-Zuho, ‘tá tudo bem? – Dawon chamou, tirando-me de meu transe.
-Estou sim, por quê?
-Parece estranho. Calado de mais.
-Eu sou calado de mais, esqueceu? –Respondi, agora o encarando.
-Certo, você que sabe. Mas nem percebeu que seu inferno astral faltou hoje?
Como assim? Rowoon não veio à aula hoje?
Não consegui lhe responder, o professor chegou na sala antes que eu pudesse me indagar sobre qualquer coisa. Química orgânica, até que não era uma matéria horrível de se estudar, porém ter que gravar nomenclatura logo nos primeiros tempos de segunda-feria não era algo que me alegrava. Abri nas ultimas páginas do meu caderno e comecei a rabiscar qualquer coisa até ter minha atenção tomada por Sanghyuk.
Ótimo, teríamos um trabalho em dupla para fazer, ou seja: eu faria tudo sozinho, enquanto Dawon mandava mensagem para quem quer que ele estivesse pegando. Comecei a copiar as questões tentando lembrar de qualquer coisa relacionada a matéria. No geral, não estava difícil, era fácil de resolver se sua dupla fosse prestativa e abrisse o livro para que você pudesse transcrever as respostas.
Tomei o celular de sua mão, trocando por um peso de quinhentas páginas de puro “conhecimento inútil” como meu amigo chamava. Graças a Deus, conseguimos terminar tudo antes do sinal tocar. Preenchemos nossos nomes e saímos da sala, agradecendo pela fila da cantina ainda estar vazia.
Por um momento pensei que seria algo bom ser liberado antes de todos, ter o pátio relativamente vazio para não fazer nada. Porém a vida nunca é como esperamos. Após comprarmos um salgado para nós dois – afinal, dinheiro não vem do além- nos sentamos em uma das mesas em baixo da sombra, onde se era possível ver tudo ano nosso redor. Infelizmente eu não queria ver o que estava a minha frente:
Hwiyoung, amigo do meu irmão mais novo, estava encostado na parede, aparentemente machucado com alguém parecendo estar gritando consigo. O garoto vestia um casaco pesado, mesmo estando quente de mais para tal. A sua frente o outro rapaz lhe levantava a mão e a cada ato era possível ver o menor se encolhendo. Medo.
Eu queria me levantar, fazer algo para ajuda-lo. Mas meu corpo permanecia estagnado naquele banco. Hwiyoung só foi deixado em paz após “apanhar” com um caderno na cabeça. Algo como um aviso? Haja dentro dos trilhos?
Eu gelei.
Sanghyuk percebeu meu estado.
O agressor na verdade era Seokwoo. Ele não havia faltado aula, mas sim maltratava a vida de outro aluno. Puxei Dawon para que se levantasse antes de que fossemos vistos, porém não fomos rápidos o suficiente.
Diferente do esperado, eu não tive minha gola puxada ou recebido nenhum soco ou até mesmo tido palavras ofensivas praguejadas em minha direção.
-Suma com isso da minha frente.
Rowoon finalmente havia me devolvido o Batman. Porém seu rosto estava estranho. Não parecia alguém que possuía o único objetivo de fazer meus dias um inferno. Não o respondi, apenas o observei andar para longe. Talvez eu nunca fosse capaz de entender o que se passava em sua cabeça, mas eu tinha coisas mais importantes para me preocupar. Olhei ao redor procurando por Hwiyoung, mas havia o perdido de vista.
O sinal tocou e todas as portas magicamente foram abertas. Intervalo, recreio, hora do lanchinho, como queira chamar. Caminhamos para o lado oposto ao de onde toda aquela multidão se aglomerava. Não tínhamos muito que fazer então apenas decidimos ir ao estúdio de música. Normalmente não deixavam alunos sem ser de alguma das atividades voltadas à área utilizarem o espaço, contudo, pelas audições ainda não terem ao menos sido divulgadas, a sala de ensaios estava vazia. –Pelo menos é o que desejávamos.
Abrimos a porta da sala repleta por isolamento acústico e não nos atrevemos a entrar. Não precisávamos ver o rosto da pessoa para saber o tamanho da paixão com a qual cantava.
Quando este dia acabar
Provavelmente vou voltar a ser desconfortável
Mas hoje, de qualquer jeito
Eu quero te dizer isso
Então apenas escute
Dawon parecia reconhecer a música. Não algo do tipo, já ouvi alguém cantando isso na rádio. Mas algo maior. Estava tocado e isso era mais do que perceptível.
O jeito que você chora, o jeito que sorri
O quanto isso significa para mim?
As palavras que eu queria dizer
As palavras que perdi a chance de dizer
Eu vou confessar
mesmo que soe um pouco estranho
Então escute, eu vou cantar para você
Cantar para você
-Vamos sair daqui. – Falou antes que eu pudesse ouvir o final.
-Por que?
-Só, vamos sair daqui. Essa música me traz lembranças que eu não gostaria de rever.
-Explique. – Me encostei na parede da escada, olhando meu relógio. – Ainda temos tempo.
-Quando eu fazia aula de canto. Eu, Youngbin, Inseong, Rowoon, Jaeyoon, na verdade foi assim que nos conhecemos, você veio de brinde em algum momento da minha vida. Então, um dia, quando éramos pequenos, antes dessa merda toda começar, Inseong cantou essa música com um colega nosso. Eu só... – ouvi sua voz falhar, isso não era algo normal. – Esquece, isso foi antes de nos conhecermos.
-Continua. – O encorajei.
-É só que essa música me remete a quando tudo era bonito ainda e todo mundo ria. Eu queria voltar pra essa época...
-E por que isso seria ruim?
-Porque...
Ouvimos o sinal novamente, estava na hora de voltar.
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