História Luas de Júpiter - Capítulo único

 

Yoongi não sabia dizer exatos quantos anos ele conhecia Hoseok, mas fazia muitos. Uma amizade que foi mantida desde antes do ensino médio, quando ele conheceu Namjoon num show amador de Rap e consequentemente Hoseok, que era praticamente um gêmeo siamês do garoto pouco mais jovem.

De inicio, ele não gostou de Hoseok. Falador, energético, voz alta e sempre tinha um sorriso no rosto. Exatamente o oposto de Yoongi. Com o correr dos meses ele foi se adaptando ao outro garoto e passando até a apreciar a presença dele.

E com mais um pouco de tempo ele se descobriu apaixonado por Hoseok.

No inicio foi assustador. Yoongi ignorou o menino por quase uma mês para depois retornar a amizade com um sorriso triste no rosto, sabendo que Hoseok não poderia retribuir o seus sentimentos e que ele não era culpado por isso.

Logo, colocar uma distancia na relação amigável dos dois seria punir-lo por algo que nem sabia estar fazendo.

Então Yoongi aceitou.

Aceitou quando Hoseok brigou com seus pais e precisou dormir com ele, dividindo a cama.

Aceitou quando Hoseok quebrou o braço e precisou da ajuda dele para comer e as vezes se vestir.

Aceitou quando Hoseok confessou ser apaixonado pela sua vizinha, uma moça muito bonita.

E agora estava aceitando Hoseok trazer a vizinha, agora namorada, para conhecer ele e Namjoon em um pequeno restaurante.

 

Yoongi realmente tentou não culpar a menina. Na verdade, ele queria conseguir desejar que ela e Hoseok dessem tão certo que casassem, tivessem filhos e ele se tornasse uma pequena presença na vida do amigo, participando talvez dos grandes encontros como a ceia de natal e virada do ano.

Mas ele não conseguia.

Então sentar ao lado de Namjoon enquanto a carne assava na frente deles e olhar Hoseok colocar a mão levemente em cima da mão dela estava o matando.

Ela sorriu, brincou e foi muito simpática. Realmente o par perfeito para Hoseok.

E foi por isso que Yoongi pediu licença e soltou um “vou ao banheiro”.

 

Ele se olhou no espelho: olhos pequenos e caídos, cabelo ressecado da descoloração, corpo magro e face um tanto quanto infantil. Ele não tinha chance com Hoseok. Sentindo uma leve ânsia de vomito, Yoongi lavou o rosto e estava secando com o papel de secar mãos quando ele ouviu a porta bater e os passos pesados de Namjoon.

                — Hyung? — A voz de Namjoon estava um pouco receosa. — Você está bem?

                — Sim. Acho que estava muito apimentado. Não caiu bem.

Yoongi viu Namjoon suspirar profusamente e encostar a porta do banheiro atrás de si. Então ele se aproximou.

                — Yoongi Hyung, você esta bem?

                E então Yoongi soube que Namjoon sabia. Ele sabia o que Yoongi sentia por Hoseok e sabia por que estava fugindo, se escondendo no banheiro.  Yoongi não se surpreendeu, afinal, Namjoon era extremamente inteligente e perceptivo.

                — Eu acho que vou embora. Diga a ela e Hoseok que a comida não me caiu bem.

                Yoongi jogou o papel que secava o rosto na lixeira e tentou sair, mas foi impedido pela grande presença de Namjoon.

                — Você precisa dizer a ele Hyung. Hoseok merece saber.

                Yoongi fechou os olhos e tentou manter a calma.

                — Não se preocupe comigo Namjoon.

 

—0—

 

Yoongi não contou nada a Hoseok. Era melhor assim. A presença dela foi aumentando cada vez mais, Hoseok deixava claro que não queria se distanciar dos amigos por causa de um namoro, e assim, as saídas em grupo estavam se tornando frenquentes. Na maioria das vezes Yoongi inventava uma desculpa, mas com um contrato com uma grande empresa para trabalhar como compositor o seu tempo ficou escasso e foi uma ótima saída para se isolar e ignorar Hoseok.

E então, depois de alguns meses fugindo ele se viu sentado no sofá da casa de Hoseok, de frente a ela.

Ele não queria que o distanciamento da amizade dos dois fosse abrupto. Depois de ser confrontado por Hoseok (Yoongi Hyung, você está trabalhando tanto!) e Namjoon, ele apareceu.

— Yoongi-ssi! Quanto tempo— A mulher disse animada, abrindo espaço para Yoongi entrar. — Namjoon-ssi está na cozinha e Hoseok saiu rapidinho para comprar um ingrediente extra pro bimbibap.

Os dois sentaram-se e mantiveram uma conversa sobre amenidade.

Yoongi sabia por que Hoseok a amava, ela era gentil e perfeita.

Tentando não se martirizar muito, Yoongi a tratou com o máximo respeito.

Hoseok chegou logo depois com um saco pequeno de compras e deu um abraço apertado em Yoongi.

Yoongi aproveitou o cheiro mentolado do xampu de Hoseok que estava nos cabelos dele por um momento, antes de o abraço ser distanciado e ele ansiar por mais contato.

Logo eles estavam reunidos na mesa da sala de jantar e Yoongi não estava mais se sentindo tão mal ao ser sufocado pela presença do casal.

Isso até Hoseok segurar na mão dela e erguer para logo em seguida depositar um beijo.

— Eu tenho uma grande noticia.

 

Os olhos de Yoongi ameaçaram a lacrimejar.

               

— Vamos nos casar. — Hoseok sorriu. — Não temos uma data. Mas queremos que você, Yoongi-Hyung e Namjoon sejam os nossos  padrinhos.

Yoongi pareceu ficar surdo por um momento.

A conversa sobre ele ser o padrinho de Hoseok e Namjoon o dela sobrevoava o ambiente, mas não entrava na sua cabeça. Ele olhou para o lado e recebeu um olhar de pena de Namjoon.

Ele não merecia pena.

— Eu não posso. — Yoongi declarou, cortando a conversa animada do casal. — Não Hoseok.

A mulher parou de falar e Hoseok abriu a boca, sem ter o que dizer.

Yoongi tomou coragem, levantou da mesa e deixou o bimbibap meio comido para trás.

— Não me procurem mais, por favor.

 

Foi a ultima coisa que Hoseok ouviu da boca de Yoongi.

 

—0—

 

Yoongi estava concentrado na produção de um álbum. Felizmente ocorria tudo dentro do prazo estabelecido pela empresa  e as melodias fluíram rapidamente.

O toque do seu celular atrapalhou o sua linha de composição e ele guinchou irritado ao ver que o numero era desconhecido.

— Quem é?

— Yoongi-ssi? — A voz dela estava abafada e um pouco receosa. — Por favor, não desligue.

— O que você quer?

— Hoseok está muito chateado, eu nunca vi ele tão triste. — Ele deu uma pausa, talvez esperando Yoongi dizer algo. Ao ouvir nada, continuou. — Agora eu sei que você sente algo pelo Hoseok e não vou ser cruel a ponto de pedir para que você seja o nosso padrinho mais e nem que se sacrifique para não machucar o Hoseok. Só fique longe. Não apareça mais, suma. Bloqueie ele nas redes sociais, no celular. Vai ser melhor Yoongi-ssi. Não quero que os dois se machuquem mais.

— Eu vou ficar longe.

— E... Yoongi—ssi? Me desculpe.

 

—0—

 

O tempo passou. Não foi fácil, mas foi possível.

Yoongi manteve um breve contato com Namjoon e logo depois do noivado de Hoseok (Namjoon contou a ele) ele partiu para os Estados Unidos, para fazer um mestrado em composição em uma grande universidade.

Yoongi teve outros parceiros e os amou o tempo que ficaram juntos. Mas estaria mentindo se dissesse que esqueceu Hoseok totalmente. Vez ou outra, quando colocava a cabeça no travesseiro a noite ele pensava em Hoseok.

No sorriso grande, na amizade inocente, doce e companheira.

O primeiro ano doeu, o segundo incomodou e a partir do terceiro ele começou a esquecer.

As noites nos pubs em Nova York o fizeram esquecer.

O tempo o fez esquecer.

Então, cinco anos depois, Yoongi olhava para a sua passagem para a Coréia.

Ele sentia falta da sua casa, da sua língua, da comida e os costumes.

Da família. De Namjoon.

E de Hoseok.

 

Yoongi suspirou fundo, certo de que estaria tudo bem. Nada poderia dar errado.

Ele teria um emprego numa companhia muito famosa, ganharia bem.  

E no primeiro dia de trabalho, ele entrou no prédio decidido e preparou o laptop para apresentar as musicas. Aparentemente era um grupo de HipHop, então Yoongi realmente se divertiu na composição. Era o tipo de música que ele amava fazer.

Mas todos os seus planos foram cortados quando as portas da sala foram abertas e Jung Hoseok entrou. Vestido formalmente e do jeito que Yoongi se lembrava. O cabelo estava mais claro, castanho, mas ainda assim lindo.

E depois de cinco anos separados Yoongi percebeu que ainda amava Hoseok.

 

A boca de Yoongi secou e ele se apresentou normalmente. Descobriu que Hoseok era o coreografo, e já que a musica e a coreografia trabalhavam juntos, ele estava lá.  Ele viu que Hoseok pareceu extremamente incomodado com a sua presença.

Hoseok sabia?

Ele não era idiota a ponto de não ter ligado os pontos. Yoongi simplesmente fugiu da vida dele após ser convidado para ser o padrinho. Hoseok sabe.

Hoseok sabe por que Yoongi partiu e agora ele tinha esbarrado com ele.

A vida é engraçada, Yoongi diria que até traiçoeira.

Ele encontrou Hoseok até mesmo no lugar que foi o motivo dele ter voltado a Coréia.

A reunião foi longa, ou pelo menos foi assim que ela pareceu para Yoongi. Ele não teve vergonha de olhar Hoseok nos olhos e enxergar si mesmo dentro da iris escura do jovem. Ele não perdeu a forma de Hoseok mordia o lábio inferior ou a maneira que ele tamborilava os dedos da mesa, como se ansiasse que tudo isso acabasse o quanto antes.

É claro.

Hoseok com certeza queria ir embora e continuar fingindo que não encontrou um amigo. Ou ex amigo.

Aos poucos a sala foi se esvaziando e a reunião foi oficialmente encerrada. Yoongi guardou o laptop com calma e tentou não olhar para Hoseok.

— Hyung? — Yoongi quase saltou.

Então olhou na face de Hoseok e viu.

Viu o choro correr.

Viu o rosto avermelhar.

Viu ele tentar conter as lagrimas e os gemidos de dor.

— Hyung? A gen- gente... Pode conversar? — Hoseok sugeriu ao mesmo tempo que tentava segurar o choro.

— Hoseok...

— Por favor, Yoongi Hyung?

E esse foi o ponto fraco dele.

Na verdade, sempre foi.

E agora Yoongi tinha um grande dilema interno: sua cabeça, a parte racional, dizia para ele correr. Deixar Hoseok para trás, o ignorar e deixar as coisas do jeito que estavam. Mas o coração dele, o emocional, gritava para ele que ele tinha conseguido, tinha reencontrado a parte que faltava para a sua vida ser completa, que ele deveria correr. Não de Hoseok, mas para Hoseok.

Yoongi escolheu o coração.

Ele estava disposto a sofrer de novo de fosse preciso.

— Okay. Podemos tomar um café?

— Obrigado, Hyung.

 

Hoseok passou no banheiro antes para lavar o rosto e depois seguiram para a cafeteria do prédio. O lugar era aconchegante, separado por divisórias finas, mas que era suficientes para dar uma sensação de privacidade.

Pediram cappuccinos e o silencio caiu sobre a mesa. Hoseok ajustou nervosamente as mangas da sua blusa longa e Yoongi sabia que o amigo fazia isso quando estava prestes a começar a falar.

— Eu senti a sua falta. Muito. Na verdade... achei que nunca mais fossemos nos ver.

— Eu também Hoseok. — Yoongi tomou um gole da sua bebida e encarou os olhos vermelhos de Hoseok. — Como vai a sua esposa?

— Ela... quer dizer, nós... Nos separamos. Há dois anos.

 

Dois anos atrás foi quando Hoseok começou a ser uma vaga lembrança na mente de Yoongi.

 

— Ainda conversamos de vez em quando, não ficou rancor. — Hoseok completou.

Um silencio caiu sobre o ambiente e Yoongi não sabia o que falar. Antes que pudesse formular qualquer coisa, Hoseok começou.

— Hyung, depois que você partiu... Eu senti tanto a sua falta. Você me amava, não é? — Yoongi acenou lentamente. Ele não mentiria para Hoseok. — Eu sinto muito Yoongi Hyung.

— Não é culpa sua Hoseok.  — Não era culpa dele não retribuir um sentimento.

— Hyung, eu fui um covarde. Eu machuquei ela e machuquei você. Eu... Eu também te amava. — Yoongi parou o copo de cappuccino no meu do caminho entre a mesa e os lábios. — Eu tive medo. Eu pensei que era errado, somos dois homens. Eu não sabia o que pensar.

Yoongi olhou para Hoseok.

Ele não sabia como sentir-se em relação a isso. Ele não estava bravo. Talvez os anos tivessem amortecido os sentimentos dele — até os de ódio — com Hoseok.

— Então eu achei ela. Alguém que me fazia sentir normal. Eu pensei que podia conviver com isso. Mas no fim você partiu... Eu me senti tão mal. Eu não achei que você pudesse se sentir assim em relação a mim.

— Hoseok...

— Yoongi, eu ainda te amo. — Hoseok falou rápido, serio e Yoongi não se importou de ter o “hyung” ignorado.

— Hoseok... eu... — Yoongi fechou os olhos e os sentiu as lagrimas quentes correrem.

 

Então ele sentiu os polegares levemente calejados de Hoseok tentar enxugar as lagrimas.

Neste momento Yoongi quebrou. Ele percebeu que o que ele fez todos esses anos em Nova Iorque não foi apagar Hoseok, foi enterrá-lo. E agora, estava desenterrando. E com isso veio toda a tristeza que ele escondeu, que ele lutou tanto para não sentir.

No momento Hoseok não pensou em nada. Não pensou que estava ainda no prédio da empresa ou se as divisórias eram finas demais para os esconder. Ele apenas se aproximou de Yoongi e o beijou.

Foi calmo, lento e inocente. Ele podia sentir o salgado das lagrimas de Yoongi e podia sentir os seus olhos queimarem e logo depois as suas caírem. Ele depositou uma das mãos na face de Yoongi, sentindo o coração apertar ao toque.

Quando o beijo acabou, Hoseok encostou a sua testa na testa de Yoongi e olhou dentro dos olhos castanhos, pequenos e caídos.

— Eu te amo, Yoongi Hyung.

 

 

—0—

 

— A vida é engraçada.

— Oi?

— Eu disse que a vida é engraçada, Jin.

Seokjin ergueu as sobrancelhas e secou as mãos em um pano de prato. Então encarou Namjoon, seu namorado, que estava mexendo os ingredientes do bimbibap.

— E qual é a graça da vida, Joonie?

Namjoon sorriu, encarando o casal no sofá. Yoongi e Hoseok conversavam sobre alguma coisa enquanto sorriam e Yoongi encostava a cabeça levemente no ombro direito do outro homem.

— Esses dois. Eles são como as luas de Júpiter.

Jin sorriu e balançou a cabeça. Depois se preparou para a linha de pensamento filosófico que o seu namorado tinha o habito de seguir. Ele achava... fofo.

Namjoon não precisou de nenhum som para continuar. Ele sabia que Seokjin estava prestando atenção.

— Júpiter tem várias luas, diferente da Terra. Elas são bem variadas, grandes, pequenas e de cores bem diferentes. Mas todas fazem seu caminho em volta de Júpiter. Yoongi e Hoseok são como elas: Esbarram em várias corpos, dividiram a órbita com outros, trilharam um longo caminho. Mas no fim, como as luas, se aproximam novamente.