História . little death - . please, sleep my dear

A janela do quarto estava aberta como de costume dentre tantas outras noites. 

Mesmo que aqui fora estivesse frio e correntes de ar dançassem sem som algum pelas ruas e balançassem os panos leves da cortina, ainda assim, ela permanecia aberta.

Com a fraca luz do abajur que repousava sobre o criado mudo ao lado da cama, conseguia ter uma visão meia-boca do ambiente.

Sentado em um galho alto da cerejeira que enfeitava o quintal daquela casa pequena e simples, já havia perdido as contas de quantas vezes o tinha visto chorar - a cada briga pelo celular com aquele garotinho - para as estrelas tão distantes que iluminavam o céu, parecendo não estarem nem um pouco incomodadas com o choro alto que escapava por sua garganta.

Balançava os pés de forma tediosa enquanto observava seu corpo se arrastar até o cantinho escuro do quarto, mas dessa vez não sabia se era de cansaço ou como sempre escutava ser uma desistência passageira da vida, porém, de qualquer forma, sempre continuava com as mesmas insistências no dia seguinte e no outro, e de alguma maneira, sua desistência dependia de mim.

Algumas semanas já haviam se passado desde que estivera sentado ali pela primeira vez, e caramba, toda noite sua rotina naquele quarto era como um disco riscado. Antes eu até tentava entender os motivos mas ao lhe acompanhar percebi que eles não existiam e se tanto não insistisse neles, eu não teria motivo de estar aqui.

Olhava o céu negro e algumas nuvens carregadas se formavam sob aquela imensidão, certamente iria chover, e muito.

Esperei a pequena luz do abajur se apagar e sabia que naquela hora você já devia estar deitado em sua cama, enrolado no edredom até a cabeça como uma lagarta escondida em seu casulo, porém, parecia que sua metamorfose nunca chegaria para que virasse uma perfeita borboleta.

Desci os poucos galhos que iam próximos a sua janela, sentando logo em seguida por um tempo no batente da mesma.

Seus fios loiros claros escapavam pela abertura do edredom, eles brilhavam como o sol ao meio dia mesmo naquela escuridão que eu preenchia no cômodo. Sua respiração um tanto pesada denunciava seu sono avançado e era aquela parte em que eu mais gostava de estar ali, deitado ao seu lado na beirada do colchão com um sorriso encantado nos lábios finos, lhe observando.

Suas bochechas eram de uma textura tão macia que deixavam meus dedos formigando sempre que as tocava. 

O pequeno sinal que repousava tão discretamente sobre a pontinha de seu nariz, não passava nem um pouco despercebido por meus olhos negros, e sabe, daria tudo para que pudesse o ver melhor na claridade, porém, seria impossível.

O contorno de seus lábios era sem dúvida o formato mais chamativo e bonito que já havia visto, era com certeza a minha parte favorita do conjunto que formava o seu lindo rosto. Naquele segundo, em puro descontrole, me vi tão próximo dos mesmos que me deixei cair na tentação de toca-los e sela-los com os meus semelhantes. Era tão macios quanto seda e embriagante quanto o álcool mais forte existente nesse universo.

Eu sabia e você também que os sonhos que perambulavam por sua mente - a cada vez que fechava os olhos e via a figura de vestes negras e rosto embaçado - que nenhum de nós éramos estranhos um ao outro.

Você batia os pés por não ser real cada fragmento que lhe corria o pensamento sempre que se distraía com aquela imagem desconhecida, mas meu coração batia mais forte cada vez que sua atenção era voltada a mim.

Poderia dizer que era como um castigo poder lhe encontrar apenas de olhos fechados, eu não tinha chance alguma de encará-lo com os olhos tão brilhantes quanto o dia.

Esse era o problema, eu era a noite e você sempre seria como o dia e eles nunca podem se encontrar ou ficarem juntos.

Eu juro, juro por todo o sentimento que tinha guardado em meu peito por cada detalhe seu, que se pudesse evitaria a batida de seu carro em câmera lenta naquela noite, depois que uma ligação desesperada o acordasse e aquele garotinho lhe pedisse para que fosse o mais rápido possível encontra-lo.

Eu juro que se pudesse recolheria, uma a uma, todas as gotas de chuva que estavam encharcando a pista da ponte junto das lágrimas que banhavam meu rosto e, consequentemente, os pneus não derrapariam até pararem quando se chocassem com a água fria lá embaixo.

Mas era o meu dever.

E, naquele exato momento, eu passei a entender os seus motivos pois se eles não fossem refletidos naquele garotinho de dentes grandinhos, você não teria a chance de juntar-se a mim naquela noite.

E sabe Taehyung, talvez desse modo, eu possa ver perfeitamente seus olhos como o dia e seus fios loiros como os raios de sol, frente a frente, e assim iluminar nossas vidas na morte.

Little death makes life more meaningful.

(Uma pequena morte faz a vida ser mais significativa).