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História Llorando por dentro. - Enterrar o passado.


Escrita por: sientejc

Notas do Autor


Então, mores, esse é o primeiro capítulo com POV do Fernando. Esse capitulo vai ser um pouco curto, porque na verdade, eu quis deixar o "tchan" pro próximo capítulo hahaha. Mas uma vez, obrigada por todos os comentários e elogios. Espero que estejam sofrendo e gostando, do mesmo jeito que estou sofrendo e gostando de escrever.

Capítulo 4 - Enterrar o passado.


Acordei com uma dor de cabeça insuportável e uma indisposição que nunca imaginei que seria capaz de sentir. A noite de ontem com certeza tinha grande responsabilidade por isso. A imagem de Fernando agarrado à outra ainda estava em minha cabeça, como um filme interminável, que se repetia cada vez que acabava.

Ainda tonta e com a cabeça a mil, me levantei disposta a enfrentar mais um dia de trabalho. Mesmo sabendo que seria impossível me concentrar em qualquer outra coisa, ao não ser em descobrir quem era a mulher que Fernando beijava.

Cheguei à empresa sem animo de cumprimentar ninguém, e sem a mínima força de fingir que estava de bom humor. Entrei a minha sala e sentei em minha cadeira, e inevitavelmente olhei com raiva para a sala de Fernando. Meu sangue ferveu só em relembrar tudo o que aconteceu na noite passada. Estava prestes a desabafar tudo o que eu havia guardado, quando ouvi assovios e um burburinho vindo do hall. Revirei os olhos, e liguei o computador com tanta força que por um triz não afundei o botão.

- Bom dia, Dona Letícia! – Ele respondeu excessivamente animado. – Chegou cedo hoje.

Sínico.

- Bom dia, Seu Fernando. – Respondi com os dentes cerrados, sem olha-lo. – Eu não cheguei cedo, o senhor foi quem passou do horário.

- Atrasado? – Perguntou confuso.

- Sim, atrasado. – Respondi, ainda olhando para a tela do computador. Estava com tanta raiva que se eu olhasse, poderia fuzilá-lo com os olhos.

- Mas ainda são oito horas e cinco minutos. – Se defendeu.

- Exatamente. – Finalmente o olhei. – O expediente começa às oito.

- Mas são só cinco minutos de atraso. – Respondeu irritado.

- Não deixa de ser um atraso. – Disse tentando me conter. – Talvez, se ao invés de se entregar à bebedeira, o senhor fosse para sua casa descansar, não teria problemas com o horário.

Eu sabia que estava misturando o profissional com o pessoal, e eu não me orgulhava disso. Mas era inevitável. Eu simplesmente não conseguia digerir com maturidade o fato de que Fernando havia voltado a ser o que era antes. Voltou a ser o Fernando de antes de mim.

- Perdão, Dona Letícia. – Ele disse ainda irritado. – Isso não vai se repetir. As minhas noites não irão mais interferir. – Colocou as mãos no bolso. – Com licença.

A passos largos, ele se dirigiu a sua sala, e eu o acompanhei com o olhar. Definitivamente, ter Fernando como meu assistente seria mais difícil do que imaginei.

 

 

 

Fernando

 

 

Que diabos deu nela? Por que esse mau humor repentino? E como ela sabia que eu saí ontem a noite? Letícia estava estranha, e eu ainda sabia perfeitamente bem quando algo a incomodava. Mas não competia a mim saber o que se passava com ela. Esse cargo é do Aldo Domenzaín.

Ainda irritado com a situação de minutos antes, sentei pesadamente em minha cadeira, e liguei o computador. Estava prestes a iniciar as minhas atividades, quando a ouvi chamar meu nome.

- Seu Fernando! – Ela gritou de sua mesa.

Imediatamente me levantei, e segui em direção a sua sala, me posicionando em frente a sua mesa, com as mãos para trás.

- Pois não? – Respondi sem fazer muito caso.

- Em alguns minutos teremos uma reunião com os clientes da marca de refrigerante. – Ela disse sem me olhar. – Como meu assistente, a sua presença é imprescindível.

Eu assenti com a cabeça, mesmo que ela não pudesse ver, por não estar me olhando.

- Esses são os clientes mais exigentes que recebemos em anos, então é melhor que o senhor se prepare. – Ela finalmente me olhou. – Aqui está uns relatórios com os detalhes de tudo o que foi pedido e exigido no comercial. – Disse me entregando uma pasta. – Recomendo que o senhor estude, para estar à par de pelo menos uma parte de tudo.

- Obrigada! – Disse pegando a pasta de suas mãos. – Mas alguma coisa?

- Por enquanto, não. – Disse voltando sua atenção ao computador.

- Com licença. – Me retirei de sua sala.

Era estranha a maneira com a qual nos tratávamos, mas definitivamente, era melhor assim. Eu voltei pela empresa do meu pai, e a empresa do meu pai é o único assunto que devo ter relacionado à Letícia.

Revisei tudo o que estava escrito naquelas folhas, e de fato, Letícia tinha razão. Os relatórios eram excessivamente bem detalhados, e as exigências eram inúmeras. Definitivamente, aquela reunião seria insuportável.

Eu ainda revisava os últimos detalhes do relatório, quando Letícia chamou minha atenção.

- Seu Fernando, a reunião começa em cinco minutos. – Gritou. – O senhor não vem?

- Em alguns segundos, Dona Letícia. – Respondi no mesmo tom, para que ela pudesse ouvir.

Reorganizei minha mesa que até então estava cheia de documentos, papeis, orçamentos, balanços e relatórios, e segui em direção à sala de reuniões. Todos já estavam lá, inclusive Omar, que costumava se atrasar em todas as reuniões, ou qualquer coisa que não fosse relacionado à Carolina ou alguma farra. E isso só confirmou o quanto aqueles clientes eram exigentes. Com um manuseio de cabeça os cumprimentei, e me sentei ao lado de Letícia. Ela estava notavelmente nervosa, e eu me surpreendi que mesmo depois de tanto tempo, ela ainda não tinha aprendido a lidar com o nervosismo de falar em publico.

- Bom dia à todos! – Letícia disse sorrindo.

- Bom dia! – Respondemos em uníssono.

- Como já é do conhecimento de todos, essa reunião é para reajustar todos os detalhes do nosso próximo comercial. E é uma honra para todos nós, realizar o comercial da melhor e maior marca de refrigerantes do país.

Os clientes não fizeram ao menos questão de sorrir em agradecimento. Estavam com a cara amarrada, como se tivessem sido obrigados a estarem lá.

- Os senhores deram as sugestões e exigências, e acatando todas elas, pensamos em fazer um comercial com gêneros mesclados. Como se trata de uma marca de refrigerante, um comercial formal e serio não atrairia a atenção do publico. Então o melhor a se fazer é abusar da informalidade, sem perder elegância da formalidade.

Os clientes se mantiveram em silencio, e trocando olhares entre eles, assentiram.

A reunião seguiu, e eu realmente me dei conta de quantas saudades eu estava sentindo de realizar o meu oficio. Em poucos minutos de reunião, eu consegui me entreter em todos os detalhes, como se eu nunca tivesse deixado a empresa. Eu e Letícia concordávamos em tudo, na maioria das vezes, e isso me fez lembrar os velhos tempos.

- Bom, acho que estamos acertados. – Letícia disse animada.

- Sim, acho que estamos. – Um dos clientes, por fim, disse alguma coisa. – Eu espero que vocês consigam alcançar as nossas expectativas.

- Eu tenho certeza que conseguiremos superá-las. – Letícia disse confiante. – A Conceitos é uma grande casa produtora, e somos sempre impecáveis em todos os trabalhos que nos é confiado.

- Isso não cabe à senhora, Letícia. – Um dos clientes disse. – Dizer que a empresa realiza um bom trabalho ou não, cabe aos clientes, e não à presidente da empresa.

Letícia abaixou a cabeça, envergonhada, e eu senti meu sangue ferver. Sem pensar em que consequências isso poderia gerar, tomei as dores de Letícia para mim.

- Mas as palavras da Dona Letícia estão baseadas no que ouvimos de todos os nossos clientes. – Disse olhando diretamente para o cliente que se ousou a responder Letícia daquela maneira. – Afinal de contas, se os senhores recorreram aos nossos serviços, é porque sabem que o realizamos com perfeição, não é?

Todos a mesa olharam para mim, inclusive Letícia, que me olhava admirada e agradecida. Os clientes não se ousaram a me responder, e apenas trocando olhares entre si, assentiram. Luigi falou sobre algumas de suas ideias para o comercial, e os clientes pareceram satisfeitos com as propostas que lhes foram apresentadas. Preferimos usar aquela reunião para falar de tudo, inclusive sobre os assuntos que seriam tratados apenas na próxima reunião, e por isso, decidimos que a ultima reunião não seria necessária. A reunião acabou mais tarde que o previsto, mas ao menos, havíamos nos livrado de mais uma reunião com eles.

- Eu acho que iria explodir se tivesse que lidar com eles por mais tempo. – Letícia disse entrando na sala, e eu a acompanhei.

- Quando a senhora disse que eles eram exigentes, não imaginei que eram tanto. – Me aproximei de sua mesa. – Para ser sincero, eu não imaginei que eles eram tão insuportáveis.

Ela me olhava, enquanto sentava-se em sua cadeira.

- Pelo menos não teremos uma próxima reunião com eles, não é? – A olhei, e ela assentiu sorrindo. – Bom, se não precisa mais de mim, eu vou voltar para a minha sala.

- Não, não preciso. – Ela ainda me olhava da mesma maneira, desde a reunião.

- Então, com licença. – Disse lhe dando as costas.

- Espera, Seu Fernando. – Ela disse, antes que eu entrasse em minha sala.

Eu voltei para frente de sua mesa, e a olhei curioso.

- Obrigada por... – Ela abaixou a cabeça, envergonhada. – Por ter me defendido dos... o senhor sabe... por ter me defendido deles.

Eu não queria tê-la defendido. Na verdade, eu queria que a maneira que aquele homem a tratou, não causasse nenhum efeito sobre mim. Mas não era assim. Embora eu tivesse mudado, eu não admitiria que Letícia fosse destratada por quem quer que seja, em minha frente, mas ela não precisava saber disso, e nem iria saber disso.

- Não me agradeça, Dona Letícia. – Coloquei as mãos no bolso, desviando os meus olhos de seu olhar. – Eu defenderia qualquer pessoa ali naquela mesa, afinal, eles fizeram pouco caso da empresa do meu pai, da minha empresa. É o meu dever defender a honra da Conceitos, de quem quer que seja.

- Ah... é claro. – Ela disse desapontada.

- Com licença. – Disse sem olha-la, caminhando até minha sala.

Ela não me respondeu, e eu agradeci por isso.

Sentei-me pesadamente em minha cadeira, e analisei os papeis em minha mesa. Fez-se um silencio em minha sala, e por alguns segundos, tive a impressão de ouvir soluços. Ainda sentado, arrastei a cadeira até a porta, e encostei meu rosto ali. Os soluços se intensificaram, e eu logo deduzi que Letícia estava chorando. Senti meu coração se romper, e uma vontade quase incontrolável de abraçá-la, mas me contive. Não cabe a mim o dever de consolá-la ou de tentar animá-la, caso ela não esteja bem. Ao contrário de mim, Letícia tem quem a console quando ela estiver mal. Ela tem quem a abrace quando ela precisar de apoio. Ela tem alguém que a ama na mesma intensidade que ela. Ela tem tudo o que eu não tenho, tudo o que eu perdi.

Com muita dificuldade, consegui me concentrar no meu trabalho. A lembrança de que a noite eu teria um encontro com a Susanna me animava, e me animava muito. Eu sabia perfeitamente que aquela vida cujo eu estava levando, no fundo, era vazia e superficial. Mas foi o que me restou. Foi o que me ajudou a me reerguer. Foi o que me impediu de me lançar em um abismo.

A manhã passou, e logo chegou o horário de almoço. Diferente dos últimos dias, meu estomago estava roncando e clamando por comida. Sai da minha sala, e por sorte, Letícia já havia saído da sua. Com certeza eu iria fraquejar se a visse com os olhos vermelhos e marcados pelas lágrimas. Segui pelo hall, e cumprimentando todas as meninas do quartel, fui até a sala de Omar.

- Irmãozinho! – Ela disse animado ao me ver entrar em sua sala. – Que saudade ver você entrando em minha sala, sem bater. – Ele se aproximou me puxando para um abraço.

- Sai para lá, Omar. – O empurrei. – Respeita o  meu espaço vital.

Omar riu, e se afastou.

- Eu vim te chamar para almoçar, mas estou com medo de você me agarrar na mesa. – Disse ajeitando meu paletó.

- Por favor, Fernandinho. – Ele disse sorrindo. – Eu não estou com tanta saudade assim, para chegar a esse ponto.

Eu definitivamente, estava com muita saudade de tudo.

- Então vamos? – Eu perguntei.

- Vamos! – Ele respondeu.

 

 

 

 

 

- E então, como estão as coisas? – Omar perguntou.

- Que coisas? – Perguntei confuso.

- Como assim, “que coisas”? – Omar me olhou indignado. – Foram dois anos sem te ver, sem receber um telefonema ou uma carta. Eu cheguei a pensar que você estava morto.

Eu não me orgulhava em fazer o que fiz. Durante dois anos, eu praticamente esqueci a minha família e os meus amigos. Mas, qualquer coisa que fosse relacionado ao meu passado, me levaria até alguma lembrança de Letícia, e isso era o que eu menos queria.

- Eu sei, Omar, e te peço desculpas por isso. Mas você sabe bem porque eu fui embora, e ligar para qualquer um de vocês, não me ajudaria muito. De certa maneira, vocês me lembram a empresa, e a empresa me lembra... – Deixei a frase morrer.

- E como você está agora? Conseguiu esquecê-la? – Perguntou bebendo um gole de seu suco.

Eu gostaria de dizer que sim, e que Letícia se tornou apenas uma na minha vida. Mas eu sabia que não era verdade. Letícia ainda rondava meus pensamentos, e eu acho que isso não mudaria nunca.

- Pela sua demora em responder, eu já vi que não. – Omar sorriu.

- Letícia foi importante para mim, Omar. Com ela eu descobri sentimentos que eu nem sabia que existia, e nunca pensei que seria capaz de sentir. Letícia me levou ao céu e ao inferno em um curto espaço de tempo. – Disse sincero. – Não é possível esquecer uma pessoa que me marcou tanto, em apenas dois anos.

- Se ainda sente tudo isso por ela, por que voltou? – Disse apoiando os cotovelos a mesa, escorando-se nela.

- Porque eu preciso provar a mim mesmo que eu já superei tudo isso, Omar. Eu aprendi a conviver com a ausência de Letícia. Eu já consegui me convencer de que ela tem outro, e que escolheu ser feliz ao lado dele. – Disse nervoso. – Eu demorei muito, Omar. Eu demorei muito para me acostumar com a ideia de que a perdi para sempre, mas eu consegui. Eu consegui amortecer tudo o que senti por ela, e eu precisava fazer a prova dos nove. Se eu passasse o resto da minha vida fugindo dela, eu nunca iria saber se de fato, eu consegui superar.

- E como tem se saído com a prova dos nove? – Omar sorriu maroto.

Horrivelmente mal. Por mais que eu quisesse dizer e sentir o contrário, estava sendo mais difícil do que imaginei tratá-la daquela maneira. Embora eu ainda estivesse muito magoado com ela e com tudo, eu ainda sentia algo muito forte por Letícia. O meu amor por ela estava adormecido, mas não estava morto, e a cada vez que eu me aproximava dela, esse amor se mexia inquieto na cama, prestes a acordar.

- Eu não sei, Omar. Ainda é cedo para dizer. – Menti.

- Ah, irmãozinho. A quem você quer enganar? – Ele riu. – Esqueceu que sou seu melhor amigo. Eu sei muito bem que o que você sente por Letícia ainda é tão forte quanto antes, e isso ficou muito claro quando você a defendeu dos clientes hoje pela manhã.

- Eu faria isso por qualquer pessoa. – Me defendi.

- Por favor, irmãozinho. – Omar ergueu seu tronco, tirando os braços da mesa. – Você faria isso pelo Luigi? Por mim? É claro que não. – Sorriu, apontando seu dedo indicador para mim. – Você pode não ter percebido, mas você ficou vermelho como um tomate quando aquele homem falou com a Lety daquela maneira. Por alguns segundos, achei que você o expulsaria da empresa a base de chutes e socos.

Por mais que eu não quisesse ouvir e dar o braço a torcer, Omar estava completamente certo. Eu senti uma raiva incontrolável quando ouvi Lety sendo tratada daquela maneira, e me doeu ainda mais ter que dizer para ela que eu fiz pela empresa. Eu fiz por ela. Fiz porque mesmo ela sendo a causa das minhas noites mais escuras e sombrias, mesmo ela sendo a chave que desencadeou todo o meu sofrimento, eu não suportava vê-la sofrer. Eu não suportava vê-la triste.

- Omar, o importante é que estou seguindo a minha vida. Eu consegui me acostumar, e eu não vou me permitir voltar a sofrer por Letícia. E você quer saber de uma coisa? Eu voltei a dormir com uma mulher diferente todos os dias da semana, e estou muito bem assim. – Respondi irritado. – É como dizem por aí: se eu não tenho a mulher certa, eu fico com as erradas.

- Mas nenhuma dessas “mulheres erradas”, vai conseguir preencher o vazio que você sente ai dentro. – Ele apontou para o meu peito.

Eu odiava ter o Omar como meu melhor amigo, pelo simples fato de ele me conhecer tão bem quanto eu mesmo. Ele me dizia as verdades mais cruéis e mais necessárias. Ele dizia tudo o que eu não gostaria, mas precisava ouvir.

- Bom, mas eu estou bem assim, Omar.

- Se você diz... – Ele sorriu.

Eu e Omar continuamos conversando sobre vários assuntos aleatórios. Eu contei um pouco sobre a minha vida no Brasil, e ele me contou sobre seu relacionamento com Carol, que parecia estar indo muito bem. Era engraçado ver a maneira como ele descrevia o que sentia, como se fosse a coisa mais absurda do mundo. Ele dizia que desde que começou a namorar Carolina, ele sentia que não precisava de mais ninguém. Eu sorria ao ouvir tudo o que ele dizia, e inevitavelmente lembrei que eu já senti isso um dia. Eu já senti todas aquelas borbulhas no estômago. Eu sabia muito bem o que era perder o sono por sentir saudades, e quando finalmente conseguia pegar no sono, sonhava com ela. Eu sabia o que era me sentir vazio com sua ausência, mas conhecia perfeitamente a sensação de me sentir transbordar todas as vezes em que ela me beijava.

O horário do almoço acabou, e ainda conversando, Omar e eu seguimos para a empresa. Era realmente maravilhoso ter um melhor amigo para desabafar. Depois de tanto tempo sozinho, em um país diferente, eu havia me esquecido o que era ter alguém com quem me abrir.

Chegamos à empresa, e Omar foi diretamente para a sua sala, e eu para a minha. Letícia já estava lá, e nem ao menos levantou a cabeça para me cumprimentar. Preferi não me martirizar com o motivo de sua suposta mudança de humor. A conversa com Omar ainda perturbava meus pensamentos, e eu já estava começando a me sentir sufocado. Embora tudo o que Omar me disse era verdade, eu não poderia permitir que tudo o que eu senti viesse à tona. Eu precisava esfriar a minha cabeça. Eu precisava de uma linda mulher ao meu lado, e uma boa dose de uísque. E eu sabia muito bem a quem recorrer.

Peguei meu celular, e discando um número que m muita dificuldade consegui lembrar, liguei. Não demorou muito para que eu ouvisse uma voz conhecida do outro lado da linha.

- Alô? – Disse galanteador. – Susanna?

- Sim, sou eu. – Ela respondeu sorrindo. – Fernando?

- É claro que sim.  Estava esperando a ligação de outra pessoa? – Fingi estar ofendido.

- Mas é claro que não, seu bobo. – Ela disse rindo. – Ainda vamos nos ver hoje à noite, certo?

- É claro, boneca. Estou ligando para confirmar. – Me levantei, encostando-me a parede. – Às oito e meia, certo?

- Certo! – Respondeu satisfeita. – Onde nos encontramos?

- Não se preocupe. Eu pego você aí na sua casa, quero dizer... não na sua casa com seus pais ai. – Sorri malicioso. – Você me entendeu.

Ela gargalhou.

- Até às oito e meia. – Eu disse.

- Até. – Ela respondeu.

Desliguei o telefone, e me sentei mais uma vez, mas não por muito tempo. Antes de eu me acomodar por completo na cadeira, Letícia me chamou.

- Seu Fernando, eu preciso que me acompanhe até a sala de produções. – Ela disse autoritária. – É claro, se o senhor puder.

Ela estava notavelmente irritada, e eu juro que não sabia o porquê.

- É claro. – A olhei desconfiado.

- O senhor já fez os orçamentos do comercial da joalheria? – Perguntou sem me olhar.

- Sim, está pronto.

- Traga-o, por favor.

Ainda sem entender o motivo pelo qual ela estava me tratando assim, segui para a minha sala, pegando o balanço que ela pediu.

- Aqui está. – Disse entregando o balanço.

- Obrigada! – Pegou o balanço da minha mão, deixando em sua mesa. – Vamos? – Disse se levantando.

- Não vai verificar o balanço? – Perguntei confuso.

- Depois. – Disse passando por mim, saindo de sua sala.

Juntando todas as forças e paciência que havia me restado, respirei fundo e a segui até a sala de produções. Um comercial estava para ser gravado, e ao que parece, Luigi havia chamado Letícia para pedir sua opinião para os últimos detalhes.

A sala estava um burburinho insuportável, e  mulheres conversando de uma só vez. Elas usavam apenas um roupão, e estavam uma ao lado da outra, prontas para serem avaliadas. Luigi chamou a atenção de todas, e logo todas se calaram. Como Luigi mandou, todas elas tiraram os seus roupões, revelando uma lingerie.

- E então, minha rainha. – Luigi disse olhando para Letícia. – Qual das delas usaremos para o comercial de peça interior?

Letícia olhou por um tempo para as modelos, e depois de avaliá-las, olhou para mim.

- O que o senhor acha, Seu Fernando? – Disse cruzando os braços.

- Eu? – Perguntei assustado.

- Sim, o senhor. – Ela voltou a olhar para as modelos. – Eu o chamei por algum motivo, não é mesmo? O senhor tem experiência com modelos. Não conheço ninguém mais capacitado que o senhor para escolher uma modelo para esse tipo de comercial.

Eu juro que senti uma pontada de ironia em suas palavras, mas preferi não dizer nada. Não queria que uma discussão com Lety destruísse meu animo de sair com a Susanna.

Cruzando os braços, olhei de uma a uma, detalhadamente. Todas elas eram muito bonitas, e deixava qualquer um em duvida. Depois de uns minutos alternando meu olhar entre duas que mais me chamaram atenção, escolhi uma delas.

- Eu acho que a terceira é a melhor para o comercial. – Disse apontando para uma loira, que sorriu estranhamente para mim.

- Eu já acho que a quinta é a melhor. – Ela respondeu sem me olhar. – Você! – Ela apontou para a quinta modelo, que mesmo sendo uma mulher muito bonita, não conseguia superar a loira. – Você é a escolhida para o comercial.

Para que raios ela pediu minha opinião, se a ignorou completamente? Nem ao menos justificou o motivo de ter achado a quinta modelo mais bonita. Respirei fundo tentando conter toda a minha irritação, me mantive em silencio.

- Agora falta o mais importante. – Luigi disse batendo palminhas. – A cor da lingerie.

Letícia voltou a me olhar, indicando que eu desse a minha opinião. Cruzeis o braços impaciente, e analisei os detalhes da modelo escolhida, e por fim dei minha opinião.

- Eu acho que uma lingerie preta seria ideia. – Disse decido. – O tom de pele dela é bem claro, por isso, um uma lingerie branca não vai se destacar, e...

- Eu acho que uma lingerie vermelha é ideal! – Ela disse me interrompendo.

Senti meu sangue ferver com a maneira que estaca se portando, e não conseguindo me conter, acabei caindo no jogo dela.

- Uma lingerie preta é o ideal para o comercial. – Disse irritado. – Vai ficar perfeito com o tom de pele dela.

- A vermelha é bem mais sofisticada, e o contraste que a lingerie terá com a cor de cabelo dela, ficará incrível.

- Preta! – Gritei.

- Vermelha! – Ela também gritou, dando um passo a frente, me encarando de cabeça erguida.

- Chega! – Luigi gritou, se colocando no meio de nós dois. – Vocês vão me deixar maluquinha assim. – Colocou as mãos na cintura. – Entrem em um consenso, por favor.

- Como presidente da empresa, acho que a minha opinião tem um peso maior. – Ela cruzou os braços, sorrindo vitoriosa. – Então, será a vermelha.

Eu não acredito que ela estava usando o cargo para que sua opinião se sobressaísse. Sem a mínima paciência, coloquei uma das mãos na testa, e outra na cintura, enquanto sustentava o peso do meu corpo em uma das minhas pernas.

Luigi nos olhou estranhamente por alguns segundos, e enquanto murmurava algo que não me interessei em tentar entender, ele se afastou. Letícia olhou para mim, sorrindo vitoriosa, e se preparou para se afastar, mas eu a impedi.

- Por que raios a senhora pediu minha opinião, se as ignorou? – A puxei pelo braço, completamente irritado.

- Eu apenas pedi a sua opinião, não disse que as usaria. – Puxou seu braço com veracidade. – Não tenho culpa se temos opiniões opostas.

Suspirei impaciente, e a encarei com raiva, prestes a explodir. Estava tão irritado que não achei que seria uma boa ideia ir com ela para sala, então continuei na sala de produções, assistindo a gravação do comercial. Tudo havia ficado impecável, e quando a gravação acabou, voltei para a minha sala.

Letícia estava sentada de cabeça baixa analisando um papel, que provavelmente era o balanço que eu lhe havia entregado mais cedo. Ainda irritado, caminhei pesadamente em direção da minha sala, e quando estava com as mãos na maçaneta, ela me impediu de abrir a porta.

- Seu Fernando, pode vir aqui, por favor? – Ela perguntou, ainda olhando para os balanços.

Lentamente soltei a maçaneta, e na esperança de extravasar a raiva, a apertei, quase a amassando. Suspirando alto, caminhei lenta e pesadamente na direção da mesa de Letícia, parando de frente para ela.

- Quero que refaça os balanços. – Ela jogou os papeis na mesa, sem me olhar.

- Mas por quê? – Perguntei pegando os balanços de cima da mesa. – Eu os revisei quatro vezes, e eu tenho certeza que está tudo certo.

- Eu não disse que estava errado. – Ela me olhou finalmente, colocando os braços em cima da mesa, entrelaçando seus dedos das mãos.

- Se está tudo certo... por.que.eu.tenho.que.refazer? – Perguntei pausadamente com os dedos cerrados.

- Eu não gostei do modo que você organizou, está muito confuso. – Disse cruzando as pernas.

- Mas eu sempre formatei dessa mesma maneira. – Disse balançando os papeis em sua frente.

- As coisas mudaram por aqui, Seu Fernando. – Ela sorriu irônica.

Ainda com o papel em minhas mãos, cerrei os punhos, amassando o balanço. Cerrei os dentes, e senti minhas veias saltarem do meu pescoço. Letícia estava fazendo um jogo comigo, e mesmo sem saber onde ela queria cegar com tudo aquilo, eu não iria admitir que os nossos problemas pessoais afetassem na empresa do meu pai.

- Escuta aqui, Dona Letícia. A senhora pediu o balancete, e eu o fiz. Ele está aqui, sem nenhum erro, mas se a senhora acha que ele não está bom, ok... eu o refaço. – Disse tentando manter a calma.

- Ótimo! – Ela sorriu, cruzando os braços.

- Mas eu não vou permitir que os nossos problemas pessoais afetem na empresa, ou no andamento dela. Se a senhora está incomodada coma minha presença aqui, ótimo, eu saio mais uma vez. Eu abro mão da empresa do meu pai mais uma vez. Eu abro mão do que eu lutei para reconquistar. – A olhei no fundo de seus olhos, e suspirei. – Eu já estou acostumado a abandonar tudo por sua causa.

Seu sorriso se desfez, e ela me olhou com os olhos marejados.

- Eu só peço que, por favor, seja lá o que a senhora tem contra mim, não deixe que isso afete na empresa e na vida de quem trabalha aqui. – Caminhei até a minha sala, mas parando a porta, a olhei mais uma vez. – Eu já superei o que vivemos, não vai ser difícil para a senhora fazer o mesmo. Afinal de contas, quando a senhora se casou com o Aldo, a senhora estava disposta a deixar o passado para trás, não é mesmo?

Ao dizer essas palavras, a deixei sozinha, e entrei em minha sala. Quase afundando a cadeira, me sentei pesadamente, passando as mãos no rosto. As palavras que eu havia acabado de dizer doíam mais em mim que nela mesma, mas eu precisava fazer o que fiz. Eu precisava convencer não só a ela, mas a mim mesmo, que o nosso ficou para trás.  

O restante das horas praticamente se arrastou, e eu não consegui me concentrar em mais nada. Tudo o que eu queria era que chegasse finalmente ás oito e meia, onde finalmente, eu encontraria com a Susanna, e junto à ela, eu jogaria mais um punhado de areia no meu passado com Letícia.

 

 

 

 

 

 

 

 


Notas Finais


Obrigada!


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