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História Love Inside Out - Ele é a pessoa mais gentil que já conheci


Escrita por: jaimencanto

Capítulo 3 - Ele é a pessoa mais gentil que já conheci


                Diferente das outras vezes, Fernando saiu do bar antes da meia noite. Logo após Letícia se apresentar à Talita, ele disse que queria ir embora, e Letícia não teve escolha a não ser acompanha-lo. No carro, o clima ficou pesado, e Fernando à todo tempo repetia sobre a cena de Leticia sobre o balcão. Na terceira vez em que ele mencionou, ela perdeu a paciência e retrucou, começando uma discussão.

- Eu não estou entendendo porque você se importa tanto. – Ela disse ajeitando o cabelo que se bagunçava com o vento forte que entrava pela janela. – Era só você ter ignorado minha presença e continuar divertindo como faz todos os dias.

                Fernando não respondeu. Poderia ter feito justamente isso, mas nem ele mesmo sabia por que não o fez. Irritada, ela fechou o vidro do carro e ajeitou o cinto de segurança.

- E pelo amor de Deus, dirija devagar. Você não precisa descontar seu mau humor no acelerador.

                Ele não deveria fazer o que ela pediu, mas imediatamente reduziu a velocidade e suspirou irritado, encostando-se ao banco e voltando sua atenção para o transito. Assim que chegaram em casa, Letícia  desceu batendo a porta do carro e Fernando a seguiu, querendo que aquela discussão não terminasse ali. Ele não aceitaria perder para ela, e estava disposto a discutir o restante da noite se fosse preciso.

- Eu não entendo porque está tão irritada. Quem começou com esse joguinho foi você. – Ele disse quando entraram em casa. – E pode fazer o que quiser, eu.não.vou.assinar.os.papéis!

                Letícia parou de andar e o olhou furiosa.

- Veremos!

                Dizendo isso ela subiu as escadas, sem dar tempo para Fernando continuar a discussão. Do primeiro andar, ele ouviu o barulho da porta do quarto batendo, e com raiva ele chutou o primeiro degrau da escada, se arrependendo amargamente depois que sentiu uma forte dor em seu dedão.

 

 

xxx

 

 

                Fernando entrou em seu quarto e caminhou de um lado para o outro enquanto desabotoava sua camisa.

- Ela está fazendo um jogo comigo. – Disse sozinho. – Que loucura ela fez?

                Assim que tirou sua camisa, ele sentou-se sobre a cama e encarou o chão. Em sua cabeça veio Letícia dançando sobre o balcão. Seu vestido preto e justo no corpo lhe deixou sedutora, e completamente diferente da Letícia que ele estava acostumado. De certa forma ela conseguiu seduzi-lo com sua dança. Irritado com seu próprio pensamento, ele balançou a cabeça e pegou seu notebook sobre a cômoda, abrindo-o logo depois. Navegar pelas redes sociais sempre o acalmava e ele sempre acabava rindo das postagens dos amigos. Mas, naquele dia, seu destino foi outro. Antes mesmo de perceber o que estava fazendo, Fernando estava olhando o twitter de Letícia.

@Letypsolis: #Exausta

@Letypsolis: Alguém, por favor, me tira daqui!

- Mal agradecida. – Fernando bufou, mudando de rede social.

Quando entrou no facebook, foi logo pesquisando pelo nome de Letícia. Sem se recordar quando os dois começaram uma amizade no site, ele foi logo vendo que seu status de relacionamento não aparecia. Aproveitando que já estava em um nível avançado de stalker, ele abriu o seu álbum de fotos. Inevitavelmente Fernando sorriu ao ver as fotos de Letícia com seus pais, seus amigos da faculdade e Carolina, que estava na maioria de suas fotos. Pelas fotos ele notou que Letícia talvez não fosse tão sem graça quanto ele pensava, já que na maioria das fotos com os amigos da faculdade ela estava em um bar ou em uma festa, com um copo na mão.

Enquanto passava as fotos, ele parou em uma em especial. Letícia estava sozinha e sorrindo. Por longos segundos ele encarou a foto na sua tela, até fechar o seu notebook com raiva.

- Eu deveria ter bebido. – Disse deitando-se à cama, cobrindo o rosto com os braços. – Assim eu não estaria pensando besteiras.

 

 

xxx

 

 

                Em seu quarto, Letícia não estava diferente de Fernando. Com o notebook em sua frente, ela analisava o facebook dele. Status de relacionamento: Solteiro. Fotos em festas com bebidas, várias mulheres e muitos amigos. Raramente havia uma foto dele sozinho, exceto a de perfil, que ele estava de óculos escuros, sorrindo e com uma garrafa de uísque em uma das mãos.

- É... É insuportável, mas até que é charmoso. – Comentou analisando a foto.

                Com raiva, ela fechou o notebook e bateu na própria testa.

- Argh! Se eu não tivesse bebido não estaria pensando nessas besteiras.

 

xxx

 

 

                No dia seguinte, Fernando apareceu na cozinha e sorriu para Maria.

- Bom dia!

- Bom dia. – Ela respondeu encarando-o. – Quer que eu faça sua vitamina?

- Não, hoje não. Eu não bebi ontem.

- O que? – Ela o olhou assustada. – Você foi convertido? Virou evangélico? Te batizaram?

- Não. – Fernando riu.

- Então está passando mal?

                Antes de Fernando responder, Letícia entrou na cozinha parecendo estar de bom humor e olhou para os dois.

- Bom dia Maria. – Letícia sorriu.

- Bom dia! – Maria respondeu.

- Devo estar, Maria. – Fernando respondeu à pergunta dela.

- Estou atrapalhando alguma coisa? – Ela perguntou.

- Não. – Ele respondeu.

- Eu... Vou passar umas roupas. – Maria disse olhando para os dois e saiu da cozinha, deixando-os a sós.

                Eles ficam em silencio por um instante, até Letícia escorar-se ao balcão e quebrar o silencio.

- Estava pensando que deveríamos ir à empresa hoje.

- Por quê?

- Precisamos ajuda-los.

- Não está se lembrando que quem causou tudo isso foram os nossos pais?

- Eu sei. Mas não faremos isso por eles, e sim pelas empresas.

                Fernando a encarou por um instante e então suspirou.

- Está bem. Eu vou me arrumar.

                Letícia balançou a cabeça, e pela primeira vez eles não discutiram pela manhã.

 

 

xxx

 

 

 - Está tudo bem? – Carolina perguntou ao telefone.

- Sim, estou. – Letícia respondeu terminando de se arrumar.

- E como foi com a advogada?

- Foi tudo bem, até Fernando se negar assinar os papéis.

- O que? Como assim?

- É, mas eu vou conseguir convencê-lo a assinar. Ontem fui à um bar com ele e conheci uma mulher que...

- Espera.  Você foi em um bar? Com Fernando?

- Sim! Mas é claro, para que eu descobrisse algo a meu favor.

- Você está louca, Lety.

- Não foi tão ruim assim. – Disse olhando para o seu reflexo no espelho.

                Carolina riu.

- Você realmente está louca.

- Talvez. Mas quer saber? Hoje foi a primeira vez que não discutimos pela manhã. Ao menos hoje. Ontem discutimos depois dele se irritar porque eu estava dançando em cima do balcão.

- Você o que?

- Fazia parte do meu plano.

- E ele se irritou?

- Sim!

- Será que ficou com ciúmes?

- Claro que não. Ele não tem motivos para isso. Além do mais, homens como ele não tem ciúmes de ninguém. Ele só ficou irritadinho porque eu estava ganhando o jogo.

- Por que você não da uma chance para ele, Lety?

                Ela não respondeu. Ouviu Fernando chama-la do primeiro andar e usou aquilo como uma desculpa para fugir da pergunta.

- Preciso desligar. Fernando já está pronto.

- Certo! Nos vemos daqui a pouco.

- Ok. Tchau.

- Tchau.

                Letícia desligou o telefone e pegou sua bolsa, descendo para o primeiro andar.

- Podemos ir? – Fernando perguntou quando a viu apontar à escada.

- Sim. – Ela respondeu caminhando em sua direção.

 

 

xxx

 

 

- Nossa. Quanto tempo não venho aqui. – Fernando comentou quando entraram à empresa do pai de Letícia.

- É... Confesso que já tem um tempo que não venho aqui também. Desde quando inventaram essa história de casamento.

- Por que eles estão se encontrando aqui e não na empresa do meu pai?

-Não sei. Estou tão por fora das novidades quanto você.

- E onde está todo mundo?

                Letícia olhou em volta, notando que não havia nenhum funcionário por perto.

- Não sei. Eles devem estar na sala de reuniões. Vamos.

                Juntos eles seguiram por um corredor até pararem diante de uma porta de vidro. Letícia olhou para Fernando e ele fez sinal de positivo para ela, e então, ela a abriu. As duas famílias estavam reunidas à mesa, e quando olharam para os dois, não conseguiram disfarçar o espanto.

- Bom dia. – Fernando sorriu.

- O que estão fazendo aqui? – Humberto perguntou.

- Enfim se lembraram das responsabilidades? – Erasmo enfatizou.

- Lety! – Julieta se levantou, seguindo até a filha recebendo-a com um caloroso abraço, mas Letícia não retribuiu o abraço com tanta animação.

                Depois que um silêncio incômodo tomou conta da sala, Fernando puxou a cadeira para Letícia se sentar. Julieta voltou a sentar ao lado de Erasmo, e Fernando se juntou à todos sentando-se ao lado de Lety.

- Podem continuar o que estavam dizendo. – Fernando disse escorando-se à mesa. – Como estão as coisas?

- Bom... Ambas as empresas estão atoladas em dívidas. – Carolina disse. – E nenhuma tem dinheiro suficiente para quitá-las.

- Não podemos pedir empréstimo ao banco? – Letícia perguntou.

- Não. Uma das dívidas é com o banco. – Erasmo respondeu. – Não tem mais solução. Não temos nem funcionários mais. Vamos à falência e a culpa é toda sua! – Ele disse apontando para Humberto.

- Escuta aqui, Erasmo... – Humberto se preparou para responder a ofensa, mas foi interrompido por Lety.

- Discutir não vai pagar as dívidas! – Ela disse autoritária. – Precisamos pensar em uma maneira de diminuir as dívidas ao menos por agora. E depois pensamos em como recuperarmos esse tempo perdido.

                Havia desgosto em sua fala, mas todos sabiam exatamente porque.

- Não podemos perder nossos clientes, e ainda temos que pagar os funcionários. Só precisamos de uma maneira de diminuir essas dívidas conjuntas.

                Todos se olharam.

- E como vamos fazer isso? – Fernando perguntou.

 

 

 

XXX

 

 

 

- Pelo amor de Deus, Fernando! Sai daí! Você está fazendo um papel ridículo! – Letícia suspirou impaciente ao lado de Maria.

                As duas assistiam às cenas dramáticas de Fernando debruçado sobre o capô do seu carro, impedindo que o reboque o levasse. Os rapazes que aguardavam para levar o carro achavam a cena engraçada, mas Letícia já não sabia mais o que fazer para tirá-lo daquela cena deprimente.

- Você não pode fazer isso comigo! – Ele choramingou “abraçando” o carro.

- Se você não sair eu vou falar para eles levarem você junto! – Letícia disse irritada.

- Eu não vou sair!

                Letícia olhou para Maria e ela mexeu os ombros, mostrando que não sabia o que fazer. Lety se aproximou de Fernando e parou ao seu lado, colocando as mãos à cintura.

- Eu nunca vi uma cena assim antes. – Um dos homens disse rindo.

- Quer sair logo daí? – Ela insistiu.

- Não. Não vou sair.

- Deixa de ser materialista, Fernando. É só um carro! Precisamos fazer isso! Você tinha concordado ontem!

- É, mas eu não sabia que venderia o meu carro!

- Ah, então achou que todo mundo aceitaria ajudar, para que você não precisasse se desfazer das suas coisas?

                Ele não respondeu.

- Eu aceitei vender todo o resto, mas não o meu carro. O meu carro não, Lety, por favor!

                Letícia revirou os olhos.

- Para de ser chorão! Se conseguirmos pagar metade das dívidas e recuperarmos os lucros, você logo pode comprar um carro até melhor que esse.

- Eu não quero outro. Eu quero esse!

- Já chega! – Exclamou irritada. – Sai já de cima dessa porcaria de carro!

                Letícia o abraçou pela cintura e o puxou. Ele ainda conseguiu resistir por um tempo, mas os dois começaram a se desequilibrar por ele ser claramente mais forte que ela, e enfim Letícia conseguiu afastá-lo do carro. Os dois homens voltaram a rir e o que estava do lado de fora fez sinal para o que dirigia o reboque.

- Tchau, meu bebê. – Ele disse choroso quando seu carro começou a ser rebocado.

- Muito bem. – Letícia ajeitou sua blusa. – Agora... Só falta uma coisa.

                Fernando a olhou e logo arregalou os olhos.

- Não! Não! Definitivamente não! – Disse desesperado.

- Sim!

- Lety, por favor. – Ele ajoelhou em sua frente. – Não faça isso comigo, por favor!

- Para de ser retardado, Fernando! – Ela o segurou pelo braço puxando-o para que ele se levantasse. – É preciso! Você conseguiu se afastar do carro, é só fazer o mesmo com a moto.

- Letícia, minha moto é a coisa mais preciosa que eu tenho. Você não pode fazer isso comigo!

                Ignorando totalmente a súplica dele, Letícia caminhou até a garagem e ele a seguiu, implorando à todo o tempo que ela não vendesse sua moto. Ela abriu o portão da garagem e olhou para sua moto que estava ainda mais bem conservada do que o carro. Daria um ótimo dinheiro.

- Acho que com isso, nós conseguimos pagar metade das dívidas. – Ela disse orgulhosa.

- Você não vai vender a minha moto! – Ele disse decidido. – Foda-se as dívidas!

- Não seja ridículo! Aposto que ninguém fez esse show todo para vender alguma coisa valiosa. Nem mesmo sua irmã!

- E o que é que você vai vender? – Ele perguntou irritado.

- Eu não me apego à coisas materiais como você! – Retrucou. – Caso não tenha percebido, eu nem tenho um carro e nem casa! Não tenho nada de valioso para vender. 

- Eu sei que você é viciada em tortuguitas! – Ele a alfinetou. – Isso também gasta dinheiro, sabia? Fazendo as contas, comendo duas caixas por semana, em um mês você gasta um dinheiro que daria muito bem para pagar alguma dívida! Você vai ter que parar de comer as tortuguitas!

- Não! Isso é ridículo!

- Não é ridículo quando é com os outros, não é?

- Está bem! – Exclamou impaciente. – Eu aceito parar de comer as tortuguitas, se você vender a moto.

- Lety... – Fernando abaixou o tom e a olhou magoado. – Eu nunca falei tão sério com você em toda a minha vida. Essa moto tem um valor sentimental para mim. Eu a tenho desde quando fiz dezoito anos e foi a minha primeira compra com o dinheiro da empresa. Foi uma conquista para mim! Não faça isso comigo... Por favor!

                Letícia pela primeira vez sentiu-se tocada com algo relacionado à Fernando, e pela sua suplica não parecia algo inventado por ele.

- Está bem. – Ela suspirou convencida e ele sorriu. – Eu não digo nada sobre a moto...

- E eu não direi nada sobre as tortuguitas. – Fernando disse animado. – Temos um acordo? – Perguntou esticando sua mão.

- Temos. – Letícia apertou sua mão.

 

 

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                Depois do acordo que Lety e eu fizemos, algo mudou. Não sei dizer o que foi, mas não nos alfinetamos mais pelo restante do dia. Eu a ajudei com as contas das dívidas (ao menos fiz companhia para que ela fizesse as contas), e por fim parece que sua idéia daria realmente certo. Pelas suas contas, com todas as venda do meu carro, das coisas de Stella, e de outros bens dos meus pais e dos pais dela, daria para pagarmos metade das dívidas e os salários atrasados dos funcionários. Pela primeira vez estávamos nos entendendo em alguma coisa, e morar na mesma casa que ela não pareceu tão ruim.

 

 

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                Após o almoço, Letícia finalmente pôde descansar a mente lendo um bom livro na varanda. Fernando estava no jardim mexendo em sua moto, e a casa estava em total paz depois de um início de semana estressante. Os dois ainda não se consideravam amigos nem nada parecido, mas ao menos estavam conseguindo viver em harmonia. Mas, a paz durou pouco, até a chegada de uma visita inesperada.

- Lety... – Maria saiu à varanda. – Os seus pais estão aqui.

- O que? – Perguntou abismada, fechando o livro. – O que estão fazendo aqui?

- Eu não sei, eu não perguntei. Mas eu não quis ser grosseira então falei que podiam entrar.

                Letícia imediatamente virou-se para o portão que acabara de se abrir e seus pais entraram juntos. Ela fechou os olhos tentando juntar toda a paciência que ainda lhe restava e se levantou para recebê-los. Assim que Fernando os viu, parou de mexer em sua moto e os olhou curioso, provavelmente querendo saber, assim como Lety, o que os dois faziam ali.

- Oi, meu amor. – Julieta sorriu abrindo os braços para Lety.

- Oi, mamãe. – Desanimada, ela se aproximou e abraçou sua mãe.

- Como você está?

- Bem. E a Senhora?

- Só ficarei bem quando pudermos conversar... – Ela disse olhando-a magoada.

- Mamãe...

- Nós queríamos conversar um pouco com você. – Erasmo disse com certa frieza.

- Sobre a empresa? – Perguntou debochada.

- Não. Sobre seu afastamento dos próprios pais.

- Acho que já sabemos o motivo para isso, não é?

- Olá! – Fernando se aproximou dos dois, interrompendo o início da discussão. – Como está, Erasmo?

- Bem. –Respondeu apertando a mão de Fernando.

- Dona Julieta... – Fernando a cumprimentou com um beijo no rosto e ela sorriu.

                Os quatro ficam em silencio, olhando um para o outro. Fernando percebe o quanto Lety está desconfortável, mas é educado demais para dizer isso na frente dos pais dela.

- Eu vou deixá-los a sós. – Disse ele sorrindo. – Fiquem a vontade.

- Obrigada. – Julieta agradeceu e Fernando entrou em casa, deixando os três à sós.

- Não quero ser rude, mas nós não temos nada para conversar. – Ela disse diretamente à seu pai.

- Filha... Nós não agüentamos mais esse tratamento. Já faz quase uma semana. Você não atende nossas ligações mais e ontem saiu às pressas da empresa. Nem pudemos conversar com você.

- Mamãe, eu ainda não estou pronta para ter essa conversa com vocês dois. Eu sinto muito, mas prefiro assim.

- Você não acha que já está exagerando com isso, Lety? – Erasmo perguntou.

- Exagerando? – Ela sorriu sarcástica. – Me obrigaram a casar com um homem que eu nunca amei, apenas por dinheiro. Acham que eu estou exagerando?

- Nós estamos arrependidos!

- É claro que está arrependido, papai. O Senhor não conseguiu o que queria. Será que se tivesse conseguido todos os lucros para a sua empresa, estaria aqui pedindo para que conversássemos?

- Não seja injusta, Lety.

- Não estou sendo injusta, estou sendo realista!

                Os três ficaram em silencio por alguns segundos.

- Como estão as coisas? – Julieta perguntou. – Ele a trata bem?

- Sim. Brigamos algumas vezes, mas ele nunca me desrespeitou.

- Viu só? Não é tão ruim assim.

- Não é tão ruim para a Senhora que não teve que casar por obrigação dos pais!

- Ei! Olha como fala! – Erasmo a repreendeu.

                Letícia respirou fundo tentando se acalmar.

- Desculpe... – Ela disse à sua mãe. – Eu só acho que... Está tudo muito recente. Não estou pronta para esquecer tudo. Para dizer a verdade, eu não deveria nem mesmo ter me prontificado à ajudar a empresa. Isso era uma coisa que o Senhor e o Humberto deveriam ter feito.

- E por que você não deveria ter feito isso? A empresa um dia será sua! É sua obrigação!

- Obrigação? Eu não quero fazer parte desse jogo sujo!

- Tudo bem! – Julieta interrompeu os dois. – Hoje não é um bom dia para conversarmos. Como Lety disse, está tudo muito recente. Conversaremos em outra hora quando você estiver mais calma. – Ela olhou para Lety, que nem ao menos respondeu.

                Erasmo concordou com a esposa e juntos deram as costas para Letícia, caminhando em direção ao portal. Letícia sentiu-se magoada por tratá-los daquela maneira, mas eles precisavam entender o quanto ela se chateou com aquela decisão dos dois, mesmo que ela tivesse aceito isso. Ela ainda estava magoada por seu pai ter se preocupado mais com a empresa do que com a felicidade da própria filha, e ainda mais com sua mãe por tê-lo apoiado nisso. Ela ainda não estava pronta para perdoá-los e voltar com a relação próxima que sempre tiveram.

                Quando o portão se fechou, Letícia sentiu uma vontade imensa de chorar em sua cama, mas quando virou-se para ir para o quarto, Fernando estava escorado à porta com os braços cruzados.

- Quer dar uma volta?

 

 

XXX

 

 

 

                Letícia queria dizer que Fernando mentiu para ela ao prometer que não iria tão rápido, mas com o capacete, o medo e a velocidade com que ele pilotava, era impossível ele ouvir qualquer coisa. Parecendo um louco, ele costurava os carros na avenida principal próxima à praia. Letícia se agarrava à ele com medo de que a qualquer momento ele não conseguisse desviar ou frear a tempo, e uma tragédia acontecesse. Mas, para o seu alívio, Fernando diminuiu a velocidade até parar a moto em um lugar afastado da praia.

- Seu idiota! – Ela exclamou assim que tirou o capacete, batendo no ombro de Fernando. – Você disse que ia devagar para não me assustar!

- Mas esse é o meu devagar. – Ele disse descendo da moto, ajudando-a a descer logo depois. – Eu corro muito mais do que isso normalmente.

- Você é louco.

- Quer parar de reclamar e aproveitar a vista?

                Só então Letícia se deu conta de onde estavam. Era um lugar alto, de onde era possível ver toda a praia e grande parte da cidade do Rio de Janeiro. Era o lugar mais lindo que ela já havia visto, e sentiu como se todos os seus problemas desaparecessem.

- E então? O que achou?

                Ela não soube o que responder, e Fernando sorriu satisfeito ao notar isso. Os dois sentaram-se próximos à beira, e juntos admiraram o mar.

- Você quer desabafar? – Fernando perguntou.

                Letícia olhou para ele e não soube buscar argumentos para negar. Ela precisava sim desabafar, e não parecia nada mal fazer isso com uma vista tão linda.

- Desde criança eu sempre faço tudo o que os meus pais querem. Na verdade, tudo o que o meu pai quer. Ele costuma ser bem manipulador. – Disse suspirando. – Minha mãe costuma me proteger, mas como eu disse, meu pai consegue ser bem manipulador. Então nem sempre ela consegue me defender. Ele não é uma pessoa ruim, sabe? Consigo me lembrar de mais tempos felizes ao lado deles do que qualquer outra coisa. Mas, essa história dos negócios de família me tira do sério! Ele parece cego diante disso, e parece que nada mais importa para ele quando o assunto é sua preciosa empresa. Eu gosto de trabalhar lá, mas é praticamente impossível me sentir bem quando meu pai está me pressionando o tempo inteiro. Várias vezes já pensei em desistir de trabalhar para ele e seguir o meu sonho, mas...

- Qual sonho? – Fernando perguntou interessado.

- Bom... Não sei se é bem um sonho, mas eu tenho muita vontade de ter uma livraria. Eu gosto muito de livros, e desde criança tenho esse... “Sonho”. – Ela fez aspas.

- Então por que você não faz isso? Abre uma livraria?

                Ela riu.

- Meu pai morreria do coração. Ou então me mataria por desistir de herdar a sua empresa.

- É, eu entendo... Também não tenho prazer em trabalhar para o meu pai. Na verdade, eu detesto. – Ele riu. – Não tenho nenhuma vontade de herdar essa empresa. E acredite ou não, eu também tenho um sonho, mas você acharia loucura.

- Ah, qual é! Me conta!

- Não, você iria rir.

- Não vou não, eu prometo.

- Esta mentindo. – Ele sorriu. – Algum dia eu conto. De qualquer maneira, é um sonho praticamente impossível, e meu pai também me mataria por desistir de assumir o seu lugar na empresa.

                Novamente ficam em silencio, apenas observando o mar.

- Quer saber? Eu acho que deveríamos nos vingar dos nossos pais. – Letícia disse e Fernando a olhou divertido. – Deveríamos seguir nossos sonhos! E dessa maneira nos vingaríamos por essa idéia estúpida de casamento.

                Fernando gargalhou.

- Até que não está sendo tão ruim assim...

- É. Embora você seja extremamente insuportável, não é tão ruim assim morar na sua casa.

                Fernando sorriu satisfeito, e dessa vez o silencio se prolongou.

 

 

 

XXX

 

 

                Quando chegam em casa, a relação dos dois estava ainda melhor do que pensavam. Eles entraram em casa rindo juntos, e nem mesmo se lembravam de porque estavam rindo. Maria foi ao encontro dos dois e sorriu satisfeita ao vê-los se dando tão bem.

- Oi Maria. – Fernando cumprimentou.

- Oi. Parecem animados.

                Os dois se olharam cúmplices, mas não responderam.

- Lety, você tem visita.

- Ah não! Mais visitas? – Perguntou desanimada. – Se for meus pais, diga que...

- Não são seus pais.

                Maria fez um gesto para que Lety fosse até a sala, e ela o fez. Quando chegou, viu Elizabeth sentada ao sofá, e assim que a viu ela se levantou sorrindo.

- Beth! – Letícia sorriu. – Não sabia que viria hoje.

- Desculpe vir sem avisar, Lety. Mas tenho uma ótima notícia para você.

                Fernando chegou logo depois e parou à porta, olhando para a advogada.

- Fernando, como vai?

- Bem. E você?

- Também, obrigada.

- Eu... Vou deixar vocês duas conversarem a sós. – Ele olhou para Letícia e ela percebeu que diferente de segundos antes, ele pareceu desanimado.

                Quando as duas ficaram a sós, Lety pediu para Elizabeth sentar-se.

- Então, quais as boas notícias? – Lety perguntou ansiosa.

- Eu fiz algumas pesquisas desde nossa ultima conversa, e descobri que se você tiver provas concretas de que Fernando a traiu, podemos conseguir esses papéis mais rápido do que eu esperava. E também podemos usar isso para convencer Fernando a assinar os papeis.

                Letícia sorriu, mas ainda não sabia se estava tão animada quanto esperava estar.

- Isso é ótimo!

- Você acha que consegue?

                Ela se lembrou da noite em que foi ao bar com Fernando.

- Sim, eu acho que consigo.

- Sendo assim, acho que estamos caminhando muito bem. – Elizabeth sorriu.

                As duas conversaram por um bom tempo sobre o processo de anulação, e Letícia embora já estivesse se acostumando a viver na mesma casa que Fernando, desejava a liberdade de escolher quem ela quisesse para ser o seu marido. Eles estavam se dando bem naquele dia, até melhor do que se esperava, mas ela temia que nem sempre fosse assim, e que logo voltariam a brigar de novo. Além do mais, eles ainda não se gostavam, e estar casada com um homem totalmente diferente dela a preocupava. Por fim, Letícia decidiu continuar com aquilo, e no fim da conversa, se despediu de Elizabeth animada por tudo estar indo bem.

- Eu entro em contato com você assim que tiver mais novidades. – A advogada disse à porta.

- Ótimo. – Letícia sorriu. – Obrigada, Beth.

- Não há de que.

                Letícia parou à porta observando Elizabeth caminhar até o portão, e no momento em que ela saiu, Fernando passou por ela como um furacão, saindo de casa.

- Aonde você vai? – Ela perguntou quase inevitavelmente.

- Sair. – Ele respondeu fazendo pouco caso.

                Estranhando sua mudança de humor repentina, ela o observou montar em sua moto e colocar o capacete. De certa forma ela sentiu-se preocupada com a maneira que ele estava, e sabendo que ele não tinha a mínima noção de velocidade enquanto pilotava, sentiu-se na obrigação de dizer à ele:

- Toma cuidado! – Ela disse em voz alta para que ele conseguisse ouvi-la.

- Você não precisa fingir que se preocupa.

                Letícia quase não conseguiu entender a frase por causa do capacete, mas assim que ele ligou a moto e saiu disparado pelo portão à fora que ela percebeu que havia algo errado.

 

 

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                Eu realmente não consegui entender a mudança de humor de Fernando. Em um momento ele está sendo gentil distribuindo sorrisos, e no outro está nervoso e grosseiro. Provavelmente isso tem a ver com a visita de Elizabeth, mas ele não poderia ter escutado quando falamos dos meus planos para ter provas de uma traição. Além do mais, ele não tem motivos para ficar irritado com isso. Ele quer se livrar daquele casamento tanto quanto eu, e deixou isso bem claro nos primeiros dias. Ele está fazendo toda essa birra para me irritar, mas ele não vai conseguir. Eu estou certa de que conseguirei provas de que ele me “traiu” durante essas saídas para o bar, e estou disposta a entregá-las para Elizabeth, e assim, poderíamos seguir com a anulação desse casamento.

 

 

XXX

 

 

                Assim que chegou ao bar, Letícia procurou pela loira que conheceu na noite em que esteve ali. Ao mesmo tempo em que a procurava, Letícia torcia para que Omar não estivesse ali ou pelo menos não a visse. Isso poderia atrapalhar os seus planos. Mas, talvez por ser cedo demais para que o bar estivesse cheio, foi fácil para ela localizar a loira pela qual estava procurando. Ela estava detrás do balcão, servindo as bebidas para os clientes. Lety imediatamente se aproximou e sentou-se ao balcão olhando para ela.

- Oi! – Letícia sorriu.

- Oi. – Ela respondeu sem olhá-la. – O que vai querer?

- Ahm... Nada. Eu só queria conversar.

                A loira parou o que estava fazendo e olhou para Letícia, só então reconhecendo-a.

- Meu nome é Lety. Não sei se você...

- Você estava com Fernando na outra noite. – Ela respondeu imediatamente. – Olha, eu não quero confusão.

- Não, eu não vim procurar confusão. Eu só quero conversar com você. Eu sou apenas uma amiga do Fernando e...

- Por favor! – Ela riu debochada. – Eu sei que você não é só “amiga” dele. Eu não sou boba. Ele disse várias vezes que é casado, e que a esposa dele se chama Letícia. Se não for muita coincidência ele ter uma amiga com o mesmo nome da esposa... – Ela riu.

                Letícia a olhou confusa, pensando por que Fernando teria mencionado o seu nome se ele mesmo pediu para não falar com ninguém que eram casados, mas deixou essa dúvida para um outro momento.

- Eu quero saber se vocês tiveram um caso na noite anterior que eu estive aqui.

                A loira a olhou assustada com tamanha sinceridade, e logo depois escorou-se ao balcão encarando-a.

- Eu sabia que você queria saber algo assim. Típico da mulher casada dar uma de louca e sair por aí investigando a vida do marido.

- Não é nada disso que você está pensando. Olha... – Letícia a encarou. – Eu preciso da sua ajuda e preciso que seja sincera, porque eu quero deixar o Fernando livre.

                A mulher ergueu as sobrancelhas, confusa.

- Eu demoraria muito tempo para explicar, mas de qualquer maneira, quero que me diga a verdade. Se você e Fernando tiveram alguma coisa naquela noite. Ou com alguma outra mulher.

- Olha, eu não sei o motivo para tanta desconfiança. Eu concordo que Fernando é extremamente lindo e charmoso e é o sonho de qualquer mulher, mas você melhor do que ninguém deveria saber que não tem motivos para desconfiar dele. Ele costumava sim ser mulherengo, e até chegou a dormir com mais de uma mulher em uma noite. Mas nessas ultimas semanas ele mudou completamente. Até mesmo quando Omar fez uma despedida de solteiro para ele, ele não ficou por muito tempo e também não se envolveu com nenhuma mulher. Olha... Fernando pode ser um pouco louco às vezes, mas ele é a pessoa mais gentil que já conheci.          

                Letícia se escorou ao balcão, interessada na conversa.

- Uma vez apareceu um idiota aqui no bar desrespeitando todas as mulheres que ele via pela frente. Desrespeitando de todas as formas, com palavras e com atitudes. E sabe quem entrou em uma briga com esse cara por isso? Fernando. Ele defendeu todas nós e ainda obrigou o cara a pedir desculpas publicamente. A briga foi tão feia que os dois foram parar na delegacia, mas por fim ele foi o herói da noite.

                Letícia sorriu pensando que Fernando não era a pessoa que ela imaginava, e que havia qualidades dele que ela ainda não conhecia.

- Olha, se você não quer ficar casada com ele, você avise, porque tem muitas mulheres loucas para estar no seu lugar.

                A loira se afastou, deixando Letícia sozinha com seus pensamentos e sua culpa. Ela pensava que sairia daquele bar com provas de uma traição, mas na verdade, sairia de lá descobrindo qualidades de Fernando que ela jamais imaginava que ele tivesse. Ao mesmo tempo em que ela sentia-se feliz com isso, ela sentia-se culpada. Culpada por ter pensado tão mal dele, sem ao menos conhecê-lo direito. Enquanto estava sozinha com sua culpa, Lety recebeu uma ligação.

- Alô?

- Senhora Letícia Padilha?

- Sim?

- Aqui é do hospital Vicente Neto. Estamos com o seu marido, Fernando Mendiola, e ele acaba de sofrer um acidente. Precisamos que venha até aqui assim que possível.

 



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