História Lágrimas em marfim - Hoje tudo se tornou brutal;

Olho sua imagem imóvel e perfeitamente posta em frente ao grande piano de calda com teclas em marfim colocado a enfeitar nossa sala. Hoje seus dedos não deslizam sobre as teclas brancas e muito menos fogem até as pretas, como se as anteriores queimasse sua pele enquanto você dita o ritmo da canção nobre com um bater singelo de ponta do pé contra o chão.

Tu costumavas fechar os olhos e absorver toda a melodia reproduzida pela ponta dos teus dedos longos e pálidos, sempre tão ágeis e talentosos. O brilho feliz que me recordo já não mais existe em seus olhos, assim como a tua risada, que já não mais ecoa por toda a sala e cantos de todos os cômodos que tenha sido ocupado anteriormente por você e sua mais completa orquestra de risos.

As músicas ontem dedilhadas por ti eram puras e suaves, a demonstração perfeita do teu humor em dias como aqueles, onde se colocava frente a frente com o instrumento que ameaçava engolir teu corpo inteiro a cada nota repercutida; tu se esquecias do mundo por alguns minutos e sorria, dando-se por completo àquilo, o que mais amava.

Hoje tudo se tornou brutal.

Como o choro que deságua sobre o travesseiro quando pensa que estou dormindo e ninguém é capaz de ouvi-lo; tu não queres ser escutado. Tens vergonha de si próprio, mas eu apenas sei disso porque é o que tu sussurras quando adormecido, inconsciente e incapaz de fugir de seus medos. Tu, mais uma vez, teve pesadelos vividos de quando levaram tudo que você tinha e era teu; unicamente teu.

Pegaram tua alma, essência e pureza, sem permissão. Eles abusaram do teu corpo, boa vontade e fizeram de seus gemidos da mais pura dor, algo prazeroso; como se aquilo fosse música para seus ouvidos. Deitaram teu corpo pálido em um beco qualquer e fizeram da tua liberdade a mais bela diversão perversa; roubaram tua lucidez e não devolveram sua sanidade.

Por isso sente-se podre, de interior vazio e exterior manchado por marcas roxas que não foram feitas por mim e não eram símbolos de nossas noites de amor. Gozaram de você – para você – usufruíram de tudo que seu sorriso largo e brilhante escondia e dava apenas a quem julgava merecedor.

Justo tu, que não tinhas nada a perder e vivia todos os dias como se pudesses ganhar um pouco mais; desejavas conquistar o mundo com os gritos afinados de seu piano. O mesmo você, que hoje se nega a tocar qualquer música por medo de que o escutem, pois sabes que não foi apenas um pesadelo.

Então, Chanyeol, deixe que eu cuide de você e toque nossa canção.

Permita-me trazer – ou ao menos tentar – meu marido amável e apaixonado por música mais uma vez a vida; deixe que eu preencha todos os espaços vagos em seu peito e alma, completando-o com tudo que lhe fora tirado. Deixe-me arrancar toda sua dor com a ponta dos dedos e não pedirei nada em troca, pois quero mostrar o quão puro e belo ainda és e nada, nem as memórias vividas de um pesadelo tão próprio e próximo, pode apagar.

Porque tu és tão puro quanto às canções que outrora foram seu maior amor, delicado quanto às flores que deixavas próximo ao piano para apenas aprecia-las. Porque, principalmente, sinto falta do seu canto sempre tão parecido ao dos pássaros.

Por isso eu clamo: deixe que eu torne suas asas novamente utilizáveis.