavra certa.
Alguns visitantes estavam claramente torcendo o nariz, e se afastando perturbados. Algumas crianças faziam até cara de choro ao ver as obras, e os pais precisavam retirá-las de perto às pressas.
Pelo visto, a exposição de Deidara era “vanguarda” demais.
Mas talvez a estátua mais surreal de todas fosse a que estava no centro do salão principal.
– É aquela né..? – perguntou Kurotsuchi – A que você chamou de sua obra-prima..
– É.. o Renascimento de Fogo.
Kurotsuchi se virou para admirar a escultura.
Depositada no maior dos pedestais, era também a maior das estátuas. Tinha quase três metros, e com certeza se destacava sobre todo o resto. Era impossível dizer o que exatamente era.. tinha a forma ovalada, e dois braços que se abriam pra cima. Os braços iam gradativamente se transformando em asas com fogo, como a fênix que renasce. E a cabeça pontiaguda tinha dois rostos: um na frente e outro atrás, ambos exibindo buracos escuros no lugar dos olhos e boca. O rosto da frente esboçava um sorriso, mas o de trás tinha uma expressão que lembrava um grito de angústia.
– Com certeza essa é uma obra.. única. – arriscou Kurotsuchi.
Os dois viram um casalzinho olhar pra estátua e sair de perto horrorizado.
– Ao menos ela provoca reações fortes.. – brincou ela, nervosa – Então, qual foi a sua inspiração..? Um pesadelo ou algo assim?
– Não. – respondeu Deidara, sério. – A estátua simboliza a mim mesmo.
Kurotsuchi olhou pra ele espantada.
Deidara continuou olhando pra sua obra-mestra, e então (sem dizer nada) se afastou. Kurotsuchi pensou em ir atrás, mas naquele momento ela foi chamada por um grupo que pedia informações.
***
As horas se passaram.
Akatsuchi já tinha ido embora, e à medida que a tarde avançada, o movimento no museu aos poucos começava a diminuir. Os burburinhos e comentários agora eram mais audíveis, e pareciam cada vez mais hostis. A notícia de que o artista por trás daquelas obras bizarras era ninguém menos que a “Ave Indomável” se espalhou como fogo num palheiro.
Logo Deidara viu pessoas se retirando, e se queixando indignadas:
– Que mau gosto.
– Doentio!
– Esse cara devia se tratar..
– Quero meu dinheiro de volta!
Na ala exclusiva de artes, Deidara viu um homem grosseiro e sem dentes rabiscando uma de suas estátuas.
– EI! – berrou ele. – O que tá fazendo?!
– Retribuindo um presente.. alguns anos atrás, esse canalha pixou minha casa.
– Não pode fazer isso!!
Deidara agarrou o homem pela gola, e eles precisaram ser separados por seguranças. O homem acabou sendo expulso do museu, mas Deidara logo viu que outras pessoas estavam imitando ele. Ele foi berrando com todas e chamando os seguranças. Então do balcão do segundo andar, ele viu lá embaixo alguns jovens atirando ovos podres na sua obra-prima, enquanto uma multidão assistia em volta. Um deles chegou a pular a corda de separação e estava agora escalando o pedestal com uma lata de spray.
– EI!! PAREM COM ISSO!!
Deidara saltou do balcão direto pro salão, e foi abrindo caminho na multidão à força.
Os jovens começaram a correr, mas o último deles ainda estava terminando de pixar a palavra “LIXO” na escultura. Deidara o agarrou pelo tornozelo, e o garoto chutou o ar com força. Então ele se agarrou na estátua e se impulsionou pra trás, livrando-se da mão de Deidara. O movimento brusco fez a escultura perder o equilíbrio, e ela se inclinou pra frente. Deidara deu um passo pra trás, e imediatamente a multidão recuou.
A estátua desabou no piso de mármore, despedaçando-se em mil pedaços.
O estrondo foi tão forte que ecoou por todo o museu, e foi seguido de um silêncio mortal. Todos os rostos calaram e se viraram pra ver. Kurotsuchi apareceu correndo imediatamente, vinda de uma ala adjacente.
– O que...? – balbuciou ela, numa voz fraca.
Então ela olhou, e viu Deidara se ajoelhando em frente aos destroços de sua arte. Ela entendeu na mesma hora o significado daquilo.
Por um minuto ela não conseguiu dizer nada. Mas então seu peito se inflamou de revolta, e ela falou em voz alta e enérgica:
– Já chega! Todo mundo pra fora!!!
As pessoas trocaram olhares perplexos.
– AGORA!!
Só então elas começaram a se retirar, indignadas.
– Façam fila lá fora! Vou devolver o dinheiro de vocês!
Mas a maioria não se deu ao incômodo.
Eles amassaram os seus ingressos, e à medida que iam passando, eles atiravam o papel amassado em Deidara, que ainda estava ajoelhado no piso.
– Até parece que um marginal pode ser artista! – diziam, enquanto riam.
Quando o último visitante saiu do museu, Kurotsuchi fechou as portas, e então se virou.
Deidara permanecia ajoelhado e imóvel, em meio ao salão vazio.
Ele contemplava os restos de sua obra-prima espalhados no chão, em completo silêncio. A visão deixou Kurotsuchi arrasada.
Ela foi até ele em passos lentos, e chamou em voz baixa:
– Aniki...
– Me deixa em paz.
Deidara se levantou se afastou pelos fundos.
O tom frio dele deixou bem claro que ele queria ficar sozinho.
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