História Ligações Perigosas - 15 - Um buraco sem fim

- Melhorou da dor de cabeça? - Harry perguntou assim que entrei na cozinha, minha cara com certeza estava toda amassada.

- Estou melhor. - Eu respondi pegando o leite para comer com meu cereal favorito.

- Vou ter que sair hoje, vou visitar uns amigos.

- Acho que você quis dizer visitar uma “amiga” em especial, não é? - Falei sem olhar para ele, encarando as bolinhas crocantes flutuando no leite.

- O que você está querendo dizer Jenna? - Ele só estava se fazendo de confuso, ele deve achar que eu sou uma trouxa mesmo.

- Nada Harry, nada. - Acho melhor não dizer nada, nós dois não temos nada. Ele não é nada meu, não posso querer mandar na sua vida, por mais que eu não goste daquela Scarlet, vou fazer o quê se ele prefere ela. Aquele dia na cachoeira parece mais um sonho distante do que uma realidade.

Acho que confundi meus sentimentos e ele os dele, se é que ele tem algum sentimento por mim mesmo. Se eu pudesse me distanciar dele para evitar sofrer eu iria para bem longe, mas não sei por que não consigo ficar longe dele. O que eu sinto por ele é mais forte do que eu imaginava e me afeta de uma forma que eu não sei explicar.

Hoje ele deve demorar como sempre, vou colocar meu plano em prática e entrar no quarto dele, preciso conhecer ele mais e talvez eu descubra alguma coisa sobre a família dele.

Claro que a porta está trancada, mas isso não é maior dos problemas. Quando eu era pequena meu pai pegava meus brinquedos e deixava escondido no quartinho que tinha na garagem toda vez que eu aprontava, só que ele não sabia que sempre eu conseguia destrancar a porta e pegar de volta. Eu me sentia num filme. E é como eu estou me sentindo agora tentando abrir a porta do quarto do Harry.

Confesso que demorei um pouco, mas consegui, finalmente! Abro a porta bem devagar, uma sensação de culpa percorre meu corpo, mas tenho que entrar.

O quarto estava bem escuro, a janela fechada com uma cortina cinza cobria a parede inteira, uma estante de madeira com várias prateleiras tinha diversos objetos, alguns livros e várias fotos em porta retratos. Peguei um dos porta retratos e tinha uma foto, uma mulher linda de longos cabelos escuros e olhos verdes iguais ao do Harry, um homem alto e forte, o Harry mais novo ao lado de uma menininha linda que aparentava ter uns 8 anos e que se parecia mais com o pai. Com certeza era família dele.  

Tinha várias fotos da família, da irmã dele, da mãe e do pai, algumas nessa casa e outras fotos em lugares diferentes. Eles pareciam uma família feliz, o que será que aconteceu para eles se afastarem?

Um baú enorme se encontrava no pé da cama, dentro dele tinha vários brinquedos, roupas e outros objetos, mas não eram do Harry, eram todos de menina, deviam ser da irmã dele, mas porquê ele guardaria essas coisas da irmã? Será que aconteceu alguma coisa com ela?

Em um canto do quarto tinha um violão empoeirado, eu não sabia que Harry tocava violão e se tocava, tinha muito tempo que ele não triscava nesse violão. Em cima da cama dele tinha uma câmera fotográfica, como a Helena me disse, ele realmente gostava de tirar fotos. Infelizmente a câmera estava sem nenhuma fotografia.

O quarto tinha mais duas portas, a primeira que eu abri era o banheiro como eu imaginava, com azulejo branco e detalhes em preto.  A outra porta estava trancada e mais uma vez passei um tempão para abri-la. Quando eu abri a porta era um cômodo pequeno, quase do mesmo tamanho do banheiro, só que não tinha nenhuma janela e estava muito escuro. Quando liguei a luz meu coração quase saiu pela boca, era um laboratório para revelar fotos, a luz era incandescente e fraca. Tinha um varal com várias fotos e todas essas fotos eram minhas.

Como assim o Harry tinha várias fotos de mim? Um mural estava na parede com diversas fotos, mas o que mais me surpreendeu era que tinha fotos de antes do atentado na casa dos meus pais, antes de tudo acontecer. Fotos minha na praça da cidade lendo livro, fotos de mim andando de bicicleta, fotos minhas vindo da escola, fotos de vários momentos. E em cima do balcão tinha um caderno surrado de capa preta, nele continha vários poemas e músicas, algumas feitas pela metade e algumas bem antigas.

Não sei quanto tempo se passou desde a hora que eu entrei no quarto dele, só sei que eu estava extasiada com tudo, com cada detalhe daquele quarto, era como se eu tivesse finalmente começando a ultrapassar essa barreira que ele tinha, mesmo sem entender muitas coisas.

- Eu te disse para nunca entrar no meu quarto, Jenna. - Meu corpo congelou com a voz dele, Harry estava atrás de mim. Me virei devagar para poder vê-lo. Com certeza ele estava com muita raiva, seus punhos cerrados e seus olhos não estavam brilhantes como antes.

- Harry… É… Eu… - Como sempre comecei a gaguejar, não sabia o que dizer, com certeza tentar me explicar não adiantaria de nada.

- Sai agora do meu quarto! - Ele gritou comigo e fez meu corpo todo estremecer, mas eu não conseguia me mexer. - Agora Jenna!

- O que são todas essas coisas Harry? - Minha voz saiu trêmula, mas foi o mais firme que consegui naquele momento. Harry deu mais dois passos na minha direção e olhou no fundo dos meus olhos.

- Eu não te devo nenhuma explicação. - Ele fez uma pausa. - Eu quero você longe de mim.

- Eu não quero ficar longe de você. - Falei tentando segurar ao máximo a vontade de chorar. - Por que você tem todas aquelas fotos de mim? E a sua família?

- Eu não vou repetir Jenna. - Sua voz era ríspida.

- Eu só quero te ajudar Harry, eu só quero te entender melhor. - Eu estendi minha mão para tocar seu rosto, mas ele se afastou e aquilo me deixou com um aperto no coração.

- Eu não preciso da sua ajuda.

E eu saí do quarto ouvindo o barulho da porta batendo atrás de mim. Eu não devia ter entrado nesse quarto, se ele tinha um pingo de confiança em mim foi tudo por água a abaixo.

Eu fui consumida pela minha curiosidade e confesso pelo meu ciúmes, eu não sei o que eu podia encontrar lá dentro, talvez alguma coisa que provasse que ele realmente amava a Scarlet, mas na verdade não tinha nada disso. Eu estava ficando louca mesmo.

Por mais que eu tenha conseguido conhecer um pouquinho mais dele, mais dúvidas entraram na minha cabeça. A família dele, as coisas da irmã dele no baú e as diversas fotos minhas.

Harry tem um passado que eu queria muito conhecer, mas acho que estraguei tudo. Eu e as minhas burrices. A única pessoa que me ajudou no momento mais difícil para mim, a pessoa que salvou a minha vida e que estava despertando algo de tão bom em mim, agora ele está magoado e com raiva.

A cachoeira estava linda e o sol brilhava. Eu sentia a brisa batendo no meu rosto e vi ele, o rosto do Harry do outro lado do campo. Ele olhava para mim com uma expressão séria.

Fui andando na sua direção, eu precisava me desculpar pelo que fiz, mas a cada passo que eu dava eu me sentia mais longe dele. Mesmo assim continuei andando. Eu não vou desistir.

Escuto um estrondo forte. Um trovão. E chuva. Uma chuva muito grossa começa a cair dificultado ainda mais que eu chegue até Harry. Ele está todo molhado e sua expressão mudou, ele agora parecia preocupado.

-Harry! - Gritei o mais alto que pude e ele finalmente se mexeu vindo na minha direção.

- Cuidado! - Ele gritou quando senti o chão tremendo. Vários relâmpagos e trovões ecoavam pelo céu. E o chão continuava tremendo.

Harry começou a correr e eu tentei correr mais ainda para alcançá- lo, quando vi a minha direita o chão começar a se rachar. Literalmente se rachando. Meu coração começou a acelerar mais e mais, aquilo não ia terminar bem.

Quando estávamos perto de nos tocar o chão começou a se abrir entre nós dois e eu não podia dar mais nenhum passo.

- Você consegue pular Harry? - Perguntei preocupada.

- Vou tentar. - Ele disse firme, para me passar confiança, mas eu sabia que o espaço era grande demais.

E ele pulou, mas não alcançou o lado que eu estava. Ele ficou pendurado na beirada daquele buraco que parecia não ter um fim. Meu coração estava quase saindo pela boca e eu chorava de medo, medo de perdê-lo.

Corri e segurei a mão dele o mais forte que eu conseguia.

- Não solta Harry! - Gritei em meio aos soluços. - Não solta por favor!

Seus olhos verdes me olharam tão profundamente, os olhos mais lindos que já vi.

- Jenna… - Ele falou com a respiração acelerada. - Eu… Te…

A mão dele escorregou e ele caiu.

- NÃO!! HARRY!! NÃO!! - Gritei ao ver ele caindo em um buraco sem fim.