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História Live And Let Die - Contratempo


Escrita por: bundinah

Capítulo 48 - Contratempo


Lauren:

Amanheceu. Logo cedo tinha uma reunião marcada no hospital. Não faço a menor ideia de quanto tempo levaria, mas algo dentro de mim dizia que seriam horas passadas como lesmas num dia tranquilo de praia. Me levantei. O barulho da cidade já invadira meu quarto. Buzinas, freadas de carro, pessoas gritando. Isso era estressante, mas também era costume.

À procura do meu celular, que ainda não havia parado com aquela musiquinha chata que eu havia posto para me acordar, soube que meu humor não seria dos melhores. Logo tive a certeza: meti o dedinho do pé na parede (prefiro nem me perguntar como consegui essa proeza). Há tempos eu não ficava assim. As pálpebras dos meus olhos pesavam! Antigamente, era comum eu acordar com a incapacidade de enfiar uma feição mais amigável na cara. Isso mudou, porém. Se não fosse hoje, essa minha frequente rotina de ver unicórnios e gatinhos fofinhos quase sempre, ainda estaria em pé.

Até me senti mal. Queria saber o motivo de ter acordado assim. Se é que tinha um motivo, não é? Eu suspirei. Se me entregasse ao luxo de tomar um banho antes de ir ao hospital, talvez ficasse melhor. Fiz assim mesmo. Com a água tão quente que minha pele ganhou uma cor avermelhada. Fiz o coque de sempre na cabeça: milimetricamente apertado. Logo fui tomar o café da manhã. Que bom que eu tinha posto e despertador para me acordar duas horas antes do horário normal.

Com toda a calma e lerdeza do mundo, eu fritei bacon e uns ovos. O meu café deixei amargo. Cogitei a ideia de pegar um cigarro. Bom que essa ideia se foi mais rápido que pronunciar “estetoscópio”. Nem sei mais quanto tempo faz que não fumo. Tudo bem que isso nunca foi vício, mas pude notar que era melhor sem. Além de tudo isso, eu fiz uma promessa à Camila de nunca mais fumar. Ok, esse conceito se foi. Uma vez que me encontrava perdida num pensamento sem fundamentos e olhando o teto feito doida, a Ally apareceu na cozinha. Cantou um sonoro “bom dia” que me fez arrepiar. Nem me lembrei de responder.

- Que cara horrorosa é essa, Lauren? – Ela fazia todo o barulho que eu tive cuidado para não fazer na cozinha.

Ally sentou-se ao meu lado. Minha testa franziu ainda mais com o som insuportável da cadeira de alumínio sendo esfregada no chão. Agora, além do todas as coisas, minha cabeça também doía.

- Quer fazer menos barulho, Ally? Por Deus...

- O que foi? Por acaso você brigou com a Camila?

- Quê? Não!

- Pois parece. Essa sua cara de bunda logo cedo, ninguém merece.

- Está tão ruim assim?

Eu perguntei, afinal, não queria ficar desse jeito. Ally disse que parecia que eu não dormia por muitas horas. Realmente, apesar de ter acordado há poucos minutos, eu ainda me sentia cansada. Pode ser que isso explique meu mau humor matinal.

- Quando foi que você teve folga, em?

- Não faz tanto tempo, sinceramente...

- Seu problema é a falta de férias, então. – Ela afirmou e eu concordei piamente.

Pensei qual época do ano seria boa para pedir férias. Aproveitaria que estou no direito. Talvez em julho, no verão...

Ainda na mesa, Ally prosseguiu uma conversa cordial comigo. Ela me fez baixar a bola por que eu estava insuportável mesmo. Pena, isso mudou rápido... logo que saí de casa, o tráfico da cidade decidiu dar uma zombada com a minha cara. Acabei me atrasando para chegar no trabalho. Se tem uma coisa que eu odeio, essa coisa é não ser pontual.

Fui direto ao escritório de Anthony, o diretor. Havia perdido uns dez minutos da reunião, o que era suficiente para eu permanecer boiando no meio dos assuntos por um tempo. Foram relatados, até então, acontecimentos do mês passado até agora no hospital. O doutor Owen cochichou no meu ouvido, acho que ele viu minha cara de nuvem por estar avoada na temática que rondava a mesa.

Gráficos econômicos do hospital foram mostrados. Estávamos bem, financeiramente. Anthony mostrou suas metas. Mesmo estando tudo ótimo, ele queria que estivesse tudo excelente.

Nas últimas semanas, o número de pacientes aumentou. Recebemos pessoas aqui o tempo todo, temos até uma porcentagem. No mês anterior essa porcentagem cresceu, não sei quantos por cento. Com esse vai e vem de vítimas dos mais variados tipos de câncer, eu até me perco.

Projetos foram postos em mesa. Discutimos sobre os patrocínios que o hospital vem recebendo e uma notícia em especial chamou minha atenção. Provável que tenha sido o momento onde eu mais me expressei. No próximo mês, que é Março, uma nova sala seria aberta aqui: a sala de música. Música terapêutica, no caso. Uma melodia certa que promete ajudar os pacientes. Anthony disse que era um projeto mais voltado aos adolescentes que residem o hospital, mas também estava valendo para as crianças. Temos músicas às sextas-feiras quando os doutores da alegria estão aqui, mas não é bem um tratamento especial.

Todos foram liberados depois quase duas horas de reunião. Quis sair rápido, precisava buscar um café. Acho que eu teria sido a primeira a ir embora, mas Anthony Gargon chamou meu nome.

- Fique, doutora, preciso falar com você.

Então voltei a me sentar. No mínimo alguém iria ter de fazer mais plantões do que já faz...

A sala se esvaziou.

- Em que posso ser útil, diretor?

O homem elegante de terno cinza caminhava pela sala. Ele fechou a persiana e se sentou de fronte para mim.

- Tem umas semanas que eu preciso trocar umas palavras com você, doutora, mas nunca a vejo disponível.

- É... Tenho andado ocupada demais aqui no hospital. São muitos plantões, o senhor sabe. – Joguei essa na intenção de mostrar que não era o meu propósito me sentir escravizada.

- Perfeitamente. – Um breve suspiro. O diretor me encarou. – Bom, eu não queria ter que te dizer isso, mas é que a situação é delicada. Torço pela sua compreensão... Recentemente, Lauren, alguns funcionários se sentiram incomodados com algumas de suas atitudes e vieram aqui prestar suas reclamações. Prometi que falaria com você. Olha, eu não tenho nada a ver com a sua vida e não me sinto no direito de te questionar, mas pela metódica do hospital, sou obrigado...

- O senhor está me deixando curiosa. – Falei com sinceridade, apesar de já ter uma noção do que estava por vir.

- Tenho recebido queixas sobre você e uma outra pessoa. Para ser mais claro, alguém te viu aos abraços escondidos e...

- Eu nunca fiz isso na frente de ninguém, diretor, eu juro!

- E eu acredito em você, Lauren. As paredes têm ouvidos.

Me senti frustrada por um instante. Já abracei Camila aqui e também já a beijei, mas isso nunca aconteceu em público. Eu não sou louca de fazer isso! Primeiro por estar em ambiente de trabalho, segundo por ter respeito a cada um que habita esse lugar.

- Todas as vezes, que foram poucas, que isso aconteceu, eu estava em horário de almoço. Quem é que tem dito essas coisas? Camila e eu mal nos cumprimentamos com beijo no rosto aqui dentro!

- Não posso dizer quem contou, doutora... E que bom que tocou no assunto. A reclamação maior foi por ser com uma outra mulher. Ao meu ver, isso é comum. Fora que já disse que não tenho nada com a sua vida, certo? – Assenti. – Só que, infelizmente, nem todos tem uma mente circular, mas sim, quadrada.

- Eu vou dizer que entendo, mas nunca vou poder entender a cabeça dura dessas pessoas. Isso não vai voltar a acontecer.

Fiquei indignada! É cada coisa que me aparece. Eu estava estressada demais e todas essas coisas contribuíram. Que bom que aproveitei meu tempo com Anthony Gargon e perguntei das minhas férias. Nenhum dia ficou combinado, só que ele disse que concordava com a minha ideia de ter merecidas férias. Isso significa que, em breve, eu vou poder descansar.

 

Passei longas horas me contentando apenas com café amargo. Na minha cabeça os pensamentos não estavam sendo filtrados direito, doía demais. Dava pontadas cada vez mais fortes. Sobrou para quem estava ao meu redor. Não medi sermões. Dei bronca em todo mundo que mereceu. De fato, eu sabia ser grossa, mas, diferente de antes, isso me incomodava agora, então eu acabava me desculpando no final. Isso é pressão e cansaço. Espero de coração acordar melhor amanhã.

Sei que é minha escolha. Me tronar médica foi a maior realização da minha vida e eu amo essa profissão tanto quanto amo a mim mesma. Se eu voltasse no tempo, faria tudo de novo. Mas, humanamente, nos sentimos esgotados. Estudar medicina é um feito acima do fantástico. Desde o começo até o final. A partir do momento que temos um papel e uma caneta na mão para fazer anotações garranchosas numa sala de aula, até a hora que andamos para cima e para baixo com um estetoscópio, buscando a solução para salvar uma vida. Se dobrando em dois, três, doze para ajudar um desconhecido. Isso fez-me apaixonar.

Apesar disso, todos precisamos de um dia nosso. Só nosso. No meu caso, preciso de um mês inteiro, acho... mas está valendo ainda. Eu sei que todo o meu gás para com o trabalho voltaria quando meu corpo estivesse relaxado; quando meu espírito pudesse descansar. E, pensando nesse lado, quero um tempo para mim justamente por saber que acarretaria num bom resultado no trabalho. É, devo viver em função disso mesmo.

Quando a tarde foi caindo lentamente, recebi uma mensagem de Camila. Começou com um convite para beber um vinho e terminou com uma recusa da minha parte. Ela não gostou, mas precisava entender. A encontrei no hospital depois de uns trinta minutos. Devo ter sido meio seca no telefone. Ela me evitou e eu vi graça. Ah... não era culpa minha. “Nem culpa dela”, era o que dizia a consciência. Fechei meus olhos por um segundo, como se não houvesse gente ao meu lado, e puxei o ar por inteiro. Chamei Camila para ir até o estacionamento comigo e, sem dizer um “A”, ela concordou.

- Desculpe, tá? Eu estou tendo um dia difícil.

- Eu tenho vários dias difíceis e nunca descontei nada em você, não é? – Sua resposta veio como uma rajada de tapas.

- É. Você está certa, amor. Desculpe.

Camila respirou fundo. Seu rosto não tinha muita expressão. Carregava leves olheiras e ainda tinha a boca meio apagada. Eu perguntei se estava tudo bem e, notei que ela hesitou, mas rendeu-se a um abraço meu. Foi sua resposta, aquele gesto. Seus olhos terminaram marejados.

- A Sofia...

- Ei... Olhe para mim. – Deixei um beijo em sua testa e logo a lembrança da bronca que levei do diretor veio à tona. – Está tudo bem. – E dei outro beijo, mas na boca, por que eu sabia que Camila precisava do meu carinho e nenhuma reclamação preconceituosa vai tirar isso dela.

- Estou aflita, Lauren. Ela tem piorado, eu sei disso. Você sabe.

Gostaria de dizer que estava errada, só que eu mentiria. A poupei de palavras e apenas deixei meu abraço mais forte. Era tudo o que eu poderia fazer agora.

De repente eu me esqueci do dia que tive. O único problema que queria resolver era o de Camila. É que eu a amo tanto que não consigo colocar um contratempo meu antes de um contratempo dela. É que eu a amo tanto que é como se o seu mal revestisse a mim também.

Então eu disse que tudo se acertaria.

Daí ela perguntou se eu prometia.

Eu prometi.



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