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História Love Jokes - Capítulo II - A Terapia está vindo


Escrita por: Bojack-senpai

Notas do Autor


Nova atualização (24/09/2022)! Chegou a hora deste primeiro encontro! Agora sem paredes de vidro, como você se sentiria no lugar da Dra. Quinzel? Não deixem de dizer o que sentiram e o que acharam deste capítulo, está bem?

Capítulo 3 - Capítulo II - A Terapia está vindo


  Era cedo, o sol havia se levantado sobre os céus não tinha muito tempo e resquícios da noite ainda pairavam pela sua imensidão. Fazia frio. Talvez houvesse tido chuva durante a madrugada, mas, com certeza não houvera trovões, parecia ter sido uma noite calma e silenciosa.

  De baixo do cobertor, ao lado de Robert, Quinzel sentia o frio da manhã junto ao cansaço de uma noite mal dormida. Aquela combinação era fatal, e sua atração pela cama quente pesava ainda mais na balança da responsabilidade.

  Mesmo com toda a fadiga das poucas horas de sono e a preguiça que tomava conta do seu corpo e implorava para continuar deitada, ela estava animada. Sabia que era o grande dia, o início de uma nova etapa e um futuro que não poderia prever.

  Com uma força movida apenas pelo peso da responsabilidade, forçou seus braços contra a cama e levantou-se vagarosamente até estar sentada na beirada da mesma. Sentia o ar frio encostar seu corpo seminu. Estremeceu. Sentia seus pelos arrepiarem e a pele gelar com o frio.

  Levantando-se, ainda cambaleando de sono, encostou-se no pequeno criado-mudo ao lado da cama enquanto sentia a dormência passar. Olhou para Robert com medo de tê-lo acordado por causa do barulho que fizera. Dormia como um bebê.

  Andou até o banheiro em busca de um banho quente que pudesse lhe esquentar e acordar. Assim fez. Poucos minutos depois descia para o primeiro andar da casa, já vestida com sua camisa social cor de vinho e uma saia negra que se estendia até um pouco acima dos joelhos, seus tamancos negros davam um tom final.

  Após fazer um café expresso em sua cafeteira, uma moderna Walita de alumínio reforçado, pegou-se distraída com lembranças da tarde anterior. Havia se encontrado com o infame e amedrontador, porém interessante, palhaço do crime, o Coringa. O Diretor Jeremiah Arkham, responsável por toda a estrutura e cuidados do Asilo Arkham, havia lhe dado permissão para o tratamento deste paciente classe sete.

  Era um marco para sua carreira e estudos. Aquela oportunidade única a havia animado de tal forma que não conseguira dormir até certa hora já bem tarde, e ao dormir, sonhara com ninguém menos que o próprio palhaço. Era uma pena que não conseguia lembrar perfeitamente do sonho.

  Sem perceber que alguém havia se aproximado, sentira uma mão pesada e masculina tocar-lhe o antebraço. Seu susto havia sido tamanho que quase sujara sua bela blusa ao deixar cair café na pia. Ao ver que era apenas Robert, sentiu-se irritada com a aproximação silenciosa do futuro marido.

— Que droga, Robert! – Ela não gritara, era muito cedo para isto, apenas aumentara seu tom para repreensão.

— Desculpe, querida. Não sabia que estava tão distraída. – Ele dava uma pequena risada, como a de uma criança travessa que houvesse feito besteira e achava aquilo engraçado.

— Não tem graça, eu podia ter me sujado. – Ela ainda se sentia irritada com a brincadeira.

— Se me permite perguntar... – Ele agora havia ficado curioso. -... O que você pensava, a ponto de estar tão distraída?

— Nada demais. Estava pensando no meu mais novo paciente. – Ela dera um pequeno sorriso ao lembrar-se da oportunidade.

— Um paciente novo? – Robert havia ficado surpreso. Ele e sua noiva, Quinzel, não costumavam a conversar tanto sobre seus empregos. Evitavam ao máximo tornar emocional o que faziam. Sabiam que conversar sobre pacientes a qual Quinzel cuidava ou clientes, os quais Robert defendia, traria julgamentos, e julgamentos distorcem o como é visto a realidade; por sua vez, a realidade como é vista forma seu desempenho.

— Sim. – Quinzel tentava não contar quem era, sabia que Robert ficaria preocupado.

— Alguém importante, ou interessante? – Ele insistia, havia ultrapassado o muro que criaram ao evitar falar sobre seus trabalhos.

— Você não vai gostar. – Ela fizera uma careta, como se já soubesse o que viria.

— Quem? – Agora estava começando a se preocupar.

— O Coringa. – Ela dissera, e não pôde evitar soltar um tom de felicidade, embora soubesse que seria fuzilada pelo noivo.

— Harleen! O Coringa? – Robert ficara nervoso; e não era para menos, quando em liberdade, antes de Arkham, toda vez em que o palhaço aparecia em reportagens, era uma enxurrada de morte e desespero.

  A primeira vez em que o Coringa dera as caras na Cidade de Gotham, fora há dez anos. No início ele roubava os cofres bilionários dos mais perigosos mafiosos de Gotham, executava alguns aparentes aleatórios criminosos, roubava viaturas do DPGC, criava perseguições policiais, e obrigava a matarem uns aos outros, durou pouco tempo. Logo o palhaço do crime conhecera alguém muito mais divertido.

— Calma, Robert. Ele está em Arkham, com toda aquela segurança é impossível ele fazer qualquer coisa contra mim. – Quinzel não acreditava no que dizia, mas, tinha de dizer.

— Você é a primeira dele? – Robert não estava convencido sobre o que sua noiva dizia a respeito da segurança.

— Na verdade, não. Houve outra, antes de mim. – “Outros” era o termo correto, ela sabia. Mas preferira amenizar e evitar. – Lana.

— Lana? – Robert continuava descrente.

— Lana Thompsy, ou Dumpsy, algo assim. – Quinzel estava começando a se sentir pressionada. Odiava que a pressionassem. Pegou sua xícara, deu a volta no balcão e começou a recolher seus objetos enquanto tomava seu café.

— Cuidado com ele. – Pediu Robert, uma última vez.

— Uhum. – Respondeu Quinzel em meio a um gole do seu café quente. O olhava sobre a xícara que bebia como uma criança que olha para a mãe e diz que não fará de novo.

  Quinzel andara até seu carro estacionado em frente à sua casa, um Citröen C3, uma marca francesa chamada Hatch. O carro era vermelho como Quinzel gostava; havia sido bem seletiva e específica no dia em que o comprou. Ele não era apenas bonito, mas, espaçoso e confortável.

  Após entrar no carro e colocar o cinto, escutou seu noivo chamar da porta de casa. Ele estendia os braços com os cotovelos grudados no corpo e uma expressão de tristeza. Quinzel havia esquecido de se despedir.

— Desculpa, querido. Eu te amo, você sabe! – Ela gritou da janela.

  Robert fizera uma careta mal-humorada e jogando os olhos para cima com impaciência entrou batendo a porta. Naquele momento, Quinzel pensou se não era verdade o que diziam sobre crescer no trabalho e decair em relacionamentos. “Desculpe, Robert.” ela pensou.

  Antes de acelerar o carro, abriu o porta luvas e retirou do mesmo um envelope de cor bege. Dentro dele havia algumas folhas, documentos e CDs que antes pertenciam a psiquiatras de Arkham que anteriormente haviam tratado o Coringa, ou ao menos tentado.

  Escolheu aleatoriamente um dentre vários CDs ali contidos e após colocar no toca CDs e a gravação ter início, finalmente fez com que o ponteiro do acelerômetro saísse do zero. 

  Ao chegar a Arkham, apressou-se até sua sala em passos rápidos. Uma ansiedade começara a tomar seu corpo novamente. Já perto de sua porta encontrara Luca, ali de guarda como sempre, fielmente.

— Bom dia, Luca. – Ela disse com um sorriso.

— Bom dia, Doutora Quinzel. – Ele respondera de forma simpática com um aceno de cabeça e então em seguida voltou à guarda.

— Daqui a pouco preciso que você vá comigo buscar o senhor Logan. – Era um aviso, não um pedido, embora soasse de forma amigável e até humilde.

— Claro, Doutora. – Ele respondera como de costume.

  A Doutora Quinzel adentrou em sua sala, e como de costume, após pôr sua bolsa negra em baixo da escrivaninha de madeira, começou a arrumar seus papéis, empurrar poltronas e abrir persianas. Tudo para que ficasse o máximo confortável para seus pacientes.

  Tudo pronto. Estava nervosa para receber seu mais novo paciente, sabia que ele seria difícil. Sabia que teria de tomar cuidado. Um passo errado e tudo estaria perdido. Estaria perdida.

  Andou então até fora de sua sala e com um toque gentil no antebraço de Luca, pediu-lhe que fosse buscar o paciente.

— Vamos? – A Doutora Quinzel dava um pequeno sorriso simpático e social com as sobrancelhas erguidas. Mesmo Luca, um homem tão mais velho que a Doutora Quinzel, e com família formada, se derretia com aquele lindo olhar azul.

— Sim, Doutora. – Ele respondeu como se recebesse uma ordem.

  Como comumente, andaram até o elevador que os levaria até o andar inferior, onde encontrariam os mais infames e psicóticos pacientes do Asilo Arkham. A Doutora Quinzel, sentindo uma tensão silenciosa que era criada pela falta de fala dentre os dois, algo que nunca ligara antes, nem sequer havia percebido tal fato, decidira tentar uma conversa para quebrar o gelo.

— Luca, mais tarde vou precisar de você de novo. – Ela dizia aquilo o olhando com uma expressão que se assemelhava a de um encantador filhote de cachorro quando está a pedir algo.

— Claro, Doutora. Só pedir. Estou a seus serviços. – Ele dera um pequeno sorriso generoso com um aceno de cabeça.

— Tenho um paciente novo, o Coringa. Vou precisar buscá-lo mais tarde. – Ela agora olhava os números no painel do elevador, iluminando-se um atrás do outro, indicando onde estavam no momento.

— O Coringa? – Luca parecia ter ficado surpreso.

— Sim, algum problema? – A Doutora Quinzel ficara surpresa com a reação de Luca.

— Já tivemos muitos problemas com ele, Doutora. Ele é um classe sete. Um paciente difícil. Alguns dos seguranças nem o considera humano. – Luca parecia ser um destes seguranças.

— Não o consideram humano? – Ela achou aquilo um absurdo.

— Olha, o que quero dizer, Doutora. É que... – Luca parecia tenso. - .... Criou-se um protocolo específico para o Coringa aqui em Arkham. Depois que ele espancou a Doutora Kiaji com uma luminária...

— Kiaji foi a terceira psiquiatra do Coringa. – Disse a Doutora Quinzel o interrompendo por impulso ao lembrar-se da ficha.

  Havia lido numa das cinco fichas de arquivo que recebera do Diretor Arkham, que a Doutora Kiaji Yogomura no terceiro dia em que o Coringa estava sob seus cuidados, fora atacada cruelmente pelo paciente. O Coringa a havia espancado com uma luminária que ficava em um rack ao lado da poltrona Divã.

  Kiaji Yogomura fora internada com o maxilar quebrado, diversos traumas faciais e perda parcial da visão. Quando questionado sobre o porquê de ter feito aquilo, o Coringa apenas respondeu: “Não sei. Por que cães correm atrás de carros? Tédio, talvez.”.

  A Doutora Yogomura que estava em meio a uma pesquisa sobre a patologia da insanidade criminal, e gravava um documentário sobre seu mais novo paciente na época, acabara deixando Arkham assim que fora liberada do hospital, desistindo da vida psiquiátrica.

— ... Depois da Doutora Kiaji, nenhum guarda vai até a cela do Coringa sozinho. Sempre em um grupo mínimo de dois, e o Coringa deve ser preso em uma camisa de força a todo momento; ao ser retirado da sala, durante a conversação com seu devido psiquiatra e quando levado de volta a cela. – Luca completou o que dizia, interrompendo os pensamentos perdidos em lembranças da Doutora Quinzel.

— Entendo. - “Elas o deixaram entediado, por isto ele não quis brincar mais com elas” pensou a Doutora Quinzel.

  Finalmente chegando ao andar do corredor infame, desceram as escadas até chegar ao local de fato. Era um corredor único, onde poucas pessoas podiam entrar e menos ainda entrariam.

  O corredor era moldado por paredes lisas de cor acinzentada, celas retangulares com a parede frontal de vidro transparente e reforçado, onde poderiam observar o estado e ações dos pacientes ali contidos. Aquele corredor era o local predileto da Doutora Quinzel dentre todos os outros espaços que Arkham possuía.

  Toda vez que caminhava por aquele corredor, podia sentir um prazeroso calor tomar todo o seu corpo. Talvez pelos olhares selvagens das dezenas de psicopatas contidos ali, talvez por sentir-se em uma mina de ouro, ou ainda pela adrenalina que aquele lugar em específico lhe proporcionava.

  Cada passo que dava para mais perto da cela do Coringa, sentia seu coração acelerar. Não via a hora para que pudesse enfim estar a sós com seu mais novo paciente. O medo e a falta de previsibilidade da situação que se desenrolaria a deixava não só nervosa, mas excitada. “Calma Harleen, ele não é o peixe da vez. Concentre-se!” Repreendeu-se.

  De forma completamente impulsiva, sentiu seus pés acelerarem. Contendo-se para não correr, caminhara apressadamente até a cela onde encontraria o Coringa. Por aparente coincidência, o mesmo já a aguardava em frente à parede de vidro. Talvez estivesse tão ansioso quanto a Doutora Quinzel.

  O homem pálido, com cabelos esverdeados e olhos verdes acinzentados a olhava com um pequeno sorriso que não mostrava muito dos dentes, junto com um olhar que continha um misto de insanidade e felicidade. A Doutora Quinzel sentiu sua respiração ofegar. “O que há de errado comigo?” se perguntava, lutando para retomar o controle.

  Apontando para o interfone comunicador, Coringa a instigava a falar com ele. Ela não hesitou em apertar o botão para ouvi-lo. Aproximou-se do comunicador para falar com o paciente, mas, ele fora mais rápido.

— Doutora Quinzel. É bom vê-la. – Ele se interrompera por um segundo ao ver um homem enorme que se aproximava da Doutora Quinzel. – Luca! Se você está aqui, então significa que já está na hora de me juntar a festa. Não?

  Luca não respondera ao comentário do Coringa, sabia que não valia a pena. Qualquer insulto e uma grande possibilidade do palhaço ir para cima dele caso um dia conseguisse fugir de Arkham, era certa. Embora não houvesse respondido, sua expressão de raiva mostrava o quanto detestava aquele homem.

— Não, infelizmente ainda não, senhor Coringa. – Respondeu a Doutora Quinzel com uma expressão aborrecida de lamentação.

— Estou ansioso para nosso tempo juntos, Doutora Quinzel! – Exclamou com um olhar intenso para a bela mulher a sua frente.

— Sério? – Sentiu que havia perdido o controle. – Ótimo, faremos um grande trabalho juntos. Estou ansiosa para ouvi-lo.

— Será divertido. – Disse ele em um tom provocativo.

— Pode apostar. – Ela dera um último sorriso ao palhaço, antes de seguir adiante. – Senhor Coringa, eu tenho de ir. Trabalho. Sabe como é.

— Até mais querida. Aguardarei ansioso. – Coringa fizera uma pausa antes de mudar o seu foco para Luca. – Estarei ansioso por você também, meu amigo.

  Luca não pôde evitar, engoliu em seco sentindo uma gota fria de suor escorrer em sua nuca. Não era bom ter o palhaço insano com a atenção voltada para você; sempre acabava mal.

  Desligando o interfone comunicador, e seguindo seus passos agora de forma mais leve, a Doutora Quinzel passou pelas celas seguintes, uma de cada vez. Não podia deixar de ter um olhar curioso por cada paciente preso naquele local, embora nenhum despertasse tanto seu interesse.

  Antes de chegarem à cela de Logan Howard, a Doutora Quinzel havia percebido que Luca parecia não estar bem, estava pálido e parecia até mesmo enjoado. Perguntou-lhe então o que havia acontecido, por que estava tão estranho, diferente de alguns minutos atrás.

— Nunca é bom ter a atenção dele, Doutora. Nunca é bom. – Luca parecia preocupado. – Ele disse o meu nome. Ele disse que estava ansioso.

— Acalme-se Luca. Não vá se acovardar agora. – Ela o olhava com certa descrença, sem entender de onde vinha todo aquele medo.

— Sabe o porquê a nova norma de procedimento para o Coringa pede que um mínimo de dois guardas seja convocado para apanhá-lo e levá-lo? – Perguntou Luca, dando a entender que não havia contado tudo.

— Não foi por causa da Doutora Yogomura? – A Doutora Quinzel parara naquele momento e olhara para Luca, curiosa.

— Não, senhora. Eu disse que depois da Doutora Yogomura, nenhum guarda descia até a cela dele sozinho, mas, não que o ataque dela fora a causa. O ataque a ela com certeza foi o que marcou o dia, mas, o real motivo foi o de que quando o guarda na época responsável pela proteção da Doutora Yogomura tentou separá-lo dela, teve seu braço e punho quebrados. Depois disso, ele ignorou o homem que havia acabado de ter o braço quebrado e voltou a espancar a Doutora Yogomura.

  A Doutora Quinzel o olhava perplexa, mas, a narração de Luca sobre aquele dia não havia terminado.

— O rapaz ferido chamou desesperado pelo Walkie-Talkie, o rádio comunicador. – Ele retirou o pequeno comunicador da cintura para mostrar a Doutora Quinzel enquanto falava. – Pediu reforço, disse que havia algo de errado com o paciente e que ele estava tentando matar a psiquiatra. Imediatamente eu e outro segurança corremos para a sala onde ele estava e encontramos o Coringa ainda espancando a pobre Doutora. Ele era como um animal incontrolável. Chamamos o setor médico para pegar nosso amigo ferido e corremos para tentar segurar o Coringa. Ele era forte. Muito forte. Atirou meu parceiro para trás e voltou a bater na pobre mulher. Quando eu tentei segurá-lo, ele levantou me empurrando contra a parede, com as duas mãos em meu pescoço, apertando cada vez mais. – Era um relato incrível, e a intensidade com a qual Luca falava tornava ainda mais interessante. – Parou apenas quando o meu parceiro o acertou com um taser nas costelas e depois o bateu diversas vezes com seu bastão. O mais assustador não era a força, a determinação psicótica daquele filho da puta perturbado, e sim que o quanto mais batia nele, mais ele ria. Ele gosta de apanhar, Doutora!

— Masoquista? Sério? Interessante. – A Doutora Quinzel lembrou-se então o porquê ele havia começado a contar tudo aquilo. – Não se preocupe Luca, ele não vai atrás de você. Ele está preso! Agora vamos. O senhor Howard já deve estar nos esperando.

— Cuidado com ele, Doutora. Muito cuidado. – Luca realmente parecia preocupado com a ideia de tirar o palhaço de sua cela.

— Sim, sim. Agora vamos. – Adiantando os passos para fazer Luca parar de tagarelar e voltar ao trabalho, não demorou nada para que a Doutora Quinzel cruzasse os poucos metros que faltavam até a cela do seu tradicional paciente.

  Após Luca abrir a cela de Logan Howard, Quinzel dera um sorriso simpático a ele, seguido por uma expressão facial que gritava um pedido de desculpa.

— Está atrasada, Doutora. – Acusou Howard.

— Desculpe, senhor Howard. Tive de ver umas coisas antes. Vamos lá? – Sempre simpática.

— Com certeza. – Logan Howard abrira os braços para a comum checagem de objetos cortantes. Luca não demorara o revistando e logo estava algemado para ir.

  O pequeno elevador tinha capacidade máxima para até seis pessoas por vez, era o indicado, e no Asilo Arkham se seguia um regulamento inteligente decretado por Quincy Sharp, onde quando estivesse sendo transportado um paciente classe três ou superior, apenas o psiquiatra responsável e o, ou os, seguranças deveriam estar presentes no recinto. Assim, era evitado que o paciente em um momento de descontrole fosse do próprio ou da segurança, acabasse por ferir outros que estivessem presentes.

  Durante a não tão longa subida até o andar predefinido, enquanto era escutada a música clichê por entre o silêncio atordoante causado pela falta de conversação, o paciente Logan Howard encontrou-se observador sobre o aspecto atual em que se encontrava a Doutora Quinzel.

— Há algo de estranho. – Disse ele.

— Estranho? – Ela não havia entendido onde ele queria chegar.

— Você se atrasou, agora parece distraída. O que está havendo? – Ele aparentemente estava curioso.

— Pensei que eu fosse a psiquiatra aqui. – Ela soltara um ar brincalhão.

— Algumas coisas eu aprendo. – Logan parecia amigável.

— Você está diferente. – Ela se desviou do assunto.

— Você acha? – Ele parecia ter se animado.

— Com certeza. Mas, vamos conversar sobre isto na minha sala, tudo bem? – A Doutora Quinzel encerrou o assunto com um carismático sorriso.

— Sim, Doutora.

  Não demorou muito mais até que o elevador apitasse e as pesadas portas de metal se abrissem. Luca já não ficava tenso ou estressado como havia se sentido há alguns minutos havia muito tempo. Luca era um segurança fiel a Arkham, gostava do que fazia, gostava das pessoas que conhecia. Era feliz onde estava. Havia poucos momentos em todos os anos a qual prestou seus serviços ao asilo em que poderia reclamar. Mas, desde o acontecimento com a Doutora Yogomura, Luca pensara muito fortemente se não estava na hora de sair daquele lugar. Neste momento, após receber a atenção do Coringa, mostrando que o mesmo se lembrava do seu nome, os pensamentos de abandonar o seu posto no asilo retornaram.

  A Doutora Quinzel caminhou na frente deles até a porta da sala, onde teria de passar seu cartão de identificação para abrir a porta. Após a máquina de identificação mudar a cor de sua pequena led e emitir um som maquinário, a porta de metal também emitiu em uma sincronia quase perfeita o som de travas se deslocando. Estava aberta.

  Com um empurrão para abrir a porta, a Doutora Quinzel deixou aberta a passagem esperando que o paciente adentrasse. Logan Howard finalmente chegava à porta acompanhado do robusto segurança que o segurava firmemente.

  Luca buscara com a ponta dos dedos em sua cintura a chave correta para destravar as algemas. Após sentir a mais grossa, soube que era ela. Howard podia enfim relaxar os pulsos marcados pelo metal circular. Poucos momentos desde que fora jogado naquele lugar, Logan Howard podia sentir-se em casa, confortável. Confortabilidade e estabilidade eram alguns dos sentimentos que mais atraiam Howard àquela sala; era como a casa dele. “Lar doce lar” pensou ele antes de entrar.

  A porta de metal se fechara logo após a entrada da Doutora Quinzel, emitindo novamente o som reconhecível da pesada tranca rolando e se conectando a trava interna do sistema de segurança. As portas do Asilo Arkham foram desenvolvidas em seu novo modelo de forma a que fossem impossíveis de serem abertas para entrada ou saída sem um cartão de identificação. Quincy Sharp tornou-se paranoico com a segurança do local e a própria após um determinado evento passado.

  Dentro da sala, Logan Howard adiantou-se até a bela e confortável poltrona Divã de coloração negra com seu forro completamente de Suede, e deitou-se já pronto para começar a falar. Estava animado, mais do que nos dias anteriores.

— Deixe-me adivinhar... – A Doutora Quinzel o olhou por cima dos óculos em uma análise perfeita enquanto pegava alguns papéis em cima da mesa de madeira. – .... Você terminou o livro que eu te emprestei.

— Incrível, Doutora! A senhora realmente me conhece! – Ele sentia como se houvesse alguma conexão, mesmo que mínima, com sua psiquiatra.

— É o meu trabalho, certo? – A Doutora Quinzel exibiu um pequeno sorriso de canto de boca.

  Sentando em frente a Logan Howard, reclinou-se confortavelmente em sua própria poltrona e com caneta e lápis em mãos começara uma série de perguntas para testar o aprendizado filosófico de Logan a respeito do livro lido.

— Certo, agora que terminou o livro “O garoto e a Baleia”, como você definiria a baleia e o menino? Conseguiu tirar algo simbólico de tudo o que leu?

— Posso estar errado, em minha humilde compreensão intelectual, enxergo o menino da história como uma representação do que somos: eternas crianças, cheias de sonhos, expectativas e persistência. – Fazendo uma careta como se estivesse a admirar algo belíssimo a sua frente, continuou. – Por sua vez, a Baleia são nossos sonhos e objetivos na vida. Assim como nossos pais e as fortes ondas que o garoto enfrentou são as muitas dificuldades que podemos encontrar na sociedade e ao longo da vida.

— Impressionante. Algo mais que gostaria de acrescentar? – Quinzel anotava a interpretação de Logan Howard enquanto escrevia ao lado sua análise profissional.

— Vejamos; o barco que o garoto construíra era física e logicamente impossível de ser navegado, e com o tempo em sua viajem, nos três anos em que passara no mar, migrando de ilha em ilha, o garoto fora recolhendo pedaços de madeira e acoplando, melhorando o seu barco até estar maior e finalmente encontrar a Baleia. Acredito que seu barco seja nossa persistência, nossa força de vontade.

— Interessante. – A Doutora Quinzel continuava sua análise psiquiátrica enquanto a anotava em sua prancheta.

— Anote aí também... – Ele brincou. – .... No último capítulo do livro, o garoto cresceu e tornou-se um pirata, que buscava salvar outras Baleias. Tinha seu próprio e enorme navio pirata. Era impressionante. Lindo. – Com uma pequena risada de admiração ele revelou suas percepções finais. – Vejo todo o último capítulo não meramente como uma parábola sobre o garoto ter conquistado tudo o que almejava com determinação e tornando-se grande, como que ele se tornou uma inspiração, um homem capaz de impulsionar e ajudar outras pessoas. Realmente tocante.

— Perfeito. – A Doutora Quinzel balançava a cabeça. – Como um sentimento pessoal que transcende a lógica e a manipulação, o que realmente sentiu?

— Inspirado. Mas, agora vamos falar de negócios, Doutora Quinzel. – Disse Howard enquanto se posicionava com o tronco agora mais para a frente em direção a Doutora Quinzel.

— Negócios? – Ela quase se esquecera: havia prometido que conversaria com o Diretor Jeremiah para dar a Logan Howard um colchão novo caso terminasse o livro.

— Meu colchão, claro. Sou merecedor. Não? – Ele tinha uma forte exigência em sua voz e sua expressão facial era de alguém que via a situação como algo óbvio.

— Claro, senhor Howard, claro. Hoje mesmo, se possível, tentarei conversar com o Diretor. Tudo bem para você? – Quinzel anotara a exigência também e uma análise do comportamento. Talvez Howard estivesse progredindo de forma um pouco mais lenta do que imaginara. Ao menos agora cumpria normas para receber recompensas.

— Obrigado. – “Veja só, um agradecimento sincero!” A Doutora Quinzel ficara feliz com o que via. Era um bom sinal.

— Senhor Howard, gostaria que o senhor se deitasse, por favor. – Ela apontou com a palma da mão aberta e dedos esticados em um gesto de “pedir”.

— Sim, Doutora. – Obedientemente Logan Howard deitou-se pondo as duas mãos entrecruzadas em cima da barriga e fechando seus olhos confortavelmente.

  Após uma rápida técnica de hipnotismo por voz e comandos básicos da hipnose, o paciente já estava inconsciente, porém, plenamente concentrado.

— Quero que retroceda até seu primeiro homicídio. Quero que me conte exatamente o que vê. – A Doutora Quinzel iniciara seus comandos que para leigos ao ver a funcionalidade pareceria se não pura falsidade, um misticismo irreal. A hipnose era extremamente real e uma prática muito cultivada dentre os psiquiatras, psicanalistas e hipnólogos do mundo todo.

— Eu vejo uma garotinha. Ela está andando calmamente na calçada da rua.

— Qual a rua, senhor Howard? Onde está neste momento? – A Doutora Quinzel penetrava cada vez mais no fundo em sua mente e tornava as lembranças cada vez mais nítidas.

— Rua? Não tenho certeza. Estou procurando uma placa. Bowery? – Howard dera alguns segundos, sua cabeça tremia como se estivesse fazendo uma força tamanha para olhar para os lados. – Não, Midtown.

— O que está acontecendo neste momento, senhor Howard? – Ela deu prosseguimento.

— A garota estava cantando. Era tão linda a música. Ela estava indo à algum lugar, encontrar alguém. – Ele deu uma pausa como se houvesse se assustado. – Dois monstros! O que eles são? Santo Deus!

— O que você vê senhor Howard? – A verdade é que a Doutora Quinzel já sabia toda a história. Howard havia contado algumas vezes. Neste momento da história, os dois “monstros” que Howard vê, são na realidade, os pais da criança. Howard teve uma infância coberta por imposições religiosas e abusos sexuais de seu pai enquanto sua mãe assistia tudo sem nem ao menos parecer se comover, e como resultado de anos de abusos e crenças fortemente empregadas em sua mente que aos poucos adoecia, Howard começara à acreditar que todos os pais eram demônios, criaturas horrendas e deveriam ser punidos e purificados de seus pecados, assim a criança estaria livre e feliz.

— Eles são tão grotescos! Eu tenho que salvar esta garotinha! Eles estão tentando machucar ela! Estão pegando em seu braço! Meu Deus! – Howard parecia estar tornando-se um animal furioso naquele momento.

— Howard, escute a minha voz. Todos os demais sons no local tornam-se como uma brisa leve que enaltece a minha voz. Eu sou a sua consciência, nada mais. – Agora a Doutora Quinzel começara a acelerar seu tom para poder agir antes que as coisas se complicassem. – O tempo para e tudo se torna congelado. Você, os carros, as pessoas, tudo. – Logan Howard acalmara-se naquele momento, ficara completamente imóvel.

— Seu coração se acalma a cada segundo. Você se sente confortável. Você se sente feliz. – A Doutora Quinzel estalava seus dedos uns contra os outros conforme pronunciava a forma como Howard deveria se sentir. – Em suas lembranças, neste momento, enquanto vê as pessoas em sua frente estender a mão para pegar no braço da criança, você fecha seus olhos. Lembre-se de seu pai, lembre-se de sua mãe, e lembre-se de tudo o que aprendeu na igreja que frequentava. Todo o medo, toda a dor, toda a raiva, é levada embora como a maré. Tudo se vai. Tudo se foi. – Encenando um som de ondas, como se batessem ao longe e gradualmente se aproximassem, continuou sua perfuração psicológica. – A calmaria fora traga pela maré. Agora você entende, eles erraram. Apenas isto. Meu sofrimento é apenas aprendizado. Meu sofrimento é oportunidade de ajuda. Com meu aprendizado, posso ajudar outras crianças. Os pais não são ruins. As mães não são ruins. Os meus pais devem pagar judicialmente por seus atos. Apenas eles. Como uma brisa, eu sou levado de volta àquele momento, quando a criança é pega pelos braços. Abro meus olhos e tudo volta a acontecer normalmente. – A Doutora Quinzel testara um método hipnótico de alteração da consciência, onde se substituía sentimentos negativos por outros menos negativos e construtivos.

— Agora posso ver de novo. – Ele confirmou.

— E o que vê? Quem está a sua frente? Qual o cenário? – Quinzel o forçou a recobrar sua última lembrança antes do congelamento.

— Estou em Midtown, estava olhando uma garota cantarolar na calçada. Agora ela está de mãos dadas com... – Ele dera um pequeno sorriso, como se uma cena admirável se desenrolasse em sua vista. - .... Um homem ruivo e uma mulher de cabelos negros, parecem os pais da menina. Eles estão se abraçando. O pai a puxou contra seu peito e a apertou. Uma cena linda.

— Agora, com um leve retroceder de passos, você caminha cada vez mais para perto da luz. Irá seguir o batucar de minha caneta até ouvir o terceiro badalar mais alto que os anteriores. Acompanhe a minha contagem junto ao som das batidas. – Quinzel começara a contar enquanto batia a caneta lentamente em sua prancheta. Uma batida por vez. – Um. Abra seus olhos, senhor Howard, está de volta.

  Abrindo os olhos enquanto se espreguiçava na confortável poltrona Divã, ele sorriu confuso para a bela psiquiatra de colete branco a sua frente.

— Como fui? – Ele perguntou.

— Ótimo, senhor Howard. Formidável.  

  Este era o nível do progresso de Howard. No início do tratamento, Howard não era suscetível à certas técnicas de hipnose, muito menos a modificação de memórias e sentimentos ou emoções. Ele era bastante instável em aspecto de humor, sentia um forte impulso psicótico ao ouvir qualquer tipo de conversação sobre paternidade ou maternidade, fora a total impossibilidade de convívio pessoal e social por culpa de seu extremo “pavio curto” e descostume com qualquer meio de negociação amigável. Seu pai era um homem bastante agressivo e sempre que lhe pedia algo, ou ordenava a algo, o espancava antes e depois, ou ainda no mínimo, xingava-lhe por minutos de todos os nomes já inventados para a mais inacreditável desumanização.

  Quinzel manteve sua conversa sobre o passado de seu paciente até o atual momento como uma consequência. Em determinado momento indagou-lhe sobre filmes e livros que já houvesse lido anteriormente. “Um degrau de cada vez.” Pensou enquanto realizava as perguntas para seu paciente, Logan Howard.

— Entendo, não foram muitos afinal. – Anotando suas últimas informações adquiridas com o desenrolar da conversa, fez um pedido surpreendente. – Sabe, senhor Howard, gostaria muito que o senhor tentasse escrever um livro sobre a sua história. Conte sua versão dos fatos, mostre o como você vê tudo o que fez, tudo o que viu, tudo o que passou.

— Nunca havia pensado nisto, mas, seria oportuno contar a minha história. – Howard havia se interessado na ideia.

— Faremos assim, toda consulta futura, a partir de amanhã, utilizaremos trinta minutos de nosso tempo juntos para escrever o seu livro. – A Doutora Quinzel dera a ideia para fisgar o peixe em seu último movimento.

— Seria muito prazeroso, admito. – Ele havia sido fisgado.

  Pedir para que Howard escrevesse um livro era um método perfeito para analisar a visão de seu paciente sobre tudo o que passara e o como seu modo ver a vida e as consequências havia mudado, evoluído. Era um ótimo método também para uma autoanálise do paciente sobre o seu próprio ser, sua própria existência.

— Perfeito. – A Doutora Quinzel possuía mesmo métodos únicos e eficientes. Estava pronta para ele, o Coringa.

  Duas horas haviam se passado desde o início da conversação com Logan Howard e finalmente chegava ao fim. Levantava-se da poltrona sem pedir para que o paciente também se levantasse e nem mesmo indicara as horas para o mesmo, não o apressara, embora estivesse ansiosa para terminar a sessão.

  Caminhou com calma até sua escrivaninha de madeira e nela pegou um lápis e uma folha de papel em branco. Mostrou ambos para seu paciente e andou até ele, agora sim pedindo para que se levantasse.

— O que seria isto, Doutora Quinzel? – Estava curioso e confuso.

— Lápis e Papel, Howard. – Ela brincou. – Quero que anote suas ideias para o livro neste papel. Tudo bem?

— Pode deixar. – Ele parecia animado para a ideia.

— Só preciso que me prometa uma coisa. – Disse ela mostrando o lápis antes de entregá-lo nas mãos do paciente. – É para escrever, nada de agredir.

— Não faria isto, Doutora. – Ele respondeu honestamente.

— Vou acreditar em você. Vamos? – Disse ela mostrando-lhe a porta.

  Ambos caminharam até a porta metálica e Quinzel retirou do bolso seu cartão de acesso. Passando-o na pequena máquina de reconhecimento, o procedimento de destrave ocorreu normalmente.

— Luca! – Chamou o segurança que parecia distraído.

— Sim, Doutora. Desculpe. – Ele ainda parecia nervoso.

— Preciso que leve o senhor Howard para sua cela. Vou fechar o protocolo de relatório do paciente antes de buscar o próximo. Tudo bem por você se eu não for junto?

— Nenhum problema, Doutora. – Ele forçou um sorriso simpático sem mostrar os dentes.

— Tenha uma boa tarde, senhor Howard. – A Doutora Quinzel se despedia com um leve empurrão nas costas do paciente, guiando-o para a saída.

— Para a senhorita também. – Logan Howard a agradecia educadamente enquanto acenava com a cabeça e esticava as mãos para que Luca pusesse suas algemas.

  Após fechar a porta metálica, a Doutora Quinzel correra para sua mesa com a prancheta de anotações que segurava e começara a passar tudo para os papéis em manuscrito. O procedimento comum para relatórios do Asilo Arkham, consistia em uma transcrição das anotações em manuscrito de forma mais detalhada, quando terminado, devia ser digitalizado e em seguida reescrito e arquivado num programa de digitação privado do Asilo Arkham. Bastante trabalhoso e lhe cobria algumas horas, isto porque a transcrição detalhada tinha de possuir citações específicas que muitas vezes tinham de ser reconfirmadas em livros diversos de psiquiatria, psicologia, psicopatologia ou ainda psicanálise e seus métodos de trabalho explicados minuciosamente segundo teorias já existentes ou ainda estudadas pelo próprio psiquiatra.  

  Começando o árduo trabalho, Quinzel espalhara em cima da mesa quatro livros de onde retiraria referências e confirmaria o que havia percebido e analisado sobre tudo o que Logan Howard lhe contara. Já havia passado de meio dia quando terminara. Estava cansada e com fome. Não poderia “enfrentar” o palhaço de estômago vazio.

  Tendo de descer até a cantina do bloco onde trabalhava, apenas terminou sua refeição quase uma hora e meia depois. Por alguns instantes, até que houvesse saciado sua fome por completo, não sentia ansiedade pelo o que estava por vir, o que mudaria de forma definitiva assim que terminasse sua refeição.

  Enquanto comia, uma colega de trabalho tentara se aproximar para fofocar algo, mas, Quinzel realmente não estava interessada; e após ignorar a colega que em determinado momento desistira de tentar conversar e contar sua história sobre o namorado da amiga que à vinha traindo, Quinzel finalmente terminara e sentira que deveria retornar para o trabalho o mais rápido possível. A fila andou e o verdadeiro show começaria agora.

  Antes de entrar na sala percebera que havia dois seguranças em frente à sua porta e nenhum deles era o Luca. Um homem forte, branco, com colete balístico e um fuzil carregado com munição de elastômero, acompanhado de outro homem ainda mais forte, porém com um bronzeado natural e uma expressão séria para botar medo, também armado com um fuzil longo de um metal negro.

— Desculpe, vocês são...? – A Doutora Quinzel perguntara num tom embaraçado.

— Boa tarde, Doutora Quinzel. Somos a força especial de segurança de Arkham. O Diretor Jeremiah Arkham nos mandou substituir Luca para o apanhamento do paciente criminoso classe sete, o Coringa. – Respondeu o homem com a pele mais branca.

— Entendi. Mas onde está o Luca? – Quinzel não entendera o porquê de Luca ter desaparecido sem comentar nada com ela.

— O senhor Luca, pediu transferência de setor para o Diretor Arkham, Doutora. – Novamente respondeu o rapaz com a pele mais branca.

  Percebeu então a placa com o nome de ambos em seus peitos fortes: “Adney W. Frances” o menor e mais branco, “Lionel Ronn” o mais forte e moreno. Sentia-se um pouco chateada pela transferência de setor escolhida por Luca, mas, entendia o motivo. O Coringa, com certeza.

— Certo, garotos. Vou arrumar minha sala e logo iremos pegá-lo. Tudo bem? – Perguntou a Doutora Quinzel tentando estabelecer uma relação simpática e tranquila com ambos os novos seguranças com quem teria de conviver.

— Sim, Doutora! – Eles nem sequer saiam de formação e pouco olhavam para a mulher com quem falavam ao responder. Era assustadoramente estranho.

  Não demorara muito e sua sala estava limpa, arrumada e pronta para receber a maior de todas as suas oportunidades. Aquele que se tornaria o maior de todos os seus desafios.

  Olhou-se no espelho encostado numas das extremidades da sala, ajeitou seu cabelo e conferiu o estado do batom; não se sentia tão bonita quanto lhe diziam, nunca sentira. Já havia conversado sobre isto uma dúzia de vezes com sua psicóloga na época da faculdade. Nunca mudara muito. Sentia que havia algo errado.

  Retornando o foco de seus pensamentos, encaminhou-se para fora da sua sala até estar ao lado dos dois enormes seguranças. Avançando antes deles chamou-os pelo nome, mostrando ter aprendido.

— Vamos buscá-lo, senhor Frances, senhor Ronn. Por favor, me acompanhem até a ala do corredor infame.

— Sim, Doutora. – Ambos a seguiam quase que em uma marcha militar até o elevador.

  Como sempre, não demorou muito até chegarem ao setor de pacientes da “Ala C”. Saindo do elevador, acompanhada dos dois brutamontes, andou até o portão metálico com o símbolo do Asilo Arkham pintado nele, era maior do que a porta da sua sala. Passando seu cartão de identificação, em um momento sincronizado, como a tranca de sua sala, fazia um som metálico idêntico, porém mais alto, mais rápido e repetitivo por causa das muitas travas que eram acionadas, diferenciava-se da sala da Doutora Quinzel, onde havia apenas uma trava.

  Era o momento a qual tanto ansiava, a mudança de seu futuro estava logo ali à frente. Andou em passos rápidos com o acompanhamento dinâmico dos dois seguranças em sua cola até a cela do paciente.

  Ligando o interfone comunicador com o apertar de um botão na caixa mecânica, uma luz verde indicava estar funcionando. O Coringa que quando a Doutora Quinzel chegara estava sentado no chão de cabeça baixa apoiada em um dos joelhos enquanto sua outra perna esticada, agora levantava-se com uma expressão mais alegre.

— Pensei que havia desistido de mim, Doutora Quinzel. – Ele sorria de forma fraca.

— Não mesmo, senhor Coringa. Você vem comigo. – Ela sorria mais intensamente do que ele.

— Amigos novos? – Ele perguntou olhando ambos os homens atrás dela.

— Luca pediu transferência. Com medo do senhor. Disse que o senhor iria atrás dele. Vamos conversar sobre isto? Há algo para me dizer? – Embora o que falasse fosse algo que levaria a sério, sua expressão e tom era como se estivesse brincando.

— Não. Não que eu consiga pensar em algo. – Ele fez uma careta como se repensasse o que havia dito. – Não que eu pense demais sobre as coisas.

— Vamos logo. – Ela disse em meio a pequenas risadas.

— Podem vir, queridos. – Disse o palhaço do crime abrindo os braços de forma receptiva.

  Os dois grandalhões entraram na sela vagarosamente e com cuidado, uma de suas mãos com a palma aberta indicava para o Coringa se afastar e a outra segurava um cassetete.

  O segurança mais musculoso retirou de um tipo de pochete uma camisa branca e longa; uma clássica camisa de força, conforme ordenava o protocolo.

— Mãos para o alto, palhaço. – Disse Frances com uma tonalidade agressiva em sua voz.

— Parece que alguém acordou do lado avesso, hoje. – O Coringa soltara uma risada um tanto quanto rouca e diferente da antiga e boa risada limpa ao mesmo tempo assustadora. Era uma das coisas que ele mais sentia falta, mas, desde que teve seus dentes destruídos, não era mais possível. Não era mais o mesmo.

  A Doutora Quinzel riu divertidamente com o deboche desrespeitoso do Coringa para com os agressivos agentes de segurança do asilo.

— É “acordou com o pé errado”, palhaço estúpido. – Frances o corrigiu.

— Sério? – Coringa o olhara sentindo o fervor há meses guardado agora queimar. Raiva.

— Acalmem-se, garotos. – Pediu a Doutora Quinzel. – Respeitem o meu paciente, Frances, Roon; ao menos, claro, que queiram realmente acordar do lado avesso. Literalmente falando. – Aquela piada não agradou seus seguranças, nem um pouco.

  Embora a vontade de retrucar o psicopata debochado com cara de palhaço fosse grande, estavam sob as ordens parciais da Doutora Quinzel. Respeito e doutrina, era o que haviam aprendido em seu treinamento militar.

— Hora do recreio, rapazes! – Disse o Coringa, animado após ter posto a camisa de força e estar sendo conduzido para fora de sua cela.

  Parou poucos centímetros fora dela e inspirou profundamente, expirando logo em seguida. Soltando um grunhido prazeroso, o homem pálido de cabelos esverdeados olhou o teto abobado acima dele e então as celas de outros criminosos que o olhavam, alguns com temor, outros curiosidade, e por fim, alguns com algum ressentimento sobre o palhaço.

— Já estava na hora de sentir um ar fresco em meus pulmões. Ou quase isto. – Disse ele olhando com uma expressão atraente que misturava prazer e desvario.

— Vamos, senhor Coringa. Quero logo conhecer o senhor melhor. – A Doutora Quinzel estava cada vez mais ansiosa. Ainda mais agora que ele estava em sua frente, cara a cara, sem nenhuma parede de vidro.

— Oh, minha linda menininha, você não vai querer me conhecer. Você só acha que quer me conhecer. A tal da Lana me disse algo muito parecido. – Ele tentara se aproximar dela, mas, os dois seguranças o seguraram nos ombros com uma boa quantidade de força, para mostrar que eles estavam no comando.

— Ridículo! – Quinzel elevava sua voz, mostrando certa irritabilidade. – Eu não sou a Lana. Digo, Doutora Lana. Você vai gostar de mim. Você vai ver.

— Veremos, querida. – Um rápido sorriso acompanhado de um olhar intenso e até mesmo amedrontador surgira e se desfizera junto à um balançar que beirava o bizarro e o sensual, do corpo.

  Já nos degraus finais da escada de madeira, a Doutora Quinzel ao recapitular o que o Coringa havia dito momentos atrás, o “desafiou” impondo um determinado limite em sua relação com o paciente.

— Não se esqueça, senhor Coringa. Eu não sou sua. – Em palavras ela negava, mas, não pôde evitar uma pequena mordida no lábio.

— Ainda não. – Ele penetrava em sua alma com seus olhos esverdeados.

  Uma risada assustadora e penetrante ecoou pelo corredor fora da infame escuridão que tomava a passagem de onde vinham, quase como que se as trevas lhes seguissem até o elevador. Aquela risada era mais do que apenas pura gargalhada, era como ferroar quente do metal aquecido, dado apenas em animais que estavam prestes a serem levados para o abatedouro.

   Até onde Quinzel poderia entrar na mente insana daquele homem antes de se perder? A insanidade é como uma queda livre, só é preciso um pequeno empurrão para que adentremos em sua imensidão. Harleen F. Quinzel estava prestes a descobrir a quão extensa e assombrosa era a insanidade, e o quão mais sórdida era o seu oposto natural, a sanidade.


Notas Finais


Ufa! Intenso! Quem mais estava ansioso para a consulta do Howard acabar? Acho que assim como a Dra. Quinzel, eu também estava, afinal, quem não quer ir logo para o prato principal ao invés de ficar beliscando as batatas, não é? Agora a coisa começa de verdade!


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