História Let It Bleed - Two Factors

Pinewood, 03:07 PM.

Alexandra Price.

Há uma batalha interna instalada dentro do meu cérebro, piorando a minha dor de cabeça. Tem a parte que insiste que eu devo me sentir culpada, e a parte que implora para que eu esqueça e aja como uma pessoa normal. Elas brigam feio, causando um rebuliço nos meus pensamentos e me deixando desnorteada na maior parte do tempo.

— É claro que vai ser você a ganhar esse ano! — Amber diz ao meu lado, abrindo um largo sorriso. — Eu e Savannah sequer temos chance!

— Ah, cale a boca, Carson. — rebato, vendo a manicure abrir um sorriso.

— Não, eu to falando sério! — ela se vira com tudo pra mim, fazendo a moça borrar suas unhas vermelhas perfeitas. Amber faz uma careta e se vira pra ela mecanicamente. — Desculpa.

Rio baixo, vendo a minha manicure me olhar com aquela cara de “por favor, não se mova”. Aceno com a cabeça e me volto para a minha amiga, que tenta ao máximo se manter imóvel.

— Savannah ganha isso desde a oitava série, não é justo! — sua careta de nojo me faz rir de novo. — Se eu não posso ganhar, fico feliz que seja você a tirar o título dela!

— Quem disse que você não pode ganhar? — reviro os olhos, voltando o olhar para as minhas unhas. O esmalte branco cintila. — Amber, eles sequer escolheram as candidatas ainda!

— Sim, mas é óbvio quais serão as três escolhidas, não? — a sobrancelha loura da minha amiga se arqueia. — A filha do xerife, a filha do prefeito e a filha do diretor do hospital. Talvez, quando a irmã de Shawn tiver idade, ela também entre para a lista, afinal, os pais dela também são importantes.

Os Mendes são donos da maior empreiteira da cidade. A maioria das obras da prefeitura são realizadas pela empresa deles.

— Talvez. — digo baixo, desviando meu olhar para as unhas.

— Ela vai ser uma forte… Ah não!

Volto meu olhar para Amber no mesmo instante, mas ela olha com desdém para a porta. Sigo-a no mesmo instante, encontrando Savannah Cook e seus zangões passando pelas portas duplas. Ela anda com facilidade sobre os saltos bege, exibindo as longas e bronzeadas pernas com esse short claro e o cropped branco.

— Uma legítima piranha. — eu e Amber concluímos em uníssono.

Os zangões seguem logo atrás: Isla Young e Harper Dunn. Isla tem a mesma cara de quem mordeu pimenta crua, enquanto que Harper joga os cabelos loiros claríssimos de um lado a outro como se os fios pesassem o suficiente para não poderem ficar muito tempo em um lugar só.

— Como essa garota pôde ser a Miss Pinewood por tanto tempo? — Amber sussurra ao meu lado.

— Sendo filha do prefeito Ernest. — minha manicure diz e a de Amber resmunga em aprovação.

— Você podia pedir para o seu pai prender o pai dela, ai ela não teria mais tanto poder.

Tento conter o riso, mas é em vão. Savannah, Isla e Harper se viram na nossa direção, os olhos claros da abelha rainha se fixando em nós como um falcão prestes a atacar. Arqueio a sobrancelha e ela segue rebolando até nossas cadeiras, as outras duas vindo atrás feito sombras.

— Hey, Lex. — diz ela, a voz arrastada ferindo os meus ouvidos e piorando minha dor de cabeça. — Ouvi dizer que o seu namorado não voltou pra casa ontem.

— Ex. — Amber tosse ao meu lado, mas o olhar de Savannah mal se desvia.

Será que ela pensa que aqueles olhos carregados de delineador me assustam?

— Não é mais problema meu… — crispo os lábios. — E acho que nunca foi problema seu, pra início de conversa, não?

As manicures param e flexiono os meus dedos por uns instantes.

— Uau, olha só como ela está cheia de atitude… — Savannah olha para as amigas sobre o ombro, e as duas ostentam sorrisinhos idiotas. — Só estou dizendo, sabe? Pode ser que você venha a encontrá-lo no meu quarto…

Ah, se ela soubesse!

Me sinto horrível pela vontade de rir que cresce dentro de mim. Estou rindo porque Trevor está morto e não na cama dessa vaca? Meu Deus, eu sou realmente péssima!

— Uou, você troca de paixonite rápido, não? — Amber se pronuncia, assoprando as próprias unhas. — Semana passada estava correndo atrás do Mendes e agora já abriu as pernas para o Scott…

O olhar de Savannah recaí sobre Amber e então retorna para mim.

— Faça bom proveito. — digo, dando de ombros. Um sorrisinho surge naquela boca melecada de batom.

— Boa sorte hoje a noite, meninas. — ela pisca. — Vão precisar.

E então sai junto aos zangões. Troco olhares com Amber e com as manicures antes das quatro caírem na gargalhada, mas não demoro muito para voltar os meus pensamentos para o fato de Trevor estar morto.

Trevor está morto.

Shawn o matou.

E eu ajudei ele a se livrar do corpo.

Meu olhar recai sobre o meu colo e permanece ali. Posso ouvir minha amiga tagarelando com as manicures, mas não me sinto capaz de interagir. Me lembro do sangue, me lembro do fogo, me lembro dele deixando de ser… Ele.

E me lembro de Shawn.

Deus, onde nos metemos?

…

— Coloque o braço aqui… Isso, ai mesmo.

O vestido é longo e delicado. Há um decote em U e as mangas são decoradas com flores pequenas que seguem até as costas, no início da saia. Há um detalhe brilhante na cintura, com um padrão qualquer que reluz quando a luz bate.

A cor?

Rosa claro.

Quem me olhar com ele, jamais imaginará o que aconteceu nessa madrugada.

Ainda não estou na competição pela faixa, muito menos sei se irei fazer parte dela após esse jantar. Haverá a votação, haverá o anúncio e só então saberemos se o nome Alexandra Skye Price estará entre as candidatas.

Minha vontade de participar disso é exatamente zero, mas ao erguer o olhar para a minha mãe e ver esse sorriso enorme de orgulho antecipado, me sinto obrigada a pelo menos lutar para entrar na competição. É o mínimo que posso fazer, ainda mais ao imaginar sua reação caso ela descubra o que fiz.

É provável que eu nunca mais veja esse sorriso de novo se isso acontecer.

— Meu amor, você está tão linda! — diz ela, ajeitando a tiara pela milésima vez no meu cabelo.

— Eu sei, mãe, você repetiu isso nas ultimas duas horas inteiras. — resmungo, com ela rindo fraco e apanhando o pincel de blush da escrivaninha.

Deixo que ela passasse as cerdas pelo meu rosto e observo enquanto meu pai aparece no corredor com Miles sobre os ombros. Ele para no batente e sorri para nós enquanto nos observa, colocando o menor no chão.

— Uou… — diz ele, soltando um silvo baixo.

— Ela não está linda, Ian? — mamãe saltita até o seu lado, os dois me observando.

Dou uma olhada no espelho. Meus cabelos estão ondulados, caindo em grossos cachos ruivos pelas minhas costas. Uma tiara brilhante igual ao detalhe do vestido está entre eles, e a maquiagem no meu rosto é bem simples. O único destaque aqui é o batom rosa fraco.

— Parece que teremos a Miss Pinewood em casa esse ano.

Sorrio para o meu pai, mas ele logo indica que está de olho.

— Podemos ir logo? — Miles puxa levemente a saia da minha mãe. — Estou com fome!

— Miles! — ela repreende, ajeitando a gravata do pequeno. — Não estamos indo lá só pra comer!

— Mas é um jantar! — seus cachinhos ruivos se agitam quando ele cruza os braços, fazendo uma careta irritada.

— Ele tem um ponto. — papai diz, mas com o olhar que a minha mãe lança, ele trata logo de erguer os braços e seguir para o lado oposto no corredor.

— Bom, então é melhor irmos. — ela constata por fim, me abrindo um sorriso.

Retribuo e pego a bolsa de mão sobre a cama, logo apagando a luz do quarto.

Cinco minutos depois já estamos dentro do carro, deixando a entrada da casa. Minhas mãos amassam a saia do vestido e, mesmo sabendo que minha mãe vai me passar o pior dos sermões caso me flagre, não consigo conter a tensão. Meus dedos torcem e retorcem o tecido a cada metro mais próximo da mansão dos Cook, com o meu estômago dando mais cambalhotas do que posso contar.

Os Scott e os Mendes estarão nesse jantar.

Todos nós reunidos num único salão.

Como vou olhar para Carmen Scott, mãe de Trevor, e sorrir como se eu não fosse a responsável pelo seu sumiço?

Engulo em seco e, quando me dou conta, meu pai estaciona o carro em frente a mansão em meio aos risos da minha mãe.

— A faixa deste ano está no papo. — diz ela, me lançando uma piscadela antes de sair do carro.

Meu pé vacila antes de se firmar no chão e preciso reunir toda a minha coragem antes de sair do carro, mas, para a minha felicidade, o SUV prateado do Sr. Carson não demora a estacionar a nossa frente, e Amber é a primeira a descer.

— Ai meu Deus! — ela grita, segurando a saia de seu vestido rosado para poder correr até mim.

Ou mais ou menos vestido.

Na verdade, Amber está vestida com uma longa saia e um cropped de mangas compridas, ambos rendados. O tom das peças é um tanto mais claro que o do meu vestido, apesar do topo do cropped ser de uma renda transparente que cobre seus braços e também revela o forro com um decote coração.

— Você está linda! — minha mãe diz, sorrindo orgulhosa para Amber.

— Alexandra também está linda, Melissa. — a Sra. Carson cumprimenta minha mãe. — Acho que, com isso, podemos deduzir que Savannah não leva a faixa esse ano.

— Não mesmo, até porque o nome da Lex já está escrito nela. — Amber pisca e eu reviro os olhos, apesar da minha mãe parecer reprimir um gritinho de entusiasmo.

— Certo, certo. — papai se pronuncia, sendo seguido por Miles e pelo Sr. Carson. — Talvez devêssemos entrar, não?

 Ambas assentimos e entrelaço meu braço ao de Amber, seguindo a frente e deixando o falatório dos nossos pais para trás. Minha amiga ajeita seus cabelos claros no coque perfeitamente arrumado e eu reviro os olhos, sentindo a aflição ressurgir assim que passamos pelo portão da mansão.

Vai ser uma longa noite.

— Preparada para arrancar a faixa e a coroa das mãos da Savannah? — a voz de Amber invade os meus ouvidos, e sequer me surpreendo ao olhar para o lado e encontrar seu sorriso malicioso.

— Quero só ver quando eles anunciarem você como a Miss Pinewood. — arqueio a sobrancelha ao mesmo tempo em que ela revira os olhos.

— Cale a boca, Price. — Amber me dá um beliscão, o que me faz xingar baixo. — Você vai ganhar a faixa desse ano, nem que eu precise arrancá-la a força das mãos de Savannah e…

Ela para de falar quando um rapaz nos conduz até o salão de festas da mansão Cook. Amber e ele trocam olhadinhas indecentes e mal consigo conter o impulso de revirar os olhos, já que isso provavelmente significa que minha amiga não vai perder tempo e logo vai arranjar um lugar para ficar a sós com o garoto.

O salão está parcialmente cheio com a elite de Pinewood, se é que posso chamar isso de elite. Somente cidadãos importantes para a cidade estão aqui, e posso vê-los sentados ou circulando para lá e para cá em todo o lugar. Há um palco instalado aos fundos, mas não há ninguém lá. Uma música ambiente preenche o salão e luzes fracas iluminam a maior parte.

— Ian!

Meu olhar se volta para a outra extremidade do salão, onde o prefeito Cook desvia sua atenção de um engravatado para o meu pai, abrindo um largo sorriso. Savannah e sua mãe, Judith, seguem logo atrás, ambas mal se esforçando para esconder a expressão de desgosto. Elas são praticamente idênticas, duas cobras usando vestidos extravagantes e prontas para atacar qualquer um que entrar em seu caminho.

— Ernest! — meu pai o cumprimenta rapidamente.

— Hale. — o prefeito se dirige ao pai de Amber, com o Dr. Carson assentindo com a cabeça.

Troco olhares com Savannah e ela abre um sorrisinho presunçoso, comigo arqueando a sobrancelha. Amber aperta levemente meu braço e a encaro de soslaio, com ela revirando os olhos e fazendo uma careta de nojo. Sou obrigada a me conter para não rir.

— Vejo que trouxeram suas candidatas preparadas para a competição desse ano. — ele sorri para nós. — Mas duvido que Savannah terá muito trabalho, não é, querida?

— Claro, papai. — ela estreita os olhos na nossa direção e consigo ouvir Amber rir irônica.

É claro que Savannah está confiante nesse vestido cinza com um decote enorme, mesmo que haja renda cobrindo seu busto e seus braços. Seus cabelos loiros estão presos como os de Amber, revelando melhor sua grossa gargantilha prateada.

Parece uma coleira, na verdade, e faz bem jus a imagem de cadela de Savannah.

— Sinto lhe informar, Ernest, mas esse ano vocês estão errados. — minha mãe apoia o braço sobre o ombro do meu pai, ambos trocando sorrisos cúmplices.

— Vamos sentar. — Miles choraminga, atraindo toda a nossa atenção.

— Miles! — mamãe repreende, lançando uma olhada de desculpas para os outros.

— Ninguém merece ficar de pé, não é mesmo, pequeno Price? — o prefeito se abaixa e bagunça os cachos do meu irmão. — Jennifer vai levar vocês até a mesa, aproveitem a festa.

Dito isso, ele para uma funcionária e a instrui baixo, com a mulher se voltando para nós com um sorriso fraco.

— Por aqui.

A seguimos por entre as mesas, caminhando até a frente do salão. Amber começa uma imitação falha de Savannah ao meu lado e preciso me segurar para não rir, mas sequer preciso de muito esforço, já que a vontade se dissipa assim que olho para a frente.

Dois fatores fazem com que eu congele.

O primeiro é o fato da mesa com a placa “Price” estar bem ao lado da mesa onde os Mendes estão sentados, o olhar de Shawn fixo em mim.

O segundo fator é um tanto mais complicado.

Carmen Scott, mãe de Trevor, vem aos prantos na minha direção.