História Lembranças - Intruso

- A casa está cheia - disse Freja, uma das amigas de Anne, que me fitava sem pudor como qualquer um ali, enquanto puxava o chiclete com as longas unhas decoradas.

- Não o suficiente - prendi o maxilar a ponto de forçar meus pré molares para não ceder a raiva, algo que não estava funcionando desde o fim da tarde.

- Lars, só deve ter faltado umas dez pessoas, no máximo!

- Eu sou o anfitrião, eu faço as festas, entendeu? Não é nenhum imbecil novato metido a besta que vai acabar com isso.

- A escola quase toda está aqui.

- Quase, Freja, quase...q-u-a-s-e! - soltei meu pulso e empurrei as pessoas que cobriam a enorme sala, mas que dançavam e se movimentava com devido cuidado para não quebrar nada e essa era a minha única regra...de resto...façam o que bem quiserem! O ódio voltou a me perseguir, a ponto de cerrar os pulsos e procurar por meus dois capachos, ou seja, os capitães do time da escola com o triplo da minha altura, mas burros em excesso para sempre fazerem o que eu quero em troca de apresentar-lhes garota, qual é minha culpa se sou convincente? - Axel, Niels, venham aqui - estalei os dedos e os dois seguiram meus passos sem uma mísera palavra - Nós temos uma festinha para acabar.

- O que tá pegando, Ulrich?

- Dar uma liçãozinha em alguém que não entende as regras, isso que tá pegando.

- Lars, Lars, Lars- já revirei os olhos ao mesmo tempo que virei soltando um "o quê" irritado- Stine quer sair com você no fim de semana- Anne gritou e subi o olhar para os dois marmanjos que me fitavam com a baba escorrendo, Stine era considerada a garota mais desejada da escola, algo que sempre achei superestimado, ela não tinha nada de anormal, nada de surpreendente e suas conversas eram tão superficiais que machucavam - Vamos, Lars, o que diz!

- Por que ela não vem falar comigo? - Anne deu de ombros - Vamos ver, já tenho um encontro com a Helle e outro com a Nastasja no sábado, na outra semana não vai rolar porque vou levar a Connie, vou ver se tenho espaço - empurrei sem cuidados as pessoas que bloqueavam a porta e finalmente cheguei ao carro com meus "seguranças de plantão".

Eu iria dar uma lição naquele ruivo imbecil e seria hoje.
(...)
- Tem certeza que é aqui?

- Qual é? Vai amarelar, agora?- dei um soco leve em Axel que parecia se tremer todo assim que paramos de frente a última casa, que em uma infeliz coincidência acabou sendo na rua de frente para a minha mini mansão.

Notei Niels respirando fundo e lhe acertei um tapa no topo da cabeça e enquanto os dois amarelões pensavam, se é que eles sabiam fazer isso, empurrei com força a porta do carro e caminhei em direção a casa que estava uma bagunça só, aquilo com certeza era festa para degenerados, a música era tão alta que machucava meus ouvidos, havia pessoas caídas por todo o gramada deitadas no próprio vômito, barris de cerveja espalhados pelo quintal e como se não bastasse a caretice, os malditos haviam espalhado papel higiênico por toda a parte...o que era aquilo, halloween? Me poupe!

- Vocês vêm ou não?- dei um grito já possesso e os outros dois desceram e me acompanharam, eu os usava apenas como vantagem, por serem altos e fortes, algo que minha genética nunca colaborou, mas era mais do que óbvio que eu tinha mais força e coragem que os dois babacas juntos.

- L-lars...tem certeza?

- Não está com medo desses vermes, está? - soltei um bufo completamente raivoso e os empurrei, eu resolveria aquilo sozinho- Hey- finquei minhas mãos na jaqueta de um bêbado qualquer que ao me encontrar soltou um riso grogue- Cadê o ruivo maldito?

- Que ruivo, cara?

- O RUIVO! O DONO DA CASA, CADÊ?

- Ahhhhh....o Dave, cara- sorriu novamente, estava tão chapado que me dava dó - Não sei não- o empurrei com força e ignorei sua queda, continuei seguindo e empurrando aquelas pessoas grotescas pelo jardim até entrar na casa e a situação apenas piorou, uma fumaceira tão intensa me tomou que só de respirar ali poderia ter tido um colapso seguido de chapado por tabela.

- Lars- virei imediatamente e encontrei Niels apavorado no meio de todas aquelas pessoas com jaquetas pesadas e que fingiam ter alguma atitude bruta mas que de nada me assustavam, eles não sabem com quem estão lidando - Lars- ele apontava rapidamente na direção oposta, virei imediatamente encontrando uma boa quantidade de cabelos avermelhados caindo em uma jaqueta sobreposta por um colete jeans...típico de um idiota querendo pagar de rebelde!

Ah, mas é agora que esse intruso vai se ver comigo.

- DAVE!!!! - gritei com toda a força que encontrei e expus todo o ódio que me consumida desde o começo da tarde quando o enxerido resolveu tomar o meu lugar sem saber com quem estava se metendo, ah mas agora ele iria ver direitinho com quem estava lidando, empurrei sem paciência alguma todos que estavam no caminho quando de repente o ruivo idiota virou, parecendo tão chapado quanto os outros e soltou num tom de voz incrivelmente calmo enquanto tomava despreocupadamente sua bebida.

- Eu?

- VOCÊ! - me aproximei e o empurrei com tudo, vendo ele ir parar no armário da sala e cair como um nada, sujando-se com a cerveja que estava em seu copo, a música parou, todos me olhavam, serviço feito, moral colocada, eu estava ganhando, ou foi o que pensei quando ele resolveu levantar e veio em minha direção, notei que o garoto do último ano, ou seja, dois anos mais velha carregava músculos, poucos, mas era algo que eu não tinha e para completar deveria ter uns 15 cm a mais que eu, como se não bastasse sua voz era grossa e tinha pelos no rosto...fodeu!

Mas tudo bem, tudo bem, ele não é nem louco em encostar um mísero dedo em mim.

- Axel, Niels - estralei os dedos e os dois pararam ao meu lado, mas tremiam mais que vara verde, engoli em seco, mas não perdi a pose, eu estava no comando, sempre estarei.

- QUEM PENSA QUE É? - dei um grito, tentando parecer autoritário, todos me olhavam e o tal Dave não dizia nada, apenas me encarava com a expressão tão fechada que mais parecia que iria cometer uma carnificina - EU ESTOU FALANDO, NÃO ESCUTOU? ME RESPONDE! - franziu as sobrancelhas - COMO OUSA NÃO ME RESPONDER? SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO, HUH?- ele se aproximou e parou de frente para mim, notei Axel e Niels irem para trás, deixando-me sozinho naquela situação, o suor escorria frio pelo meu rosto, o ruivo me fitou de cima a baixo com uma ironia que fez com que minhas pernas falhassem, quis gritar, mas me arrependi no segundo em que abri a boca e ele deu um salto para frente e gritou demonstrando ataque apenas de brincadeira, dei um pulo para trás me tremendo por inteiro e só escutei quando Axel e Niels saíram correndo com rapidez para o lado de fora e então todos começaram a tirar sarro, o tal Dave me empurrou com apenas um dos dedos e a festa recomeçou enquanto eu fiquei ali parado e humilhado o vendo tomar cerveja e rir da minha cara, eu deveria estar rindo da cara dele e não o contrário, quem ele pensa que é?

- Quem você pensa que é, hein? - tornei a me aproximar, mas não ousei empurrá-lo, ele nem ao menos se deu ao trabalho de virar para me escutar, abri a boca pasmo com a humilhação que estavam me fazendo passar - HEY, VOCÊ! - cerrei o pulso e dei um soco na altura de seus ombros pois eu não alcançava mais que aquilo, por fim ele virou e bateu de frente comigo, quase colando sua testa suada e grotesca em mim, amassou o copo de cerveja com força e o líquido foi ao chão, engoli em seco, mas mantive a pose, tentando não ser atingido quando por dentro estava quase me mijando, mas ele não vai vencer, ninguém me vence.

- A festa do jardim de infância é de manhã- soltou ríspido e todos riram.

- DAVE, MERDA, DAVE, ELES CHEGARAM! - minha fala foi cortado por um idiota qualquer que apareceu gritando do além e todos se desesperaram, menos eu, finalmente Axel e Niels fizeram algo útil, devem ter chamado a polícia para acabar com a farra desses espertões.
- Bem feito -soltei em alto e bom som e escorei de braços cruzado no sofá enquanto via todos jogarem as bebidas no chão e correrem para fora tentando limpar as drogas e tudo o de proibido com rapidez e eu ali rindo escandalosamente- Quem mandou se meter comigo? - gritei ao ver o Dave ajeitando vasos e limpando o chão enquanto seus amigos corriam e a casa tornava-se ainda mais vazia.

- Vai embora, moleque - passou por mim com uma sacola de lixo e a escondeu dentro de um armário, quando retornou não havia mais ninguém inclusive o som estava escasso - VAI EMBORA, MOLEQUE! - quase cospe em meu rosto, desviei, não querendo pegar nem um germe partindo dali, o tal de Dave se estreitou até a janela e abriu as cortinas, estiquei o pescoço encontrando apenas o gramado sujo e nada da polícia...o que diabos? - SOME, VAZA, DESAPARECE, SACOU? 

- Ah, mas eu não vou mesmo! Acha que eu vou ficar tranquilo enquanto um novato chega e rouba o meu lugar, pois fique sabendo que eu sou o anfitrião - quase gritei e parei ao ver que não estava sendo correspondido pois ele continuava limpando a casa com rapidez, segui seus passos - Como estava dizendo, quem você pensa que é? O príncipe da Dinamarca? Ah, mas não é bem assim mesmo, precisei de anos para conseguir ter esse papel na sociedade estudantil que tenho dentro daquela escola e se você acha que vai estragar tudo isso com essas suas festi...O QUÊ? ME PÕE NO CHÃO, IDIOTA, ESTÁ LOUCO? - senti suas mãos agarraram minhas costas e abarcarem minha cintura com força, ele me pendurou em seu corpo e correu escada acima como se eu fosse um boneco e todos os meus socos e debates desnorteados não o impediram - QUE ULTRAJE É ESSE? EU VOU TE DENUNCIAR! COMO OUSA? ME PÕE NO CHÃO, ME PÕE NO CHÃO, ME PÕE NO CHÃO, AGORA - eu nem ao menos conseguia alcançar seu tronco, estava preso entre sua perna e a barriga enquanto ele me carregava lateralmente, por fim fui jogado na escuridão de um quarto e a porta bateu - VOCÊ É LOUC...- ele se jogou em cima de mim com ignorância e seu peso acabou comigo, tampou minha boca com as duas mãos e pensei em mordê-lo para que me soltasse, mas foi então que notei sua face de pavor e o barulho de chave na porta de baixo.

- Dave, querido, chegamos!

Comecei a sorrir por entre suas mãos ao me dar conta de que todo o desespero era medo dos pais, ele me apertou mais, lhe mordi.

- Ai! Você vai ve ser comigo- ele me empurrou para o lado e me soltou, mas em seguida, antes de dar um tempo para que eu me recuperasse, me sustentou com facilidade e me jogou em um estofado - Vai ficar aqui bem quieto ou te jogo pela janela - comecei a rir e parei no instante que alcançou minhas mãos e as amarrou com algo - Nem um piu, sacou? - a escuridão me assustou- Se eles descobrirem estou lascado!

- Dave, querido, já fez o dever de casa?

- Já vou, mãe! - me empurrou no chão sem cautela.

- EI! EU ESTOU AQUI NA FESTA QUE SEU FIL...- respirei com dificuldade quando senti plumas em minha boca.

- Não se mexe! - bateu a porta e saiu.