História Lucy In The Sky With Diamonds - Capítulo Um

Capítulo Um

As luzes de neon a faziam entrar em transe. Ouvia as músicas que vinham dos bares e clubes, fascinada. Saia vapor de sua boca
quando respirava e não conseguia esconder o sorriso enorme que carregava. O contraste das luzes com a escuridão da noite era diferente de tudo que já tinha visto. Sentia-se eufórica com todas as possibilidades que a noite trazia.

Tinha consigo apenas uma mala com algumas roupas, o case com seu violão, vinte dólares, uma carteira de cigarro e uma caixa de fósforos. A adrenalina corria por seu corpo, e a possibilidade de dormir na rua a fazia sentir um friozinho na barriga, mas não era apavorante o suficiente para a fazer deixar de sorrir. Havia fugido de casa em busca do que não tinha. E agora planejava em sua mente uma vida completamente nova.

••••••

Eu não sabia pra onde ia, e também não me importava muito. A noite estava gelada, mas mesmo assim tinham várias pessoas na rua. Comecei a prestar atenção no que as placas de neon diziam, todas divulgando as atrações dos bares e clubes, nada muito comum.

Dei de cara com um clube que me chamou atenção. Não pela enorme placa de neon que dizia "Cavern Club". Mas pelo pequeno papel amarelo pregado ao lado da porta dizendo que precisava de uma garçonete. Arranquei o papel dali.

Confesso que, o clube era ainda mais tentador por dentro que por fora. Não estava acostumada com aquele tipo de ambiente, mas estava fascinada, era como se meu maior sonho estivesse se realizando.

Fui me aproximando do balcão, deixei minha mala e o case perto de uma das cadeiras, e me sentei ali. O clube não estava tão cheio e uma música qualquer tocava na vitrola. Um cara alto do outro lado do balcão sorriu pra mim.

—Você não é daqui. -Ele não fez uma pergunta, pelo o que me parecia tinha certeza daquilo, me arrisquei a assentir. —Seu nome?

—Lucy. Vim pelo emprego. -Levantei a folha amarela, e ele a pegou. Vi que ele me encarou por alguns minutos, o encarei de volta.

—Posso falar com o dono do clube? -Perguntei, pedindo uma bebida e gastando dez dos meus vinte dólares.

—Prazer brotinho, sou Rick. -Disse o cara me estendo a mão, a apertei. —E bem vinda ao emprego. -Sorri, virei o resto da bebida e me levantei.

—Onde posso me trocar? -Perguntei ao cara, ele sorriu.

—Ali broto. -Ele apontou para uma porta azul, fui pra lá.

Deveria ser algo como o escritório do Rick, tinha uma mesa, com alguns papéis e um telefone em cima, um sofá e uma vitrola com alguns discos no chão, perto dela. Tinha uma porta de madeira no canto oposto da sala, abri e vi que tinha um banheiro, joguei um pouco de água no rosto.

Depois de me arrumar devidamente para o clube, sai da sala deixando minha mala e o case lá. Rick me encarou e fez um joinha com a mão. Me aproximei.

—Vai cansar com os saltos, mas está um pitel. -Disse, olhei em volta e não vi o clube muito cheio. —Não se engane, o movimento começa depois da meia-noite.

Dito e feito, não demorou muito pro clube encher. Tinham três Bar Tenders, eu e mais duas garçonetes. Os sapatos não me incomodavam, mas a vontade de fumar estava me matando. Mas eu obviamente não podeira sair dali agora.

Uma banda qualquer entrou no palco entretendo a todos, a maioria dançava e ia diretamente no bar pedir bebidas, dando assim um descanso pra mim e as garotas. Meu vestido não era vulgar, mas era relativamente curto e estava frio lá fora, corri na sala de porta azul pra pegar meu casaco e o cigarro e sai um pouco. Fui para os fundos do clube.

Me encostei na parede e fechei os olhos por dois segundos, sorri. Enfiei a mão no bolso e tirei de lá o maço de cigarros e uma caixa de fósforos. Coloquei um cigarro entre os lábios pintados de vermelho e risquei um fósforo, traguei o cigarro.

Já deveria estar no terceiro cigarro quando vi um garoto saindo pelos fundos, furioso. Ele não tinha me notado, chutou uma das latas de lixo.

—O que quer que tenha acontecido, as latas não tem culpa. -Ele se assustou quando me viu ali, sorri de lado ao ver ele ficar vermelho.

—Você não é daqui.

—E você está com raiva -Fiz uma observação tão óbvia quando a dele. —O que houve? -Perguntei, interessada.

—Vou subir no palco depois desses caras. -Ele disse se referindo a banda que tocava.

—Oh! Está nervoso? -Zombei dele, ele ficou corado, constatei que eu gostava de vê-lo envergonhado.

—Sou de uma banda, guitarrista. Perdi minha palheta. —Disse e eu soltei a fumaça do cigarro, rindo.

—Que tipo de guitarrista tem só uma palheta? -Perguntei, ele enfiou as mãos nos bolsos da calça.

—Droga. John vai me matar. -Disse o garoto, tirando as mãos dos bolsos e passando-as pelo cabelo.

Eu ri, dei uma última tragada no cigarro e joguei no chão, apaguei-o com meu salto. Suspirei.

—OK. -Ele me encarou, enfiei a mão no bolso do casaco e tirei de lá uma palheta branca, com as inicias E.A.P. —Aqui. -Estendi-lhe a palheta.

Ele me encarou e deu três passos, ficando na minha frente, estendeu a mão e pegou a palheta, minha mão estava fria, mas a dele não.

—Obrigado. -Disse e olhou a palheta —E.A.P? -Girou a palheta entre os dedos, passei a mão nos meus cabelos os jogando para trás e sorri de canto.

—Elvis Aaron Presley. -Disse, ele assentiu, não era incomum encontrar por aí fã's do Elvis.

Percebi que já tinha saído por tempo demais para um primeiro dia.

—Sou George. - Ele disse, sorri.

—Lucy. Espero que faça um bom show George, eu estarei assistindo. -Disse e me virei, entrando pelos fundos do clube.

Quando entrei vi que a banda que tocava estava saindo do palco, e o clube estava mais cheio do que antes, porém a maioria estava dançando. Abri a porta azul e joguei meu casaco lá. Me sentei na frente do balcão, Rick me encarou.

—Onde estava? -Perguntou, enquanto observava as pessoas se posicionando na frente do palco.

—Fumando. -Disse, ele me encarou por dois segundos e voltou a olhar para pista. Observei uns garotos se posicionarem no palco, todos com um estilo Teddy Boy.

—Olá brotinhos. -Disse um cara no microfone, sorrindo —E olá caras. -Desanimado. Arrancou alguns risos, ele sorriu também. —Somos os Beatles. -Ele gritou, arrancando alguns gritinhos agudos das garotas.

Começaram tocando Jailhouse Rock do Elvis, e daí deram inicio a mais um tanto de músicas dele de Ray Charles, Buddy Holly e Chuck Berry.

Depois de quase três horas tocando direto, os garotos sentaram numa mesa perto do palco. Uma outra banda começou a se apresentar. Algumas pessoas foram para pista, mas a maioria ficou sentado, e assim o trabalho frenético de garçonete se iniciou.

Fui até o balcão para deixar os copos sujos. Rick me chamou com a mão, me inclinei para ouvi-lo.

—Leve essas bebidas, são de graça, assim eu pago menos pelo show deles. -Sorri para o Rick, e coloquei tudo a bandeja.

—Eles são bons Rick. -Disse, ele sorriu e assentiu.

Levei a bandeja com as bebidas para mesa deles, e coloquei as bebidas em cima. Um deles me encarou.

—Você é nova aqui. -Disse, essa afirmação estava me irritando. Me limitei a assentir.

Um cara qualquer de outra mesa chamou, peguei o copo sujo, e entreguei um cheio para ele.

Coloquei os copos sujos em cima do balcão, e um Bar Man encheu a bandeja com mais copos de diferentes bebidas. Eu estava começando a ficar com sono, virei um dos copos de vodka que tinha na bandeja, e me senti melhor. Peguei a bandeja voltando a servir as mesas.

Me sentia uma acrobata, enfiava-me na pista de dança para entregar bebidas aos que dançavam. Girava nos saltos para não bater em ninguém, cuidando sempre para manter a bandeja firme. Alguns caras corriam para fora, ou para o banheiro para vomitar, e eu por sorte, sempre me desviava deles.

Os Beatles eram obviamente a banda favorita do clube, e tanto eles quanto Rick sabiam disso. Os caras estavam fazendo o terceiro ou quarto show quando notei que o dia começava a ficar claro, e que eu queria muito fumar. Grande parte das pessoas já tinham ido, mais ainda haviam umas dez pessoas ali.

Quanto os Beatles tocaram a última música, as pessoas pagaram a conta e foram embora. Eles estavam tirando o equipamento quando percebi que as outras garçonetes e até os Bar Man já tinham ido embora.

—Foi ótima, está oficialmente contratada. -Disse Rick, sorrindo enquanto limpava o balcão.

—Pensei que já estivesse oficialmente contratada. -Disse, me jogando num dos bancos.

—Agora está. Pode ir pra casa. -Levantei num pulo.

—Merda. -Falei alto, e até os garotos me olharam. Enquanto saiam pela porta da frente com os equipamentos.

—Que houve brotinho? -Perguntou Rick. Passei a mão pelos cabelos e bufei.

—Cheguei em Liverpool hoje. -Ele me encarou, confuso. — A primeira coisa que fiz foi vir aqui. Não tenho onde dormir.

Me sentei de novo e apoiei a cabeça no balcão. Rick me encarou por alguns minutos, pensativo.

—Se lavar os copos, limpar as mesas e fechar o clube, te deixo ficar no sofá da minha sala. Até você achar um lugar. O salário continua o mesmo brotinho. -Disse, sorri e assenti.

—Obrigada Rick. -Ouvi ele me explicando que na sala dele tinha um banheiro simples, uma pia, privada e um chuveiro elétrico, que deixaria a chave do clube comigo e que eu não podia vacilar, que ele estava confiando em mim.

Estava tudo ótimo pra mim. Eu havia chego em Liverpool sem nada, e agora ja tinha um emprego e, mais ou menos um lugar pra ficar.

Não me lembro de ter trocado de roupa ou sequer tirado os sapatos. Só me lembro de me jogar no sofá e dormir.