História Laura e a última canção de amor - Capítulo 1

Meu coração está acelerado e devagar ao mesmo tempo. Eu estou sentindo como se minha alma tivesse ficado em São Francisco a 7.300m abaixo e 5 horas atrás e somente meu corpo está neste avião. A Laura inteira ficou para trás.  Eu não sei o que é pior, se é o barulho das turbinas no meu ouvido ou o pensamento insistente de que estarei sozinha em outra cidade, ou melhor, em outro estado!

Há alguns meses, minha mãe deu a notícia que eu teria que ir embora. Ela é uma bióloga de renome, já escreveu três livros universitários e artigos incontáveis. Em outubro ela recebeu a oferta de uma editora famosa para escrever um livro sobre a migração, reprodução e contrabando de tartarugas, levou 3 semanas para aceitar e decidir que ia viver 36 meses nas Filipinas e me mandaria morar com meu pai. Agora, 9 meses depois, por ironia do destino, estou chegando em Miami. Ficarei uma semana em casa com meu pai e depois quatro meses em um dormitório na Universidade Internacional da Flórida estudando Artes e Ciências.

O avião pousou, pego minhas malas na esteira, coloco os fones de ouvido e espero meu pai em frente ao portão 6. A sensação que eu estou é que tem um disco de hockey preso na minha garganta. Um carro para na minha frente e abaixa o vidro do passageiro, o rosto do meu pai está no banco ao lado sorrindo para mim.

Depois de chegar em casa coloco algumas roupas no guarda roupa e tiro apenas o que é realmente essencial, não tem motivo desfazer todas as malas para daqui seis dias arrumar tudo de novo. Meu pai me chama para jantar, só percebo agora o quanto estou com fome. A mesa está arrumada para dois lugares e uma lasanha ainda quente está no centro. Meu pai não sabe cozinhar lasanhas.

    - De onde essa lasanha? - pergunto aproximando meu nariz da travessa para sentir o cheiro.

    - É de um restaurante aqui do lado. Eles fazem comidas ótimas. - meu pai tira duas latas de refrigerante da geladeira e senta na cadeira em frente a que eu deveria sentar. - Sua irmã me ligou ontem. Ela está preocupada com você.

Minha irmã mora em Nova York há 4 anos, ela estuda cinema e artes cênicas, o sonho dela é ser atriz. Fez alguns papéis pequenos em filmes e participações em séries de TV. Ela ainda não conseguiu um papel de destaque, porém sei que isso é uma questão de tempo, ela tem muito talento. Mas ela sabe de tudo, todo meu desespero e negação. Foi para ela que liguei quando mamãe jogou a bomba da mudança. E para ela que contei que achava estar apaixonada e que agora perderia a chance de amar. Foi para ela que chorei implorando para convencer nossa mãe a mudar de ideia.

         -  Ela se preocupa demais. - respondo dando de ombros. Não queria dizer ao meu pai que eu estava me sentindo na beirada de um abismo, isso o magoaria. E eu não estou chateada por ter que morar com ele, é por tudo que eu deixei para trás, amigos, a música e a chance de namoro com um cara incrível.

           Termino de comer e subo para o quarto com a desculpa que tenho mais coisas para arrumar. Meu quarto não tem muitas coisas, em frente a porta tem uma escrivaninha com um computador e no outro lado a cama e um pequeno armário. Eu nunca passava mais de um mês com meu pai, então não tinha a necessidade de muitas coisas e eu nunca me importei com isso. Mas agora comparando com o que eu tinha em São Francisco, o vazio parece maior. Lá tinha vários porta retratos e quadros, aqui só tem dois.Tinha um violão atrás da porta e um piano na sala de estar ao lado do meu quarto. Anos de decoração que agora estão em caixas. Minha mãe disse que mandaria o piano assim que pudesse, mas não vai dar tempo de chegar antes de eu ir para faculdade. E isso está me matando.

Eu amo a música. Queria fazer isso a vida toda, tinha um sonho de estudar no Conservatório de Música de São Francisco, uma das melhores escolas do país. Quero ter uma carreira como cantora e compositora e me apresentar pelo mundo. Levando minha música  para todos que gostariam de ouvi-la. Transmitir uma mensagem com isso. Quando toco eu sinto meu coração leve, é como se meu corpo soubesse o que tem que fazer. E a voz simplesmente sai, acompanhando as notas. Ainda não acredito que vou perder isso.

Ligo o computador e abro meu e-mail.

De: [email protected]

Data: Domingo, 24 de julho de 2016  17:21

Para: [email protected]

Assunto: joaninha

É esse o tamanho do meu coração agora. uma joaninha. de tão apertado. faz um dia que não te vejo e já to com sdd. o Peter acho que tbm está. ele me mandou uma mensagem perguntando sobre você… disse que na próxima prova se ganhar vai ser para você!!! não fica triste e me liga ou manda e-mail sempre que puder. UM BEIJO BEM GRANDÃO!!

Claire é minha melhor amiga, somos vizinhas e confidentes. Ela sempre me apoiou com a música e eu a apoiava com seu sonho de ser phd em química. Foi por ela que escolhi Artes e Ciências para estudar, eu tinha que escolher entre isso ou Arquitetura e Artes, por todas as vezes que ouvi ela falar e estudamos juntas, tenho facilidade em química e isso pesou na minha decisão. Eu vou sentir muita saudade dela, serão dois anos e meio morando longe.

De: [email protected]

Data: Domingo, 24 de julho de 2016   21:07

Para: [email protected]

Assunto: Re: (joaninha)

Hoje tá sendo bem difícil pra mim, vou sentir saudades de você também!!!! Meu coração deve estar menor que uma joaninha… ligarei sempre prometo. Amo você.

Não respondi nada sobre o Peter porque seria difícil demais admitir que perdi a chance com ele. Ele é incrível. Gosto dele desde meu primeiro ano no colégio, ele já estava no terceiro. Era o melhor do time de natação da escola, estava sempre cercado de garotas e nunca me notou… até que um dia por algum milagre do destino ele falou comigo. Ele já tinha se formado e eu estava na sorveteria com a Claire, ele simplesmente chegou em nossa mesa e disse que nunca tinha reparado verdadeiramente em mim, mas que quando viu minha camiseta do The Clash não poderia deixar de falar comigo. A camiseta nem era minha e sim da minha irmã, Vanessa. Saímos juntos outras 6 vezes e eu nunca contei a ele sobre isso. Estava confiante que ele me pediria em namoro da próxima vez que nos víssemos… mas não deu tempo.

Desligo o computador com um suspiro. Deito em minha cama e meu olhos começam a lacrimejar, as lágrimas escorrem quentes pelo meu rosto. Sinto o soluço em minha garganta querendo sair. Eu queria chorar em silêncio como os personagens de filmes, mas não consigo. Meu peito sobe e desce apertando meu coração, que parece ficar cada vez menor. Choro como uma criança, tento abafar a voz no travesseiro, mas é em vão. Meu pai abre a porta e senta ao meu lado, ele passa os braços ao redor do meu corpo como se eu fosse uma garotinha perdida. E é exatamente assim que eu estou me sentindo agora.

- Chore minha filha. Chore por tudo que está afligindo teu coração. - ele passou a mão pelo meu cabelo. - Você não precisa ser tão forte. - sussurrou.

Apertei os olhos e chorei. Como vai ser a minha vida agora?