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História Loup Garou: Herege - Guerra


Escrita por: InvisibleWriter

Notas do Autor


Pessoal, os próximos capítulos vão ter mais ou menos sete ou oito mil palavras, então já vou avisando que estão meio grandinhos já que estamos chegando no final da fic.
Boa leitura e muito obrigada! ;)

Capítulo 61 - Guerra


Fanfic / Fanfiction Loup Garou: Herege - Guerra

 

 

- Isso é um absurdo!

Era a milionésima vez que Kaab dizia aquilo. Parecia até um despertador. Toda vez que um celestial vinha com alguma acusação aquela era sua frase favorita.

- Emily não pode ser acusada de traição. A menina acabou de se descobrir, nem mesmo consegue entender o nível de seu potencial e vocês querem puni-la por ter feito algo que estava fora de seu controle? Absurdo! – berrou ele.

- Ela foi alertada antes, Kaab. Você e Alexandrei avisaram a ela. – disse um dos querubins, o rosto de criança imperturbável. Me inclinei para Fletch sentado ao meu lado na cadeira de pedra na floresta.

Quem é Alexandrei? – perguntei em sua mente para não chamar atenção pra mim.

É o meu nome. – disse Fletch, fazendo uma careta de desgosto.

Estávamos ali a pelo menos uma semana, sempre num impasse. Kaab, Fletch e outros anjos me defendendo de um lado, os querubins e dois serafins me acusando do outro. Eu não tinha voz, não havia nada que eu pudesse fazer. Tive dois sonhos desde que voltei do mundo mortal. Dois pesadelos terríveis e que se fossem verdade...eu nem queria imaginar isso. Eu não tinha tempo pra ficar perdendo sobre de quem era culpa e qual seria a punição, não dava pra me importar. Eu só tinha tempo para treinar os angelicais as escondidas durante a noite e fazer os treinamentos durante a tarde, pois minhas manhãs eram todas assim.

Sempre sentada na floresta, no meio de um julgamento presidido por pessoas que perdiam seu tempo gritando umas com as outras. Foi então que houve uma mudança e eu podia senti-la chegando. Na verdade, pude ouvir.

- O que é isso? – perguntou uma das angelicais sentada, ela se ergueu e olhou para o céu ao ouvir o mesmo que eu. O farfalhar de asas.

Dezenas de asas.

Todos se levantaram assim como eu, o som vinha de todos os cantos, aumentou até mesmo a força dos ventos. Então, surgindo de entre as árvores vieram dezenas de angelicais, muitos voando, outros correndo e suas expressões sérias como de costume. Só que dessa vez havia fogo em cada olhar azul fluorescente, havia algo de selvagem por trás de cada íris.

- O que é isso? – perguntou uma querubim, a pena de pavão se agitando em sua mão.

Os angelicais apenas encararam os celestiais, então quatro pessoas se sobressaíram na multidão. É claro que uma delas era Sam, estava com a armadura especial que Fletch havia feito para ele, com elásticos nas fivelas para permitir que ele entrasse e saísse das transformações sem se enforcar ou precisar tira-las, a armadura cor de cobre também era adaptável a cada transformação e sua espada estava atrelada as suas costas. A segunda pessoa eu realmente fiquei surpresa em ver, pois ele não deveria estar aqui.

Gabriel estava sujo, suado e machucado. Não parecia cem por cento, na verdade parecia estar furioso e veio bufando até o centro do círculo de pedra, logo atrás veio Ramona também no mesmo estado, o machado enorme pousado casualmente em seu ombro, Olivia estava bem ao seu lado, uma espada dourada em sua mão. Os três pareciam a imagem do cansaço e da falta de chuveiro. Sinais claros da guerra.

- Que merda está acontecendo aqui? – disse Ramona, sem se importar em manter o tom suave.

- O que estão fazendo aqui? Este é um julgamento fechado. – disse um dos oradores angelicais, nefilim como nós.

- Julgamento? E qual seria a acusação? – disse Olivia, torcendo os lábios.

- Não diz respeito a vocês. Os Guardiões deveriam estar prezando pelo futuro de Asferia no campo de batalha, e os novatos treinando. Por favor, saiam. – um dos querubins se levantou para se fazer entender. Ramona ergueu seu machado e deu a ele um sorrisinho desafiador. Com isso tive de intervir.

Me levantei e me coloquei entre Ramona e o querubim. Abri minhas asas negras entre eles, ambos recuaram instintivamente. Era uma gafe enorme um anjo tocar a asa de outro sem consentimento.

- Vamos acalmar nossos ânimos aqui. Já temos inimigos o bastante lá embaixo, não precisamos fazer outros aqui em cima. – eu disse, minha voz calma.

Ambos suavizaram suas expressões. Então, o querubim voltou seus olhos de luz para Olivia.

- Sua ovelha ultrapassou um limite angelical, e um muito grave. Ela alterou o tempo.

Olivia e Ramona arregalaram os olhos pra mim, mas foi Ramona quem respondeu.

- E?

- E? Como assim “E”? Ela mudou o tempo, ela o alterou. Pelas leis angelicais é proibido voltar no tempo e mais proibido ainda é altera-lo. Vocês conhecem os riscos.

- Emily, você voltou no tempo? – perguntou Ramona, juntando as sobrancelhas.

- Sim. – respondi, fazendo uma careta. – Lutei contra um ceifador, usei poder demais e acabei nos atirando a quatrocentos anos atrás.

- Uou! – ofegou Ramona.

- E como você fez isso? – Olivia ergueu as sobrancelhas pra mim.

- Eu também queria saber.

- Então, você não sabe como fez?

- Não.

Olivia apertou a ponte do nariz, ela parecia tentar conter a própria fúria.

- Vocês a estão condenando por algo que ela se quer tem controle?

- Não importa se ela...

- Como assim não importa? Não estou reconhecendo a habilidade de gestão deste conselho. Qual o problema de vocês? Ela salva Asferia e vocês a condenam? – disse ela, as sobrancelhas louras franzidas.

- Estamos em guerra, ou vocês se esqueceram disso? Não estamos aqui para ensina-la que limites cruzar e quais nem chegar perto. Vocês nos mandaram para aquele inferno e deixaram nossas ovelhas sem nenhum pastor. Como esperam que eles acertem o caminho sem errar? – argumentou Ramona, a imagem da fúria.

Ninguém respondeu, os anjos apenas torceram a boca. Isso só pareceu enfurece-la ainda mais.

- Vocês querem fazê-la de exemplo, não é? Quantos angelicais em Asferia vocês acham que tem o dom de voltar no tempo? Ah é! Nenhum. Pois, Natalia está lá se matando para tentar proteger o legado de vocês. As leis não estão escritas em pedra, vocês podem muda-las ou apenas torna-las mais flexíveis.

- Ninguém pode mudar as leis antigas, Ramona. Foi a Voz que as escreveu.

- A Voz também exige a compaixão e a compreensão de suas criações. Isso incluí vocês. – disse Olivia, ficando do lado de Ramona e encarando com vontade os angelicais. – A punição para uma transgressão como essa é o exilio logo depois de arrancar as asas dela e tudo porque ela conseguiu fazer algo que nenhum de nós nunca conseguiu: Enfrentar um Ceifador e vencê-lo.

- É esse o cerne do problema de vocês? Estão com medo dela? – zombou Ramona. Ela deu um sorriso cruel. – Vocês não sabem o que é o medo. Não mesmo. Se quiserem descobrir então é só descer naquele campo de batalha, do contrário sigam com a merda de suas vidas e deixe a garota seguir a dela.

- Ela não está sozinha. – alertou Gabriel, se colocando também ao lado de Ramona e Olivia.

- Não mesmo. – respondeu Sam, também se colocando a frente.

Os querubins e serafins se levantaram e também deram um passo a frente, ficaram cara a cara com os nefilins, os rostos inumanos a centímetros.

- JÁ CHEGA! – berrei, incapaz de me conter. Todos me olharam, só que os meus olhos estavam nos celestiais chocados. Não me movi de onde eu estava, apenas abri um pouco mais as minhas asas para me fazer entender. – Estamos nisso a uma semana e tudo o que vocês sabem fazer é inventar desculpas e pretextos para agir contra mim. Tudo o que fiz foi fazer o que vocês nos mandam fazer: Defender o nosso lar. Foi isso o que me ensinaram. Eu estou tão assustada quanto vocês, só que agora eu tenho prioridades para tratar. A guerra está a nossa porta e todos aqui parecem se preocupar apenas com futilidades. É por isso que Asferia está morrendo. Por causa de nossas próprias atitudes.

Ninguém respondeu, ninguém pareceu nem mesmo se atrever a respirar alto demais, todos os olhos estavam em mim. Eu estava engatada e continuaria rasgando até que eles me levassem a sério.

- Se algum de vocês nunca quebrou uma regra para salvar aquilo que importa, então que atire a primeira pedra.

Os celestiais se entreolharam, desconfortáveis, embora os rostos não dessem muitas pistas. Suas auras porém diziam muito.

- Eu não estou aqui de passagem e não estou aqui para brincar de juiz e júri, eu estou aqui por um motivo maior e o que me movimenta é a minha obrigação com o meu povo, com o caminho que eu escolhi seguir. Eu escolhi ser forte, eu escolhi acreditar que a paz que eu almejo é real, eu escolhi não ser demoníaca e muito menos angelical.

Houve um leve ofegar e cochichos, olhos atentos em mim. Dei um passo na direção dos celestiais, mostrei a eles a cor exata dos meus olhos: Azuis sob preto meia-noite. Eles deram um passo para trás em resposta.

- Eu escolhi ser Primordial. Se algum de vocês tiver algo a respeito pra dizer, é só levar a queixa ao Conselho Primordial, pois até onde me consta nenhum de vocês tem qualquer direito sobre mim. Então, não vejo porque mover tantas pessoas para esse julgamento se elas poderiam estar sendo úteis em outros lugares. Vocês estão brincando de Deus e no que me consta isso é uma transgressão as leis antigas. Se alguém aqui está cometendo algum crime, esse alguém são vocês. E se não gostaram do jeito com salvei a vida de vocês, eu os desafio a fazer melhor quando o próximo ceifador aparecer.

Me virei e comecei a andar por entre a multidão. Pessoas tocavam meus ombros, murmuravam baixo congratulações e me diziam que eu não estava sozinha. Realmente, eu não estava sozinha. Mas, era um pouco desanimador saber que já não podíamos contar com a única força que sabíamos que poderia equilibrar a balança na guerra contra os demoníacos e contra os ceifadores.

- Onde é que vocês estavam quando aquele ceifador atacou? Oh, é mesmo. Varrendo a sala do trono. Então, agora usem a vassoura para varrer a moral de vocês para debaixo do tapete, como sempre fazem. É isso o que vocês merecem. – disse a voz furiosa de Ramona.

Ouvi um ofegar coletivo, seguido por algumas risadas. Eu podia muito bem imagina-la mostrando o dedo para o conselho celestial e o quanto o gesto devia tê-los deixado putos. Eu não ligava mais, já não me importava mais. Meu único intuito era proteger as almas que haviam em Asferia, proteger os nefilins. E eu não precisava do consentimento do conselho ou muito menos da permissão de ninguém.

Marchei a floresta inteira até estar longe o suficiente para abrir minhas asas e voar livre. Os anjos me acompanharam, Sam vinha logo abaixo correndo como louco. Eu sabia exatamente para onde estava indo e porquê. A vinda de Gabriel, Ramona e Olivia apenas confirmou o que eu tinha sonhado. A guerra finalmente havia começado. Parte de mim queria que isso acontecesse porque eu não aguentava mais essa expectativa ruim, essa espera contínua de que algo muito ruim estava para acontecer.

Mas, havia essa outra parte de mim que ficava verde só de imaginar as baixas que já deveríamos ter sofrido. Se fosse por mim isso acabaria agora, só que não havia modo de coexistir, ambas as raças estavam a eons tentando se matar. E uma coisa que existiu a tanto tempo não podia simplesmente ser extinta do nada. Não havia nada mais a fazer a não ser lutar também. E isso era muito triste.

Voamos até chegar ao Paredão, muitos nefilins já estavam lá esperando. Sempre que havia algo a ser discutido era para lá que íamos, sempre que uma decisão precisava ser tomada era exatamente para aquele lugar que nos dirigíamos.  E dessa vez não foi diferente, os três guardiões se colocaram no centro do círculo de duzentos nefilins atentos e em alerta. Os três capitães se colocaram a frente da multidão, eu como a quarta capitã também me coloquei a frente. Olivia me cumprimentou com um aceno, assim como Gabriel, as roupas Steampunk completamente destruídas ainda que usassem nossa típica armadura leve. Ramona pulou em mim e me deu um beijo entusiasmado no rosto.

- O que aconteceu? – perguntei, olhando para os três em farrapos.

- Ah, nada demais. Apenas estamos a três dias sem dormir ou comer lutando contra demoníacos sanguinários e seus brinquedos malditos que tentam nos matar a cada segundo. Ou você acha que esse é o meu look normal? – disse Ramona, a voz pesando em sarcasmo.

- Então, a guerra começou mesmo? – perguntou uma das capitãs, Josva.

- Sim. – confirmou Gabriel.

Os cochichos começaram, eu podia sentir a inquietação dos angelicais a nossa volta. Suspirei.

- Eu já esperava por isso. Eu sonhei... – parei quando vi os três me dando um sinal de alerta com os olhos. Angelicais não sonham, o que eles não sabiam é que o ceifador já havia me exposto a toda Asferia. Agora todos sabiam o que eu era e o que importava é que nenhum deles ligava. O fato de tantos angelicais terem ido me apoiar no julgamento fora o suficiente para me dar coragem de enfrentar os celestiais do conselho. – Todos já sabem que sou Primordial.

- Sério? – perguntou Ramona, olhando nervosamente para todos os lados. Então, ela deu de ombros. – Acho que todo mundo já sabia. Você é esquisita demais para passar despercebida, gata.

- Valeu. – eu disse, rolando os olhos pra ela. Gabriel nos ignorou.

- Isso é...bom. – disse ele, meio incerto. – Mas, há problemas maiores a frente.

- Temos os enfrentado por dias, mas nunca com tanta força como agora. – disse Olivia. Ela olhou para Gabriel, ele assentiu para ela e olhou em seu relógio de bolso. – Nenhum demoníaco apareceu no campo de batalha.

- O quê? Como assim? – perguntou Dalisay, uma das capitãs. Seu sotaque indiano era pesado.

- São covardes. Estão sempre mandando emissários, escravos, robôs e toda sorte de coisas para nos enfrentar, mas eles nunca aparecem. Malditos, estão sempre se escondendo atrás de outras criaturas. Como é que vamos reduzir seus números se eles não lutam? Eu não entendo a intenção desses caras. – resmungou Ramona, ela fez aparecer uma maçã e a mordeu distraidamente.

- Onde eles estão? – perguntei.

- Esse é o problema. Não estão apenas em um lugar. Estão em quatro. – respondeu Olivia.

- Mon dieu! Quatro frentes de batalha? Temos contingente o bastante? – perguntou o capitão, Maurice. Ele apertou a mão em seu arco de madeira rustico.

- Apenas para nos defender. – Gabriel se agachou, os cantos da boca caídos em desgosto.

Ele colocou uma pedrinha azul no chão, então apertou um botão em seu relógio de bolso enquanto girava a corda do ajuste de horas. A pedrinha se acendeu e uma imagem holográfica de dois metros de um mapa. Asferia flutuava presa as suas quatro correntes, abaixo havia o mar e em volta terra a perder de vista. Havia uma pequena aldeia no lado esquerdo do mapa, casas entre montanhas elevadas e uma floresta que ajudava a esconde-la.

- Levantamos acampamento aqui. Entre a cordilheira do ferro e a floresta azul, o mais próximo da corrente norte que podemos. A aldeia angelical foi construída pelos Griggori a centenas de anos atrás, os sentinelas são os únicos anjos permitidos a morar fora de Asferia. É o segundo lugar mais seguro pra nós no mundo espiritual. Mas, havia mais três aldeias como essa em volta de Asferia, todas perto dos pilares. – Gabriel moveu os ponteiros de seu relógio e a imagem holográfica azul se moveu. Ele mostrou outra aldeia, mas esta estava completamente destruída. Formas estranhas e pontiagudas se sobressaíam da aldeia que era apenas escombros e casas detonadas.

- O que é isso? – perguntei, apontando para as formas azuis se sobressaindo como pedras pontiagudas. Eram tão grandes quanto as casas.

- São estalagmites de gelo. Algo atacou essa aldeia há alguns dias, quer dizer alguém fez isso. – disse Olivia, suspirando. Seu rosto estava perturbado. – Demoníacos fizeram o mesmo com as outras duas aldeias. Muitas almas foram mortas, anjos foram queimados. Não sobrou ninguém.

Senti o nó na garganta. Havia sobrado sim, mas eles não sabiam disso. Angelicais foram arrastados por demoníacos de olhos cor de leite e levados embora. Eu tinha sonhado com aquilo, sonhei com uma força mais maldosa do que a vontade demoníaca. Algo sem escrúpulos, medo ou fraquezas. Eu o tinha visto lá, o mal que os serafins haviam me alertado quando fui chamada até o templo maior. Um mal em armadura vermelho vivo e que aterrorizaria por seu poder.

- Cada uma dessas aldeias reforçava a segurança dos pilares. Norte, Sul, Leste, Oeste. Agora sobrou apenas o Norte, uma pequena parte do Leste, ruínas do Sul e nada do Oeste. Ninguém vai até lá. – disse Gabriel.

- Muitos demoníacos por lá? – perguntou Josva.

- Ninguém que vai volta para dizer o que encontrou. Mandamos três grupos de sete batedores para a aldeia da corrente Oeste em busca de sobreviventes da aldeia. Nenhum até agora retornou. Então, só posso imaginar que há alguma força demoníaca por lá. Algo realmente poderoso. Natalia nos proibiu de ir até lá. – disse Olivia, estreitando os olhos. – Ela está fazendo o que pode, graças a ela a aldeia norte se mantem de pé. Mas, também não tem ideia do que fazer com a corrente Oeste e precisamos toma-la de volta.

- Não faz mais do que obrigação dela. – resmungou Ramona. Olivia a encarou. – O quê? Só estou dizendo a verdade.

- A questão é que as coisas estão ficando cada vez mais feias lá embaixo. Principalmente pela mudança no comando demoníaco. – disse Olivia, voltando seus olhos para nós. – A comandante do exército costumava ser Aysha, mas agora ela não comanda sozinha.

- Aysha? Ela não era uma angelical? – eu já tinha lido algo sobre ela nos arquivos de Kaab enquanto ele me obrigava a ler sobre as leis demoníacas antes de irmos para o julgamento.

- Ela caiu há alguns anos. Foi capturada pelos demoníacos quando tinha treze anos. Ela era uma Griggori, se sobressaía pela sua habilidade em comandar de forma inteligente. Era a mais jovem comandante da guarda dos Sentinelas. Desapareceu durante uma incursão há setenta milhas da corrente Oeste quando ouviu falar de um ataque demoníaco. Reapareceu anos depois já no comando do poder demoníaco junto de Helene, a primeira descendente de Serafim a aparecer em Asferia e ex-guardiã de Natalia.

- Aysha comandava sozinha nas linhas demoníacas, mas há poucos dias isso mudou. Aparentemente ela comanda com seu mais recente braço direito, um comandante demoníaco poderoso e tão cruel como qualquer demônio seria. O comandante escarlate. – disse Gabriel, olhando para o seu mapa.

- Aysha tem segurado seus demoníacos aqui e aqui. – Olivia apontou para as correntes Sul e Norte. – Ela não conseguiu a corrente Norte, nós a temos mantido com mãos de ferro e continua atacando a corrente sul. Mesmo agora enquanto falamos ela manda hordas de cyborgues e maquinas sofisticadas até nós.

- A intenção é óbvia. Maquinas não cansam, nós sim. – eu disse, cruzando os braços. – Vocês precisam de ajuda.

- Não. Precisamos que vocês fiquem aqui e protejam a cidade. Eles tomaram o lado Oeste, não sabemos o que farão agora. Daremos o melhor para tomar de volta, só que até lá vocês devem ficar atentos. Viemos apenas para passar a informação ao conselho, não tínhamos ideia que você estava sendo julgada por eles. Precisamos voltar imediatamente. – Olivia, suspirou e puxou sua espada de sua cintura. – Essa guerra está longe de terminar.

Dizendo isso, ela abriu suas asas brancas e subiu aos céus, os cabelos louros esvoaçando com ela. Gabriel acenou para nós e deu um leve sorriso pra mim, ele se agachou pra pegar a pedra azul.

- Deixe aí, eu vou levar depois. – disse Ramona, ela ergueu as sobrancelhas. Gabriel ficou desconfiado. Ela estreitou os olhos pra ele, a postura levemente desafiadora.

Gabriel deu de ombros e seguiu Olivia pelos céus. Ramona esperou ele estar fora de vista antes de voltar seus olhos pra mim. Ela apoiou seu machado em seu ombro.

- Estamos aqui. Quatro milhas ao longe da aldeia do pilar norte. Eu recomendo a passagem do vento por trás de Asferia, vão ganhar velocidade e se souberem jogar certo nos darão alguma vantagem. – ergui as sobrancelhas pra ela. Ramona fez uma careta pra mim. – Não finja que não sabe do estou falando. Sei muito bem o que está na sua mente e sei que fará mesmo que todos tenhamos dito pra vocês não irem. Eu não tenho um orgulho tosco e se parece que estamos precisando de ajuda, então é porque estamos precisando. Nenhum de nós quer morrer lá embaixo, mas é o que vai acontecer se não conseguirmos ajuda. Vocês são nossa única chance. E foda-se os anciões.

Alguns riram, eu esbocei um sorriso enorme pra ela. Ramona deu um soquinho no meu braço e voou para longe com suas asas cinzentas e aquele machado monstruoso. Assim que ela se foi, os olhares dos três capitães se voltaram para o mapa.

- O que faremos? – disseram eles. Demorou alguns segundos pra notar que era comigo que falavam.

- Não é obvio? Vamos salva-los. Coloquem suas armaduras e peguem tudo o que precisarem. Maurice, monte o seu time e traga bastante agua do rio do batismo, os guardiões vão precisar deles. Use qualquer coisa para estocar a água e levar até o acampamento angelical.

- Certo. Vocês cinco aí na frente e vocês três aí atrás venham comigo. – disse ele, escolhendo a dedo. Eles se apressaram para longe. Josva e Dalisay olharam pra mim.

- Josva, assim que todos estiverem prontos, convoque seu time e arme os morteiros. Espere pelo meu sinal para usa-los, um para atirar, dois para se juntar a nós. Dalisay, você juntará todos os angelicais que puderem até o lado leste de Asferia e me esperarão lá. Preciso pegar uma coisa. – eu disse, já me afastando.

- Certo. Vamos logo, pessoal. Exatamente como treinamos.

Cada um correu para um lado, todos apressados, todos excitados. Finalmente havia chegado a hora. Era nossa vez de proteger aqueles que antes nos protegeram. Sam veio para o meu lado.

- Vamos até Fletch? – perguntou.

- Sim. Ela já deve estar pronta.

Corremos até lá, embora a impaciência tenha me feito voar rápido. Sam teve de mudar de forma pra me acompanhar, eu não tinha ideia se Fletch já tinha voltado ao Arch’s, mas sabia vagamente onde ele tinha colocado, sem falar que Sam passava boa parte do tempo com ele, então ele também saberia onde estava.

Chegamos ao Arch’s and Arch em tempo recorde, Fletch não estava lá e nem mesmo Kaab.

- Por aqui. – Sam me levou por entre prateleiras com vários equipamentos Steampunk e outras coisas. Ele pulou por cima do balcão, abriu a porta. A sala de trabalho de Fletch era enorme, havia várias janelas e refrigeradores de ar girando no teto, talvez por causa da fornalha que ardia com metais incandescentes, talvez de espadas não terminadas e outras coisas. – Tudo o que já está em pronta entrega nós colocamos aqui. Agora, onde será que ela está?

Sam fuçou numa caixa de madeira enorme com um carimbo de exportação na lateral e o selo dos angelicais. Uma roda dentada em cima de uma espada e asas nas laterais. Ele fuçou tudo, jogando por cima do ombro algumas pecinhas pequenas, então ele puxou um pequeno cilindro de trinta centímetros do fundo da caixa.

- Aqui está. Eu sabia que ele tinha terminado, ele falou disso a semana inteira. – disse Sam entregando o cilindro a mim. Vi um desenho espiralado preto e laranja brilhar por todo o cilindro assim que o peguei.

- Lightning. – sussurrei.

SHUING!

A lança se expandiu sem nenhum aviso, a pega curta com lâminas longas em ambas as pontas. Era pouca coisa menor do que eu. Fletch não a tinha mudado muito, ainda havia seus desenhos espiralados que combinavam com o desenho na minha mão, mas ao invés de duas lâminas prateadas eu tinha uma de ouridium angelical e a outra...metal negro do Tártaro.

- Ele trabalhou dia e noite para conseguir fundir os dois metais. Foi difícil. Aço angelical e demoníaco tem tendência a se repelir, um só pode ser esfriado em agua benta enquanto o outro só pode ser esfriado em fogo maldito. Ele merece o título de maior engenheiro e ferreiro de Asferia. – disse Sam, ainda impressionado. Eu também estava. Olhei para o aço negro, ele brilhou em azul quando o cheguei perto do meu rosto. – A espada de Vincent fundida com sua lança...chega a ser quase poético a forma como as duas forças mais perigosas e que deveriam se destruir tendem a trabalhar juntas.

O tom dele era meio melancólico, olhei para ele. Sam de repente estava muito ocupado atrelando sua armadura. Ela se expandia nos lugares certos, as fivelas de amarração feitas com um elástico que permitia que ele entrasse e saísse das transformações sem problemas, sua espada curta estava presa as suas costas.

- Sam, quando isso acabar eu quero que me conte tudo sobre minha tia, meu irmão, meu pai. E sobre ele. Sobre Vincent. – eu disse, fazendo Lightning voltar a ser seu cilindro. Sam fez uma expressão incerta.

- Emily, você se lembra do que Ramona e Olivia disseram. É perigoso demais. Quanto mais importante a pessoa mais difícil a lembrança, pois estava atrelada ao seu outro corpo. Sua alma ainda se lembra é só o seu corpo novo que não. Se investigar mais a fundo vai poder descobrir por si mesma. Elas ficaram preocupadas quando você me viu. Lembra-se como você reagiu?

É claro que eu lembrava. Parecia que um ácido de bateria tinha sido jogado no meu cérebro. Voltar as lembranças não dói, o que dói é ser forçada a lembrar. E ver Sam naquele dia, foi como forçar uma bola de basquete a descer pela garganta. Uma dor quase insuportável, porém logo depois vinha a certeza. A certeza de que ele era real, de que os flashes na minha mente eram reais até que eu me lembrasse de cada momento passado com ele.

- Eu aguento.

- Mas, Asferia pode não aguentar caso você exploda em uma supernova. E já temos preocupações maiores para cuidar.

Eu o segui para fora, mantendo em mente as palavras dele. Ele tinha razão, uma coisa de cada vez. Primeiro eu iria lidar com os demoníacos, depois com as minhas lembranças incompletas.

Sam pegou o pégaso de metal de Fletch. Austor me reconheceu imediatamente e veio trotando até mim. Afaguei seu focinho de metal enquanto Sam subia sem problemas, mas com uma expressão que reconheci.

- Você tem medo de altura. – eu disse, juntando as sobrancelhas.

- Fobia na verdade. Mas, vou ficar bem desde que você diga a ele pra onde estamos indo. Vou fechar os olhos e só vou abrir quando estivermos no chão. – disse ele, engolindo em seco.

Revirei meus olhos e sussurrei no ouvido Austor. Ele me seguiu pelos céus sem problemas pra me acompanhar, embora tenha que ficar fazendo movimentos estranhos para não deixar Sam cair. O lobo estava agarrado a ele feito uma trepadeira. Encontrei com os outros nefilins no local marcado. Não houve grandes discursos motivadores, não houve palavras de bom senso ou qualquer coisa para elevar a moral. Nossa moral já estava elevada assim que passamos pelas termais atrás de Asferia e seguimos com velocidade para baixo na direção da corrente norte.

Por um tempo houve apenas nuvens e frio. Então, passamos por elas e o campo ficou claro como agua. Nossos olhos angelicais foram feitos para se usar de longe, então ninguém ficou surpreso quando vimos a extensão da destruição quilômetros a frente, logo depois da aldeia da corrente Norte. Havia fogo, destruição e morte.

- Meu Deus. – ofegou Dalisay logo ao meu lado. Trinquei os dentes. – Melhor dar a Josva o sinal.

Apontei minha mão para a direita e soltei uma bola de fogo para cima como se fosse um mega sinalizador. Segundos depois ouvimos o som dos morteiros explodindo munição de lá do alto.

- É agora. Dividam-se e se espalhem. Usem o que aprenderam, prenda-os nos elementos e não sejam mortos. – eu disse, puxando meus goggles para os meus olhos e minha lança para a minha mão. A lâmina ficou incandescente, faíscas de eletricidade saltavam da ponta.

A esteira de destruição era imensa. Fumaça negra subia, florestas foram devastadas e queimadas, corpos estavam para todos os lados, assim como peças de cyborgues destruídos. As colinas estavam repletas de guardiões lutando por suas vidas. Guardiões que quase perderam suas batalhas ao verem pasmos a chuva de angelicais que caiu de cima e as bolas de fogo que nos seguiam logo atrás.

BUM! BUM! BUM!

Um a um as bolas de canhão dos morteiros foram atingindo seus alvos, explodindo em estilhaços antes de chegar ao chão. Falanges de cyborgues se espatifando da formação de batalha. Os Guardiões se protegeram com puderam, desviando estilhaços de seu caminho, escondendo-se com escudos ou saindo e entrando da existência. Felizmente ninguém foi atingido, foi uma manobra muito arriscada.

O segundo ataque fomos nós. Pousamos unidos como uma linha de frente para proteger os angelicais.

- Em formação. – berrei.

O som de armas sendo puxadas foi alto e os cyborgues e soldados romanos estranhos deram para trás. Fiz sinal para avançar e nossas tropas voaram para cima dos inimigos restantes. Parecia tão surreal que até mesmo os robôs dourados em estilo cyber correram de nós. Um pouco antes a batalha estava equilibrada, agora nós os superávamos em número. Os Guardiões antes cansados, se levantaram ao ver que havia esperança e lutaram com seu último fôlego renovado.

Foi muito fácil expulsa-los de lá. Capturamos os que pudemos e mandei uma chuva de raios nos que se atreviam a tentar nos dizimar. Não demorou muito para que não houvesse mais inimigos para combater e os que capturamos foram destruídos, exceto por soldados romanos que pareciam nos atacar as cegas.

Quando já não havia mais nada, foi que veio o grito coletivo de vitória. Não pude reprimir o riso e encontrei Sam no meio da batalha sentado em um enorme troll de metal destruído. Ele bateu palmas pra mim e eu apenas revirei os olhos pra ele. E essa foi nossa primeira vitória.

Por enquanto.

                                                                          ***

 

- Não acredito que vocês deixaram Asferia sem defesa!

Suspirei pela milionésima vez. Gabriel andava de um lado para o outro no acampamento. Deixamos os guardiões descansar enquanto os recém-chegados faziam as rondas e montavam guarda. Havia anoitecido e pelo o que me disseram os demoníacos não atacavam durante a noite.

- Acho que é um mal angelical repreender quando o certo é feito ao invés de ignorado. – eu disse, revirando os olhos. Apertei um pouco mais a faixa de couro preta ao redor da minha lança. Era melhor porque assim não escorregaria da minha mão quando eu a usasse.

- Acabamos de perder trinta angelicais na corrente Oeste. Há um exército lá que não nos deixa avançar a frente. Você trouxe todos com você? – perguntou ele, erguendo uma sobrancelha.

- Sim. Exceto Josva que ficou com um contingente para dar suporte nos morteiros.

- Morteiros? Asferia não tem morteiros.

- Agora tem.

Ele me considerou de cima a baixo. Ramona e Olivia que ouviam tudo quietas se aproximaram. Ramona passou um braço ao redor dos meus ombros.

- Vocês andaram ocupados. – disse Gabriel.

- Isso é ótimo. Agora teremos alguma utilidade por aqui. – disse ela, deslizando seus olhos lentamente para a figura que se aproximava ao longe. Era Natalia.

- Emily, se ainda tiver forças para lutar preciso que venha comigo. – disse ela, séria. Sua figura de Barbie estava suja, uma lente dos óculos goggles quebrada, estava pendurado em seu pescoço. Fora isso, parecia a mesma de sempre com seu olhar carrancudo.

Não respondi, troquei olhares com Ramona e Olivia, ambas estranhando a atitude de Natalia. Como ninguém disse nada eu a acompanhei. Andamos a passos largos até colina abaixo. As tendas estavam armadas. Na ala hospitalar havia muitos nefilins feridos, muitos gritando. Ofeguei quando um grupo passou com um nefilim moribundo em uma maca e a visão me deu vertigens.

As asas tinham sido arrancadas sem piedade.

- A guerra nunca trará nada de bom. A única semente que ela planta é o ódio. – olhei para Natalia. Sua expressão estava carregada, triste. – Até mesmo nos corações mais puros.

Eu podia imaginar o fardo do comando de Natalia, o que ela estava sentindo agora era nada comparado a todas as vezes em que me senti impotente. Talvez por isso fosse tão severa, talvez isso explicasse o seu jeito e não a falta de asas. Segui-a colina abaixo sem dizer nada. Encontramos com o Pégaso prateado dela e ela subiu.

- Você e eu vamos investigar o que anda acontecendo com a corrente Oeste. – seus olhos varreram meu rosto, parecia que me desafiava a amarelar.

- Achei que tivesse proibido os angelicais de irem até lá. – eu disse.

- Nós duas podemos com o que há lá. Vamos.

Senti a adrenalina nas minhas veias enquanto a seguia pelos céus.

- Na tenda hospitalar os únicos sobreviventes da corrente Oeste berravam sobre algum Comandante Escarlate. Acho que tem algo a ver com o novo braço direito de Aysha. Quase todos os angelicais desmembrados na ala hospitalar deliravam sobre isso. – disse Natalia, o tom de voz meio contido. - É de lá que devem ter vindo. Proibi meu contingente de passar pela corrente Oeste. É perigoso demais enquanto não soubermos o que há lá.

- Os outros Guardiões fizeram o mesmo? - perguntei.

- Sim. Ninguém vai chegar perto da corrente Oeste. Somos as únicas loucas o bastante pra tentar.

- Vou tentar ver isso como um elogio. - eu disse. Ela deu um pequeno meio sorriso.

- Só os nefilins mais loucos tem o direito da glória, ruiva.

Bufei pra isso. A glória podia vir quando conseguíssemos salvar a todos. Só aí eu iria me preocupar com ela. De repente um nevoeiro muito denso nos pegou a menos de dois quilômetros da corrente Oeste. Fiquei tensa e sobrevoei por cima de Natalia. Eu voava a menos de um metro dela, o alto de sua cabeça quase encostava no meu estômago, mesmo a essa distância eu quase não podia vê-la. As pontas das asas do Pégaso de prata sumiam na nuvem densa demais.

- Não dá pra ver nada. - sussurrei.

- Eu sei. - a voz dela transparecia toda sua tensão.

Temos que descer, não é seguro continuarmos no alto. - sussurrei em sua mente.

Estava com medo de haver algo mais naquela neblina, pois ela não parecia nada comum. Natalia começou sua descida em espiral, o farfalhar de metal das asas do Pégaso parecia alto nos rochedos. Reverberava direto para nós, fiquei só um pouco menos preocupada assim que nossos pés tocaram o chão. Um chão que estava macio demais. Olhei para baixo, não dava pra ver nada. Uma névoa muito forte cobria tudo, nem dava para ver meus pés. Retesei minhas asas, puxei minha lança. Ela se expandiu sozinha em um flash rápido. Natalia veio para perto de mim, sussurrou algo ao Pégaso e ele voou para o alto. Ergui uma sobrancelha para ela.

Mandei trazer reforços. Temos cerca de cinco minutos, talvez menos. - disse ela, dando de ombros.

Ótima ideia.

Ficamos muito próximas, controlando até nossa respiração para não soar altas demais. Usei meus olhos angelicais, ainda assim foi insuficiente pra enxergar mais do que meus olhos humanos.

Eles disseram que um exército os havia atacado, certo? - perguntou Natalia, os olhos vasculhando tudo como eu.

Sim. Pelo menos trinta dos nossos foram mortos, Natalia. Se um de nós já é o bastante para causar um bocado de problemas imagine trinta. - respondi, atenta a qualquer som diferente.

Só estou dizendo que isso é estranho. Não há sons ou cheiros estranhos, não há sinais de batalha. Não há nada aqui.

E é exatamente isso o que me preocupa. Acha que estamos no lugar errado?

SWISH!

Algo brilhante veio direto na direção de Natalia. Se ela não tivesse reflexos inumanos aquela flecha teria acertado sua perna esquerda, talvez até perfurado sua artéria femoral. Ela desviou a flecha com o cabo de sua lança. Então, olhou furiosamente para a direita, provavelmente de onde achava que tinha ouvido o som da flecha sendo disparada. Ambas ficamos de costas uma para a outra, armas de prontidão.

É, acho que estamos no lugar certo. - disse ela, o desafio em sua voz mental.

- CUIDADO! - berrei, empurrando Natalia.

BUUUUUM!!!

Natalia rolou para a direita, eu fui para a esquerda e entre nós duas um punho de pedra maior do que eu esmagou o chão onde estivemos segundos antes. Nos viramos, prontas para lutar. Eu não conseguia ver o rosto da coisa, pois a neblina era densa demais. Só conseguia ver o bastante para escapar de ser esmagada outra vez. Rolei para a direita, girei a lança. Faíscas azuis saltaram quando minha lâmina bateu na pedra.

Ouvi um grunhido de dor e a mão gigante se afastou. Minha respiração estava ofegante, a adrenalina pulsava nas minhas veias. Um segundo punho veio do nada e eu rolei de novo, só que alguém já esperava por isso, pois no segundo seguinte um terceiro punho desceu sobre mim e usei uma bola de fogo para afasta-lo. Girei levando minha lança comigo, mirando no alto acabei acertando as costelas de um troll de pedra, luz escapou da fenda que eu havia aberto e franzi as sobrancelhas para aquilo. Pulei para trás, dobrei a distância em um raio azul e logo eu estava a uns dez metros de distância dele e bem ao lado de Natalia.

- São dois. Mas, não são trolls. - eu disse, juntando as sobrancelhas para as duas figuras de pé bem em nossa frente. Tinham fácil doze metros de altura, só dava para ver suas silhuetas no nevoeiro.

- Não, não são. - Natalia parecia confusa e ao mesmo tempo desolada. - TJ? Maad?

- Os irmãos mortos? - ofeguei.

- Só eles tinham a habilidade de transmutar para a pedra. Ninguém mais teria esse dom. O que houve com vocês? Por que estão nos atacando?

Eles responderam com grunhidos altos e então uma chuva de pedregulhos veio até nós. Nos protegemos como pudemos, desviamos com as lanças, com telecinese e com nossos reflexos. Enquanto o primeiro jogava pedras o segundo veio correndo até nós, o punho levantado. Parecia uma locomotiva com músculos de pedra. Separei meus pés e corri em sua direção, Natalia me protegia das pedras que voavam na nossa direção.

O punho do gigante desceu, deslizei por baixo de suas pernas. O punho bateu na terra atrás de mim, me levantei meio trôpega, ele fora lento para se levantar e isso me deu vantagem. Usei suas costas como trampolim e voei para o alto. Parei no ar e comecei a invocar o ozônio ao meu redor. O ar estalou, formou um trovão que iria estourar assim que eu recolhesse poder o bastante. Quando me senti cheia dele, mirei minha lança no troll atirador de pedras e soltei a lança sobre ele.

Centenas de relâmpagos acompanharam minha lança e caíram bem em cima do gigante. A lança se fincou em seu braço quando ele tentou proteger o próprio rosto, os raios bateram nele com tanta força que ele foi arremessado com violência para dentro da neblina até que eu o perdesse de vista a não ser por flashes dos relâmpagos. Pousei no chão, recolhi minhas asas e estiquei minha mão na direção onde estava minha lança. As tatuagens pretas na minha mão se acenderam em laranja, minha lança voou de volta pra mim e eu a agarrei no ar.

Natalia lutava com o outro troll. Ela o tinha envolto em um chicote e usava as raízes profundas da terra para prender seus pés e se enrolar nele. Natalia pulou nele e usou um punho de fogo bem em seu peito. Senti a onda de impacto no ar, assim como o alto som de BUM quando ela o atingiu em cheio.

Eu sabia que havia algo errado ao perceber que ele não se espatifara como as centenas de trolls de pedra que eu já enfrentara durante os treinamentos. Ele apenas caiu pesadamente no chão e isso ajudou as raízes a se enrolarem mais nele. Ajudei Natalia ao colocar minha mão na terra e pedir as raízes que saíssem. Foi como se eu tivesse centenas de braços e pudesse sentir cada um deles distintamente e separados. Abracei o gigante com todas as raízes que consegui fazer sair da terra, eram tão grossas quanto raízes de sequoias. Logo o gigante ficou imóvel, tentando se mover, mas só conseguia rugir alto. Natalia se virou pra mim, nem um fio de cabelo fora do lugar, apenas uma manchinha na bochecha.

- Essa foi fácil. - disse ela, sorrindo.

- Fácil demais, eu diria. - resmunguei, atenta ao redor.

Como se para provar meu ponto, o segundo gigante de pedra que eu havia abatido antes apareceu. Estava mancando, segurava suas costelas e cambaleava. Seus olhos brancos leitosos se fixaram em nós, ele grunhiu ao olhar para o irmão que berrava a plenos pulmões. Apontei minha lança para ele, pronta pra mandar mais uma tempestade de raios se fosse necessário. Talvez isso o desacordasse. Então, ambos os gigantes se calaram e olharam para algo acima de nós, bem nos rochedos. Eu e Natalia ficamos de costas coladas outra vez, esperando outro ataque. Eu deveria saber que nenhum aviso prévio poderia realmente me preparar para aquele momento. De repente um alto:

BUM!!!! TRKKKK!!

Sons de rachado de gelo e então a névoa se desfez quando enormes estalagmites de gelo do tamanho de postes de luz começaram a surgir uma a uma no chão, pontudas e mortais. Natalia e eu só pudemos correr, elas saíam da terra a centímetros de nossos calcanhares em seu esforço para nos empalar. Abracei Natalia pela cintura e voei para o alto com ela.

Era desconfortável voar carregando peso, mas tínhamos treinado para isso, então não era algo tão fora do comum. Pousamos em uma rocha no alto e ficamos atentas, nossas mãos apertadas na lança. Do nada a neblina começou a se dissipar e formava um corredor em que podíamos ver o estrago tremendo na terra coberto por centenas de penas brancas e cinzas cobertas por sangue seco. Natalia e eu ofegamos, meus olhos se encheram de lágrimas.

Centenas de asas haviam sido arrancadas, pisoteadas no chão como tapetes velhos ignorados. Sangue estava por toda parte, espirrado nas pedras ao redor, manchava tudo em um tom escarlate escuro muito macabro. Só que esse tapete formava um X gigante perfeito, claramente foram colocadas ali de propósito.

E estávamos bem no meio do X.

Algo me atingiu pelas costas e me jogou rolando pelas pedras, minha asa se quebrou na queda com uma, meu rosto bateu nas pedras, meu corpo inteiro antes que eu caísse de cara na terra. Grunhi de dor, sangue banhando minha boca, senti o corte no meu lábio. Me ergui com dificuldade, quase gritei pela minha asa quebrada. Olhei para o alto. Meus olhos se arregalaram ao ver Natalia sendo segurada pelo pescoço por uma figura alta, musculosa e de armadura romana. Sua armadura estava toda coberta de sangue seco, o que lhe dava uma cor distinta e logo seu nome subiu nos meus lábios.

- O Comandante Escarlate. - ofeguei.

Eu tinha caído de muito alto, de modo que quase tinha que deitar no chão para enxerga-lo com Natalia lá em cima. Joguei minha lança na direção dele, mas era tarde demais. Com um som alto de carne sendo dilacerada, ele abocanhou a garganta de Natalia e ela gritou a plenos pulmões. Ele desviou minha lança com sua espada sem olhar.

- NÃÃÃÃÃÃO! - berrei, ao vê-lo jogar Natalia de lá de cima.

Tentei voar, mas o som alto de estalo na minha asa não deixou que eu me movesse rápido o bastante para pegar Natalia antes que ela atingisse o chão com força. Ainda assim, corri até ela como pude. Peguei-a no colo.

- Natalia? Natalia, por favor. Ah, meu deus! - Tentei estancar o grande arrombo em sua garganta, mas ela se afogava no próprio sangue, suas unhas se cravaram no meu braço. Ela tentou falar algo, seu rosto desesperado. Aproximei meu ouvido. Ouvi a aproximação do comandante. Ele vinha lentamente, pulando de pedra em pedra como se tivesse todo o tempo do universo. Natalia encostou os lábios no meu ouvido.

- Corra. Você...não vai...conseguir...Corra, Emil...

Ela parou de respirar, seu corpo ficou flácido nos meus braços. O grito subiu na minha garganta, larguei Natalia e corri na direção do maldito. Enquanto eu corria, fiz um gesto com a mão. Um grande pedaço de pedra se desprendeu e voou na direção do Comandante. Ele parou e se protegeu com a espada, seus pés deslizaram na terra. Me apoiei no corpo do troll ainda enrolado, usei como trampolim, peguei minha lança no ar e joguei todo o poder dos céus nele.

TZUISHHH!!! ZAAAAAAAAAZ!!! BUUUUUUM!

Eu nunca tinha jorrado um poder tão forte antes. Nem contra Natalia, nem contra os demoníacos, nem contra o Ceifador. Poder o bastante para matar. E naquele instante eu descobri que eu realmente era capaz disso: Perfeitamente capaz de matar através da fúria.

O Comandante voou para trás, os raios o atingindo. Ele rolou na terra, bateu nas pedras como uma boneca de trapos. Rolou com tanta violência que achei que tivesse quebrado todos os ossos de seu corpo e realmente esperei por isso. Corri em sua direção. Quase fiquei chocada ao vê-lo se erguer, a bile subiu em minha garganta ao vê-lo colocar o próprio braço no lugar e alguns dedos, o estalo foi alto. Ele ergueu sua espada e bateu na minha lança quando pulei nele. Consegui dar um mortal por cima dele e girei a lança para o lado quando eu já estava com os pés no chão.

CLANG!

Grunhi quando ele também conseguiu rebater meu golpe. Girei a lança outra vez, dessa vez usando a segunda lâmina em direção a seu rosto. Ele também rebateu. Rapidamente fiz um-dois com ambos os lados, mirei em seu lado direito e esquerdo.

CLANG! CLANG!

Continuamos nessa dança até minha fúria me impulsionar, até que meus golpes fossem tão rápidos que não dava pra vê-los. Ele devia ser um demônio muito antigo e poderoso, pois não consegui acertar um e ele não diminuiu a velocidade em nenhum momento. Se abaixava, rolava, pulava, dava piruetas usando a espada junto como um furacão laminado, clones de gelo saíam do nada e tentavam me atacar. Literalmente suei para não ser morta ali. Foi só depois de alguns minutos disso, meus músculos quase pedindo rendição, quando percebi algo. Se eu estivesse certa sobre sua postura...

Me arrisquei, passei por baixo de seu braço quando ele fez um movimento para cortar minha cabeça. Girei, fiz uma finta para a direita e sua espada veio na minha direção. Rolei no chão para a esquerda, já girei e levei minha lança comigo. Como esperado, ela rasgou o tendão da parte de trás de seu joelho esquerdo e ele se dobrou. Não perdi tempo e acertei minha outra lâmina em seu elmo com toda a minha força, um grito alto de batalha subindo na minha garganta.

BAM!

Com a mesma força de um taco de beisebol minha lâmina bateu na lateral de seu elmo e ele voou para o lado. O elmo foi arrancado de sua cabeça em rodopios de crina escarlate e metal amassado. O comandante ficou parado no chão um instante, ouvi que ele cuspia sangue.

- Eu vou arrancar de você cada pedaço de pele. Vou arrancar de você tudo o que tirou de nós. - rosnei, a ponta da minha lança crepitando eletricidade e iluminando dentro da névoa.

O comandante se levantou lentamente, se arrastou até sua espada. Então se ergueu. O cara era muito alto, costas largas, braços longos e musculosos, mas não tanto. A luz da minha lâmina o iluminou por um instante. Primeiro vi a ponta de uma tatuagem saindo por seu pescoço, a armadura e a camisa preta por baixo não foram o bastante para esconde-la. O que me chamou a atenção foi seu cabelo incomum. Não era preto, não era ruivo, não era castanho e nem loiro.

Era branco. Como a neve.

Minha respiração parou na garganta, meu coração parou de bater, o sangue pulsou nos meus ouvidos.

- Não...não pode ser. - ofeguei.

Lentamente ele se virou para frente. Meus olhos acompanharam devagar, talvez por sentirem o choque começar a deixar meu corpo dormente. Comecei pelo pescoço, uma linha de tatuagem se sobressaindo muito preta pela lateral esquerda do pescoço. Então, a barba rasa, o queixo quadrado, o maxilar estreito, os lábios finos, o nariz reto, as sobrancelhas grossas e arqueadas daquele jeito maldoso. Os olhos deveriam ser prateados, mas estavam brancos como leite. Eu tinha feito um corte feio em sua bochecha. Seu rosto não tinha expressão. Eu o teria reconhecido em qualquer lugar, em qualquer situação.

Só o tinha visto através de lembranças muito, muito vagas, como um sonho e pelas memórias de Sam. Tinha ouvido falar dele, tinha sonhado com ele, vinha pensando nele, vinha odiando-o em segredo. Mas agora, vê-lo desse jeito, ao vivo e a cores...Era mais do que eu podia suportar.

Dava pra sentir. Estava começando na base do meu cérebro, uma queimação incontrolável, a lança caiu da minha mão. Eu tinha que dizer o nome, se eu não dissesse então eu teria certeza que este era só mais um pesadelo.

- Vincent.



 



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