Tinham chamado-a de leão outra vez.
Não que importasse; ela não dava, irrefutavelmente, a mínima. Fora obrigada a se acostumar com aquilo desde que não sabia amarrar os próprios cadarços por si mesma.
Mas isso não impedia-lhe de pensar.
Respeitar alguém diferente custava-lhes tanto?
Sentiu respingos molharem a pele de súbito, forçando-a a sair do próprio devaneio. A poça d'água abaixo de seus pés não só engolia seu jeans, mas impunha seu reflexo, não nítido como um espelho, mas perceptível. Apertou os olhinhos castanho-escuros. Suspirou.
Seus traços não eram finos como no padrão europeu, tão pouco sua pele era clara e pálida. O cabelo afro era um emaranhado selvagem. O corpo, sinuoso pelas ondinhas d'água, não era magro. Tinha quadril largo, um tanto avantajado.
Não deixou de notar, todavia, que aquele que contemplava era um reflexo forte. Cercava-se de coragem, empunha-se de poder e brilhava em beleza. Ela só soubera o que aquilo significara muitos anos depois, em um átomo de clarão. Mas naquele momento, mesmo não entendendo, gostou do que viu.
Mordeu os lábios fartos, um sorrisinho, uma imperceptível linha torta, nascendo no canto direito da boca.
Quem é que tinha-lhes dito que ser um leão era ruim?
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