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História Linked by Dreams - O Antes


Escrita por: Matsu_Megurine

Notas do Autor


Yaaaay, eu me rendi :'D eu estou postando uma história de Yuri On Ice!! <3
Viktuuri basicamente me escravizou e eu culpo esses dois por não ter atualizado minhas fanfics semana passada e por não ter feito basicamente nada desde quarta feira a não ser surtar por enfim ter um casal cânon... enfim! XD
Eu pretendo fazer só três capítulos, espero conseguir kkk
Desafio de fanfic do mês de novembro do grupo de YoI (soulmates)

Capítulo 1 - O Antes


A melodia instrumental entrava por seus ouvidos de forma hipnótica. Ele estava inclinado nas grades de um rinque de patinação. Ao redor dele, uma plateia animada saudou o competidor que pisava no gelo naquele momento. Mas ele já sabia que não conseguiria olhar para seu rosto. Independentemente de quando o fizesse, tudo se desmancharia.

Ele já vivera este momento milhares de vezes, afinal.

Como em outras vezes, seus olhos vagaram por rostos desconhecidos na audiência, pelo nome da competição, que era exibido em três línguas diferentes aqui e ali... Patins passaram próximos de onde ele estava, riscando o gelo. Mais aplausos.

Ele respirou fundo e lutou contra a ânsia de girar o rosto. Ele daria tudo para ver o rosto do patinador... Mas isso não tinha como acontecer.

Não ali.

Mas a música conduzia seus pensamentos e lhe inflamava a curiosidade por ver aquela pessoa. Antes que percebesse, ele levantou o olhar.

Ele queria mais que tudo dizer que viu o rosto daquela pessoa. Que ele poderia reconhecer aqueles olhos, aquela boca, aqueles cabelos.  Mas ele não viu.

Porque imediatamente antes de seu olhar chegar lá, ele despertou.

***

Viktor Nikiforov acordou em seu quarto. Ele ficou olhando para o teto, refletindo sobre se deveria tentar voltar a dormir ou levantar de uma vez. Ele fechou os olhos e rolou para um lado, frustrado consigo mesmo. Ao longo do dia, ele sabia, o sonho iria lhe fugir do pensamento, o mantendo tão longe quanto poderia do patinador misterioso.

Desistindo, ele afastou as cobertas, sendo envolto pelo ar frio do ambiente. Ele passou pelas primeiras etapas do dia de forma mecânica, parando apenas para dar um pouco de atenção a Makkachin quando o grande poodle lhe rodeou as pernas. Ele riu e se abaixou para fazer carinho no velho amigo.

Makkachin latiu empolgado.

- Não, sinto muito. – Viktor respondeu em tom de brincadeira. – Ainda não sei como aquela pessoa é...

Makkachin inclinou a cabeça, depois latiu um pouco mais baixo, esfregando a cabeça na mão do dono.

Viktor fez carinho perto das orelhas dele, depois se levantou. Ele pegou a bolsa, vestiu o pesado casaco que o esperava junto à porta e, com um aceno para Makkachin, saiu de casa.

Dentro de alguns minutos, ele chegou ao centro de patinação. Não importava a época do ano, ali estava sempre cheio de atletas profissionais e semiprofissionais... Fazia parte de se viver em uma grande cidade de um país que tinha tradição em patinação artística.

Ele mesmo, é claro, vivia ali por isso. Porque ele era uma das maiores estrelas no ramo, e viver perto do centro de patinação era algo um tanto prático. Ele passava a maior parte das horas de cada um de seus dias ali, e isso nunca lhe parecera um problema. Era isso o que significava ser um patinador profissional, ao menos para ele. Era amar o esporte, dedicar o seu tempo e o seu esforço por ele, e fazer isso com um sorriso no rosto, enquanto seus pés deslizavam habilidosamente pelo gelo e seu corpo inteiro se entregava à coreografia.

Ele calçou os patins personalizados – dourado nas lâminas, a bandeira nacional nos calcanhares – e entrou no rinque. Ele pegou um pouco de velocidade ao longo de um dos lados maiores, aquecendo o corpo, antes de fazer um giro simples para mudar de direção. Seu olhar passava pelos demais patinadores que se alongavam próximos à entrada ou que já começavam, como ele, a praticarem suas sequências de movimentos.

Viktor deixou que seus braços se movimentassem suavemente enquanto ele tirava um dos pés numa bela pirueta. Ele inclinou a cabeça e, na sequência, a coluna, até estar girando no plano mais baixo, antes de se esticar de novo, uma das mãos deslizando pelo próprio corpo desde o rosto. A outra mão esticou os dedos finos para cima como se buscassem algo.

Ele respirou fundo sentindo a música e fechou os olhos. O sonho voltou a povoar seus pensamentos e ele imaginou que a mão esticada procurava alcançar aquela pessoa. Aquela pessoa misteriosa da qual ele nada sabia, exceto que estavam destinados um ao outro.

Era assim que funcionava. Todas as noites, em algum momento, ele presenciava o momento em que se apaixonaria pela sua alma gêmea. Não o momento em que se conheceriam, nem algo recíproco a ambos, mas quando ele se apaixonaria. Mas assim que a pessoa tentasse falar com ele ou que ele tentasse olhar para ela, ele acordaria. Viktor achava essas umas condições bem injustas.

É claro, isso era para que seu livre arbítrio não fosse influenciado. Se uma pessoa já soubesse de cara quem era a sua alma gêmea, imagine o tanto de loucuras que poderia fazer ou os problemas que isso poderia acarretar. O sonho era meramente para que ele tivesse certeza quando se apaixonasse que está era a pessoa certa.

E, para todos os efeitos, podia ser pior. Havia pessoas que nunca chegavam a sonhar com aquele a quem estavam destinadas. Isso porque nunca o encontrariam em vida. Esse era de fato um cenário bem trágico. Mas Viktor não conseguia deixar de se sentir impaciente. Ele já tinha vinte e sete anos, seriam vinte e oito dentro de poucos meses. Tá certo que tinha gente que esperava muito mais que isso, mas ele achava que era tempo demais.

Pelo menos, ele tinha algo para lhe confirmar que a espera estava acabando: Quanto mais próximo do momento tão esperado, mais detalhes ele conseguia perceber no sonho, mais realista tudo era.

... Ele lembrava da primeira vez que sonhara com aquela pessoa: Tudo era borrado, ele não conseguia ouvir nenhuma palavra distinta, nem focar o olhar em ninguém por mais que um instante. Hoje, ele já sabia a música que estava tocando, conseguia sentir o frio do ambiente e quase conseguia ler o nome da competição – as letras ainda eram desfocadas.

Ele se perguntou que tipo de pessoa sua alma gêmea seria... Ele não sabia o sexo, a idade, nem a nacionalidade daquela pessoa. Não sabia como seria sua personalidade, se seria alguém tímido, sensual ou irritadiço. Inclusive, não sabia se seria uma amizade de longa data que de repente evoluiria, ou se seria uma paixão à primeira vista. Talvez eles até mesmo já tivessem se visto...

- Viktor! – Ele ouviu, no meio de um arabesque. Seu olhar pousou num homem corpulento que o observava da beirada do rinque.

O homem usava um chapéu fedora por sobre a cabeça, e um cachecol desamarrado no pescoço. Ele tinha uma expressão dura, mas Viktor sabia que ele tinha um lado gentil para mostrar a ele quando quer que fosse o caso. Ele atendia pelo nome de Yakov, e tinha sido treinador de Viktor já por tantos anos que este o considerava um pai para si.

O patinador sorriu para o homem mais velho e deslizou até onde ele esteve.

- Olá, Yakov. – Ele disse, com uma saudação animada. – Não esperava vê-lo nos próximos dias.

- Eu tinha pensado em dar a nós dois uma folga antes de começarmos a pensar no seu próximo programa...

A voz do áspera do treinador era simples e direta. Mas Viktor percebeu que a frase não acabaria ali. Ele olhou para Yakov.

- Mas...?

Yakov segurou o olhar do outro, antes de olhar para baixo.

- Viktor... O que aconteceu no dia da final do Grand Prix?

Pouco menos de um mês atrás, Viktor vencera – outra vez – a competição. Mas ao sair do centro desportivo ele não parecia tão empolgado pela vitória como seria de se esperar. Pelo contrário, havia um quê de preocupação em seu olhar e, quando Yakov o percebeu, Viktor abriu um sorriso triste.

- Ei, Yakov. – Ele disse, na hora. – Eu nunca vou conseguir outra vitória como essa, não é?

A declaração pegou o treinador desprevenido e Yakov observou enquanto Viktor pegava um táxi para seu hotel com um aceno e um sorriso silencioso, incapaz de responder.

Viktor engoliu um riso irônico. É claro que Yakov lembrava do que ele dissera. Então, ele apenas desviou o olhar de volta para a pista de patinação.

- Não é um bom lugar para isso... – Ele disse. – Que tal se conversarmos à noite, quando eu sair?

- Você vai ficar treinando sozinho?

Viktor fez que sim com a cabeça. Yakov soltou um suspiro. Viktor abriu um sorriso.

- De qualquer forma, eu já tinha planejado patinar sem sua orientação por uns dias, não é? – Ele disse antes de se impulsionar para trás.

Yakov fez uma careta, aborrecido. Viktor podia ser bem insolente quando queria. Ele apenas esperava que aquela insolência e os sorrisos não fossem muros altos demais para quaisquer que fossem os problemas que povoavam sua mente.

Viktor dançou pelo gelo, agora com os pensamentos divididos. Ele queria voltar a fantasiar sobre sua querida e misteriosa alma gêmea, mas no fim das contas ela também era essencialmente uma válvula de escape. Se ele encontrasse aquela pessoa, ele poderia traçar o caminho que percorreria em seguida de acordo com os planos dela.
Mas no caso de não a encontrar logo...

Viktor era uma estrela. Um prodígio desde sempre. Quatro vitórias em competições a nível mundial, mais uma coleção de medalhas em outros eventos. Mas a partir que você está no pódio do ouro, só há duas opções. Ou você fica lá, ou você cai.

Ele com certeza tinha nível para conseguir mais uma vitória ou duas. Ele era o melhor. Mas isso era num aspecto técnico. Porque, se você está no topo não tem mais para onde crescer.

Yakov dizia sempre que ele estava errado. Que ele tinha imperfeições que poderiam ser aperfeiçoadas, ou que poderia tentar desenvolver melhor outros modelos de patinação. Mas aquilo era ele tentando encorajá-lo. Viktor não pensava que fosse o melhor patinador de todos os tempos nem nada assim, mas ele meio que sabia que havia muito pouco dentro de suas capacidades pessoais que ele poderia fazer ainda.

Assim sendo...

Viktor estava lentamente perdendo o entusiasmo. E, com isso, ele se sentia cada vez mais...

...

Entediado.

Ele saltou e deu duas piruetas no ar, pousando graciosamente. O movimento lhe parecia horrivelmente vazio. Sim, vazio. Era assim que ele se sentia. Não importa como se olhasse para sua situação, tudo o que se veria era um homem aborrecido num beco sem saída.

Tudo lhe parecia repetitivo. Tudo parecia meio chato. Ele pensou no que a plateia diria ao vê-lo executando aqueles movimentos. “Parece um pouco com o que ele dançou daquela vez”, “é bem a cara dele fazer isso”, “pensei que fosse ter algo de novo”... Era óbvio que seria isso. Ele girou e deslizou veloz pelo gelo, com mudanças de direção abruptas, enquanto pensava isso.

“Não é o bastante”, Viktor pensou. “Nada do que eu fizer com isso é o bastante”.

Ele chegara ao topo. Mais de uma vez. Era o fim. Final feliz.

Depois daqui, não havia nada.

O público não se surpreenderia com ele e portanto não o acharia incrível. Nem ele se surpreendia. Ele já destrinchara cada faceta sua nas pistas, já dançara dezenas de músicas, coreografias dramáticas, divertidas, tristes, suaves....

Ele voltou a pensar em seu sonho. O sonho que se repetia todas as noites, mas que nunca se completava. Aquela pessoa em seu sonho era o que faltava. Ela era o seu lado que nunca pôde ser mostrado ao público.

... Porque ele próprio não o conhecia.

Como se simplesmente pausasse os pensamentos, ele abaixou a perna que se elevara em seu último rodopio e deslizou sério até a saída do rinque.

Ele sentou num banco, tirou os patins e logo calçou as botas com as quais viera. Ele soltou um longo suspiro, levantando a cabeça preocupado logo em seguida, mas ninguém prestava atenção nele. Viktor tomou isso como uma liberação e apenas pegou a bolsa, indo para fora do lugar.

A noite já caíra. A noite caía rápido na Rússia de qualquer forma, mesmo com o mundo já tendo dado adeus ao inverno nesta época do ano. Ele passou um cachecol pelo pescoço e olhou ao redor. Ali perto, ele reconheceu o carro de Yakov. Ele foi até lá e bateu no vidro para chamar a atenção do treinador.

Yakov apenas levantou o olhar para ele e destravou a porta, saindo do veículo. Viktor parecia ficar mais ansioso sob a perspectiva de conversar com o treinador.

- Qual é o seu grande segredo?

Viktor o encarou ao receber o ultimato logo de cara.

- Não há nada que eu precise esconder de ninguém...

- Então é melhor abrir o jogo comigo primeiro – Yakov disse – ao invés de gastar todo o seu tempo dançando trechos de coreografias de forma completamente aleatória. Porque é o q anda fazendo.

Viktor quase o desmentiu, mas sabia que era verdade. Ele se sentia desmotivado.

- Eu preciso encontrar... A chama, sabe? – O patinador disse. – Eu revi os vídeos da minha última rotina e, sim, estava tecnicamente impecável... Mas não havia nenhum sentimento naquilo...

Yakov deu um riso irônico.

- Bem, encontre um jeito de passar esses seus sentimentos, porque você não pode continuar assim. Precisa de uma namorada?

- Não, não preciso. – Ele respondeu depressa, revirando os olhos. – Eu preciso é recuperar aquela paixão que havia dentro de mim...

- Está soando como um velho, garoto.

- Eu já não sou mais um garoto. Yakov, daqui pra frente eu só vou  ficar mais distante de minha juventude. Como posso me apaixonar de novo pela patinação, se nem sei mais o que fazer a seguir com ela?

- Hmpf. Vocês não pode, simples. Mas se arrumar uma nova paixão, será que não conseguiria transmitir isso na sua arte?

- Assim espero...

Um longo silêncio se estendeu entre os dois enquanto o vento gelado associava baixinho. Yakov abaixou os olhos e sua voz se suavizou no tom paterno que Viktor bem conhecia.

- Vitya – o homem começou – eu sei que você deve estar se sentindo pressionado, pensando em como vai conseguir se superar... Mas espero que entenda que sua vida não pode parar. Você é uma estrela. O mundo inteiro está com os olhos em você.

- Sem pressão. – Viktor ironizou.

- Não é pra pressionar. Mas você é um homem crescido e consciente, e eu sei que você sabe que algo mais aí dentro para ser mostrado ao mundo.

- ...

Viktor olhou para o treinador, incerto se deveria ficar sério ou sorrir. Do que ele tinha em sua vida – agora – ele não tinha nada o que mostrar. Yakov não tinha como ver o seu coração. Não tinha como ver o quanto isso era difícil para o próprio Viktor.

- Você tem alguma ideia já do que vai fazer para o próximo ano? Já vai fazer um mês, e não importa o quão rápido você consiga pegar suas rotinas, eu não vou deixar que continue gastando à toa suas semanas antes de finalmente decidir...! Ei, Viktor! Diga alguma coisa!

De fato, Viktor era uma pessoa bem aberta. Ele não gostava de se sentir pra baixo e gostava de interagir com as pessoas. Normalmente, quando Yakov começava a tagarelar e lhe dar bronca, ele logo o interrompia com um riso, uma piada ou palavras tranquilizadoras.

Mas ele realmente se sentia perdido agora. O que era? O que era que o aguardava no futuro? O que ele era que ele deveria preparar para a próxima temporada? O que era que ele queria fazer com sua brilhante carreira de campeão mundial?

- Acho que... – Ele disse então. – Amor...

- Quê...?

- Amor. Eu posso fazer disso o meu tema.

Yakov olhou para ele sem entender uma palavra do que ele dizia com aquilo.

- Viktor, você nunca amou de verdade.

Poderia parecer com uma alfinetada, mas não era de verdade. Não era surpresa para ninguém que Viktor não se mostrava abalado ao final de seus curtos relacionamentos, emocionalmente falando. Ele não tinha vergonha de afirmar para a mídia também que nenhum deles havia significado nada, o que enfurecia suas ex e dava esperanças a quem se apaixonava platônica mente por ele... Muitas pessoas queriam ser a Cinderela daquele Príncipe do Gelo.

- Não. Realmente... – Ele admitiu, sem muito receio.

- E.... Você disse que não quer uma namorada nova?

- É, pois é...

- O que, você tá cortando pro outro lado agora? – Yakov elevou o nível da voz, mas tentou mantê-la tão baixa quanto possível. – Sabe o que acontece com esse povo, Vitya...

- Não é o que eu estou dizendo! – Viktor se apressou em responder, tentando fugir dessa linha de pensamento, pondo as mãos à frente do tronco, sem jeito. – Eu tava pensando em outra coisa, na verdade... Em como seria um bom tema... Procurar pelo amor.

- Ao invés de descrevê-lo, você diz?

- Algo assim.

Yakov soltou um suspiro.

- Não entendo de onde você tirou isso de repente, mas vá em frente. Nos surpreenda, Vitya, a mim e a todos os fãs.

Viktor ficou com a conversa rodando em sua cabeça mesmo depois de já ter chegado em casa. Felizmente, Yakov lhe deixou respirar e não apareceu nos dois dias que se seguiram. E, nos dois dias, ele foi ao centro de patinação e dançou mecanicamente, tentando buscar algo que ele nem sabia o que era.

E, nas duas noites até ali, ele voltou a sonhar com aquela pessoa. Ele não podia ver seu rosto, ele não podia ouvir sua voz, mas ele sabia que ela existia. Que ela existia para ele. Ele se perguntava como poderia dançar de forma que cativasse aquela pessoa. Ele poderia criar uma rotina que a surpreendesse, que a fizesse querer se jogar nos seus braços, que os unisse... Para sempre...?

Em meio a giros e saltos com as pernas perfeitamente esticadas compondo seus movimentos, como sempre, impecáveis, ele soltou um riso pessimista. A forma como ele estava se movendo naquele momento era a prova que não. Ele tinha a técnica de um profissional, mas seu coração estava tão vazio quanto se podia... E por isso, mesmo vendo de canto de olho outros patinadores o olharem deslumbrados, ele odiava a forma como estava patinando.

“Não está funcionando.”

Ele girou mais do que deveria numa pirueta, parando num ângulo completamente errado, e franziu o cenho para si mesmo. Agora ele também não estava concentrado. Ótimo!

Viktor meio correu meio saltitou pelo gelo até sair da pista. Ele enterrou a cabeça nas mãos e respirou fundo. À sua frente, todos os patinadores tinham olhares determinados, mesmo se caiam de bunda depois de saltos mais ousados. Ele não tinha mais isso. Era difícil se manter firme a um objetivo se, bem, se você já o alcançara. 

Naquele dia, ele foi para casa bem cedo.

Makkachin pulou alegremente para saudá-lo, mas Viktor não conseguiu forçar o sorriso o bastante para ele. Yakov lhe havia dito que iria vê-lo no dia seguinte, então ele tinha muito em que pensar...

Sentindo que descansar a cabeça lhe faria algum bem, contudo, ele se entregou a alguns minutos de ócio. Dizem que quanto mais se pensa em um assunto de forma repetida, mais difícil é chegar a uma conclusão, que poderia ser conseguida se se parasse de se forçar...

Uma notificação, igual a milhares de outras, o levou a um vídeo que aparentemente tinha viralizado há pouco tempo. O nome do rapaz no vídeo lhe era vagamente familiar. Ele estava dançando uma rotina sua, a mesma que o levou à vitória no ano anterior.

Seu primeiro pensamento foi de que era bobagem. Ele sabia de cor todos aqueles movimentos e nada de novo viria em assistir àquela rotina outra vez, mesmo que fosse dançada por outra pessoa.

Além disso, ele estava quase que aborrecido com a existência daquela coreografia, pois fora com ela que ele se desapaixonara recentemente. Aquela rotina, “Stay Close To Me”, não tinha aquilo que ele buscava.

Mas isso foi só o primeiro pensamento, antes de ele compreender a razão de o vídeo ter se tornado viral.

O rapaz japonês deslizava pelo gelo com uma magia o envolvendo... Havia um magnetismo indecifrável na forma como seu olhar se perdia, como se ele dançasse para um certo alguém que não podia vê-lo.

Viktor se viu deslumbrado pela forma como os movimentos do garoto pareciam tão mais interessantes, mais cativantes, mais belos que os seus próprios quando os executara.

O jovem não era um prodígio. Ele não conseguia realizar perfeitamente os saltos mais difíceis, e alguns trechos estavam levemente adaptados. Ainda assim, era impossível desviar o olhar. Ele estava fora de forma, mas se mexia como se fosse a pessoa mais bonita do mundo. Ali, naquele rinque de patinação, usando roupas quaisquer e nenhuma maquiagem, o rapaz japonês gordinho era a pessoa mais bonita do mundo. E qualquer um, inclusive Viktor, que o assistisse iria sentir a música falando através do corpo dele. “Fique junto de mim”, dizia. “Perceba o quanto eu preciso de você. Me abrace e não me solte. Isso... Eu... É tudo para você.”

Viktor assistia, intrigado.

“O que é isso?”

“É isso o que a música diz, não é? É assim que ela deve fazer a gente se sentir, não é?”

Ele duvidava muito que as pessoas que o assistiram na temporada passada tivessem essa sensação. Deviam ter achado bonito, mas não havia... Isso.

Como aquele garoto havia conseguido fazer isso? Dominar a sua coreografia como se ela tivesse sido escrita em cima de sua alma. Fazer com que cada giro das mãos, cada cruzada de pés, cada inclinar da cabeça significasse tanta coisa.

O vídeo terminou com o rapaz olhando para a câmera com uma expressão surpresa. Viktor riu consigo mesmo. Então ele não sabia que estava sendo filmado. Mas não importava. Mesmo quando o garoto olhou evergonhadíssimo para a câmera no final, ele parecia adorável. A magia, ou parte dela, ainda estava lá. Naquele garoto.

Viktor se levantou do sofá, largando o celular, e foi até a cozinha. Precisava beber algo.

***

- Você enlouqueeceeeeeu?!?!

Yakov olhava para ele como se Viktor tivesse acabado de criar asas diante de seus olhos.

Pff, que nada. Asas seriam bem menos chocantes.

- Eu preciso fazer isso, Yakov. Eu sinto.

- Você vai desistir da próxima temporada, da sua carreira! Por causa de um patinadorzinho que dançou uma rotina sua?!?! O quão grande é o seu ego????

Viktor estava meio envergonhado, sim, mas estava decidido.

Katsuki Yuuri. Ele iria até o Japão para encontrá-lo e entender o que havia nele de tão intrigante. Ele iria treinar pessoalmente o rapaz, passar o máximo possível de tempo que pudesse com ele. Mas ele teria para si essa magia que ele mostrará no vídeo de Stay Close To Me.

..... Só então, quando tivesse retomado em seus próprios movimentos essa paixão envolvente, ele seria digno de seguir em frente... Ele pegaria isso daquele Yuuri e usaria isso para dançar de forma a conquistar aquela pessoa.

Era o único plano em que ele conseguia pensar.

Se ele pudesse usar aquela paixão para encontrar a sua pessoa especial, ele não se importaria de largar a Rússia, Yakov ou o Grand Prix daquele ano.

Yakov continuava olhando para ele como se Viktor estivesse louco.

- De onde é que veio essa sua obsessão?

Viktor deu um sorriso para si mesmo. Ele não poderia explicar. Inclusive, porque ele já tinha vinte e sete anos e falar que queria correr atrás de sua alma gêmea seria nada mais que um tabu. As pessoas não costumavam tentar apressar essas coisas justamente porque nunca dava certo. O sonho estava lá apenas como uma brincadeira maldosa do destino. Ele não tinha como apressar as coisas nem como forçar sua alma gêmea a se revelar.

Mas ele não conseguiria ficar parado ali, com o sonho ficando mais realista a cada dia e ele mesmo ficando mais desiludido com o mundo a cada dia. Sua vida precisava de agitação, não de melancolia. Ele estava pronto para brincar com o destino se pudesse ter esse resultado.

- Sentirei sua falta, Yakov. – Ele disse, sem nada responder. – Mas não é um adeus definitivo.

O treinador o encarou sério. Ele não parecia estar tão zangado quanto queria mostrar, parecia mais era preocupado. Ele pôs uma mão no ombro de Viktor.

- Tome cuidado com o que você faz, Vitya. Talvez você não consiga voltar pra esse mundo depois...

Viktor sabia. Mas risco se combate com determinação. E ele estava determinado.

- Obrigado, Yakov.

- Sabe, eu não aprovo o que está fazendo. Não espere que eu vá te consolar se você voltar de mãos vazias. Eu vou estar te esperando com um enorme “eu te avisei”.

Viktor riu.

- Eu sei disso. Mas eu vou fazer isso. E espere por mim. Ano que vem eu prometo que vou brilhar outra vez.

- Ano que vem. – Ele deu uma risada de deboche. – É bom mesmo.



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