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Um silêncio mortal se apoderou do salão.
Kurotsuchi olhou do alto para aquele que estava sentado adiante, nos degraus aos pés do trono. Seu peito foi dilacerado por dentro. Como se o fantasma de uma faca a estivesse fazendo sangrar..
Era a primeira vez que ela o via, depois de dois anos.
E agora lá estava ele. Exatamente como ela se lembrava.. os mesmos cabelos dourados, caindo em cascata pelas suas costas. Os mesmos olhos celestiais. A mesma postura felina e rude. Não parecia ter envelhecido um dia sequer.. era o retrato vivo de suas lembranças.
Após algum tempo, Kurotsuchi desviou o olhar, vasculhando o resto do salão. Não havia sinal de mais ninguém ali, exceto um corpo jogado num canto.
Era Han.
Ela havia chegado tarde demais. Quando Kurotsuchi voltou-se novamente para Deidara, seus olhos eram ainda mais gélidos.
– O que você fez?
Deidara não respondeu. Seu rosto estava impassível e sem expressão.
Kurotsuchi saltou para o chão de pedra. Ela viu que a armadura de seu animal estava desgastada e sua pele ferida.
– Rashodon, apanhe Han e leve-o de volta para a aldeia.. – pediu ela, acariciando sua perna.
O triceratops caminhou pesadamente pelo salão, e ergueu cuidadosamente o corpo inerte com o chifre do nariz. Em seguida desapareceu numa nuvem de fumaça, por meio de invocação reversa. Quando se foi, o silêncio no salão ficou ainda mais denso.
Era quase opressor.
Kurotsuchi se virou devagar para Deidara, e até o leve arrastar de seus pés se ouvia nítida clareza. Os dois se encararam calados.
Agora que estava mais perto, Kurotsuchi notou que nem tudo em Deidara era como antes. Certos detalhes nele agora eram outros. As vestes selvagens deram lugar a um manto negro com nuvens vermelhas. O dedo indicador direito trazia um anel, onde se lia o kanji para a cor “verde-azul”. E acima dele, no protetor metálico da bandana, o símbolo da Pedra riscado..
Kurotsuchi engoliu em seco.
– Isso ainda tem algum valor pra você? – perguntou, indicando a bandana com os olhos.
Deidara lançou um longo olhar antes de responder.
– Não..
Ela balançou a cabeça, mordendo os lábios de leve.
– Nem a vida que você tirou hoje, suponho..
Silêncio. Kurotsuchi entendeu a resposta.
– É claro. – riu ela, com amargura – Por que significaria algo?
Aqui ela o fuzilou com o olhar.
– É só mais um cadáver na sua pilha.
Deidara se colocou de pé.
– Que diferença faz? De um jeito ou de outro, a morte abraça a todos no fim. – disse, descendo o pequeno lance de escada. – É a única verdade da vida.
Ele parou a poucos metros dela. Kurotsuchi o encarou, perplexa. Era espantoso como ele podia dizer aquelas coisas com a mais pura serenidade.
– Eu não acredito no que estou ouvindo.. – sussurrou ela – Quando foi que você enlouqueceu a esse ponto, anik..
Kurotsuchi se calou de repente. Aquela palavra havia escapado antes que se desse conta. Ela precisou respirar fundo, antes de chamá-lo pelo verdadeiro nome:
– Deidara.
O nome saiu como gelo afiado de sua boca.
Deidara sorriu.
– No que foi que você se tornou..? – perguntou ela.
– Eu não me tornei nada, Kuro. Você é que nunca me conheceu de verdade.
– Não. Você não é assim.
– Você não faz ideia de quem eu sou.
– ENTÃO ME DIGA!!
Seu grito ecoou com força naquele salão vazio. A respiração dela era ofegante agora.
– Me diga, aniki!! Quem é você, afinal?! Porque eu não te reconheço mais..
Deidara olhou pra ela em silêncio.
Por um minuto ele nada disse. Apenas ficou parado de pé, o rosto esvaziado de emoção, como a estátua de um anjo. Então seus olhos se fecharam. E com suavidade na voz, começou a recitar*:
É sempre igual..
Só mudam as folhas do mês
Cada dia que passa
Sinto que morro outra vez
Outro lugar
Onde os olhos são tão frios..
Eu corro sem parar
Pra chegar no vazio
Eu sou um pássaro perdido
Vago sozinho por um caminho torto
Eu sou desejado,
Mas apenas morto..
Às vezes durmo
Às vezes passo noites em claro
As pessoas pra quem olho
Sempre estão do outro lado..
Às vezes descubro o dia
Pela garrafa que bebo
Às vezes no escuro
Só me calo e penso
E penso..
E ando por essas ruas
Vendo sombras na janela
Eu brinco com a vida
Pois não sairei vivo dela
Eu estive em toda parte
E não estou em lugar nenhum..
Eu vi um mar de rostos
E rasguei um por um
Porque sou um pássaro perdido
Vago sozinho por um caminho torto
Eu sou desejado,
Mas apenas morto..
Quando terminou, Deidara abriu os olhos devagar.
Kurotsuchi estava emudecida. Ela não suportou olhar pra ele, e baixou o rosto, arrasada.
Aquele não era um simples poema. Era sua própria alma. E era tão bela e triste que Kurotsuchi foi acometida por uma súbita e violenta vontade de chorar.
Sentindo as pálpebras arderem, ela caminhou em direção a ele. Deidara não se mexeu. Ela andou até ficar a menos de um passo, e então parou. Sua mão foi até a face dele, pousando em gentil carícia. Por um segundo, o olhar de ambos refletiu uma só dor.
Então o rosto de Kurotsuchi se desfigurou de ódio.
E com a outra mão, desferiu-lhe um forte soco.
Deidara caiu pra trás, batendo nos degraus da escada. Ele sentiu um filete quente de sangue escorrer pelo canto da boca.
– Não se atreva... – sussurrou Kurotsuchi, devagar.
Deidara olhou para ela, ainda caído. Kurotsuchi ainda mantinha o punho estendido no ar, e seu rosto estava voltado pra baixo. Mas quando ela o ergueu, Deidara viu a raiva estampada ali, descendo na forma de lágrimas.
– Não se atreva a fazer isso comigo!
Deidara assistiu aquela cena paralisado.
– Todos esses anos.. – continuou ela – Você nunca me disse o que estava sentindo. Nunca me contou.. E agora, com tantas perdas que sofremos, você resolve se abrir? Agora, aniki?? Depois de tudo que você fez?!?
Deidara limpou seu sangue com o pulso. Kurotsuchi caminhou até ele.
– Você traiu nossa confiança. Devastou nossa aldeia. Derramou rios de sangue inocente..
Ela o agarrou pela gola, lançando-lhe um olhar feroz.
– Eu nunca vou te perdoar.
– Eu não quero o seu perdão.
– Por que vocês estão coletando as Bijuus? O que pretendem fazer com elas?
Deidara sorriu, a boca suja de sangue.
– Sei lá.. o líder fala algo sobre construir um novo mundo. Ou destruir. Tanto faz.
– Eu não vou permitir!
– Terá que me matar.
Por um pequeno instante, a fortaleza interna de Kurotsuchi se desmanchou. O gelo de seu coração derreteu, e ela olhou aquele rosto tão próximo do seu com profunda angústia.
– Você não vai parar, não é..?
Em seu pensamento ela implorava. Mas a resposta que veio foi impiedosa:
– Nunca.
Kurotsuchi sufocou as lágrimas, engolindo em seco.
– Então você não me deixa escolha.
Ela desembainhou a espada nas costas, num rápido e cortante zunido. Deidara porém foi mais rápido: antes que ela o decapitasse, ele chutou seu estômago com ambos os pés, e Kurotsuchi voou vários metros pra trás raspando o chão.
Um estouro de fumaça se ouviu.
Kurotsuchi se recuperou do arremesso com uma mão no piso e a outra segurando a katana. Ela olhou pra frente, e viu Deidara no topo do trono. Estava agachado, os pés se equilibrando no espaldar estreito, e uma gigantesca águia branca sacudia as asas com as garras empoleiradas em seu braço estendido.
As rajadas de vento agitaram seus cabelos.
Kurotsuchi pressionou os dedos com força na bainha da katana.
Era chegada a batalha final..
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