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História Liberté - O Choque


Escrita por: caulaty

Capítulo 13 - O Choque


Madrugada entre os dias 25 e 26 de maio de 3660

 

Talvez vocês não sejam capazes de entender como posso narrar as cenas subsequentes tão à vontade quanto pretendo, porque imagino que vocês sejam seres de carne, passíveis de sentimentos tolos como vergonha. Não há nada de errado nisso. Mas por mais próximo que eu tenha sido de Kyle em vida - e de fato, fui -, não me constrange em nada vê-lo assim como está agora, montado no colo de Christophe. Porque eu estou morto. Esse tipo de coisa não me importa mais.

Sempre me perguntei como seria quando esses dois se atirassem um ao outro, porque houve tanto tempo e tanta expectativa que talvez a realidade fosse muito decepcionante. Eu tive essa curiosidade. Aí está um sentimento que só se intensifica quando você morre, a curiosidade. Você enxerga tudo e ainda quer enxergar mais. Então eu me perguntava se Kyle realmente desejava Christophe naquela época ou se ele desejava a ideia que fazia do Toupeira e vice versa. Posso ver que Kyle queria acreditar, até poucos momentos atrás, que o tempo deles havia passado.

Enfim, o que houve depois daquele beijo esfomeado na varanda foi que Christophe começou a empurrá-lo para dentro de casa, mas não sem antes pressioná-lo contra a parede ao lado da porta pra passar as mãos por dentro da roupa dele, tirando os pés de Kyle do chão. Foi um beijo tão violento que a barba rala de Christophe deixou marcada de vermelho toda a pele em torno da boca de Kyle, assim como toda carne nua que Christophe podia alcançar com as mãos, na cintura e nas costas dele. Kyle ainda tentou dizer alguma coisa sensata sobre isso não ser a melhor das ideias, mas a língua de Christophe na sua boca logo fez com que ele mudasse de ideia.

Por mais que fosse um beijo intenso pra porra, suado e com cabelo colando no rosto, os corpos tão próximos que se confundiam, também não era agressivo.  Eu pensei que Christophe seria mais violento na forma de beijar, pra ser bem honesto. Talvez aquele Christophe que eu conheci pessoalmente, que era jovem e revoltado, beijasse de forma violenta mesmo. Mas esse Christophe já é um homem feito com muito mais escuridão dentro dele, com muito mais feridas, que já aprendeu a não resolver tudo com os punhos e consegue segurar alguém nos braços com carinho genuíno. Não foi um beijo delicado, não foi sutil, mas foi forte e lento, tão bem aproveitado, como se um precisasse memorizar cada pedacinho do outro. Christophe parou de beijá-lo um segundo para afastar os lábios poucos milímetros, apenas o suficiente para que os dois se enxergassem assim de perto, ofegantes, sentindo a respiração quente no rosto, o cheiro e o suor deles se misturando.

Observar essa cena começa a me deixar mais sensível. Por quanto tempo esses dois seres humanos se desejaram? Anos, porra, literalmente anos. Só o toque suave dos dedos grosseiros de Christophe na nuca de Kyle foi o suficiente para que ele estremecesse por inteiro, de olhos fechados. Porque ele sonhou com isso tantas vezes.

As pessoas subestimam o poder do toque humano, sabe? É curioso. Sexo é algo tão supervalorizado que costuma ser feito de forma patética e vazia, simulando um sentimento que não está presente porque tudo é feito com pressa, no desespero. Eu sei que esses pensamentos passaram pela cabeça de Christophe, pois ele vem deu uma outra cultura. Ele sorria ao observar o desespero de Kyle para se satisfazer mais da boca do outro, e Christophe o segurava no lugar e o fitava com tanto afeto, sacudindo a cabeça, pensando como os americanos não sabem beijar. E ele teve vontade de dizer ao Kyle que deveria ter feito isso há tanto tempo, que deveria tê-lo beijado como ele merecia ser beijado quando eles ainda eram jovens, mas não disse nada disso. E eu acho melhor que não tenha dito. Não cabiam palavras naquele momento.

Também não queria trazer à tona nada que fizesse com que Kyle pensasse em Stan.

Isso tudo aconteceu há cerca de quinze minutos. E entre aquele momento e agora, esses dois homens subiram a escada com os dedos enroscados, Christophe passando um dos braços em torno do tronco de Kyle para mantê-lo bem próximo, ambos roçando o nariz um no outro e inalando o aroma, compartilhando o gosto da saliva, beijando com mais calma do que fizeram da primeira vez.

Agora, Christophe está deitado de costas no meio da cama de Kyle com os joelhos flexionados e as pupilas dilatadas, a camisa de botões aberta, a calça e a cueca jogadas em algum canto pelo chão do quarto. As mãos sobem bem devagar pelas laterais do tronco de Kyle, indo e voltando sem pressa nenhuma, explorando a textura macia da pele pálida dele. Christophe tem os lábios levemente separados, com uma marca de mordida no inferior que certamente foi culpa de Kyle. Ele quase sorri, mas não chega a tanto. E Kyle tem o pau duro dele todinho dentro do corpo, o que deixa todos os pelos do seu corpo nu arrepiados, a respiração alterada, os ombros caídos um tanto para frente. Ele geme abafado, ainda incerto se dói ou se é gostoso, porque como sempre fantasiou enquanto se masturbava no banho na juventude, o pau de Christophe é grosso demais pra entrar de uma vez e Kyle leva um tempo a se acostumar com a pressão, gemendo mais fino do que gostaria, quase sem perceber. Tem as duas mãos espalmadas no peito do homem que o segura com suas mãos fortes, fincando a unha roída em sua pele, dando-lhe algum senso de segurança.

É tudo tão forte que Kyle nem consegue se mexer de imediato. Tem dificuldade até de manter os olhos abertos. Só separa as pálpebras quando a mão trêmula de Christophe toca o seu rosto. As íris de Kyle parecem ainda mais verdes do que de costume, mesmo sob a luz fraca do abajur que já estava ligado quando entraram no quarto. Christophe jura nesse momento que o verde desses olhos é o que vai matá-lo um dia. Talvez essa seja a única forma que Christophe consegue enxergar o amor por outra pessoa. Ele se apóia no cotovelo do outro braço para erguer o tronco, sentando-se de mal jeito, adequando-se embaixo do peso de Kyle, impulsionando o tronco para cima ao deitar o rosto contra o peito nu dele. Kyle deixa escapar um grito rouco e começa a puxar a camisa dele para relevar aqueles braços pelos quais sempre foi tão apaixonado, mas o movimento é interrompido quando Christophe ergue o rosto para mergulhá-lo na curva do pescoço de Kyle, devorando sua pele, e tudo isso é forte demais para que Kyle suporte. A ardência entre as nádegas, sentir aquele homem dentro dele e pouco a pouco abrindo espaço entre as paredes internas, o calor da respiração dele na pele sensível do pescoço, tudo isso misto à saliva quente e aquela barba grosseira… Kyle o segura firmemente pelos ombros e aperta os olhos, sentindo lágrimas começando a brotar.

-Eu te amo… - Christophe sussurra baixinho, abafado ao ponto de Kyle quase não entender. Livra um dos braços da manga da camisa e leva essa mão pelas costas nuas de Kyle, deslizando a palma facilmente por toda a extensão da pele suada, pressionando o corpo de Kyle contra o seu, chupando logo abaixo da orelha dele antes de repetir em seu ouvido - Eu te amo tanto…

Kyle abraça o pescoço dele com toda força que tem em seus braços assim que ele ergue o tronco, e após ouvir aquelas palavras que pareciam tão surreais, leva os dedos ao maxilar de Christophe para que seu rosto vá de encontro ao dele, colidindo os lábios em um beijo de desespero, como se ele fosse desaparecer de repente. Passa a mão por trás da cabeça de Christophe e prende uma mecha de cabelo castanho entre seus dedos, maneando para que ele deite a cabeça de lado e o beijo encaixe melhor, dando-lhe mais espaço para explorar a língua do outro, chupar os lábios e roçar os dentes por acidente.

Logo depois disso, Christophe impulsiona o corpo para jogar Kyle de costas na cama e o cobre com seu corpo sem tirar o pau de dentro dele, ganhando liberdade com o quadril para ditar o movimento com que desliza para dentro e fora dele, mas permanece imóvel durante alguns segundos. Ele se ajeita sobre Kyle, erguendo uma de suas pernas com a mão, abaixando o tronco para ficar com o rosto bem próximo ao dele. E os dois se olham.

-Tá machucando? - Christophe pergunta baixinho, com os lábios quase colados nos de Kyle.

Ele responde negando com a cabeça, com as pálpebras pesadas quase se fechando, a expressão em êxtase. Tudo o que ele sente parece em carne viva agora. Christophe adentra o corpo dele com mais força, mais segurança e velocidade, fazendo com que ele arqueie as costas e grite sem fôlego. Christophe esconde o rosto entre o ombro e o pescoço de Kyle, mordendo a carne naquela região sem força, o suficiente para conter um gemido abafado. Os dois já estão cobertos de suor e o quarto inteiro parece tão quente, apesar da janela aberta que deixa entrar uma brisa gelada, levando as cortinas brancas com o soprar do vento.

O choque dos corpos é perfeitamente audível. A cada investida, Christophe o pressiona contra o colchão e Kyle aperta ainda mais pernas em torno do quadril dele, as duas mãos explorando cada centímetro das costas largas daquele homem. O peso do corpo de Christophe sobre o dele faz com que Kyle respire mal, bem como a exaustão física de corresponder ao movimento ritmado dele, agora mais ansioso.

A verdade é que eles não compartilhavam esse tipo de intimidade com ninguém há bastante tempo. Essas são duas pessoas que abriram mão de muitos prazeres e até mesmo necessidades da vida em prol de um trabalho, uma causa, uma ideologia. Não pensavam sobre o preço que isso custava até o momento em que se lembravam do quanto isso fazia bem, mergulhados um no outro desse jeito. Eles se causaram tanta dor, foram tão cruéis um com o outro e consigo. Talvez esse seja o primeiro momento verdadeiro de trégua entre eles.

Nessa noite, Christophe faz com Kyle o que sempre jurou a si mesmo que faria. Toma-o por inteiro, possuído por aquele amor desgraçado e não-requisitado que nasceu entre eles. Ele fode Kyle até que ele não consiga mais pensar, mas não o faz de forma descuidada. Pelo contrário, cada vez que Christophe diminui o ritmo até um passo dolorosamente lento e deixa só a cabecinha dentro dele, é pra fazer com que Kyle se contorça e peça, com o corpo inteiro, por mais. Para que ele se entregue. E quando Christophe entra com toda força, quando pressiona o pau inteiro dentro e dá uma estocada atrás da outra quase sem tirar, é para enlouquecê-lo. Não se sabe quantas vezes Christophe pensou nesse tipo de coisa desde que colocou os olhos em Kyle pela primeira vez.

A coisa toda não dura muito tempo, até pela afobação dos dois. Eles não chegam a gozar juntos, porque a fricção do abdômen de Christophe no pau de Kyle faz com que ele atinja o climax primeiro, mas Christophe não demora muito para gozar fundo dentro dele, despencando o peso do corpo cansado sobre o outro. Não há uma parte sequer do corpo deles que não esteja banhada em suor misturado.

Para dormir, Christophe tomba um pouco do lado e esfrega o rosto, esperando normalizar a respiração enquanto Kyle se estica para puxar cobertor amassado sob eles, cobrindo-se antes que o calor começasse a se dissipar. Pediu para que Christophe se levantasse para fechar a janela, o que ele fez sem resmungar. Ao voltar para cama, Christophe encaixou por trás do corpo de Kyle, afundando o nariz nos cachos úmidos dele, abraçando-o apertado como se precisasse se certificar de que ele era real. Toda a briga que tiveram antes do sexo deve ter sido um fator determinante para o cansaço, que fez com que apagassem poucos minutos após Kyle esticar o braço e desligar a luz do abajur.

 

Quatro horas e meia se passam.

 

Em meio ao sono, Kyle virou de barriga para cima e Christophe encaixou a cabeça em seu ombro, abraçando ainda seu corpo de lado, encolhido como um cachorro.

Há algo que Kyle não sabe e que você também não deve saber, mas eu vou contar-lhes agora, poucos instantes antes de Kyle descobrir da pior maneira possível. Christophe não viu poucas atrocidades em seus anos como guerrilheiro. E um homem como ele tem dificuldade de lidar com qualquer tipo de fragilização. Talvez se Christophe soubesse falar sobre as coisas que viu, se soubesse chorar abertamente, ele não seria tão atormentado por sonhos medonhos. Mais do que isso, ele não sofreria tão gravemente de um estresse pós-traumático.

Bom, quem sou eu para saber o que seria melhor, não é mesmo? Mas é um palpite. Quanto mais ele tenta reprimir os pensamentos ruins, com mais força tais pensamentos voltam à superfície enquanto ele está exposto durante o sono, com o inconsciente no comando.

Também faz muito tempo que Christophe não adormece ao lado de outra pessoa. E com isso, quero dizer que faz anos. Em seu tempo na Europa, quando fosse pra trepar com alguém, ao final, Christophe fechava o zíper e se retirava. Não havia intimidade naquilo. Está completamente desabituado a dormir ao lado de outra pessoa, isso é algo que nunca fez com frequência ao longo da vida.

Vou tentar fazer com que você entenda o que o corpo de Christophe sente para que você não pense que ele é um monstro, porque esse não é o caso. Mesmo. Tente se colocar no lugar dele por um momento.

Seu subconsciente está mergulhado em sangue, em miséria, ele se percebe entre pessoas mutiladas dentro do sonho e seu corpo reage a isso. Ele se debate um pouco, mas não o suficiente para que Kyle acorde, pois são constrações muito sutis. Se alguém estivesse consciente e o observando de fora - que, de alguma maneira, é o meu caso - perceberia que ele está inquieto e agitado. Sua respiração está ofegante, o peito sobe e desce rapidamente. Ele deita de costas, a mão subindo pelo próprio peito, grunhidos bem baixos escapando da garganta. Porque ele acha que está de volta em um lugar ameaçador e que é completamente impotente diante disso. Ele tenta falar, mas não consegue. É como se a garganta fechasse. Ele sabe que tem alguém próximo, pode sentir o calor e a respiração de outra pessoa. Veja, a essa altura, Christophe está com os olhos bem abertos. Mas ele não está acordado. Não, ele continua dormindo. O que ele enxerga não é o teto do quarto de Kyle, mas sim um céu imenso coberto de foligem, e há um soldado ao seu lado, há um soldado que o observa porque sabe que ele não está morto. E Christophe tem o impulso instintivo e primário de se defender. Ele ataca o soldado como um animal, e a isso o corpo reage; Christophe rola por cima do soldado com as duas mãos diretamente na garganta dele, apertando com toda a força que suas mãos têm a oferecer. Porque não é assim que Christophe vai morrer. Ele não aceita. Veio longe demais para morrer nos escombros pelas mãos de um soldadinho de merda assim.

Mas não é um soldado que Christophe estrangula. Você sabe que não é.

É assim que Kyle acorda. Com a garganta fechada e o peso de um corpo familiar sobre o seu, com grunhidos animalescos e até alguns palavrões desesperados. Christophe chega a cuspir quando fala. E Kyle leva as duas mãos aos braços grossos dele, fincando as unhas na carne, tentando fazer com que os olhos identifiquem algo no escuro, debatendo-se desesperadamente porque é impossível respirar. Christophe parece uma porra de um armário agora.

Se Kyle não tivesse sido muito bem treinado para ser atacado a qualquer momento da vida, isso poderia ter terminado no pior tipo de desgraça. Mas Kyle tem o raciocínio veloz e movimentos ainda mais velozes, certeiros. Ele dobra as pernas utilizando-se de toda força, movido pela adrenalina, desequilibrando o homem sobre ele. Usa o próprio peso do corpo para jogá-lo de lado e os dois caem juntos da cama. Kyle bate as costas na cabeceira e Christophe bate a cabeça no chão. Kyle cai com parte do corpo sobre a dele, arfando por ar, agarrando o abajur da cabeceira e puxando com toda força, quase dando com o objeto na cara do homem que o estrangulava até peceber quem ele era.

Christophe acorda com a pancada. Rola de lado e cobre a nuca com a mão, gemendo baixo de dor, apertando os olhos. Kyle para o movimento imediatamente, abaixando o braço com o abajur. O fio foi arrancado da tomada e todos os objetos sobre a cabeceira também caíram. Estavam enroscados no cobertor e nus. Kyle leva uma mão ao pescoço, ainda respirando alto pela boca e pelo nariz de forma barulhenta, sentindo os pulmões voltarem a se encher de ar. O pescoço ainda doía.

E Christophe o encara no escuro genuinamente assustado, como se não fizesse ideia do que acabou de acontecer.

Ele não precisa de mais do que três segundos em silêncio, orientando-se no espaço e no rosto aterrorizado de Kyle, para compreender o que fizera. Está escuro demais para que possa enxergar as marcas dos seus dedos no pescoço dele, mas a forma como Kyle envolve a garganta na palma e a lembrança vívida do sonho faz com que Christophe abaixe a cabeça para enxergar a silhueta das próprias mãos no escuro. Os dois respiram descontroladamente, os corações batem tão acelerados que é quase possível escutar.

-Tá tudo bem, Christophe. - Kyle diz baixinho, levando as mãos ao chão, tentando se aproximar dele. - Eu estou bem.

Mas o Toupeira só balança a cabeça negativamente e se levanta como um bêbado, com os sentidos ainda alterados, cobrindo o rosto com as mãos. Ele treme. Kyle também se levanta, mas não dá um passo à frente, com receio de assustá-lo.

-Eu estou bem. - Kyle repete mais alto. - Foi só um sonho.

Christophe dá alguns passos para trás, parecendo perdido e incerto do que fazer em seguida. Ele respira fundo em silêncio, recolhe a calça do chão e trota para fora do quarto, como Kyle sabia que ele faria.



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