História Look to the other side - Avançar

Eu nunca esperei tanto para o início da semana quanto eu esperei por esse. Havia acordado em plena madrugada quando algo me martelou a mente e me fez suar. Tinha sonhada que Lucy tinha espalhado para a escola toda que eu era trans só pra eu entrar no maldito grupo de apoio ao Sr. Collins.

Eu estava suando e depois de ter imaginado todos aqueles olhos me encarando como um ser estranho, não foi possível voltar a dormir. A inquietude da minha mente me sacudia de um lado para o outro.

Era horrível ter que encarar seu próprio corpo no espelho e perceber que ele não se encaixa na sua cabeça. Sim, eu deveria ser estranho. Os homônimos estavam agora fazendo mais efeito quando eu percebi pequenos pelos ao lado do meu rosto. Eram tão pequenos ainda, mas me fizeram passar mais tempo me avaliando do que o normal.

Foi bom ter iniciado a transição já tendo um nível bom de testosterona, isso fazia com que as injeções fizessem efeito mais rápido e eu não as tivesse que tomar com tanta frequência.

Eu só queria arrancar de mim esses peitos que literalmente não eram meus. Queria usar uma camiseta igual os garotos usam na aula de educação física ou sair correndo pela praia sem blusa. Era algo que eu sempre quis desde que fui imposto a ter que usar blusas o tempo todo.

Recebi uma mensagem de bom dia da Camila assim que saí do banho. Tive que sorrir e a responder o mais rápido possível. Tudo voltou a mente quando me olhei de roupão em frente ao espelho outra vez. O que Camila pensaria quando me visse assim? O que eu faria se ela me visse assim? Eu pensei que talvez nunca fosse estar pronto, mas que um dia eu teria um corpo mais próximo ao que eu deveria ter.

Não me vesti rápido. Estava um tanto quanto preguiçoso naquela manhã, mas ao entrar no carro do meu pai e ele partir em direção a casa da minha namorada, o meu ânimo voltou a crescer.

Camila estava linda com uma calça jeans, tênis, uma blusa com algo escrito na estampa e meu casaco por cima. Se despediu dos pais que outra vez como sempre acenaram para nós e então ela correu em nossa direção. Eu a esperando já com a porta aberta.

- Bom dia! – Camila disse animada.

- Bom dia! – Meus pais a cumprimentaram com a mesma animação. Eu sorrindo enquanto ela colocava seu cinto de segurança.

- Oi, Law. – Sorriu de volta pra mim. Seu sorriso era minha coisa favorita no mundo.

- Oi, Camz. – Ela sorriu mais largo e eu me senti flutuar por um segundo. Eu não esperei que eu mesmo fosse mover minha mão até a sua e a segurar enquanto ela respondia qualquer coisa para a minha mãe.

Percebi minutos depois que papai estava me olhando com um sorriso pelo espelho do carro. É claro que eu devo ter corado. Camila descansou a cabeça no meu ombro logo depois de deixarmos mamãe na floricultura.

Não houve muita conversa até o Colégio. Nós apenas nos despedimos do meu pai e ele seguiu seu caminho para o trabalho.

Camila voltou a puxar minha mão para a sua quando joguei a mochila sobre o ombro e caminhei ao seu lado. Estava tudo calmo e minha mente havia relaxado, mas ao dar os 3 primeiros passos para o primeiro corredor, olhos nos encararam como se fôssemos a nova atratividade do lugar.

Eu estava de volta ao meu nervosismo. A saliva mal descia minha garganta enquanto eu tentava não encarar ninguém, mas eles cochichando enquanto andávamos estava me fazendo querer correr para longe dali.

- Por que estão todos nos olhando? – Sussurrei para Camila e ela apenas deu de ombros. Continuou caminhando olhando para todos enquanto eu tinha meus olhos para os pés e para ela. O que infernos estava acontecendo agora?

Terceiro corredor. Aqui o barulho era maior e tudo o que vi espalhado nas paredes eram cartazes educativos de programas de igualdade de gênero que o Sr. Collins havia posto em prática no Colégio. Havia um enorme falando sobre transgeneros. Meu estomago revirou. Estavam todos nos olhando porque agora todos sabiam?

- Ai estão vocês! – Dinah gritou próxima a sala de música. Normani e Ally ao seu lado.

- Hey, vocês. – Camila soltou minha mão para abraçar as amigas e então eu só as ofereci um sorriso curto.

- E aí, Lawrence, vai apoiar quem? A Lucy disse que ia falar contigo. – Dinah pareceu sugestiva me fazendo ainda mais apreensivo sobre o motivo de estarem todos nos encarando.

- E-eu ainda não sei. – Falei quase me dando um próprio tapa. As garotas pareceram confusas. – Eu disse pra Lucy que pensaria sobre isso.

- Eu acho que você deve entrar. A Camila vai entrar, certo, Mila? – Perguntou agora encarando a amiga que apenas afirmou dando de ombros.

- Acho importante fazer parte do que apoia o melhor diretor que já tivemos em anos, então sim, meu voto vai pro Collins eternamente. – Falou suavemente animada.

- Por que não entra também? – Normani me cutucou o braço.

Por que eu não entro também? Seria simples ser apenas um garoto e estar ali para apoiar a minoria, mas o que Lucy estava querendo, era que eu entrasse e fizesse parte do todo o processo de palestras e discursos sobre como o Sr. Collins havia criado programas bons para mim ou sei lá o que. Eu teria de subir sobre um palco e abrir a boca para contar os meus medos e eu não estava pronto ainda. Não era assim que eu queria fazer. Não existia confiança o suficiente e sim, meu medo de perder o que havia conquistado até aqui ainda era maior.

- Eu vou pensar um pouco mais. – Sorri mais uma vez sem vontade.

- Mila, fala com o seu namorado pra ele correr com a gente. – Normani piscou para a amiga e Dinah deu um grito que talvez o Colégio inteiro tenha ouvido.

- Eu sabia que esse só podia ser seu grito. – Uma gargalhada atrás de nós revelou Harry e Louis se juntando ao grupo. – E aí, quem já preencheu o formulário da campanha? Vamos ter palestras na quinta, então queremos todos vocês lá vestindo a bandeira da gente. Cadê o casal sapatão da escola?

- Quem é sapatão? – Lucy surgiu do outro lado com a namorada. – Hey, todo mundo.

- Onde eu preencho o formulário? Nós todos vamos entrar. – Dinah puxou Normani para uma abraço de lado.

- Até o Lawrence? – Veronica elevou uma sobrancelha e todos me encararam agora.

- Ele vai pensar. – Camila revirou os olhos e me abraçou também.

- Eu pensei que fosse mentira quando me contaram, mas vocês estão namorando mesmo? – Harry gritou e agora talvez todo o Colégio estivesse esperando nossa resposta.

Lucy e Veronica desviaram o olhar com um sorriso desconfiado enquanto Dinah escondia o rosto no pescoço da Mani e sussurrava algo.

- Estamos namorando. – Respirei fundo ao responder. O sorriso que Camila me deu foi a melhor coisa novamente na minha manhã.

As garotas deram um grito contido enquanto Dinah puxava Camila bruscamente para um abraço carinhoso. Agora todos estavam rindo. É claro que eu estava vermelho, mas foi algo ótimo apresentar Camila como minha namorada.

- Eu sabia que você não ia ser tão lerdo, seu... Ahhh, Lawrence, vem aqui pra eu te abraçar também. Você toma cuidado, ein!? Não mexe com minha Mila não ou eu quebro você. – Dinah disse me puxando para o abraço também. Camila tinha o maior sorriso do mundo.

- Quem vai quebrar quem? – Troy perguntou ao se aproximar. Sua expressão era confusa a tanta falta de informação.

- O Lawrence e a Camila estão namorando. – Ally falou no tom mais fofo que alguém poderia usar na vida. Seu namorado também sorrindo como todo mundo.

- Mas, gente, já não era de se esperar? Eles viviam grudados. – Louis riu.

- Eu quem juntou eles. – Dinah bateu nas nossas cabeças divertidamente depois de nos liberar do seu abraço. Outra vez, eu deveria estar um pimentão daqueles mais vermelhos.

Sorte ou não, o sinal soou indicando o breve início das aulas. Antes de partir, todos os nossos amigos nos abraçaram comemorando nosso relacionamento e isso foi incrível. Pensei outra vez em como tudo esse ano estava sendo diferente do anterior. Como tudo nessa escola havia se tornado melhor. Em como tudo na minha vida parecia estar mudando depois de conhecer Camila.

Estávamos na mesma classe que Dinah e Normani e toda vez que encontrei seus olhares durante as primeiras aulas, elas pareciam querer vomitar arco-íris. Era engraçado também a forma que elas encaravam sua amiga.

Camila não estava mais se importando como antes quando corava toda vez que suas amigas sugeriam algo entre nós, mas acho que não era mais preciso, estávamos realmente em um relacionamento e ela parecia tranquila com isso, fora o fato de estar me olhando agora bem mais do que antes.

O intervalo chegou apenas para me sacudir. Havia outro debate no pátio principal e nele, ambos os candidatos à diretoria foram questionados sobre a situação dos transgeneros dentro do Colégio. Sr. Collins continuou defendendo as ideias já impostas por ele durante os anos, como o uso do nome social, uso do banheiro apropriado, tudo como já conhecíamos, coisa que foi bastante contrariada pelo Sr. Hans que realmente parecia nos abominar.

Eu disse nos abominar porque foi obvio o incômodo que suas palavras me causaram. Camila apenas apertou minha mão um pouco mais forte quando respirei fundo talvez deixando claro minha indignação as suas propostas. A maioria dos alunos que estavam do lado direito do pátio gritaram vaias para ele, mas outra parte pareceu apoiar suas ideias mesmo que aquilo nunca tivesse sido uma questão antes. Era claro que ele não poderia vencer e mesmo que eu tenha dito antes não me importar, eu não seria egoísta a esse ponto de pensar apenas em mim.

Meus pais poderiam pagar para que eu estudasse em casa, mas e sobre os outros alunos trans que não poderiam ter a mesma situação? Eles deveriam ser chamados por nomes que não lhes cabiam? Ou usar banheiros onde o sexo oposto frequentava só porque seu corpo não era o que deveria ser? Deveriam usar fardas para fazer a situação proposta pior? Eu não andaria por aí de saia. Era completamente ridículo.

Lucy esteve me encarando o tempo inteiro durante o pequeno debate de respostas ignorantes do pior candidato para direção desse Colégio. Eu pude sentir seus olhos em mim por grande parte do tempo. Foi como se ela esperasse que após aquilo eu corresse até ela e pedisse sua ajuda para entender como eu poderia ajudar na campanha do Sr. Collins, mas eu pensei e tinha muito em jogo agora, muita coisa que eu não queria perder e muitas questões as quais eu gostaria de falar com outras pessoas. Teria de refletir comigo e com pessoas mais próximas para entender quais próximos passos tomar para avançar.