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História Lost Boys - Compromisso


Escrita por: fallenbnew

Notas do Autor


Gente ficou enorme, me desculpe! Se tiver erros, desculpe tb.

Boa leitura amores e comentem.

Capítulo 9 - Compromisso


Fanfic / Fanfiction Lost Boys - Compromisso

Aparentemente, o universo não concordava com esse beijo, porque a porta da frente se abriu com um estrondo naquele exato momento.

A voz da minha mãe nos chamou, vinda do hall de entrada. Austin e eu demos um pulo no sofá de susto, surpresos por aquela chegada tão repentina. Eu me sentei com as costas retas, ajeitando o cabelo, enquanto ele puxava o cobertor até o peito e se erguia, apoiando os cotovelos no sofá..

Olhei para ele de relance e vi que ele parecia um pouco constrangido, com as bochechas levemente cor-de-rosa. Era a primeira vez que eu via alguma cor no rosto dele. Ele estava sempre pálido como um cadáver! Talvez isso fosse normal para fantasmas.

Mas e agora? Austin era humano?

Minha mãe entrou na sala carregando um monte de sacolas de compras. Ela deve ter encontrado as únicas lojas da cidade que abriam no Ano-novo.

– E aí, pessoal? Parece até que vocês estavam dormindo!
– ela nos cumprimentou, animada.

– Hum. É, nós estávamos. Acordamos quando você bateu a porta ainda agora. – Menti na maior cara de pau.

Olhei para Austin e um sorriso quase imperceptível apareceu em seus lábios.

– Precisei sair. Fiquei preocupada em deixar vocês sozinhos depois da noite passada... mas vocês pareciam dormir tão bem que resolvi arriscar.
– Ela sorriu.

– Falando nisso, vocês parecem estar muito bem.

– É, eu me sinto muito melhor.
– Percebi o fato pela primeira vez naquele dia. Austin apenas assentiu com a cabeça.

– Que horas são?

– Quase três da tarde. Venha, Ally, me ajude a preparar alguma coisa para vocês comerem. Temos muito que conversar.
– Ela apontou na direção da cozinha.

– Só um segundo. Vou trocar de roupa e escovar os dentes. Volto já.
– Passei uma das mãos no cabelo e concluí que deveria estar horrenda, com meu velho moletom de dormir e aquele cabelo que mais lembrava um ninho de passarinho.

Que vergonha!

– Tudo bem. Austin, não pude esperar que você acordasse para perguntar que tipo de roupas prefere, então decidi por mim mesma. A garota da loja me ajudou a escolhê-las. Ela garantiu que estão na última moda e que são muito... “da hora”!
– minha mãe comentou, sem ter muita certeza se essa era a gíria do momento.

– Eu não sabia o seu tamanho, mas tentei adivinhar. Espero que sirvam!
– Ela passou a montanha de sacolas para Austin.

Ele as pegou ao mesmo tempo em que tentava se cobrir, o que resultou em uma pequena avalanche de sacolas caindo ao seu redor.

Típico da minha mãe. Sempre que ela precisa lidar com situações estressantes, vai fazer compras para relaxar! Pela quantidade de sacolas no colo de Austin, ela já devia estar bem calminha.

– Mu... muito obrigada, Sra. Dawson. Não sei como poderei retribuí-la...
– ele começou, mas minha mãe o interrompeu.

– Bobagem. São só umas coisinhas e, além do mais, você não pode sair por aí enrolado em cobertores.
– Ela recusou a gratidão de Austin.

– Allyson! O que ainda está fazendo aí? Vamos. Ande! Austin, o banheiro fica no andar de cima. É a primeira porta à esquerda no corredor. Não precisa ter pressa. Estaremos na cozinha, ok? Pode me chamar caso precise de alguma coisa. Quando você estiver vestido e tivermos comido, vamos ter uma conversa séria.

Ela se virou e andou em direção à cozinha. Minha mãe era como um tipo muito especial de furacão. Dei de ombros, sorri para o rosto surpreso de Austin e subi as escadas correndo para me arrumar e parecer mais apresentável. Logo já estava pronta e voltei para baixo, toda alegre com o meu jeans novo, meu suéter preferido e o cabelo preso no rabo de cavalo de sempre.

Dei uma espiadela na sala de estar. Austin não estava lá, mas eu ouvia um barulho de água corrente no banheiro do corredor. Fui até a cozinha e encontrei minha mãe, que fritava alguns ovos no fogão.

– E aí, mãe? Estou aqui. O que posso fazer pra ajudar?

– Pode colocar a mesa. Pegue os copos, suco de laranja, leite. Estou pensando em fazer um brunch caprichado para vocês dois. Que tal?

– Parece ótimo.
– respondi, inquieta.

– Está tudo bem com Austin? – ela quis saber ainda virada de costas para mim.

– Acho que sim. Ele está no banheiro.

– Sabe, se eu não tivesse sido testemunha de toda aquela coisa, nunca teria acreditado.
– minha mãe comentou, pensativa.

– Estou tentando não pensar muito no que aconteceu. Foi tão surreal.
– murmurei.

– Allyson, querida. Você sabe que precisamos conversar a respeito, não é? Quero dizer, tudo isso é tão louco. Você realmente acredita no que aquelas senhoras falaram? Você acha que Austin é mesmo um... um fantasma?
– Ela se virou para me olhar direto nos olhos.

Eu me contorci no meu banco, desconfortável.

– Não sei o que pensar, mãe, honestamente. Dei um soco no peito dele na noite passada e minha mão o atravessou! E você não conseguia vê-lo, apesar de fazer dias que eu encontrava e conversava com ele! 
– eu disse com a voz trêmula..

– E era lá que vocês se viam? No cemitério?

Balancei a cabeça fazendo que sim, olhando para o meu colo.

– Sei que eu deveria ter lhe contado. Desculpe, mãe. Mas você iria transformar a coisa em um carnaval, iria dizer que era perigoso. E eu sabia que estava segura com Austin!

– Como você poderia saber disso,a Alyson? Você tinha acabado de conhecer o menino!
–ela retrucou, irritada.

– Eu simplesmente sabia, ok? Quer dizer, olhe só para ele! Você acha que ele é capaz de machucar alguém? Ele é tão educado, gentil e doce!

– Você está deixando que seu julgamento seja influenciado pela beleza dele.
– Ela abriu um sorriso de quem sabia das coisas.

Minhas bochechas queimaram de vergonha.

– Não é nada disso, mãe! Ele é meu amigo! Tudo bem, o Austin mentiu sobre esse lance de “fantasma”, mas depois explicou tudo! Ele tinha medo da minha reação. E você teria como culpá-lo? Eu quis sair correndo no momento em que soube que ele era um fantasma! Essa não é uma notícia muito fácil de se dar à uma pessoa.
– grunhi enquanto brincava com a costura do meu suéter.

– Eu sei, mas, querida, que diabos aconteceu na noite passada?
– Minha mãe arregalou
os olhos ao se lembrar da materialização de Austin.

– Não tenho certeza... Acho que tem algo a ver com o Ano-novo e o cemitério... Dona Vaiola deve saber de alguma coisa. Ela estava lá com as duas amigas. Parecia saber o tempo todo que Austin era um fantasma..
– murmurei tentando juntar as peças do quebracabeça.

Por acaso uma das velhinhas não haviam mencionado que elas eram bruxas? Minha mãe assentiu.

– É, eu também acho. É por isso que a convidei para conversar com a gente hoje. Talvez ela possa lançar alguma luz sobre todo esse mistério. E talvez esse garoto também possa nos dar algumas respostas.
– Ela fez uma pausa e respirou fundo.

Então balançou a cabeça, espantando alguns pensamentos.

– De qualquer forma, como eu já disse, podemos conversar sobre isso depois de colocarmos alguma coisa no estômago, certo?

– E continuou a preparar os ovos mexidos. Olhei para as costas dela, rangendo os dentes, sentindo-me culpada.

– Mãe?

– Sim, querida.

– Sinto muito por toda essa confusão. De verdade. Sinto como se tudo isso fosse minha culpa. Eu deveria saber que algo estava errado. Quero dizer, os sinais estavam todos ali! Ele nunca saía do cemitério, passava o dia inteiro lá. E Austin jamais me tocou, nem mesmo um aperto de mãos rápido. E ele parecia tão sozinho e triste.
– eu disse, olhando para os meus próprios pés.

– Allyson, por favor – ela me interrompeu, tirando a panela do fogo por um segundo e se
virando para mim. – Não é culpa de ninguém. Não foi sua. Nem dele. Austin deve estar apavorado agora, você consegue imaginar? E ele é seu amigo, é óbvio que você se importa com ele. Por isso, faça o seu melhor para ajudá-lo a passar por tudo isso, certo? Não se preocupe. Vamos dar um jeito.

Suspirei, aliviada.

– Obrigada, mãe.
– Eu sabia que sempre poderia contar com ela.

Minha mãe era a melhor! Ela me lançou um sorriso reconfortante, assentiu e voltou a cozinhar.

– Então esse é o menino que tem mantido você ocupada desde que chegamos, não é?
– ela perguntou, sem olhar para mim.

– Hum... é ele sim.

– Ele é bem bonitinho.
– minha mãe disse e tenho certeza de que prendia o riso, mesmo estando de costas para mim.

– Está certo, mãe. Já sei aonde você quer chegar com essa história.
– Revirei os olhos.

– O quê? Eu não disse nada! Só estava comunicando a você minha opinião a respeito da aparência dele, só isso. Austin parece ser um jovem adorável. Muito bonito.

Ouvimos alguém limpar a garganta na entrada da cozinha e me virei para ver Austin apoiado no batente da porta. Ele nos observava e algo lampejou em seus olhos por um segundo.

Cogitei perguntar se ele havia entreouvido nossa conversa, mas, assim que meus olhos arregalados pousaram nele, não consegui pensar em mais nada. Fiquei totalmente sem palavras.

– Ah, meu Deus! Olhe para você!
– minha mãe exclamou.  – Está adorável!

Adorável definitivamente NÃO foi a descrição que veio à minha mente. Acho que megagostoso combinava mais. Austin vestia jeans largos – que minha mãe deve ter escolhido para ter certeza de que iriam lhe servir –, uma camiseta azul que caía perfeitamente sobre o corpo dele e um par de tênis. Ele parecia muito, muito bem. Muito mesmo! Seu cabelo estava um pouco bagunçado ao vestir a camisa que lhe dava – mesmo que de forma involuntária – o estilo que a maioria dos garotos buscava hoje em dia: um penteado “estilosamente desarranjado”. Esse novo visual era bastante moderno e bem diferente das roupas alinhadas e formais que ele costumava usar antes.

Do estilo monocromático às cores vibrantes, vívidas, com um azul cor do mar. Era como se uma velha fotografia ganhasse vida, em uma imagem de tirar o fôlego. Ele nos olhou ansioso, esperando por nossa reação.

– Está tudo bem? – ele perguntou, cheio de dúvida. – Isso parece meio estranho para mim. Os garotos não costumam frequentar muito o cemitério, por isso não tenho no que me basear.
– ele murmurou, enfiando as mãos nos bolsos do jeans.

– E essa não é como as calças jeans que eu usava quando estava... bem... vivo.

– Ah, está tudo bem – respondi. As palavras saíam devagar enquanto eu tentava tornar minha voz estável. – Está... bom.

– Venha se sentar, Austin. Seus ovos com bacon já estão quase prontos.

Minha mãe fez um gesto com a cabeça em direção à mesa. Em seguida virou-se para mim e mexeu os lábios dizendo um Meu Deus do Céu silencioso.

Balancei a cabeça, desesperançosa. Ela não ia parar de me amolar com isso nunca!

– Allyson querida, sente aqui, ao lado de Austin. Vou fazer o seu prato. Também há pão e frutas. Sirva Austin, meu bem.
– ela ordenou, andando de um lado para o outro pela cozinha.

Sentamos à mesa e nos olhamos. Os olhos de Austin estavam agora estranhamente azulados.

– Que esquisito. Agora os seus olhos estão azuis.
– comentei, curiosa. Ele olhou para a camisa nova e abriu um sorriso tímido.

– Na verdade, eles ainda são cinza. Dei uma conferida no espelho do banheiro. Eles estão refletindo a cor, acho eu. Da camiseta.
– Ele apontou para a camisa azul.

– Então se você usar uma camiseta verde, os seus olhos ficarão verdes?

– Creio que sim.
– Ele disse parecendo não se importar muito com esse fato extraordinário.

– Isso é tão legal. Você pode mudar a cor dos olhos.

– Fiquei com um pouco de inveja.

– Na verdade eles não “mudam” de cor. São sempre cinza, mas entendi o que você quis dizer.
– Austin estava um pouco impaciente com minha obsessão pelos olhos dele.

Foi então que seu estômago roncou alto. Ele corou, envergonhado.

– Desculpe. Estou... realmente com fome.

– Ele encarou o prato.

– Esqueci como era.

– Como era o quê?

– Você sabe, sentir fome.
– ele disse, pondo uma das mãos sobre a barriga.

– Esse é um dos muitos benefícios de estar vivo. Ainda está feliz com sua nova condição?
– Dei uma risadinha.

– Sim. Ainda estou feliz.
– Ele abriu um sorriso suave, embora seus olhos demonstrassem uma imensa felicidade.

Aquilo me tocou de tal forma que foi a minha vez de olhar para o meu prato em um silêncio desconfortável, mas que não durou muito. Minha mãe logo surgiu com dois pratos cheios até a boca de ovos com bacon.

– E lá vamos nós! Comam, vocês dois! – ela ordenou.

Austin comeu em silêncio, concentrado na comida, enquanto eu e minha mãe falávamos sem parar sobre o que havia acontecido na noite anterior, recontando o incidente a partir de nossos pontos de vista. Tentamos não perguntar nada para Austin no intuito de lhe dar mais tempo para se adaptar e se sentir mais à vontade, para que ele pudesse começar a confiar na gente.

Mesmo assim, minha cabeça zunia com mil perguntas. Quando ele havia morrido? E como? Ele agora era totalmente humano? Ele envelheceria? Sabia o que havia acontecido no cemitério e por que passou a estar vivo?

Vez ou outra, ele nos olhava de relance. Sua expressão se alternava entre confusão e a de quem evitava algo. Mesmo assim, ele se manteve em silêncio. Quando terminamos de comer, ele se levantou e pegou os pratos.

– Não se preocupe, Sra. Dawson. Eu lavo a louça. Obrigada pela refeição maravilhosa. Estava tudo uma delícia!

Minha mãe ergueu as sobrancelhas para mim, claramente impressionada. Seja lá de onde Austin tivesse saído, as pessoas de lá tinham muito boas maneiras! A campainha tocou e minha mãe deu um pulo.

– Querida, olha a hora! Ela já está aqui. Dona Vaiola veio nos visitar.
– Minha mãe se levantou.

– Ela vai querer falar com todos nós. Austin, pode deixar essa louça aí. Não se preocupe. Os pratos não vão fugir.

Austin franziu a testa e, relutante, deixou a louça em cima da pia. Obviamente não queria ter essa conversa. Seu súbito mau humor deixava isso bem claro.

Fomos para a sala de estar enquanto minha mãe atendia a porta. Cumprimentamos Dona
Vaiola quando ela entrou e todos nos sentamos: Austin no sofá ao meu lado e minha mãe e Dona Vaiola nas poltronas ao lado do sofá.

– Como está sua amiga, Dona Vaiola? – perguntei, lembrando-me do quão frágil uma das senhorinhas parecera na noite anterior.

– Ela está bem agora, querida. É muita gentileza sua perguntar. Na verdade, na noite passada ela me ajudou a decifrar parte do mistério em que você se meteu.

– Eu... eu me meti?

– Com a ajuda do seu amigo fantasma, evidentemente.

Algo negro irradiou dos olhos de Austin enquanto ele encarava Dona Vaiola.

– Agora, sobre essa pequena atribulação que vocês estão enfrentando.
– Ela se virou para mim e parecia não se importar com os olhares de Austin.

– Pesquisamos a árvore genealógica da família Dawson até onde nos foi possível, dada a escassez de tempo. A internet é uma coisa maravilhosa, minhas queridas.
– ela comentou, surpreendendo tanto eu quanto minha mãe.

– Ao que tudo indica, há sangue de bruxa em sua linhagem, por isso você foi capaz de ver Austin quando ele ainda era um fantasma, Ally. E foi provavelmente por isso foi capaz de lançar um feitiço, mesmo sem se dar conta. A magia dentro de você ainda não foi domada, mas é realmente muito forte. E parece que você já a desenvolveu bastante por conta própria.

– Sério que eu sou uma bruxa?
– exclamei surpresa.

– Sempre falo sério, querida – disse ela, um pouco ríspida. – Mas não, não foi isso que eu disse. Você tem potencial, mas ser uma bruxa de verdade requer trabalho, treino, comprometimento, muita prática e estudo.

– Isso não faz o menor sentido. – Balancei a cabeça, em negação. – Não tem nada de mágico acontecendo aqui. Sou só Allyson, simples assim. E bruxas não existem.

– Ah, então quer dizer que você não tem dificuldade em aceitar fantasmas que voltam à vida, mas não acredita em bruxas? Isso é engraçado
– Dona Vaiola zombou, levemente ofendida.

– E... eu... Não foi isso o que eu quis dizer. Só estava falando que não tenho nenhum sangue de bruxa, nem nada do tipo.
– eu me corrigi e olhei para Austin.

Suspeita passou pelos olhos dele. Será que ele achava que eu estava mentindo?

– Estou falando a verdade!  – repliquei para ele. – Como você pode achar isso?

– Como você sabe o que ele estava pensando? – Dona Vaiola apertou os olhos na nossa direção.

– Eu simplesmente... vi. Nos olhos dele – murmurei, confusa.

– Ela sempre faz isso – disse Austin, baixinho. – Até mesmo quando eu era um fantasma. Ally sempre sabe exatamente como me sinto só de olhar para mim. Isso vem me incomodando há um tempo já. Não sei como ela faz isso. Mas ela é sempre muito... precisa.

– Não se trata exatamente de telepatia. É mais uma visão empática. Você precisa de contato visual, não é? Você consegue decifrar os sentimentos da outra pessoa. Bastante útil
– Dona Vaiola me disse.

– Todo mundo pode fazer isso. É algo normal, não é, mãe? Você não acabou de perceber suspeita nos olhos do Austin?
– perguntei, desnorteada.

– Não, querida – discordou Dona Vaiola. – Apenas o vimos olhar para você. Nada mais. A expressão no rosto dele era bastante inexpressiva. Não sei o que ele estava pensando ou sentindo e sou uma boa observadora do comportamento humano. Já estou nesse mundo há muito tempo. Sei como decifrar as pessoas. E ele não estava deixando escapar nada.

Lancei um olhar de súplica para minha mãe, pedindo silenciosamente por sua ajuda.

– Você sempre teve uma ideia bem clara dos sentimentos das pessoas – disse ela, pensativa. – Eu pensava que você era apenas muito perspicaz, mas é sempre assustadoramente precisa. Eu me acostumei com isso ao longo dos anos, mas os estranhos às vezes percebem, não é mesmo? Lembra que os seus amigos da escola antiga costumavam dizer que isso às vezes os assustava? Depois de um tempo, você parou de verbalizar suas interpretações, mas ainda assim podia perceber os sentimentos dos outros, não é?
– ela me perguntou.

Mordi o lábio e me revirei, desconfortável, no assento do sofá.

– E esse feitiço que você mencionou, Dona Vaiola? O que realmente aconteceu na noite passada? Você tem alguma teoria que nos dê alguma pista?
– Minha mãe finalmente resolveu fazer a pergunta que valia um milhão.

Não parecia irritada com todas essas
revelações que aconteciam na sala de estar da casa dela. Talvez suspeitasse que havia “sangue de bruxa” na nossa família e estava apenas tirando a dúvida.

– Bem, estamos tentando descobrir, mas parece que Allyson conseguiu ativar um feitiço muito poderoso. Sabíamos que algo iria acontecer. Minhas amigas e eu vimos alguns sinais. Foi por isso que eu estava indo ao cemitério com mais frequência nas últimas semanas, para ver se pescava alguma coisa. Suspeitei que tinha algo a ver com a menina, com você, Ally, quando a vi conversar com o garoto fantasma sem perceber o que ele de fato era. Depois disso, pedi que meu marido ficasse de olho nela... em você. – Ela olhou para mim.

– Porém jamais pensamos que isso pudesse acontecer. Trazer de volta os mortos... um ato complicado e perigoso. Sem mencionar que é extremamente difícil. Envolve muitos elementos poderosos que devem ser combinados ao mesmo tempo, além de ser necessário um imenso poder. Nunca soubemos quais seriam tais elementos, mas, pelo que observamos na noite passada, agora temos uma vaga ideia. Aparentemente havia sete pessoas presentes ontem. PSete é um número poderoso para a magia. Cinco elementos foram combinados: fogo, ar, água, terra e o mais importante, aquele que faz a conexão entre o garoto e a menina. O local e o horário também foram importantes. Tudo isso foi combinado naquele lugar, no centro exato do cemitério, no momento em que o ano velho terminava e um novo tinha início. O resultado está bem aqui, sentado no sofá da sua sala, vivo e respirando pela primeira vez em quanto tempo? Sessenta anos?
– Ela se virou para Austin.

Austin morrera havia sessenta anos? Isso significava que estava vivo na década de cinquenta. Não era de se estranhar que suas maneiras e vocabulário fossem estranhos. Mas o que Dona Vaiola também havia dito?

– Sete pessoas? Tem alguma coisa errada nessa conta.
– Comecei a contar nos dedos.

–Você e as suas amigas eram três. Comigo e com a minha mãe temos cinco pessoas. – Esqueceu do Menino Fantasma aí do seu lado?
– Dona Vaiola ergueu uma das
sobrancelhas.

– Ah, sim. Não sabia que um fantasma podia contar como “pessoa”. Desculpe, Aus. Mas mesmo assim temos apenas seis.

– Sim, havia algo mais. Uma coisa muito importante. Você não percebeu porque estava em transmissão durante o feitiço, mas estava bem ali.
–  Dona Vaiola evitou os meus olhos.

– “Uma coisa”?
– eu quis saber.

A velha senhora ignorou minha pergunta e após alguns segundos sob seu olhar intimidador, resolvi esquecer esse detalhe por enquanto.

– Ok, sete pessoas. – Contei de novo. – E cinco elementos... fogo, ar, terra, água e algo mais.

Mentalmente identifiquei o que representara cada um deles.

Fogo. Das velas. Lembrei me de como as chamas estavam vívidas no momento em que bati a cabeça.

O ar era o vento. Eu me recordava de como o vento estava cortante, como soprara sobre todo o meu corpo.

A terra entre meus dedos enquanto eu me encontrava deitada na grama.

– O que era a água? E esse elemento a mais?

– Você chorava. Essa é a parte da água – Austin se lembrou.

– Eu? – Não me lembrava de ter chorado. Tudo aquilo parecia ser uma memória distante, enevoada. – E essa outra coisa?

– Você se cortou ontem?
– Dona Vaiola perguntou.

Virei as palmas para cima. A queda havia causado pequenos cortes e arranhões em ambas. Ela sorriu ao me ver encarando as mãos arranhadas.

– O sangue é um ingrediente poderoso para feitiços. Ele criou o elo entre você e o garoto, fazendo com que o encanto funcionasse. O sangue selou o acordo.

Lembro-me de que tudo ficou escuro e não conseguia mais ver Austin, mas podia senti-lo por perto. Senti algo nos lábios. E um agulhadas causadas por um tipo de energia... acho eu. Minha memória não passava de um borrão, como se eu enxergasse através de um vidro distorcido.

Mas acredito que foi nesse momento que o feitiço se concluiu. O toque final. No segundo em que os lábios de Austin tocaram os meus, um solavanco jogou meu corpo para trás e Austin apareceu do nada.

– E esse feitiço tem um preço. Toda magia tem – Dona Vaiola continuou.
– Pode ter certeza de que será cobrado, com juros altos. O garoto deveria ter pensando nisso antes de se meter nessa história.
– Ela revidou para Austin.

Eu me virei para ele, seus braços cruzados sobre o peito, na defensiva.

– Você sabia que isso iria acontecer? – perguntei a ele, surpresa.

– Eu... eu... Não! Era isso que eu queria lhe contar antes, quando... acordamos. Ouvi uma história maluca, daquele meu amigo sobre quem já falei, você sabe, aquele que diz umas coisas sem pé nem cabeça sobre magia antiga. Ele me contou que seria possível ter uma segunda chance de viver. Havia uma canção, um poema ou algo do gênero. Não me lembro bem o que era. Dizia que isso seria possível, uma segunda chance verdadeira de viver caso houvesse uma alma viva capaz de nos ver. E, quando você fez isso, Allyson, quando você me viu e falou comigo, pensei que poderia ser possível... viver de novo. Eu tinha só dezessete anos quando... morri. E estive preso no cemitério desde então. A canção falava sobre aquele lugar especial no centro do cemitério.  E isso é tudo. Eu não tinha o menor conhecimento sobre o feitiço que nos atou ou de qualquer taxa! Juro! Se eu soubesse que isso poderia prejudicá-la de qualquer maneira, jamais...
– ele se calou, incapaz de continuar.

– E agora que o seu pedido se tornou realidade, garoto, o que você vai fazer? – Dona Vaiola quis saber, firme.

Muito cuidado com o que você deseja... minha mãe costumava a dizer quando eu era pequena. Austin desejara viver. Agora tinha que lidar com o fato de seu pedido ter se tornado realidade.

– Eu... eu não sei. Mas vou descobrir!
– ele rebateu ao mesmo tempo em que o medo cruzava seus olhos.

– O mal estar que vocês tiveram ontem à noite não irá parar, você sabia disso, garoto? É um efeito colateral do feitiço lançado por Ally. Um preço que vocês terão que pagar pelo elo mágico que criaram. Pesquisei a noite inteira sobre o assunto. É algo cíclico. Acontecerá periodicamente. E vocês terão que estar juntos quando isso ocorrer. O que você fará a respeito, menino? Será que para viver de novo vale a pena colocar em risco o bem-estar da menina? Ou vale a pena tê-la acorrentada a você?
– A voz dela era firme e decidida.

– Não! Eu não sabia que isso iria acontecer! Não sei o que vou fazer, ok? Eu... não sei. Jamais quis machucá-la. Allyson, você precisa acreditar em mim! – Ele parecia desesperado e se virou, raivoso, para Dona Vaiola. – Por que você me odeia tanto, sua velha?

– Eu não o odeio, mas seu lugar não é aqui, filho. Você sabe disso – ela disse
secamente.

– Não, não sei de nada disso. Quem falou que meu lugar para toda a eternidade é o cemitério e não aqui? Por que fiquei preso lá durante todos esses anos se não era para acabar assim? Não quero desaparecer ou deixar de existir! Todo mundo sempre tem uma segunda chance. Por que eu não posso ter também? Quem é você para dizer que eu não mereço?
– Austin gritou, seus olhos repletos de lágrimas e incerteza.

– Tudo bem. Calma. – Minha mãe se levantou. – Já ouvi o suficiente. Austin, você não fez nada de errado e tenho certeza de que não quis causar nenhum mal quando convidou Allyson para ir ao cemitério ontem. Sempre achei que todos merecem uma segunda chance, na vida ou na morte. Assim, temos que fazer o melhor para que você possa aproveitar a sua segunda chance. Creio que você não tenha mais uma família que possa cuidar de você, por isso fica decidido que ficará aqui com a gente. Vamos enfrentar isso juntos e vou fazer de tudo para que você e Allyson permaneçam sãos e salvos.
– Ela sorriu gentilmente para ele.

– Vamos inventar uma história. Podemos dizer que você é primo de Allyson , ou algo parecido. E que vai morar com a gente de agora em diante. Mas preciso que vocês me deixem sozinha com Dona Vaiola por um minuto. Precisamos conversar em particular.

Olhei de relance para Austin. Ele estava encurvado ao meu lado, esfregando os cantos dos olhos com raiva. Ele assentiu educadamente para minha mãe, com os lábios apertados pelo nervosismo e a testa franzida.

Levantou-se e andou em direção à porta da frente sem lançar mais que um olhar para Dona Violeta.

– Eu... eu... Eu vou conversar com ele. Acalmá-lo.
– Eu também me levantei.

– Obrigada, Dona Vaiola, por vir aqui e explicar todas essas coisas para nós. Ficaríamos totalmente perdidas se não fosse pela senhora. Ele... ele não queria gritar com você. Só está muito, muito assustado. Mas posso ver nos olhos dele que se importa comigo. Austin nunca me faria mal. Ele tem um bom coração. Vou ver como ele está agora. – E corri para o lado de fora.

Austin estava apoiado na mureta de tijolos na frente da casa, com os braços cruzados sobre o peito, olhando para o chão e com uma expressão nebulosa no rosto. Parei ao lado dele, com as mãos cruzadas nas costas.

Nunca havia o visto tão aborrecido. Aparentemente, estar vivo lhe trouxe um novo conjunto de emoções fortes. Também percebi que ele passara a evitar os meus olhos.

Mas que ótimo. Ele nunca mais iria olhar para mim de novo agora que sabia o que eu de fato era capaz de ver.

– Allyson... se é mesmo verdade o que você pode fazer... com essa sua leitura dos olhos... você acredita em mim quando digo que nunca quis causar nenhum mal? Que você é realmente muito importante para mim, que jamais quis lhe fazer nada de ruim?
– Ele ergueu a cabeça e me olhou diretamente nos olhos.

Mas eu não precisava de nada disso para saber a verdade.

– Não consigo fazer isso o tempo todo – sussurrei, olhando para o chão.

Naquele momento, precisava que Austin acreditasse nessa mentira, ou ele nunca mais me olharia com a guarda baixa. Jamais lhe diria que ler as emoções dele através de seus olhos era para mim algo tão natural quanto respirar. E eu não tinha como evitar. Era como me pedir para parar de ver quando estava com os olhos abertos.

– Preciso me concentrar muito e às vezes não consigo ler absolutamente nada. Talvez se eu praticar bastante, como a Dona Vaiola falou, a coisa até se torne mais simples, mas não é assim tão fácil. É como um curto-circuito, algo que vai e volta – menti ainda mais.

– Você poderia tentar agora? Preciso que você veja que estou sendo sincero. Que jamais machucaria você.
– ele insistiu.

– Austin, eu sei disso. Acredito em você. – Segurei o rosto dele entre as mãos. – Tudo vai ficar bem, ok? Podemos fazer isso juntos!

A porta da frente se abriu e Dona Vaiola caminhou para fora. Larguei Tristan mais que depressa e fiquei de pé ao lado dele. Ele deu um passo para trás, amuado, com os braços cruzados sobre o peito quando viu que Dona Vaiola se aproximava. Ela parou bem diante dele.

– Austin, querido, desculpe se fui muito dura com você lá dentro. Precisava saber quais eram suas verdadeiras intenções e as pessoas tendem a se entregar quando estão nervosas. Por isso o provoquei algumas vezes, para que deixasse transparecer seus verdadeiros sentimentos. Nem todos possuem a visão aguçada de Allyson, certo? – ela disse com suavidade. – Tive de usar meus próprios meios para me convencer de que a menina não estava em perigo. Agora que sei disso, vou fazer o meu melhor para ajudar vocês dois.
– Ela estendeu a mão para Austin.

Ele suavizou seu rosto, descruzou os braços e a observou com cuidado. Em seguida, extendeu a mão para Dona Vaiola e a apertou levemente.

– Desculpe por meus maus modos, senhora. Não queria ter gritado. Espero que me perdoe. Fui desrespeitoso.

Ela abriu um grande sorriso para ele, feliz pela paz ter sido restaurada.

– Ah, e antes que eu me esqueça, Penny pediu que eu lhe informasse que há algumas louças com o seu nome na pia da cozinha.

– Meu Deus! Tinha me esquecido completamente! Com licença, por favor. Preciso ir!
– Austin exclamou e correu para dentro de casa.

Dona Vaiola se virou para mim.

– Ally, querida, conversei com sua mãe e ela prometeu que me manteria informada sobre qualquer progresso na sua situação. Se precisar de mim, sabe onde me achar: bem aqui na casa ao lado.
– Ela me abraçou.

– Obrigada. Farei isso.

– E lembrem-se de ficar juntos. Assim tudo ficará bem. – Ela fez uma pausa antes de acrescentar, apreensiva. – Mas não muito, você sabe. Apenas o necessário para garantir que o ciclo do feitiço não se quebre. Do jeito que esse garoto olha para você, é melhor tomar cuidado com qualquer excesso de proximidade.

Meu rosto coloriu-se com todos os tons de rosa.

– Está tudo bem. Posso tomar conta de mim mesma.
– Acenei, me despedindo, e caminhei de volta pra casa, aliviada por ela não ter percebido o jeito com que eu olhava para o garoto.

Balancei a cabeça, achando graça.

Havia tanto a ser discutido e resolvido.

E as aulas começariam na segunda-feira.

O que eu iria fazer?


Notas Finais


Geeente comentem pfvr!!!

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