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História Loup Garou: Ragnarök - Ultimas consequencias


Escrita por: InvisibleWriter

Capítulo 15 - Ultimas consequencias


Fanfic / Fanfiction Loup Garou: Ragnarök - Ultimas consequencias

 

Puxei uma respiração profunda enquanto me erguia como se estivesse emergindo de águas escuras e assassinas. Eu já tinha me afogado uma vez, o mar nunca fora exatamente um bom território pra mim, mas ultimamente o que era um bom território para alguém como eu?

Depois de alguns minutos me recuperando do sonho, me levantei e fui até a janela. O mecanismo automático se abriu assim que eu me aproximei. Nem precisei fechar meus olhos para a luz do dia, pois lá fora estava tão nublado que não havia brilho pra me cegar. Abri minhas asas e as estiquei o máximo que o quarto luxuoso permitiu, a envergadura tocou as paredes de cada lado do cômodo extenso. Olhei para o espelho que cobria todo o teto. Era surreal a forma como elas pareciam. Negras, cada pena absorvendo a claridade ao redor, como espectros alados chamando pela luz, absorvendo tudo na escuridão. Meu reflexo olhou de volta pra mim no alto, os olhos alaranjados e o rosto frio.

Desviei meu olhar, pois poderia passar o dia inteiro ali. Olhei para Nova Orleans lá fora, as ruas já apinhadas de pessoas. Só que eu não estava pensando muito nisso, pois o rosto de um certo alguém estava na minha mente. O rosto de um garoto. Ele me guiou por um rio, terras devastadas em neve, cinzas e solidão. Passamos por dezenas de árvores mortas enquanto eu o perseguia, chamava por ele. Quando o alcancei ele me falou sobre avisos, sobre o fim de tudo. Era tão doloroso vê-lo, tão doloroso falar com ele. Mas, eu não me permiti chorar, não me permiti demonstrar o quanto precisava dele, pois o meu mundo simplesmente não fazia mais nenhum sentido. Eu precisava dele para me salvar da escuridão a que eu não conseguia mais largar.

- Helvite. – disse ele, os olhos prateados a frente.

- Helvite? – perguntei, achando o termo familiar.

- Encontre a Helvite. – respondeu apenas. Então ele parou de andar e tirou da minha frente ramagens de galhos mortos pelo frio intenso demais.

Ofeguei com a visão a frente. Era uma árvore, disso eu tinha certeza. Só que seus galhos grossos se emaranhavam nas nuvens até eu perceber que as nuvens é que eram sua ramagem. Era colossal, completamente além da imaginação. Não havia neve onde ela estava, o resto dos quilômetros ao redor pareciam completamente tomados pelo inverno cruel e impiedoso. Era como se onde a árvore estivesse reinasse apenas uma única estação, existisse apenas a primavera. A árvore era linda, um freixo exatamente como Vincent havia me contado uma vez.

- Essa é a Yggdrasil. A Axis Mundi das suas lendas. – sussurrei, maravilhada. Vincent fez que sim, mas não disse nada. Olhei para ele pelo o que pareceu uma eternidade. – Vince...

- Escolha. – disse ele apenas.

Três luzes apareceram, bem na base da árvore. Três luzes azuis, como se marcassem o caminho para algo. Era exatamente isso, por isso ele me pedira para escolher. Olhei para o pálido rosto sério de menino de Vincent, meio transparente, ainda lindo com os cabelos brancos e olhos prateados.

- Você já sabe qual.

- E você sabe que será difícil.

- Você prometeu estar comigo. Vivo ou morto, lembra?

- Eu estarei lá. – disse ele, me dando um meio sorriso triste. – Eu estarei sempre com você.

- Não, não assim. Não dessa forma. – eu disse, erguendo minha mão para ele. Vincent a tocou, só que não era um toque real. Era um toque frio, leve como uma brisa, nada como o seu toque quente e vivo de antes.

- Confie em mim. – sussurrou ele. – Encontre a Helvite. Beba do poço, faça de Urd sua sabedoria. Não olhe e nem fale com o homem no foço, ou nunca mais verá a luz do dia.

- Vince, espere! – chamei, vendo-o desaparecer.

Seus dedos foram deixando os meus enquanto ele ficava mais transparente e o vento o desfazia em flocos de neve, acompanhei a neve voar para o alto, para uma tempestade furiosa que se aproximava muito negra, trovões e relâmpagos, berros distantes e um uivo tão, tão alto que fazia a terra tremer. Foi neste ponto que eu acordei ou fui puxada seriam as palavras.

Encarei Nova Orleans pelo vidro. Urd, Helvite. Eu já tinha ouvido falar disso, eu me lembrava de Vincent me contando histórias da era escandinava enquanto tomávamos sol do lado de fora da cabana, deitados sob folhas secas. Eu estava admirando seu rosto, os cabelos brancos, o som hipnotizante de sua voz, os olhos azuis celestes. Não estava prestando muita atenção no que ele estava dizendo, o que se provou um erro.

- Um enigma. – eu disse, recitando as palavras de Vincent na minha mente para não esquece-las, apesar de ser impossível agora. – Outra missão? Talvez. Estou sem tempo. Preciso concluir meu plano esta noite e encontrar Celeste, saber sobre os olhos do Oraculo e usá-lo para encontrar Deus.

Me virei para começar o dia. A festa seria hoje a noite, eu já tinha preparado tudo o que Louise pedira. Alugara um hangar enorme para dar a festa mais louca de Nova Orleans e armar o nosso circo. Eu não tinha dúvidas de que Celeste cairia, mas não era tola o bastante para subestima-la. Eu tinha espalhado Dybbuks por todos os lugares, eram meus espiões por toda a cidade, pois meus cães seriam chamativos demais. Eles eram o convite da festa, levou cerca de seis horas para toda a Nova Orleans demoníaca saber da festa e saber que o que Celeste procurava estaria lá.

Recapitulei o que eu sabia, pois assim ficava mais fácil por todos os pingos no I’s e traços dos T’s.

Eu estava atrás dos olhos do Oraculo, pois Samael os mantinha separados dela para enfraquece-la e subjuga-la. Só que sem aqueles olhos ela era incapaz de ver muito longe, incapaz de encontrar a resposta que eu procurava. A única pessoa que poderia saber onde estava ou que poderia ter alguma ideia era Mirael, cria e servo de Samael. Eu havia encontrado um Dybbuk e o marquei como meu para obriga-lo a entrar na mente de Mirael e descobrir o segredo do Punidor.

Acontece que nos registros de Samael não havia nada sobre isso, mas eu sabia que todo demoníaco tem seu parceiro, seu irmão, exatamente como os anjos. As forças da criação baseadas no Equilíbrio sempre andam em dualidade perfeita, sejam elas em opostos colidentes como Anjos e Demônios ou opostos atrativos como eu e Vincent. Samael também tinha sua contraparte, eu sabia disso, a mente de Kaab confirmou pra mim. Só havia um nome que Mirael conseguia pensar e esse nome era Celeste.

Por coincidência (ou não), eu acabei cruzando caminho com duas criaturas distintas que estavam caçando ninguém menos do que Celeste. Safira e Louise, Succubus e Bruxa respectivamente. Capturei ambas e as intimidei a me contar porque estavam me seguindo. Diante dos meus caçadores demoníacos elas logo abriram o bico, eu queria muito ter pensado em usar esse tipo de técnica quando eu era do DPC, teria me poupado muito tempo com interrogatórios insatisfatórios.

Celeste nunca, jamais saia de seu covil, pouco se sabia sobre ela. Só que Safira me garantiu que ela sairia por um único motivo: Um jovem demônio chamado Sebastian Van Urich. Elas precisavam encontrar o garoto e entrega-lo a Celeste, era parte de algum tipo de acordo. Mas, eu as persuadi a não fazer isso. Algo não estava cheirando muito bem nessa história e eu queria muito saber o que era.

E isso nos leva ao patamar atual, ao dia exato da festa e onde eu finalmente veria Celeste, se eu tivesse sorte. Mas, pra isso eu precisava de roupas novas, pois boa parte dos demoníacos apareceria e pijama não era o tema da festa. Fechei minhas asas e voltei minha atenção para o armário atrás de mim. Ultimamente eu tinha lugares como esse em várias partes do mundo, mantidos por servos que um dia foram de Marmaroth. Roubo? Eu não diria isso. Estava mais para apropriação do que também era meu por direito de sangue. Não era a suíte mais luxuosa de Nova Orleans, pois apesar de tudo eu ainda odiava a ostentação barata, coisa que não mudou e nem mudaria nunca. Não chamar a atenção pra mim mesma sempre foi algo que mantive quase como um dogma.

Mas, não esta noite. Hoje eu precisava que as atenções fossem todas pra mim.

Logo vi que meu armário não tinha nada que eu gostasse ou nada apropriado. Vesti meu vestido azul marinho, o casaco de tweed cinza pesado que chegava até os meus joelhos e saltos altos batendo no chão do assoalho de madeira. Bastou apenas uma escovada e meu cabelo estava apresentável. Não perdi tempo saindo do quarto, simplesmente abri a porta e logo eu estava saindo de um dos becos do centro de Nova Orleans.

Me misturei na bagunça de pessoas, caminhando entre elas, mas nunca mais seria uma delas. Não pude deixar de pensar em como fazia menos de alguns meses eu costumava ser como eles, até mesmo pensava como eles e agia como eles, apesar de algo em mim sempre me dizer que eu jamais fora normal. Acho que só os loucos se sentem sãos, então pode-se dizer que é um bom sinal.

Senti a presença me seguindo pelas ruas, era a mesma presença que me seguiu pela madrugada enquanto eu andava por Nova Orleans, depois quando dei um pulo na Grécia e outro na Turquia. Eu já conhecia essa presença, a sensação dos meus pelos na nuca se arrepiando.

- Você não dorme?

Não me virei para o som da voz de Safira, pois em nada me surpreendia.

- Não. - respondi a ela, olhando pela vitrine de uma das lojas no centro de Nova Orleans.

- Não? Nefilins demoníacos dormem, certo? - perguntou ela, me acompanhando enquanto eu entrava na loja. As duas mulheres na entrada desviaram os olhos de mim quando passei por elas, cumprimentaram Safira parecendo aliviadas em ter ao menos para onde olhar.

- Demônios dormem, anjos também, mas eu não. Também não preciso comer. Mais alguma pergunta sem importância? - olhei em uma das araras a procura de algo que eu gostasse.

- Centenas delas na verdade, mas pode ficar para depois. - ela tirou algo do bolso interno da jaqueta de couro e mostrou pra mim. Era um vidro verde estreito fechado com uma rolha cheia de escritas estranhas. - Louise preparou este receptáculo para guardar toda a essência que conseguirmos.

- Vamos pegar o máximo que pudermos. - eu disse, tirando uma camisa azul marinho das araras. Examinei-a já pensando no que combinaria perfeitamente com ela.

- Certo.

- Por que não começa agora mesmo? - eu disse. Safira ergueu as sobrancelhas em descrença. Olhei para a minha direita.

Uma garota de talvez vinte anos olhava para Safira de um jeito que reconheci. Usava óculos, tinha um rosto delicado e bonito, mas parecia um tanto inocente. Pela sua aura eu sabia que era, principalmente pelo fato de ela ter corado bastante quando Safira encontrou com o olhar dela, ela arrumou os cabelos louros nervosamente, então começou a folhear grossos livros de contabilidade.

- A estudante recatada? Jura? Não tem algo mais clichê na sua lista de clichês? - perguntou, torcendo os lábios pra mim.

- Provavelmente aquela garota nunca teve um orgasmo na vida. Não seria um privilégio pra ela receber isso de uma Succubus ao invés de um mortal inútil que provavelmente estaria se lixando se ela iria gozar ou não?

- Eu posso acabar matando-a. Não sou o tipo que exatamente pratica o autocontrole. - respondeu ela, me incitando a levar o perigo a sério. E eu levava. Mas, não para o lado que ela pensava.

- Se ela morrer será por uma boa causa, além do mais ela morreria com um belo sorriso no rosto. - eu disse, bufando. Encontrei um jeans skinny preto perfeito.

- Você algum dia já foi humana? - disse ela, me encarando com curiosidade.

Eu tinha sido há muito tempo. Um tempo vago e que desaparecia cada vez mais.

- Safira, eu tenho uma missão aqui, meu tempo é limitado e vou ser muito sincera com você. - Encarei seus olhos negros com seriedade, ela desviou o olhar depois de poucos segundos. - Eu vou fazer tudo o que for preciso para chegar até o meu objetivo. Ainda que eu tenha que destruir mil vidas humanas ou de qualquer outra criatura que se interpor entre mim e o que eu preciso. Agora, será que podemos parar de fingir que você não está adorando a ideia de corromper uma mortal inocente? Pense em como será, Safira. Eu sei que é o quer, posso ler sua aura.

Os olhos dela brilharam feito luzes de natal. Me apoiei em uma das araras, cheguei bem perto do ouvido de Safira para sussurrar.

- Algumas regras foram feitas para serem quebradas. - olhei de volta para a garota com um meio sorriso, os olhos de Safira também foram para ela. A garota mantinha os olhos firmemente no que estava fazendo, mas ainda estava levemente corada. - O que está esperando para fazer aquilo que você já sabe que fará de qualquer maneira?

Safira deu um olharzinho de lado junto a um sorriso lascivo e eu soube que tinha vencido sua resistência. Ela ergueu o queixo e andou lentamente até a garota no balcão. Vi a garota se atrapalhar, colocar o cabelo louro atrás da orelha nervosamente enquanto apontava para as vendedoras ocupadas atendendo outros clientes. Safira se aproximou mais, tocou levemente o braço da garota e vi a energia sutil saindo da ponta de seus dedos e indo para onde ela tocava a pele da garota. Dei um sorriso ao ver a aura da garota se iluminar, principalmente a cor que estávamos procurando. A tonalidade vermelho clara, quase rosado. A cor do desejo.

A garota se aproximou de Safira, os olhos nos lábios da Succubus. Safira não perdeu tempo e escolheu uma roupa em uma das araras, um vestido vermelho com detalhes em preto. Ela o jogou por cima do ombro, foi até o grupo de provadores e piscou para a garota loura ainda atordoada no balcão. Safira fechou a cortina, segundos depois a garota loura se atrapalhou toda, os óculos escorregando do nariz enquanto seguia cautelosamente até o provador de Safira e desaparecia lá dentro.

Fácil demais, pensei enquanto balançava a cabeça. Continuei a escolher minhas roupas, distraída pelas peças belas. Então esbarrei num espelho. Puxa, meu cabelo sempre foi tão laranja assim? Estava tão comprido, chegava até a base da minha coluna. Lembrei-me de como havia cortado ele curto antes de toda a confusão com Asrael em Chicago. Contemplei a ideia de corta-lo outra vez.

Era melhor não, Vincent gosta dele comprido, adoro o modo como seus dedos se entrelaçam nele enquanto fazemos amor e o jeito como ele os acaricia logo depois de terminarmos, brincando com as mechas compridas, seus olhos prateados fixos na cor como se não conseguisse desviar o olhar, exatamente a antítese da reação de todas as pessoas ao meu redor. Meus olhos ficaram azuis por um instante, resquícios da energia angelical enquanto eu pensava na melhor parte de mim, em seus olhos azuis claros lindos e brilhando sempre que me viam. Como se eu fosse seu mundo.

Fechei meus olhos, a lembrança me tirando da hipnose do meu próprio reflexo. Senti uma dor enorme que me tirou o ar, fechei minha mão em punho onde deveria haver um coração, de repente ouvi o ofegar das pessoas ao meu redor e abri meus olhos apenas para ver o tremor no ar, as luzes piscando e os lustres de cristal balançando enquanto o prédio inteiro oscilava em seu eixo.

- Calma, pessoal. É apenas um leve tremor. Deve ser a ferrovia próxima. - disse uma das atendentes, olhando para as pessoas assustadas ao redor.

Respirei fundo e me controlei. Enfiei as lembranças dentro do cofre, quando olhei de volta meu reflexo no espelho não havia mais a expressão torturada e nem o brilho fugaz azul que lampejou um segundo antes. Vincent estava morto, aquela Emily também e se dependesse de mim ela ficaria pra sempre enterrada. Não era Emily Anne Griggori que me encarava de volta naquele espelho. O rosto angelical bizarro era frio, sem traços de emoções, o que era pior do que um sorriso frio. A pessoa que me encarava de volta, o queixo erguido em confiança, os olhos cor de âmbar e de corpo curvilíneo era Emily de Marmaroth, uma Primordial com uma missão. E não havia nada neste mundo que me faria falhar.

Fui até o caixa para pagar, nem precisei entrar na fila, pois as pessoas simplesmente se afastavam quando me viam, suas mentes explicando a si mesmas que eu estava de lentes, que o motivo para não conseguirem olhar pra mim é porque eu era esquisita e sofria de algum tipo de síndrome. Não importou para a moça no caixa assim que dei meu cartão preto a ela, outra aquisição de Marmaroth.

Saí da loja e Safira não demorou para aparecer ao meu lado.

- Menos um. – cantarolou ela, balançando a pequena garrafa. Havia uma espécie de fumaça rosada dentro, era quase invisível. – Agora só falta mais algumas centenas de pessoas para servir de cobaias.

- Não considero isso um desafio. – respondi, dando de ombros. – Temos várias pessoas ao nosso redor.

- Eu não vou sair transando com toda Nova Orleans só porque você e Louise precisam de auras sexuais. – disse ela, franzindo as sobrancelhas escuras. – Succubus não são sinônimos para prostitutas. Temos dignidade.

- Venha comigo.

Agarrei a maçaneta de uma porta de uma loja pela qual eu passava e a abri. Usei o Pulo para me fazer ir além e quando entrei não estávamos dentro da loja e sim em outro lugar. A céu aberto, o vento ártico surrando nossos rostos e em pleno ar livre. A respiração de Safira se condensou no ar, seus cabelos negros esvoaçando enquanto ela olhava embasbacada ao redor.

- Você...viajou nas sombras? – perguntou, confusa.

- Somente Succubus e Inccubus podem viajar nas sombras. Eu usei o Pulo, a habilidade de conseguir dobrar a realidade para me permitir chegar há alguns locais com mais rapidez. – expliquei, olhando para as nuvens carregadas parecendo tão próximas.

- Onde estamos?

- One Shell Square, o edifício mais alto de Nova Orleans. Aqui eu vou poder ter mais alcance. – eu disse, subindo no muro do prédio e ficando exatamente na beirada.

Lá em baixo tudo parecia menor. Pessoas, carros, árvores e algumas casas ao longe, a única coisa que não diminuía eram os meus problemas. Girei meus ombros e minhas asas se abriram.

- Ficou louca? Alguém pode te ver! – grunhiu ela logo atrás de mim. – O Manto está fraco, os humanos...

- Tem um pouco de ciência do que somos, é verdade. Mas, eles não me verão a menos que eu queira isso. Entenda, Safira, eu não sou como os sobrenaturais que você está acostumada. Sou bem maior do que eles.

Ergui as mãos, invoquei ventos e tempestades. Trovões se insinuaram ao longe, as nuvens ficaram ainda mais escuras, os ventos aumentaram. Meus pés saíram do chão enquanto eu flutuava alguns metros acima, sentindo o poder em mim, ao meu redor e mais além.

Kaab me ensinara certa vez sobre os elementos da criação. Terra, Ar, Fogo, Água e Espirito. Antigamente eu morria de medo disso, sabia que tinha poder o bastante para controlar todos e isso me apavorava. Mas, hoje não. Hoje era o medo que teria medo de mim.

Raios rasgaram o céu, tudo ficou escuro, frio e estático. Os carros lá embaixo pararam, as pessoas também e então até mesmo o ar ficou quieto. As nuvens acima ficaram imóveis, grandes massas cinzentas escuras paradas como se por vontade delas mesmas, o frio ficou parado. Era o silêncio no mundo, a antítese exata da minha mente e do meu espirito nas últimas semanas e eu desejei poder calar a mim mesma desse modo. Apenas me deitar e parar sem qualquer consequência. Flutuei de volta para a beirada do muro, fechei minhas asas para me ajudar a conter o poder que queria se esvair de mim em ondas. Controlar o elemento do Espirito não era algo fácil, menos ainda era contê-lo.

Nova Orleans era apenas uma silhueta agora, pois em torno dela e entre os corredores dos prédios, ruas e sarjetas, a cidade se pintava em um arco-íris completo, como uma aurora boreal só que dentro da cidade ao invés de no céu.

- Você parou o tempo?! – ofegou Safira, indo para o muro e olhando para as pessoas paralisadas lá embaixo.

- É claro que não. Estou te dando uma ajuda. Intensifiquei cada aura de cada pessoa de Nova Orleans, as auras mais fortes são as que você vai pegar, pois correrá um risco menor de matar alguém. Assim não precisaremos ficar procurando auras mais fortes ou mais fracas para roubar. Consegue vê-las, não é? – perguntei, olhando para o arco-íris emanando de cada ponto de Nova Orleans. – E eu não parei o tempo, usei um dom demoníaco conhecido como...

- A Inercia. – ela balançou a cabeça, um sorriso fascinado começando a se abrir. – Eu já tinha ouvido falar de Príncipes e Princesas infernais capazes de parar a Criação, quase o Equivalente de parar o tempo. O que acontece depois quando você libera-los da Inercia?

- Você alguma vez já parou para fazer algo e quando olhou no relógio muito tempo havia se passado sem que você percebesse? Essa é a sensação que eles terão. Você terá duas horas para pegar todas as auras que puder, eu as intensifiquei, então não vai precisar sair dormindo com toda Nova Orleans.

- Isso vai ser fácil. – ela deu um sorriso atraente.

- Ótimo. Encontro você e Louise no galpão 5. Já sabem o que fazer.

- Há uma aura de mistério em você que me intriga. – disse ela, voltando o sorriso pra mim. Eu apenas a encarei. – Posso ver uma alma torturada e um coração muito machucado, mas não posso ver nada mais. De onde você vem?

- Do inferno. E acredite, você não quer entrar na minha mente pra descobrir. – eu disse, já sentindo sua mente tentando sondar a minha. Safira fez uma leve expressão de surpresa. – Tudo o que você precisa saber é que não há nada nesse mundo que eu não possa fazer. Duas horas, Safira. Tic, tac.

Desapareci nas sombras antes que ela pudesse dizer algo mais.

 

                                                                          ***

 

O Galpão 5 ficava em uma área industrial de Nova Orleans, bem as margens do lago Pontchartrain. Eram uma série de hangares onde costumavam ficar aviões velhos prontos para serem desmontados e sucateados. Era desconhecido do público em geral, pois na grande maioria das vezes é bastante frequentado por criaturas do submundo, o que incluía muitos demônios e outras coisas ainda mais obscuras. Era o lugar perfeito para o que tínhamos em mente.

Pousei no alto do hangar, observando abaixo de mim a movimentação de pessoas. Eu realmente não esperava que o convite tão em cima da hora fosse fazer com que centenas de demoníacos e outros sobrenaturais aparecessem esta noite. Lendo cada pensamento eu percebi que a curiosidade era o que os havia trazido e não o open bar, a DJ ou a Succubus na sacada de vidro. Eles vieram por mim. Sabiam sobre Emily de Marmaroth, sabia que ela havia enfrentado Lúcifer e que ele havia os deixado em alerta. Para o Alto Ancião, Luz da Manhã, estar preocupado com uma desconhecida depois de ter um embate com ela...era porque havia potencial para o perigo. E eles sabiam que esse perigo poderia eleva-los ou fazê-los cair ainda mais.

Qual deles seria?

Pulei de cima do telhado de ferro onde eu estava, próximo as caixas do ar-condicionado industrial. A música alta estrondava toda a estrutura do hangar. Minhas asas se abriram como paraquedas e comecei uma descida lenta até o meio da multidão que simplesmente abriu uma bolha ao redor, os olhares embasbacados para o anjo de asas negras descendo do alto.

Meu pouso foi suave, o que permitiu que meus saltos não se quebrassem durante o pouso e nem que meu vestido preto esvoaçasse pra cima mostrando tudo o que eu escondia. Não recolhi minhas asas, mas a mantive junto a mim enquanto andava lentamente pela multidão, o ritmo pulsante do rock industrial pesado acompanhando meus movimentos ao invés de ser o contrário. Os olhos de cada pessoa me seguia, eu vi meu nome se desenhando em lábios e expressões de assombro.

Os quatro seguranças brutamontes abriram passagem para que eu passasse e pudesse subir as escadas de vidro que davam para o patamar superior onde esperavam Louise e Safira. A Succubus deu um sorriso maldoso pra mim assim que me viu, os lábios cintilando em escarlate com o batom. Estava com um vestido vermelho com detalhes pretos super justo, saltos altos vermelhos finíssimos e uma gargantilha de brilhantes preta, seu cabelo escuro preso de um lado com uma presilha de morcego com um grande rubi vermelho. Eu podia ver os seguranças com dificuldade de não olhar pra ela, assim como pra mim era o contrário.

- Entrada triunfal. – disse ela, me olhando de cima a baixo enquanto remexia três azeitonas em seu Martini.

- Nada menos do que isso. Como estamos indo? – perguntei.

- Liberei o TDC já faz vinte minutos. Safira disse que já pode ver os efeitos. – disse Louise. Estava com uma camiseta larga de basquete, calças justas e tênis brancos caros que iam até suas canelas com cadarços desamarrados, tinha gliter azul em seu rosto, só que ficava mudando para desenhos aleatórios, acho que era algum tipo de magia. Seus fones de ouvido de DJ acendiam luzes coloridas.

Fui até a amurada de vidro com Safira e Louise. Observamos a festa acontecendo lá embaixo, as pessoas se divertindo com as batidas das músicas e a bebida. Eu não tinha ideia de como faria. Era difícil me concentrar em cada aura, eu não conseguia me concentrar em mais que três ou quatro ao mesmo tempo. Podia lê-las, podia interpreta-las e até prevê-las, sabia que também podia manipula-las. Eu só precisava esperar o momento certo. Eu soube que o momento chegou quando as auras brilhavam como árvores de natal no rockfeller center, e as pessoas simplesmente não prestavam mais atenção umas nas outras do que nelas mesmas.

- Funcionou. Uau, olha só essas auras! - ofegou Safira, um sorriso surgindo nela. - Consegue fazer?

Lutei pra me concentrar, só que havia auras demais. A droga havia deixado todos tão alucinados que nem com meus óculos eu conseguia me focar.

- Não consigo me concentrar. As auras são fortes demais, se misturam e eu não consigo distinguir onde uma começa e onde outra termina. - resmunguei, frustrada.

- Talvez isso ajude. - Safira mostrou a pílula vermelha com o desenho do coelho. Ela a enfiou na boca e mostrou a língua com a pílula na ponta pra mim. Então sorriu ao deixa-la na boca como se fosse uma bala.

- Eu acho que isso seria o oposto de útil. - eu disse. Ergui uma sobrancelha pra ela. - E a regra de ouro de nunca usar a própria droga?

- Sabemos que somos imunes ao TDC. Do que tem medo? - desafiou.

Suspirei. A quem eu queria enganar? Eu faria o que fosse preciso. Essa era minha nova regra. Safira sorriu quando sentiu que eu não iria lutar contra e aproximou o rosto do meu. Me afastei dela alguns centímetros.

- Eu não sei se você percebeu, mas eu não sou gay. - eu disse, me afastando um pouco mais. Ela riu, os olhos negros na minha boca.

- Achei que você não seguisse regras. Vendemos todo o TDC que havia e o último é esse que está derretendo na minha boca. - ela roçou os dedos no meu rosto. - Um beijo não vai fazer de você gay, Emily. Se é realmente disso que tem medo, coisa que eu não acredito. Permita-se sair da sua bolha pelo menos uma vez e isso mudará toda a sua perspectiva. Uma mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.

- Albert Einstein. - respondi, reconhecendo a citação. Safira pareceu impressionada por um instante, então encostou os lábios levemente nos meus. Eu não lutei contra, permiti que ela o fizesse.

Safira abriu meus lábios com os dela, então encostou a língua na minha. De repente, uma corrente elétrica percorreu todo o meu corpo, como se da minha pele saíssem faíscas. Foi tão intenso que arrepiou meus cabelos e ao provar o gosto de Safira as coisas ficaram mais intensas. Quando dei por mim meus dedos estavam entrelaçados nos cabelos negros dela, suas mãos estavam na minha cintura conforme ela retribuía o meu beijo.

Eu senti uma fome estranha, algo carnal e intenso que me deixou querendo mais. Eu já havia sentido isso antes, apenas Vincent me provocara aquelas mesmas sensações. De todos os homens que eu já havia beijado nenhum me deixou molhada só com o contato de lábios e eu sabia que ninguém nunca me deixaria daquele jeito a não ser ele. Foi assim que eu soube o que estava acontecendo.

Safira estava usando seus dons de Succubus pra me deixar excitada e combinado o TDC tornava tudo mais...intenso. Quando abri meus olhos eles estavam negros e com as íris da cor de lava, eram meus olhos primordiais. Safira sorriu pra mim, um sorriso branco e sedutor que retribuí sem pensar. Me virei para a multidão lá embaixo, de repente entendendo como é que eu faria. Eu não podia manipular a vontade deles sem ser notada, isso era impossível, mesmo com a mente deles tão alta pelo TDC como estava. Cada sobrenatural tinha controle sobre sua própria mente, era umas das coisas que diferenciava os mortais de nós. Mas, quanto aos desejos...Ah, isso ninguém, nem mesmo sobrenaturais, são capazes de controlar.

- Pode-se escolher ceder ao desejo ou resistir a ele. Mas, ninguém consegue controlar quando sentir ou não. - eu disse, juntando as sobrancelhas.

- Bom começo. - saudou Louise, dando um sorrisinho maldoso para as pessoas lá embaixo.

Não tentei separar as auras umas das outras, eu as senti como se fossem as minhas, parei de lutar contra o que eu via. Pouco a pouco, foi se tornando mais claro e pude perceber uma cor incomum entre todas as auras. A cor rosada fluorescente e que crescia conforme a música se tornava mais alta e com mais batidas, era Louise usando magia através de sua música. Essa cor aparecia sempre que um corpo tocava no outro, sempre que alguém respirava perto de mais de outro ou quando mãos se encontravam no escuro da boate, assim como bocas, línguas, respirações rápidas. Naquele momento eles eram um só.

- Ela encontrou. - disse Safira.

- Eu disse que ela faria. Você me deve uma garrafa de Absinto.

Estendi uma mão para frente como se fosse tocar as auras. De algum modo eu conseguia senti-las, talvez porque eu mesma estivesse cheia de desejos e fomes que eram só meus, mas tinham algo em comum com todos ali. Vi as auras vermelhas subirem como labaredas, como fogo. O fogo que eu controlava, invocava, o fogo que a mim obedecia. As auras vermelhas se entrelaçaram em seus dedos como pequenos fios vermelhos e me senti interligada a cada uma das pessoas ali.

O vetriloquismo. O dom demoníaco do controle sobre outras criaturas.

Puxei os fios, as pessoas pularam e gritaram em êxtase. Movi meus dedos, cada uma se moveu a sua maneira, como se sentissem algo que não sabiam explicar. Dessa vez elevei os fios, os fiz se moverem nos ritmos das músicas, usei ambas as mãos. Ao meu lado Safira e Louise riram em triunfo ao ver as pessoas indo a loucura ao dançarem, cantarem e se divertirem alucinadamente. Segurei os fios. Senti um leve puxar a minha direita, um fio mais fino que os outros, mais jovem de alguma forma.

- Encontrei. Ele está ali. - eu disse, olhando para o lado que o fio vermelho se perdia no mar de luzes.

- Estou vendo. - Louise e Safira se debruçaram um pouco para ver. Safira fez uma careta. - Não deve ter nem dezessete.

- Vá pega-lo, Safira. - disse Louise. Ela mudou alguns acordes de sua música eletrônica, então usou um jogo de luzes piscantes.

Vi Safira aparecer entre a multidão. Ela dançou entre eles, leonina e recebeu muitos olhares, alguns até mesmo a tocaram. Ela tocou os ombros do garoto, eu movi a corda vermelha quando ela quase desapareceu. O moleque era tímido, foi apenas o efeito do TDC que poupou sua corda do desejo de não desaparecer. Assim que eu a movi, ela se tornou mais grossa e eu sabia que ele entraria na de Safira. Fiz seu desejo por ela aumentar.

Em resposta o moleque puxou Safira para uma dança mais quente. Ela ficou de costas pra ele, o corpo dele colou no dela, ambos se moviam em sincronia, quentes e lentos. Safira o puxou para um canto onde a iluminação pegava diretamente nele. Movi as cordas, o garoto agarrou Safira e tentou beija-la, mas ela riu se afastando, segurou a mão dele e o girou. Louise focou a luz nos olhos dele no momento exato e o garoto ficou cego por um instante, assim ele nem percebeu quando ela o moveu para as sombras. O garoto desapareceu da multidão e reapareceu bem ao nosso lado.

Ele riu por um instante, terminando de girar, mas seu riso morreu ao olhar ao redor, desorientado por um instante. Era um pouco mais alto do que eu, cabelos louros, vestia uma camisa preta de botões roxos e jeans escuros, tênis simples e surrados. Usava óculos de armação Ray Ban, seus olhos escuros como teca nos encaravam por trás das lentes.

- Quem...? – ele olhou ao redor.

- Você é Sebastian Van Urich? – perguntei, olhando-o com o canto dos olhos enquanto soltava lentamente as cordas de antes.

- É ele sim. Eu me lembro da foto que um dos capangas de Celeste nos mostrou. – disse Safira, recostando-se na amurada de vidro.

- Vocês trabalham pra ela. – disse ele, a voz era um misto de medo e de raiva.

Vi as trevas se formarem sob seus pés enquanto ele tentava escapar pelas sombras com uma moeda. Só que ela flutuou direto pra minha mão quando a abri, as trevas foram sugadas de volta para onde nem deveriam ter saído.

- Mas, o que...? – ofegou ele, olhando para os próprios pés.

O garoto foi arremessado pra trás, caiu sentado em um dos sofás no set do DJ, o móvel se arrastando para trás até bater na bancada do bar onde o barman nem ligou e continuou fazendo suas bebidas coloridas. O garoto ficou imóvel, parecia não conseguir se mexer. Louise e Safira me olharam, eu apenas apontei para a parede atrás do garoto.

Ele deu um grito mudo ao ver sua sombra nas garras de duas outras sombras maiores, muito mais assustadoras. Dedos longos e finos, assim como as garras, as caras de caveira com chifres de bode apontando para trás, sem falar nos pés que claramente eram cascos. Louise e Safira ficaram pálidas ao meu lado.

- Caçadores. – sussurrou Louise, vi sua mão tremula enquanto ela a enfiava no bolso do jeans, provavelmente para pegar seu amuleto.

- Eu odeio suas táticas. – disse Safira, cruzando os braços. – E eu nem vi você chama-los.

- Não preciso chamar. Como princesa demoníaca estou acima deles, a obrigação de estarem preparados para qualquer tipo de chamado é deles e não minha. – respondi. Fui até o garoto e parei na frente dele. Atrás dele os caçadores libertaram a boca de sua sombra. Ele respirou de forma ofegante. – Sebastian. Bonito nome. Van Urich? Eu diria que é falso. Mas, isso não importa.

- Me deixe sair. – grunhiu ele, tentando se debater.

- Ainda não. Primeiro você vai me responder porque Celeste quer tanto você. Por que ela se interessaria por um demoníaco mais novo a ponto de sair de seu esconderijo para vir até aqui?

- Ela está vindo aqui?! Santo Deus, eu preciso ir! Me solte! – ele lutou com tudo o que tinha.

- Ela não está vindo. Ainda. Responda a pergunta e eu te deixo ir. Do contrário, vou ter que usar métodos um pouco mais agressivos para ter o que eu quero.

- Agressivos? – perguntou, os óculos deslizando pela ponta de seu nariz fino.

Eu nem precisei dizer nada. Os dois caçadores simplesmente começaram a apertar mais a sombra dele, em resposta o corpo do garoto pareceu estar lutando contra, o rosto ficando vermelho com o esforço extra.

- Eu sou Emily Anne Griggori, Primordial da casa de Marmaroth, princesa infernal e acima de qualquer demoníaco neste mundo e no próximo.

- Você...é a que...enfrentou Lucífer. – disse ele, arregalando os olhos. Estalei os dedos, os demônios soltaram sua sombra. Ele tossiu, respirou com força agora que seus pulmões não estavam sendo esmagados.

- Eu posso ser boazinha, posso ajudar você a escapar de Celeste, mas pra isso você vai ter que abrir o jogo comigo. Ou posso ser bem malvada e deixar a sua sombra servir de boneco de morder para os meus cães demoníacos. É você quem decide. – eu disse, encarando seriamente seus olhos. – Eu não estou aqui para machucar você e tão pouco estou aqui a mando de qualquer demoníaco, estou aqui para encontrar Celeste e fazê-la me dar aquilo que eu quero. Vai me ajudar ou não?

O garoto ficou me encarando por um tempo que pareceu imenso, pesando prós e contras. Estudei sua mente, sua vontade e sua aura. Era ainda muito jovem, acabara de fazer dezoito anos, ainda estava aprendendo sobre o mundo demoníaco, mas tinha uma mente muito forte. Muito, muito forte. Nada comum para alguém tão novo.

- Você vai me entregar a ela? – perguntou.

- Não a menos que eu precise. – respondi, cruzando os braços.

- Se eu lhe der um gesto de boa fé, vai me ajudar a acabar com ela? – ele parecia esperançoso, como se eu fosse uma santa a qual ele estivesse fazendo uma prece.

- Isso depende. Consegue fazê-la chegar aqui?

- Isso é fácil. Ela vem me caçando a quase um ano. Só preciso ligar meu celular. – disse ele, já colocando a mão dentro do bolso.

Safira apareceu do meu lado, segurando o pulso do garoto como se ela tivesse estado lá o tempo todo. Ela não olhou pra mim, mas senti sua mente na minha.

Você confia nele? – perguntou.

Sim. Ele está apavorado e desesperado. Celeste o apavora, ele deve ter feito algo muito grave para ela. Posso ler a aura dele, posso até mesmo prevê-la. Ele não fará nada estúpido.

Safira assentiu e soltou o pulso do garoto, um dedo de cada vez, quase como se fosse um aviso. Sebastian deslizou os óculos para o lugar, então pegou o celular com mãos tremulas e o colocou no ouvido. Ouvi Louise recitando algo atrás de nós enquanto mandava mais algumas músicas, Safira franziu as sobrancelhas enquanto trocava olhares comigo. Sebastian se inclinou para frente, apoiou os cotovelos em cima dos joelhos.

- Olá, Celeste. Parece surpresa. – o garoto tinha uma voz amarga, assim como sua expressão de desprezo enquanto ouvia algo. – Você queria me encontrar, pois agora conseguiu. Eu estou no Galpão 5, Nova Orleans. Venha me encontrar.

Ele desligou o celular com um estalo, então o jogou para Safira. Se recostou no sofá e me encarou com olhos coléricos.

- E agora? – perguntou, raivoso.

- Safira vai levar você para um local seguro. Tem a minha palavra que ela não fará mal algum a você.

- Vamos, pirralho. – disse Safira, erguendo-o. Ele ergueu as sobrancelhas, parecia surpreso por eu não ter mandado mata-lo ou que eu dissesse que agora o entregaria a Celeste.

Safira piscou pra mim, então desapareceu nas sombras com o garoto. Louise olhou pra mim, bebendo algo azul fluorescente com guarda-chuvinhas que brilhavam no piscar das luzes. Ela bateu palmas, a cara impressionada.

- Está sendo sarcástica ou realmente acha que foi tudo bem. – perguntei, indo até ela.

- Ah, você vai descobrir. Acho que mais cedo do que imagina. – disse ela, apontando para a multidão abaixo.

Na entrada do hangar, do outro lado e bem longe, uma mulher entrava com roupas elegantes e cinco brutamontes uniformizados ao redor dela. O cabelo louro preso em um coque perfeitamente arrumado e se a música não fosse tão alta eu teria ouvido o bater impaciente de seus saltos no chão. As pessoas davam passagem pra ela, os olhares de admiração enquanto se curvavam em reverencias.

- Celeste. – eu disse, estreitando meus olhos.

- Que olhos, hein! Eu nem consigo distingui-la daqui, só consigo ver os seguranças. – disse Louise, apertando os olhos para ver melhor. – Quem diria que o moleque falava a verdade. Será que é realmente ela?

- Posso ler a aura dela. É muito forte, traços de arrogância e baixo senso de moral, também posso ver o cadenciar dos demoníacos poderosos nas linhas, algo comum em Príncipes e Princesas infernais. Se não for Celeste, então é uma demoníaca muito, muito poderosa. O que já aumenta o valor da vida do garoto.

Assim como também aumentava o valor do segredo que ele escondia. Saquei na hora qual era o problema assim que Celeste perguntou algo para algum demoníaco próximo e um grupo para a balaustrada de vidro, direto pra mim e Louise. Mesmo sob as luzes eu vi os olhos negros dela brilharem na minha direção, vi a surpresa em seu rosto ao notar como eu era parecida com Marmaroth e provavelmente isso explicou o fato de quase que automaticamente seu rosto se franzir em um leve desprezo. Na verdade, sua aura apontava para a inveja.

Eu não entendi bem porque, mas aquilo me divertiu de um jeito estranho. Ela não tinha ideia, mas apesar de claramente não gostar nada de estar ali, ela estava involuntariamente me ajudando, pois quando finalmente ficamos frente a frente, eu pude sentir o silêncio geral dos demoníacos lá embaixo. Um silêncio carregado de respeito.

Éramos duas feras, duas leoas que se encaravam abertamente e mesmo os demoníacos de casta mais baixa podiam ver no ar que desse confronto algo muito interessante poderia surgir.

  



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