1. Spirit Fanfics >
  2. Lucila >
  3. II - Horas

História Lucila - II - Horas


Escrita por: NuchaRBraga

Capítulo 2 - II - Horas


CHUVA nunca chegou a ser um problema para os meninos em suas apresentações.... Às vezes, até divertia mais a ocasião dançar ensopado num palco. Se bem que desta vez, o show de última hora foi num palco coberto. Num teatro que já conheciam. Apesar da água infinita que despencara do céu àquela tarde, o público não decepcionou e lotou a casa.... Afinal, numa tarde de feriado, as fãs livres e atentas a toda a agenda dos seus amores de banda, era certeza de lotação esgotada. E a TV também garantiu sua audiência.

Para os que sempre assistem pela televisão ou os que estão na plateia, a noção é completamente diferente: em casa, alguém assiste ao show de seu artista favorito e quando a ficha técnica encerra o programa com seus créditos passando na tela, ora; uma pena, o programa estava tão bom, mas acabou.... Mesmo?

Não no estúdio. Numa apresentação ao vivo, os bastidores parecem os de uma companhia de artes cênicas, numa montagem teatral, por exemplo. Pensem só:

Dar atenção a público e jornalistas. Ouvir produtores e diretor de espetáculo (ou da casa) comentar o que deu certo e errado...  Ah? Então você não sabia? Sim, toda apresentação tem falhas horríveis, antes-durante-e-depois, inclusive! Você é que, empolgadíssimo na plateia, nem percebe!

Mas quem está lá em cima... 

Depois que a plateia deixa o recinto, a equipe de produção vai-se encarregar de desmontar o palco (desengatar a parte elétrica solta dos equipamentos instalados e que são da equipe do artista, do que é integrado ao ambiente), fechar iluminação e som, varrer e limpar o ambiente inteiro, retirando cenários e outros acessórios. No camarim, alguém reúne tudo o que for de figurino e peças de produção visual. Em segundos e se, possível, rindo o tempo todo. Tempo é dinheiro e o tempo não volta e é melhor encarar tudo dando risada. Bem alto!

(Sobre cachês e parte financeira do negócio, melhor falarmos disso em outra historinha remota...) 

Isso tudo leva o resto do dia; se o show foi à tarde, não se esperasse sair do teatro antes de noite alta! E quando isso é dentro de uma temporada viajando, imagine voltar ao hotel e recolher bagagens, dar baixa em hospedagem, seguir para aeroporto, aí vem aquela rotina quase dolorosa de check-ins, alfândegas, horas de espera.... Embarcar, mais horas de viagem em horários que desajustam o relógio biológico de qualquer criatura normal...

Sono e fome fora dos horários ideais acabam virando rotina. Fusos horários falam idiomas diferentes. Alie-se a tudo isso a saudade de casa. Dos pais, da bagunça do quarto, da única cama macia do mundo, melhor que a de qualquer hotel dez estrelas: a sua. Aliás, ela só perde para o abraço dos seus pais.

Bem. Ossos do ofício, será?

 

A bem da verdade, quem se candidatou a entrar na banda fazia leve ideia do que o esperava. Mas é como entrar numa nova escola: você já saber o que é ser aluno. Mas não significa que não terá surpresas, algumas bem desagradáveis. Felizmente, a rotina é alegre de maneira geral.

Com o tempo, os garotos foram aprendendo a ser autoconfiantes. Naturalmente que acordar de manhã e descobrir uma espinha enorme bem no meio da bochecha, daquelas que o maquiador daria uma bronca de horas (“Eu não disse para não comer tanta besteira? Olha ai o que acontece! ”) enche o saco de qualquer moleque! E alguns orgulhinhos da fase, como notar uma barba e pensar em deixá-la crescer, nem que seja só um tantinho, acabam postergados.

Algo incomum à maioria dos mortais é ser entrevistado em coletivas: muito bem, mas um jornalista pode ser o melhor observador e respeitar os limites da criatura indagada ou ser um autojustificado maldoso que enxerga permissividade em todo canto! Esse tipinho é imprensa-marrom e procura uma manchete feiosa o tempo inteiro! Nada mais adequado do que um jovem artista ou uma banda de meninos. Na cabeça dele, um adolescente destes ainda nem sabe o que fazer com as espinhas nascendo na carinha de anjo, imagine responder pergunta inconveniente.... Certo?

.... Infelizmente.

Certo, ainda que apenas às vezes. Mas aprender a dar a resposta ideal leva tempo.

Naturalmente que deve dar uma vontade danada de sair à tarde para passear e até para brincar (não esqueçamos que esta historinha tem personagens adolescentes. E todo jovenzinho tem o direito nato de brincar feito a criança que está deixando de ser, concordam?) fora de casa, mas oras! As tardes são ensaios, exercícios, estudar. E sair sozinho, quando parece que em cada esquina tem um batalhão de adolescentes alucinadas esperando por você parece bizarro.

Claro, mesmo assim você dá suas fugidas, afinal ninguém é Homem de aço e para isso servem os dias de folga.

 

E o dia seguinte ao feriado, começado com sustos, telhas e janelas quebradas, chuva e um show tirado sabe Deus de onde, era uma merecida folga! Ufa!

Dia ensolarado lá fora, muito diferente do cinza-chumbo anterior. Embora convidativo para uma piscina, o dia não conseguiria arrancar os meninos das camas antes das dez horas! Tinham ido dormir exaustos e McGillins, que passara para buscá-los para o show e aproveitar para ver os estragos na casa, pedira a D. Nena para deixá-los descansar até acordarem sozinhos. Não disse nada, mas notara os olhinhos tensos pela casa. Os pequenos passaram a tarde do feriado calados, foram para o teatro no carro, sem dar pio! E eram os mais brincalhões, normalmente. Os maiores tentavam distrair, ainda riam. Mas era o tipo da coisa que o adulto sente e aguarda.

O empresário deixou-os na casa após a apresentação e seguiu para seu apartamento. Quando acordaram, estavam os criados, a rotina de sempre e D. Nena, observando quem descia as escadas, um a um.

- Bom dia, meu filho. Dormiu direitinho, descansou? – Perguntava, dando um abraço daqueles de vó. Todos os dias ela era assim, fazia como diz a música, tudo sempre igual. Mas os meninos podiam até nem fazer questão do café; agora, do colo de D. Nena ao acordar, ah isso faziam!

Ela os adorava, era o remédio para as saudades que eles sentiam de casa. Baixinha e gordinha, já de meia-idade, era antiga governanta da família de McGillins. O viu ainda menino. Quando ele se tornou empresário dos garotos, percebeu a necessidade de alguém de confiança à frente da criadagem, mas não queria um clima autoritário, o que era muito comum em cargos de liderança, ainda mais dentro de residências. D. Nena era a pessoa ideal: paciente, otimista, tinha jeito com criança (e quem não fosse mais tão criança) e Santo Deus, ô criatura para cozinhar bem!

Enviuvou quando era governanta e tinha um filho, militar do Exército. O rapaz vivia viajando e ela passava o ano na casa do grupo. Queria ver os meninos emburrarem, cabisbaixos? Era D. Nena tirar férias com o filho quando ele voltava para casa... Na verdade, os criados brincavam: diziam que era “a ciumeira coletiva anual” deles, por causa dela.

Os meninos gostavam tanto da copeirinha, que nas datas especiais, o presente da D. Nena era dado pelos cinco juntos. Não tinha isso de cada um dar o seu; eles descobriam o que ela precisava – ela nunca dizia que queria alguma coisa! “Deus me livre dar trabalho pros outros” – e compravam para ela. Fosse o que fosse!

O interessante é que gente grata nunca precisa de nada caro para estar bem. D. Nena era assim.

 

Acordados todos, ela tratava de ajudá-los a se organizar na cozinha, já que tomariam o café mais tarde. A vida da casa já acontecia havia umas horinhas... Todos à mesa, Ralphy olha em direção ao quintal:

- Quê que o Viking tem hoje, hein? Tá latindo desde cedo...!

- Não sei, meu filho. Mas tem razão, hoje eu acordei mais cedo porque ele já estava todo aceso no viveiro. – Respondeu D. Nena.

 

Falavam do rottweiller macho que era cão de guarda da casa. Como todos estivessem em casa naquele dia, ele e a fêmea de dobermann Hera ficaram recolhidos nos viveiros. Mas normalmente, com o movimento da casa, os cachorros costumavam aquietar e quase sempre dormiam durante o dia, para ser soltos à noite. Ainda assim, não davam trabalho. Dificilmente latiam às noites, ficavam alertas perto do portão da frente e pronto; mas naquela manhã, o macho estava muito agitado!  Latia alto, sem parar, agressivo e avançando na grade do viveiro. D. Nena foi até o caseiro, José:

- José, já deram a ração deles hoje?

- Cedinho, D. Neninha. Era para ele estar já dormindo; sei o que ele tem hoje, não...  – E parando o serviço que fazia, atentou para o animal e comentou: - Nunca deu trabalho para recolher no viveiro! Hoje, eu tive que arrastar o bichão pela coleira, senão não vinha, não!  Olha a outra, como tá: rodando dentro da casinha, os dentes cerrando, ó!

 

Realmente. Hera era um belo animal, uma fêmea de raça pura. Geralmente mansa, andava trotando como um cavalo, latia muito pouco. Agora, dentro do viveiro, estava agitada com o latido do macho; andava em círculos, olhando ora para o chão, ora para os fundos.... Rosnando o tempo todo. Os meninos levantaram da mesa e saíram para olhar.

- Primeiro aquele susto de ontem e agora os cachorros... – disse Sérgio.

- O que que tem? – Perguntou Rubem.

- Tem que eles estão olhando lá para trás.

 

Era um trecho entre a casa de McGillins e os fundos da casa do vizinho. Na época de construção das casas, ali era mata virgem e tiveram pena de mandar podar. Com o tempo, as árvores cresceram e o mato fechou. Era meio arriscado andar por ali, havia espinheiros.... Então cada proprietário decidiu fechar sua área como podia e o tal trecho de matagal foi isolado, mas sem cuidados. Nem dava para ver a casa do vizinho, de tão cerrado que era o mato.

Era para lá que o Viking latia.  O que aqueles bichos estranhavam tanto, afinal?



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...