História Lethe - Inquilino

BM encarava o asfalto a sua frente sem esboçar nenhuma reação. Ainda estava chocado pela indiferença que Jiwoo apresentou quando ele a abraçou. Aquilo causou um nó incômodo em sua garganta. Tanto tempo esperando para vê-la e quando ele conseguiu...

— Onde você mora? — Minhyuk interrompeu seus pensamentos, assustando-o. Um aperto em seu peito só crescia. 

— Estou hospedado em um hotel enquanto não arranjo um lugar para morar— informou BM de maneira fraca. Uma freada brusca faria com que o corpo de Matthew voasse para frente, caso não estivesse usando o cinto de segurança. 

— Você quer dividir o apartamento comigo?! Eu moro com um amigo e seria ótimo ter alguém para dividir nossas despesas! Temos um quarto sobrando! — BM olhou assustado para aquela criatura hiperativa, vulgo coordenador de um colégio. Minhyuk só poderia ter algum problema! Quem brecava o carro tão repentinamente daquela forma?

— Não sei... 

— Por favor Matthew! Aceite morar conosco! Pelo menos até você arranjar um lugar melhor — implorou o motorista. Para que se calasse, Matthew aceitou a proposta, afinal de contas, não tinha um lugar melhor.

Chegaram ao hotel onde BM estava e juntaram suas coisas. O barulhento Minhyuk era bastante prestativo, pois ajudou o professor a juntar suas coisas e descer com elas até o carro.

Depois de Matthew pagar todas o que devia para o hotel, eles puderam finalmente irem embora. O coordenador ficou em silêncio, respeitando o espaço que o professor necessitava naquele momento para colocar seus pensamentos em ordem.

BM deixou Jiwoo ir embora pela segunda vez. Infelizmente ele não conseguiu fazer nada, apenas ficou se sentindo um babaca impotente e extremamente culpado por não correr atrás da mulher que amava. 

Os minutos se passaram e BM só foi se dar conta de que chegaram quando ao apartamento quando Minhyuk bateu a porta do motorista assim que saiu. Esfregou o rosto com as mãos antes de sair do automóvel também e observar o apartamento simples e aconchegante que moraria dali para frente.

Era um prédio reto e de cor clara. BM contou sete andares, ao todo. Foi ajudar Minhyuk a pegar suas próprias malas no bagageiro do carro, para logo em seguida subirem rumo ao apartamento que agora eles dividiriam. Lee passou as informações do novo morador para o síndico, e então eles entraram no elevador onde uma suave música ambiente tocava.  

Pararam no quarto andar. Minhyuk andou até uma porta de madeira onde o número 402 brilhava em dourado. Destrancou-a com uma chave que sacou do bolso e apresentou o apartamento em cores pastéis para o professor, que olhava deslumbrado para tudo. 

A sala de estar possuía um sofá azul bebê, de frente para ele uma mesa de centro oval de madeira e uma TV de tela plana encima de um raque baixo branco e marrom. O chão também era de madeira, a mesma dos móveis. A cozinha conjugada à sala era pequena, de armários brancos e uma geladeira grande e prateada. 

Bem confortável. 

Tiraram seus sapatos na entrada e adentraram o apartamento usando apenas meias. Minhyuk levou o mais novo “inquilino” até o quarto vago. O cômodo era muito impessoal, de paredes brancas, uma cama de casal confortável de armação preta de ferro, um guarda-roupa e uma cômoda. 

Porém o que mais agradou Matthew foi a enorme janela de onde ele tinha uma vista linda do bairro de casinhas pequenas e parecidas. Ficou encarando a janela até que Minhyuk o convidou para conhecer o resto do apartamento. 

— O que esse idiota está fazendo aqui? — ninguém mais, ninguém menos que Kim Taehyug estava ali, usando um conjunto azul marinho de moletom recém-saído do banho com seus cabelos escuros úmidos. Imediatamente um clima pesado se instaurou entre os dois. Pareciam estar lutando um contra o outro mentalmente. 

— Tae-hyung! Não fale isso com o nosso inquilino — repreendeu Minhyuk. 

— Nosso o quê? — indagou J.Seph, abismado com aquela novidade. Aquele apartamento era de Minhyuk e sabia que não tinha nenhum direito de escolher quem moraria nele ou não, mas trazer aquele traste para lá já era demais!

— IN-QUI-LI-NO, seu bobão — devolveu Minhyuk, como uma criança emburrada.

— Me diga que você não está trabalhando no mesmo colégio que Minhyuk, Kim! — gritou Taehyung, extremamente revoltado. Seu rosto estava vermelho de raiva, e veias saltavam de seu pescoço conforme ele vomitava as palavras. 

— Estou sim, por quê? Qual o motivo de tanta gritaria? 

— Você, seu babaca, seduziu a minha amiga para sumir logo depois! Jiwoo sempre sofreu por sua rejeição, e logo em seguida sofreu por seu abandono — cuspiu agressivamente aquelas palavras, acertando-o em cheio. Jiwoo estava ciente que Matthew se mudaria de país quando os dois transaram. E BM não a seduziu intencionalmente, tudo aconteceu de maneira natural.

— Olha aqui Taehyung, eu não sei o que te contaram, mas não foi bem assim que as coisas caminharam. Eu fui pedir desculpas para Jiwoo, pois eu estava prestes a viajar para o Brasil a pedido do meu pai enfermo e não queria ir embora brigado com a loira. E então tudo aconteceu naturalmente entre nós dois. Eu fui embora no dia seguinte — argumentou BM, sentindo-se sem fôlego logo em seguida. 

— Pois não foi isso que Jaebum me contou — contra argumentou Taehyung, cruzando os braços sobre o peito e encarando BM de forma desafiadora. — Ele estava num relacionamento sério com Jiwoo e você a seduziu! Logo em seguida foi embora pra Deus sabe onde, deixando-a.

— Tenho duas perguntas a te fazer, Kim — começou BM, respirando fundo e tentando manter-se calmo perante àquele baixinho encrenqueiro que pedia para apanhar. — Você é amigo de Jiwoo há mais tempo e deve conhecê-la bem, pela lógica. Então você acha que ela faria algo comigo tendo alguma coisa séria com aquele idiota? — toda a calma que o mais alto tentou preservar foi ralo abaixo conforme proferia cada palavra.

Pela primeira vez Taehyung ficou em silêncio, refletindo as palavras do professor. Conhecia bem a amiga e sabia que ela nunca trairia alguém. 

— E a segunda pergunta é: você acha que Jiwoo namoraria com Jaebum quando estava apaixonada por mim?! Acha que ela o iludiria assim? O usaria assim? — as mãos de BM seguraram os ombros do rapaz e os balançou com força, mas não violência, e sim um desespero puro para que confiasse nele. Desde o encontro com a loira naquela tarde, sua mente estava extremamente bagunçada.

— Você... Você está certo BM — confessou Taehyung, como se as palavras do mais alto o atingisse como bofetadas. Nunca confiou em Jay nem um pouquinho, e por mais que Matthew fosse irritante, ele parecia ser sincero. 

— Sem querer me intrometer e nem nada do tipo — começou Minhyuk que até então estava quieto observando a discussão progredir. Tudo ficou confuso demais. Dois homens brigando enquanto falavam de Jiwoo e que Matthew fez algo com ela. — Mas o que está acontecendo?

— Matthew e Jiwoo eram apaixonados durante a faculdade. O bobão aqui — Taehyung lançou um olhar venenoso para o rapaz da história, que o fuzilou mentalmente. — Ficou com a melhor amiga de Jiwoo na época, deixando-a arrasada. Ela se envolveu com Park Jaebum, mas não foi nada sério, e então num dia Matrhew e Jiwoo estavam juntos e no outro ele foi embora. Depois você sabe o que aconteceu.

— O que aconteceu? — Matthew estava confuso e precisava de um esclarecimento. Minhyuk e Taehyung se entreolharam de maneira pesarosa e levemente preocupada. J.Seph suspirou, passou as mãos nos cabelos e encarou o mais alto sem saber como começar a narrar os fatos:

— No mesmo dia que você desapareceu Jiwoo sofreu um grave acidente de carro. Desconfiamos que ela estava te procurando — Taehyung disse numa velocidade impressionante. Matthew pôde sentir as pernas fraquejarem, mas ele conseguiu se manter de pé.

“Jiwoo sofreu um acidente de carro por minha culpa. Porque eu fui embora sem me despedir dela”, BM repetiu para si mesmo, sentindo os olhos marejarem e o coração pesar. 

— Ela ficou quase uma semana em coma e quando acordou... — a voz de J.Seph falhou ao se lembrar dos dias de desespero, esperando que Jiwoo acordasse, enquanto revezava com os pais da garota no hospital. — Quando ela acordou havia se esquecido de todos os acontecimentos desde a morte da avó. Jiwoo não se lembrava de Jay, de Somin e nem de qualquer momento que passou com você — completou Taehyung, ferindo ainda mais Matthew. — O médico disse que o acidente afetou a memória de Jiwoo e apagou tudo desde o evento mais traumático da vida dela: a morte da avó.

Jiwoo não se lembrava dele. 

Matthew não conteve as lágrimas que desceram por seus olhos quando terminou de ouvir a narrativa. Saber que Jiwoo esteve ferida, e que ele não estava por perto para ajudá-la o entristecia mais ainda. 

— Por isso ela foi tão indiferente comigo hoje — BM concluiu com a voz embargada pelas lágrimas que corriam livremente por seu rosto. Tapou a boca com as mãos e chorou como uma criança. Triste, decepcionado e magoado.

— Olha Matthew — começou Taehyung, tentando trazer um pouco de conforto para o mais alto. Pousou uma mão no ombro do rapaz e completou: — Jay contou para mim e para os pais de Jiwoo que os dois estavam namorando e disse que você foi um desgraçado que apenas a usou. Para evitar deixá-la entristecida resolvemos omitir sua existência. Sem contar que os pais de Jiwoo ameaçaram separar ela de Jay e eu caso falássemos sobre você — aquilo só ficava pior! 

BM só queria socar a cara de Taehyung e quebrar tudo que encontrasse pela frente. Queria esfolar Jay vivo. Queria abraçar Jiwoo novamente. Ele queria ter ficado. Afastou-se de Taehyung e correu para seu quarto improvisado, sentando-se na cama e segurando o rosto com as mãos. 

Ele chorou como uma criança. Simplesmente não conseguia parar de soluçar, de chorar por todos os acontecimentos da sua vida horrível. Primeiro o pai dele morreu, e agora ele perdia a mulher que mais amava, porém ela estava ao alcance da sua mão e mesmo assim não era mais sua. 

Um braço circundou seus ombros e o fez levantar o olhar apenas para encarar Minhyuk, olhando para ele de forma compadecida. 

— Talvez eu não te conheça ainda, Matthew, e nem tenha presenciado seu amor com Jiwoo. Mas uma coisa eu te garanto: se ela se apaixonou por você uma vez, nada vai impedir que isso aconteça novamente.