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História Love And Letters - Câncer - Seis Letras


Escrita por: BahMorgado

Notas do Autor


Hey, people. Espero que curtam muito e se envolvam. Peço que prestem atenção nos detalhes, eles são muito importantes
Para você que vai se aventurar ao mergulhar em nossas letras...
Enjoy ;)

Capítulo 1 - Câncer - Seis Letras


C.C.E

O bip incerto do monitor mostrava o quão frágil estava o coração de Verônica. Ela dormia serenamente, um dos dedos enrolando uma mecha da peruca comprida que eu e Normani trouxemos para ela. Eu podia jurar, vira uma cor viva em seu rosto pálido e roxeado quando revelamos o misterioso presente. Se pudéssemos trazer essa cor mais vezes, com certeza, nós o faríamos sempre. Mani acabou dormindo com a cabeça sobre as pernas de Vero e me apossei do sofá de acompanhante.

Meu pai, Alejandro, conseguira fazer o diretor do hospital abrir exceções para nós, com algumas condições de higiene e cuidados especiais que nem pensamos duas vezes em acatar. A luz do quarto era bem fraca e a televisão quase sem som por ser tarde da noite, o cheiro forte dos diversos medicamentos incomodava, mas nada disso tirou minha concentração da folha de papel em meu colo.

Finalizei o esboço da cena das duas dormindo ali juntas com um suspiro cansado. Eu até que tinha talento para desenho; entretanto, naquela fase da vida em específico, queria ter o dom da cura e tirar minha prima das mãos de um dos mais perigosos e estudados assassinos do mundo… O câncer.

“Knock, Knock! Será que posso furar essa bolha onde minha princesa se aprisionou?”

Dei um pulo de susto ao escutar a voz grossa e baixa de súbito. Sorri levemente, ainda surpresa, para meu pai parado na porta. Sub os olhos escuros encontrei as tão amigáveis bolsas de cansaço e seu cabelo bonito e grisalho totalmente fora de ordem.

“Boa noite, pai…”, cocei a cabeça de leve sabendo que ele não aprovaria meu pedido. “Será que podemos ficar?”

Ele maneou a cabeça de leve, fechando a expressão.

“Você sabe que não, mocinha.”, foi firme, embora doce. “Acorde Normani e se despeça de Verônica. Tem dez minutos, vou ficar esperando no estacionamento.”.

O homem com uniforme azul bebê saiu o mais discretamente possível e revirei os olhos. Droga. Desde que nos escondemos uma madrugada inteira aqui no hospital com Vero e a enfermeira nos descobriu de manhã, nunca mais conseguimos aplicar a mesma medida. É realmente difícil não poder ficar o tempo todo ao lado de alguém que precisa de você e que você quer estar por perto por também precisar dela.

Levantei e cutuquei a mulata até que essa acordasse e apontei para a porta, indicando que precisávamos ir.

“Mas já?”

“Sim, Manibear, meu pai não quer nem assunto.”

“Acordamos ela?”

Ficamos observando Vero dormir por uns segundos e sem nem respondermos a inquietante pergunta, saímos rápido para aproveitar a carona que meu pai daria. Ao longo do caminho, para não perder o costume, rezei ardentemente para que um milagre viesse a curar minha prima antes que o pior acontecesse.

Aquela noite foi como todas as outras. Após horas com minha prima no hospital, eu e minha melhor amiga voltamos para o dormitório da faculdade e estudamos até que não dava mais para aguentar. Nem mesmo os energéticos ajudavam mais. Como sempre, tive pesadelos envolvendo Verônica, minha mãe e meu curso, mesmo dormindo com as luzes acesas. Não tinha como negar, apesar de reconhecer que não tenho a vida mais difícil do mundo, todas aquelas preocupações estavam ferrando comigo.

No dia seguinte, levantei como se a noite tivesse feito upgrade em mim, mas isso já era coisa diária. Meu lema é ‘Seja como o Sol; renove seus dias ao se levantar para que ilumine seu dia e aos que estão ao seu redor’, claro que nem sempre funciona.

“Anda, Kordei! Se eu passar da hora meus pais me matam.”, gritei por sobre os ombros, rindo. “Sei que a visão daí está ótima, mas minha bunda não é televisão!”

“Eu vou te pegar, Cabello!”, retrucou entredentes, as pernas ganhando mais velocidade.

Aumentei os impulsos com os tornozelos, não aguentando a dor de rir e fazer esforço ao mesmo tempo. Normani quase tocou minha coxa, mas assim que subi no gramado de casa me joguei para fora da bicicleta e a deixei cair, escutando ela fazer o mesmo logo atrás.

Corri para a porta com o objetivo de fechar e não deixá-la entrar. No entanto, afobada como estava, acabei caindo para dentro ao girar a maçaneta e em seguida um corpo enorme caiu sobre o meu.

Nós duas ríamos sem parar. Eu já estava sem fôlego e minha mochila estava matando minha coluna que já ardia naturalmente. Escutei os passos pesados de meu pai no piso de madeira mas não consegui sair do lugar, na verdade, ao olhar novamente para o rosto risonho de Mani, voltei a rir como louca.

Eram esses momentos que faziam tudo valer a pena.

“As duas, levantem agora desse chão.”, Alejandro mandou sério.

“Calma, papa.”

“Se ficarem de cama não será a doença que vai dar uma surra em vocês.”

Diante a ameaça rapidamente nós nos levantamos, uma se apoiando na outra. Sorrimos amarelo, fingindo estarmos totalmente controladas.

“Desculpa, tio.”

“Vamos almoçar, mocinhas. Sinu fez um assado daqueles…”, o cheiro estava mesmo divino. Não era sempre que meus pais nos convidavam para almoçar por culpa da correria de nossas rotinas.

Esperei meu pai sumir ao adentrar a cozinha para ficar nas pontas dos pés e beijar o pescoço levemente suado da minha melhor amiga. Sorri ao sentir ela se arrepiar. Gostosa.

“Sai, Cabello, agora não.”, murmurou e apertou minha cintura levemente. “Não quer que alguém descubra, né?”

Lhe roubei um selinho ao sussurrar que não. Se tinha uma coisa que eu amava era a amizade colorida que mantinha com a mulata mais linda do mundo. Mani é minha vizinha, nos conhecemos desde que me mudei para o Maine, quando tinha apenas 12 anos. Nosso primeiro contato, porém, foi na escola de ballet que meu pai pagou com muito sacrifício. Quase ninguém acredita que já estamos na faculdade e que não moramos mais com nossos pais, tanto por nosso jeito de criança quanto por ser surpreendente termos tomado jeito tão cedo.

Ela é a melhor pessoa do mundo e não acho que eu vá conhecer alguém melhor.

Me joguei na cadeira ao lado de Sinu, que me deu um beijo, e Normani se sentou ao meu lado. Alejandro lia um jornal, a comida intocada esfriando devagar, como sempre.

“Boa tarde, tia Sinu.”

“Boa tarde, meu amor.”, minha mãe colocou um prato caprichado na mesa para Mani. Meu estômago roncou.

“E minha comida, mama?”

Ela me olhou furiosa.

“Desde quando você não tem mãos e nem pernas, Camila?!”

“Calma, mama, eu-”, abri a boca para me defender, mas ela foi mais rápida.

“Levanta essa bunda daí e coloque sua comida, dondoca.”

Normani se segurava para não gargalhar e eu me levantei derrotada até o fogão. Meu pai ria achando estar sendo discreto. Poxa. Ela colocou para minha amiga mas não pode colocar para mim? Até onde sei a filha sou eu. Acho que ela esqueceu que estou de visita também.

“Camila.”, a voz de meu pai se fez presente. “Não tenho boas notícias sobre a Vero.”

Aquela hora, meu pai já tinha acabado o primeiro turno no hospital. Então já tinha visitado Verônica e outros pacientes que tinha de atender.

Voltei a me sentar na mesa sem me preocupar mais com o prato quente queimando minha mão. Olhei para minha mãe que fingia não estar ali e Normani apertou meu punho sobre a mesa.

“Aconteceu algo de errado, pai?”

Alejandro deixou o jornal sobre a mesa e respirou fundo enquanto minha mãe se levantava para lavar a pouca louça suja na pia. Meu pai trabalha como enfermeiro no hospital central da cidade, onde minha prima está internada há alguns meses, metade do salário dele é todo para sustentar os remédios, exames e etc que ela precisa. Nós temos Vero conosco desde que seus pais morreram e, em partes, o estado de saúde dela declinou mais devido a perda.

“Ela não está mais reagindo ao tratamento, meu amor.”

Não esperei que ele falasse mais. O movimento bruto dos meus braços fez meu prato cheio de comida se estilhaçar no chão, e era exatamente como meu coração estava. Estilhaçado.

Me virei para minha mãe, que estava de costas para mim e, ironicamente, para todo o resto! E eu ainda tive esperanças!

“Isso é sua culpa! Você não está fazendo nada para ajudar ela!”, gritei com desgosto para Sinu antes de virar as costas para os três que tentavam chamar minha atenção.

Passei pelo corredor pegando minha mochila de qualquer jeito, ignorando as vozes ecoando pela casa. Antes de chegar a porta eu já fungava e Normani já estava ao meu lado, abrindo a porta para mim.

Antes de sair olhei para trás e encontrei Sinu encostada na parede com uma expressão no mínimo fria e meu pai sem saber como reagir. Há! Ela ainda achava que estava com a razão. Às vezes fico com pena de Alejandro, ele não merecia isso. Talvez, merecesse, já que não fazia nada para mudar aquilo.

Normani bateu a porta com força atrás de si, contagiada com minha fúria por saber o que se passava.

“EU TE ODEIO, SINU!”, não me importava que meu grito incomodasse os vizinhos, eu só queria que ela soubesse.

“Vamos voltar para o dormitório logo, Mila. Você precisa comer algo pra aguentar assistir as aulas. E eu também...”

Concordei com Normani sem nem entender direito o que ela disse. Eu nem mesmo enxergava direito com os olhos tão molhados, mas no momento me sentia fraca demais até mesmo para secá-los. Montei na bicicleta sem nenhuma felicidade dessa vez, pedalando quase sem força. Não posso suportar a ideia de Verônica em um caixão sem vida. Não aceito isso. Isso não vai acontecer, não vou deixar. Faço qualquer coisa. Qualquer coisa. Ainda teria cinco horas de aulas me separando de Verônica, que eu veria assim que estivesse liberada.

L.M.J

“Hermione agora se recusava a falar com Harry e Rony, mas era uma menina tão mandona e metida a saber de tudo que eles encaravam sua atitude como prêmio.-”

“Mas eles deviam ser amigos!”, fui interrompida por uma Taylor de biquinho e bracinhos cruzados, indignada com o que o livro dizia. “Eles podiam pelo menos tentar conversar com ela!”

“Não!”, retrucou Chris nervoso, me fazendo rir. “Hermione é uma chata!”

Estávamos os três debaixo de um lençol branco usando lanternas para enxergar as letras. Foi o jeito que encontrei para fazer os dois se interessarem por leitura, e pelo jeito, deu certo. Meus pequenos estavam tão envolvidos que queriam opinar cada parágrafo lido. Era minha última noite com eles, no dia seguinte voltariam para a casa de meu pai no Texas.

“Para de ser machista, Chris!”, Taylor exigiu com um grito, puxando a camisola branca de carneirinhos rosas e exibindo a calcinha infantil de marca cara.

“Eu sou feminista, sua feia!”

E eu só conseguia rir sem parar. Como duas pessoinhas de apenas quatro anos podiam ter personalidade tão forte? Fitei os dois, admirada com a fofura. Apenas assim eu esquecia de todos os problemas. Temi que nosso avô pudesse aparecer para reclamar do barulho, então decidi por um fim a aventura.

“Ok. Ok. Vamos dormir. Amanhã vamos todos acordar muito cedo, mocinhos.”, falei baixo recuperando as lanternas, deixando o quarto escuro e nos ajeitando na cama.

“Poxa, Lolo! Mas logo agora que a brincadeira estava ficando boa?”, perguntou Tay e eu ri.

“Sim, logo agora.”, me levantei para colocar o livro em cima da cabeceira e voltei a me deitar entre os dois.

Senti as cabecinhas encaixando em meus ombros e suspirei feliz. Mesmo chateado por eu ter decidido morar com meus avós paternos no Maine, meu pai não ficou de graça e reconheceu que todo mês eu e meus irmãos precisávamos nos encontrar para ficar assim, juntinhos, como deveria ser. Depositei um beijinho em suas testas com ternura e saudade antecipada.

“Vou ler Harry Potter em casa, Lolo.”, Chris anunciou com um bocejo.

“Eu também, Lolo, por você.”, Taylor acrescentou se encolhendo em meu braço.

“Amo vocês, mocinhos.”, e é só o que lembro de dizer antes de me render ao sono intenso.

Durante a manhã a bad voltou com tudo. Arrumei Taylor e Chris já banhados e preparei suas malinhas. Os deixei como vieram, com as franjinhas caindo sobre a testa. Minha avó os levaria de volta depois do almoço, mas os queria prontos desde cedo.

Me sentei para tomar café com os dois e então o Sr. e a Sra. Jauregui apareceram e se juntaram a nós. Me senti tremer. Meu avô tinha o cabelo tingido de castanho e os olhos também castanhos. Minha avó deixava o cabelo entre o preto e o branco naturalmente, e seus olhos eram verdes como o meu.

“Coluna ereta, crianças.”, nosso avô alertou com uma carranca. Nos endireitamos logo, digo, eu me endireitei. Tenho 23 anos, mas nessa casa volto a ter 16 anos. Sempre.

“Você é tão chato, vovô.”, Taylor reclamou com a boca cheia e nós três rimos.

“Me desculpe, criança, mas tenha modos.”, respondeu mais suave.

“Só temos quatro anos, tonto, não temos anos para ter modos.”, continuo Chris, a boquinha suja de achocolatado e leite, e arregalei os olhos, por dentro querendo gargalhar.

“Chris, mocinho!”, repreendi entredentes. “Mais respeito.”

Ele deu de ombros e eu balancei a cabeça negativamente. Ainda me impressiono com a esperteza dessas crianças.

“Vou ter conversar com Mike, uh?”, Sr. Jauregui tentou descontrair, rindo ao fim da pergunta. Mas não adiantou, Chris e Taylor nem deram confiança.

“Deixe eles tomarem café direito, homem.”, foi a vez de minha avó reclamar. “Já estão tão magrinhos, coitados.”

Isso era mentira. Os dois pareciam balofos. A sala estava iluminada pelo Sol forte, foi difícil achar o relógio. Mas quando o encontrei na parede atrás de mim, quase morri.

“Tenho que ir.”

“Mas já, Lauren?”

“Marquei de encontrar minhas amigas vinte minutos atrás, vovó.”

“Diga para Dinah parar de ligar para o fixo daqui.”, meu avô pediu amargamente.

Até aquele momento não tinha encarado meus avós por mais de um segundo e eles com certeza sabiam que algo estava errado. Claro, uma hora eu teria que contar, mas tinha muito medo de contar agora. Me abaixei entre meus mocinhos e os enchi de beijos e abraços. Foi horrível me despedir deles, embora estivesse acostumada com isso.

O caminho até o apartamento foi feito lentamente. A cada passo minha mente parecia pesar mais. E se me punissem pelo o que eu fiz? E se não quisessem mais olhar na minha cara e nem me deixar ver Taylor e Chris? Só de pensar nessa possibilidade cai no choro na rua mesmo, desesperada, temendo perder o apoio e afeto das pessoas mais queridas no mundo por mim. Na última vez que cogitei cursar outra coisa que não fosse Direito, meu avô tratou de me lembrar todos os dias que era isso que eu NÃO devia fazer deixando a marca de seus dedos do lado direito do meu rosto. E até aquele dia eu nunca tinha usado maquiagem.

Com os pés e o corpo doloridos, cheguei ao apartamento e fui recebida por Allyson, que me aconchegou em seu colo por vários minutos até eu conseguir falar tudo o que estava acontecendo comigo. Dinah infelizmente já não estava mais lá, havia saído para fazer alguma coisa. Escorreguei do colo da baixinha para o chão, deixando minha jaqueta no sofá. Ela suspirou e levantou, cansada. Ally andava muito cansada desde que iniciamos o curso porque conciliava trabalho e estudo.

Ally é uma garota reservada, das três a mais velha e independente. Ela já foi muito brincalhona, mas desde que contei que cresci em uma família que não acredita em um deus, ela me trata diferente, ainda assim cuida de mim com muito carinho. Eu a amo demais.

“Quero que vá embora daqui. Só agora, entende? Me deixe sozinha algum tempo, só até eu resolver como contar aos meus avós minha decisão.”

“Lauren…”

“Eu sei, sou muito infantil.”

“Lauren, você teve que crescer rápido demais. Admiro sua força e determinação, Snow White.”

“Obrigada, Allycat.” Sorri um pouquinho. Ally apenas assentiu, acostumada com minha falta de jeito, e saiu levando somente sua bolsa.

Em menos de meia hora consegui me desmontar por completo. Em menos de meia hora um único problema, que exerceu grande pressão no meu cotidiano, foi capaz de me fazer chorar como uma louca. Não sou uma pessoa negativa, todavia em contrapartida, sou absurdamente instável. Não ter controle sobre algo me faz perder a cabeça, não importa o tamanho do algo.

Nunca fui boa com as palavras. Pelo menos, não com as que saem de minha boca. Talvez daí venha minha paixão por letras e pela facilidade que elas representam para minha vida. Com elas posso me expressar sem que fique achando que falei demais ou de menos. Com elas tenho equilíbrio e é com elas que quero dançar por toda a minha vida. As letras constituem as palavras e as palavras são em rotina a minha voz.

Deixei o livro de poesias de lado para chegar ao meu celular. Voltei a me sentar no chão da sala, mesmo com o sofá livre do meu lado. Ele não parava quieto em minha mão, tremendo comigo. Meu coração já estava na boca, imaginando todo o discurso que o Sr. Jauregui faria. Digitei o número, desejando que eles aprendessem a usar o aplicativo de mensagens instantâneas, mas eles não eram muito ligados em tecnologia, assim eu poderia tentar explicar melhor minha decisão.

“Aqui é a Sra. Jauregui falando.”

“Sou eu, vovó…” minha voz foi morrendo devagar. Tive que pigarrear para ser mais clara. “Tudo bem? O vovô está?”

“Sim, sim. Quer falar com ele? Vou chamá-lo. Como está, filha? Chegou bem? Sua voz está diferente… Está fumando?”

“Vó, eu não fumo!”, exclamei e acabei rindo, relaxando um pouco.

“Pois deveria! É super relaxante.”, riu gostoso do outro lado da linha. Ouvi seus passos, provavelmente indo procurar o Sr. Jauregui, que com certeza estava escutando rádio novela.

Minha avó tem 68 anos e ainda fuma canabbis como se chupasse pirulito. Ela costuma dizer que graças à droga sua saúde é muito melhor do que a da maioria dos adolescentes, o que eu duvido muito. Meu avô desaprova, porém continua apaixonado por ela e nunca nem sequer pensou em divórcio.

“Lauren?”, a voz grossa de meu avô chamou minha atenção e meu coração voltou a acelerar com tudo.

Fui direta como ele gostava que eu fosse;

“Fiz vestibular com outros propósitos. Aliás, não tem nem como voltar atrás.”

“Não me diga que-”

“Sim.”, apertei meus olhos. “Estou morando em um apartamento próximo da Universidade do Maine. Estou dividindo com duas amigas. DJ e Ally. Disso você sabe mas… Me desculpa, vovô. Eu só… Não posso fazer algo que meu coração não quer. É mais que coração. É na alma!”

Ouvi o murmurinho dele com minha avó seguido de um silêncio estranho. Sua língua fez um som de estalo antes de ele se pronunciar, com a voz agora menos firme.

“Tudo bem, filha.”

“Tudo bem? Tipo, mesmo?”

“Sim.”, suspirei de alívio, caçando minha jaqueta em cima do sofá com alegria exagerada. “Se tornar uma advogada me deixaria muito feliz, mas se é isso que você quer… Desde que te faça feliz.”

“Eu amo muito vocês!”, senti lágrimas de alegria se juntando em minhas bochechas avermelhadas. Vovó gritou um 'eu também’ que me fez rir contagiada.

“Mas como vai viver de Letras, filha? E se não der certo?”, ele inquiriu nervoso.

“Vai dar certo, pai.”, sabia que ele sorria agora. “Acha que não gasto minha mesada desde os 12 anos com que pretensão?”

“Acredito em você.”

“Obrigada, vovô.”

E a ligação foi encerrada, como sempre. O Sr. Jauregui tinha o problema de achar que não precisava se despedir antes de encerrar a ligação. Mesmo assim eu dava pulinhos de alegria, não acreditando que meu avô super intimidador e com mania de me educar como se nossa casa fosse base de treinamento do exército tinha sido totalmente compreensível. Não dava para acreditar.

“Pelo jeito alguém está fumando escondido a maconha da Sra. Jauregui.”

Pulei no colo de Dinah Jane sem ligar se depois ela me daria um soco por isso. Contei para ela sobre toda a situação e nem mesmo ela acreditou em como foi tudo tão fácil.

Não faz muito tempo que nos conhecemos, mas a sensação que tenho é que nos amamos desde a maternidade. Por isso ela é minha melhor amiga.

No caminho para a Universidade encontramos Ally e a história foi contada agora pelas duas. Ter passado a semana inteira chorando e cabisbaixa por sentir culpa por ter escolhido Letras agora era motivo de piada para elas, mas eu nem ligava.

Encontramos Ashlee sentada nos degraus de entrada do prédio do curso. Ela lia um folheto branco e sorriu ao nos ver. Se adiantou até nós com animação.

“O Hospital Central está precisando de doadores de sangue. Especialmente do tipo AB negativo.”, leu alto. “A gente podia organizar um grupo para fazer doações. Vocês conhecem alguém que tenha sangue AB menos? Uma garota passou distribuindo isso.” ela indicou o panfleto.

Senti os olhares de Dinah e Ally sobre mim. Sorri enviesado. Fazia muito tempo que eu não doava sangue, seria ótimo doar novamente.

“Está olhando para o AB negativo em pessoa.”, eu disse de queixo erguido. Não que seja uma honra ter o tipo sanguíneo mais raro do mundo, mas só de pensar em quantas pessoas eu ajudaria, tornava aquilo maravilhoso.


Notas Finais


Sobre o próximo capítulo: Todo acaso é mesmo apenas "ironia do destino"?


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