História Lírio Branco - Amendoeira

•°* Jung Hoseok *°•

Assim que eu desci as escadas já arrumado e com meus exames em mãos, Yoongi me esperava sentado no sofá se levantando assim que eu apareci na sala. Ele usava uma regata de uma banda qualquer e uma jaqueta de couro, sua calça tinha os costumeiros rasgos na altura do joelho e uma bota estilo militar com os cadarços desamarrados lhe serviam de calçado. Engoli em seco tamanho meu nervosismo, e eu sentia minhas bochechas arderem.

— Pronto? — ele perguntou me encarando. Apenas assenti e me surpreendi quando ele esticou uma jaqueta gêmea a que usava. Franzi o cenho, mas peguei a peça de roupa incrivelmente pesada. Porém o alfa apenas soltou um risinho e caminhou em direção à porta.

Estranhei, pois os únicos que possuíam carro eram Namjoon e Jungkook. Eu nunca vi Yoongi dirigindo e ele sempre ia para a faculdade a pé. O segui até o fundo da garagem o vendo retirar o pano que cobria algo. Quando esse algo foi revelado, meu queixo caiu. Era uma moto incrivelmente bonita, pelo pouco que eu sabia poderia dizer que era uma Harley Davidson.

— Você pilota desde quando? — perguntei ainda vidrado na beleza da motocicleta. Era em um tom preto contrastando com o cromado lustroso do escapamento. Ver o alfa sorrindo gengivalmente foi uma surpresa quase maior que descobrir sua paixão por motos.

— Desde meus quinze. — deu de ombros. — Mas só comecei a pilotar essa belezinha aqui depois de tirar carta, aos dezoito. Foi um presente. — ele sorriu novamente como se relembrasse. — Uma fat boy¹ conservada e pronta para correr. Vamos? — me encarou com um sorrisinho de lado. Tremi com a ideia de subir naquela coisa enorme. E se caíssemos? E se eu estivesse gordo e pesado demais a ponto de provocar um acidente? Eram muitas dúvidas. — Calma, não vou andar como um louco sabendo que você está na minha garoupa. — um tom avermelhado tomou conta de seu rosto e ver o alfa desviando o olhar amarrou meu estômago em uma torção que formigava.

— Obrigado. — disse, dissipando aquele clima esquisito que havia se instalado de repente. O alfa apenas acenou e me estendeu um capacete enquanto ele mesmo vestia o seu. Vesti a jaqueta e coloquei o capacete, abraçando as pastas de meus exames enquanto Yoongi montava em sua moto e ligava, fazendo o motor rugir rouco causando um arrepio em minha espinha ao ver o Min todo imponente em cima daquele enorme motociclo.

Vendo que o portão ainda estava fechado, caminhei até lá e o abri. Logo em seguida aquele rugir rouco passou pelo espaço aberto por mim e Yoongi estacionou do lado de fora me esperando com a perna esticada e firme ao chão. “Tão sexual” pensei comigo mesmo engolindo um suspiro. Fechei o portão com a impressão de ter visto Seokjin com um sorrisinho de relance, mas talvez seja apenas impressão minha. Se bem que se tratando daquele ômega, eu não duvido.

— Anda logo. — Yoongi disse impaciente e eu fui correndo até si. — Qual o endereço?

— Ah sim. É esse aqui. — estendi um dos exames que continham o endereço da clínica. O alfa sorriu e fez um sinal de que havia entendido.

— Sei onde é. Vamos, suba. — assenti e subi na moto da melhor maneira que consegui enquanto Yoongi ria da minha falta de experiência. — Você pode segurar em mim. — disse enquanto alavancava a moto pelo guidão, ocasionando naquele rufar que eu já adorava.

— C-certo. — agarrei sua cintura e o alfa partiu correndo pelas ruas. Tentei controlar as borboletas que dançavam em meu interior.

O alfa se mostrava cada vez mais agradável e sua companhia estava se tornando cada vez mais confortável. A tensão quando estávamos no mesmo lugar sumia a cada espaço que ele cedia para que conversássemos.

•°*~☆~*°•

Não demorou muito até que chegássemos na clínica de Jungsu. O alfa estacionou sua moto na vaga disponível e estendeu a mão para pegar o capacete que eu usava. Lhe entreguei e o esperei para que pudéssemos entrar. Percebi que Yoongi parecia meio perdido.

— Não precisa entrar se não quiser. Sei que deve ser desconfortável para você e eu peço desc...

— Eu vou. — ele sorriu e seguiu para dentro abrindo a porta e esperando que eu me movesse para poder fecha-la.

— Hobi! — assim que coloquei meus pés para dentro do ambiente hospitalar, Jungsu veio ao meu encontro e me tomou nos braços em um abraço apertado. — Que bom que você veio.

— Oi hyung. — lhe sorri quando meu médico e amigo me soltou, percebendo a surpresa que estampava o rosto de Yoongi.

— Arrumou um alfa e nem me contou nada? — fiquei estático por alguns segundos tentando digerir o que Jungsu havia dito, acabando por tossir como um louco por conta da vergonha que me arrebatava.

— Não! Ele é só um... amigo da república em que eu estou vivendo atualmente. — mordi o lábio tentando descontar a tensão.

— Pelos feromonas que ele está exalando, achei que tivessem algo. — respondeu simples me fazendo piscar confuso.

— O que? — proferi lentamente. Olhei para Yoongi que estava de costas para mim, mas pude notar suas orelhas vermelhas. Voltei meu olhar para Jungsu que apenas deu de ombro e me pegou pela mão.

— Vamos? Temos alguns exames para fazer. Está animado? — ele perguntou sorrindo. A energia de meu hyung era algo quase contagiante, mas naquele dia em específico eu não consegui sorrir.

Yoongi preferiu ficar do lado de fora, na sala de espera. Eu o vi sair porta a fora antes de entrar no consultório de Jungsu. Pela carteira de cigarros, eu sabia que ele iria fumar.

Segui meu hyung até a cadeira onde o paciente ficava, de frente para o médico atrás da grande mesa. Ao contrário do comum, Jungsu escorou-se no pedaço de madeira a minha frente e me encarou esperando que eu começasse a falar. Pela convivência, o Park já conhecia e sabia quando eu não estava muito bem.

— Eu estou com medo do resultado. Você sabe, hyung... Hoje é aquele dia. — ele me encarou com o seu melhor sorriso complacente e suspirou.

— Sim eu sei. Não queria que você passasse por isso, mas precisamos ter um pouco de fé Hobi. Não se precipite. — ele me sorriu e pediu gentilmente para que eu me deitasse na maca.

•°*~☆~*°•

Vários exames foram realizados e enquanto eu esperava o resultado dos de sangue saírem, Jungsu comentava sobre sua vida e sobre seu recente namoro.

— Então esse tal de Youngwoon roubou o coração do meu hyung? — Jungsu riu tímido mas concordou com a cabeça. — Ele é bom para você?

— Muito. Nos damos incrivelmente bem e talvez realmente fiquemos juntos para o resto da vida. — Jungsu divagava com os olhos brilhantes. Ele estava apaixonado.

— Fico feliz por vocês. Espero que sejam felizes. — lhe sorri e ele me olhou sugestivo. — O que foi?

— E o senhor possessivo lá fora? O que tem a me dizer sobre ele?

— N-não sei do que está falando. Yoongi é só um alfa rebelde que não quer se prender a ninguém. — suspirei um pouco cansado. — Ele é bem fechado e eu tenho certeza absoluta que quando ele se envolver com algum ômega, será para formar uma família e eu... — ri sem humor. — De qualquer forma, nem nos falamos direito. Somos apenas amigos de república.

— Pelas feromonas que ele soltou àquela hora eu não confiaria muito nisso, mas se você está dizendo.. — ele deu de ombros.

— Acredite em mim. Nós não somos compatíveis. — vi o beta negando e indo até a impressora grampeando os resultados e os entregando para mim. Aquela pasta decidiria todo o restante da minha vida e eu estava com medo. — Não vai olhar? — ele perguntou curioso, neguei com a cabeça.

— Vou olhar mais tarde. Obrigado hyung, mas por agora eu vou indo. — lhe sorri e levantei da cadeira me curvando antes de lhe dar um abraço apertado.

— Se cuida Hobi. — murmurei em concordância e saí, dando de cara com Yoongi que estava deitado no sofá de couro branco enquanto usava um dos braços para cobrir os olhos.

— Yoongi hyung? — ele murmurou antes de retirar o braço do rosto e se levantava lentamente, sem pressa alguma. — Já acabou. Vamos?

Nos levantamos e seguimos para fora. O alfa virou para me olhar possivelmente percebendo o meu desconforto com o que quer que tivesse acontecido na consulta. Ele franziu o cenho enquanto tentava estudar minhas expressões, pairando em minhas mãos que seguravam os resultados dos exames de maneira trêmula demais.

— Está tudo bem? — ele me perguntou um pouco incerto. Apenas ri sem humor algum.

— Eu não sei. Provavelmente não. — confessei sorrindo enquanto sentia meus olhos marejarem. Respirei fundo tentando me controlar.

— Vem. Vamos para um lugar mais calmo e se você quiser, pode me contar o que anda acontecendo com você. Só.. não chora. — o alfa disse me estendendo um lenço preto que tirou do bolso interno de sua jaqueta. O peguei e enxuguei algumas lágrimas enquanto me virava de costas para que o garoto tatuado não percebesse o quão frágil eu estava me sentindo.

Quando um certo tempo se passou, e eu consegui parar de chorar, me virei vendo Yoongi já em cima de sua Harley com o meu capacete descansando em sua garoupa. Guardei o lenço no bolso e caminhei até a moto, colocando o capacete e subindo enquanto o alfa já acelerava em seu guidão.

Eu não sabia para onde ele estava me levando, mas eu me sentia tão abalado e nervoso com a resposta do exame que tudo o que eu consegui fazer foi apertar ainda mais a cintura de Yoongi e apoiar minha cabeça em suas costas. No fundo eu sabia a resposta que estaria aqui nesse papel que eu protegia dentro do tecido grosso e pesado da jaqueta que o alfa me emprestou, e já deixava meu corpo se encarregar de me castigar com a tristeza de estar eternamente fadado a ficar sozinho e receber ainda menos reconhecimento da nossa sociedade.

Ômegas eram a classe menos importante, até mesmo os betas eram superiores à nós; se ser um ômega já não tinha muita valia, ser um ômega estéril era ainda pior. Que serventia eu teria? Eu queria apenas ser como os outros. Queria ser normal. Queria ser um ômega digno ao menos em minha classe.

Eu só percebi que apertava Yoongi como se minha vida dependesse disso, quando o som de sua moto cessou. Com a vergonha atingindo-me, o soltei constrangido descendo da Harley e desprendendo o fecho do capacete e o retirando.

Olhei em volta constatando estarmos em um campo montanhoso de grama verde. O sol brilhava indicando estarmos próximos ao meio dia, deixando aquele gramado ainda mais clareza sendo possível admirar algumas flores solitárias perdidas aqui e acolá. Ao fundo também era possível ver uma espécie de lago, que refletia o esplendor do astro rei. Por mais belo que o local fosse, havia ninguém ali além de nós dois, o que eu fiquei eternamente grato por acontecer.

Suspirei tristemente, ignorando o olhar levemente preocupado que Yoongi lançou em minha direção. Caminhei devagar, andando adentro do gramado e sentando-me entre algumas flores enquanto deixava o capacete descansando ao meu lado. Eu deixava meu olhar vagar pela vastidão daquele lugar, desejando por um momento tornar-me uma pedra ou um ramo de grama em busca da desculpa para permanecer ali pela eternidade. 

Desci o zíper grosso da blusa retirando a pasta com os resultados de meus exames e a repousando em meu colo. Notei uma movimentação, olhando para o lado e vendo Yoongi sentar-se ao meu lado, focando no lago longe de onde estávamos.

— Seja o que for, você vai conseguir superar. — disse sem me direcionar o olhar.

— Não acho que eu vá conseguir superar facilmente. — confessei sentindo os meus dedos tremerem.

— Não disse que será fácil. — ele me encarou, o que eu pude ver pela minha visão periférica, enquanto eu apenas abaixava o olhar para aquele papel que continha a informação tão importante. — Com o que exatamente está lidando? — perguntou com cumplicidade em sua voz. O encarei triste me segurando para não desabar em lágrimas.

— Com o futuro da minha existência. — confessei engolindo o choro já entalado em minhas pregas vocais. E tais palavras nunca tiveram tanto sentido como agora, afinal se eu fosse oficialmente estéril, minha existência não teria futuro; eu não teria descendentes e minha família acabaria na minha geração.

Sem que o Min se pronunciasse novamente, eu voltei minha atenção para os papéis grampeados naquela pasta, reunindo coragem de uma vez e tomando ciência da resposta que decidiria o restante dos meus dias como ômega.