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História Maçãs & Carmesim - Vermelho


Escrita por: RuiMiori

Notas do Autor


E aqui estou eu novamente XD
Capítulo feito com muito carinho!

Capítulo 2 - Vermelho


"Me desculpem, mas eu simplesmente não poderia viver uma vida que não era minha."

O céu era uma imensidão negra, nenhuma estrela o povoava, todavia estas não faziam falta já que os flocos que caíam incessantes de não sei onde chamavam por minha atenção.
Não importava o quanto eu tentasse, era inútil, não conseguia capturá-los — e, quando cometia essa façanha, logo ao abrir a mão nada avistava.
Acho que meus músculos se contrairam em desgosto, pois sinto meu maxilar forçado sem qualquer aviso.
Olho em volta mais uma vez, chances de uma possível nevasca aumentavam a cada espirro. A neve branca e bela cobria completamente o horizonte, se ainda ouvesse grama esta estava completamente enterrada. As árvores raquíticas de magras eram assombrosas para qualquer viajante, porém eu era uma habitante desta floresta assim como os esquilos escondidos, nada me assustava, meu pai fizera com que eu a conhecesse de ponta a ponta para não correr o risco de perder-me — afinal, uma vez perdido já podia considerar-se morto — Era de fato uma floresta sombria, como um conto de bruxas, eu vivia esse conto sem imaginar a existência de um final feliz considerando meu destino traçado.
Sinto algo em meu nariz, era frio, era neve. Um lindo e delicado floco. Mas como fui acostumada a não alegrar-me por muito tempo não emocinonei-me com esse favor da natureza, o floco semelhante a cristal logo se diluiu, sem expectativas sem frustrações.
Eu poderia viver assim.
Ao longe estavam muitos adultos, homens e mulheres, caçadores e caçadoras. Todos saiam gradativamente da floresta com lenha nos braços, depois a lançavam na imensa fogueira ao centro, era tudo o que tínhamos para nos aquecer, a possibilidade de morrermos congelados seria levada em conta se não recordasse-me de suas profissões, morrer não era uma opção em nossa existência. Matávamos para conservar a vida.
Mas algo se destacava em meio aos adultos, uma risada tão infantil quanto a minha, obviamente eu saberia quem era o ser que fazia este reboliço sem nem mesmo necessitar de minha visão.
JungKook brincava com sua irmã mais nova, Hyeon, provavelmente um pega-pega em que ele deixava-se ser capturado.
Nossa diferença de idade era sútil, JungKook completara treze anos na semana anterior — embora qualquer um garantiria que o garoto já tivesse dezessete pela aparência. JungKook era alto, forte e sério, características ganhas por passar tanto tempo ao lado de caçadores mais experientes que já o ensinaram a manejar um revólver, e diga-se de passagem: JungKook atirava melhor que muitos membros de respeito da Associação — E eu? Bom, ainda estava em meus míseros dez anos. Diferente do moreno ninguém dava-me anos a mais, era frustante, na verdade eles reduziam minha experiência de vida a oito anos. Não poderia ficar brava, afinal, eu também enxergava só uma magricela com problemas de desenvolvimento quando encarava meu reflexo no espatifado espelho que fora quebrado em um de meus surtos de baixa autoestima
Eu poderia aguentar, como sempre, o projeto de espectro que refletia no vidro toda vez que parasse em frente ao espelho, mas aquela vez foi diferente, eu não aguentava mais a presença inesperada de Sun, minha prima, que só apareceu para contar da chegada de sua menstruação e o aumento incompreensível de seus seios. Naquele dia eu simplesmente subi para meu quarto e quebrei o espelho em um único soco, mas, para ser sincera o que eu desejava era quebrar Sun e seu amadurecimento inoportuno. Quero dizer, éramos da mesma família, tínhamos a mesma idade, por que nossos hormônios eram tão diferentes? Se é que eu tinha algum... — Ouço meu nome ser chamado, resolvo deixar minhas lamúrias para mais tarde, o travesseiro teria que suportar ser inundado mais uma noite pelas lágrimas de uma garotinha com complexo de inferioridade.
Era JungKook, ele acenou em meio a um sorriso doce, este tão diferente era de sua personalidade intacta, impressionava-me como um simples menino podia ter adquirido a autoridade de um general e ainda cultivar o mesmo sorriso amável que tão raramente era despertado.
Eu amava aquele sorriso que puxava inconscientemente o canto de seus olhos os forçando a quase se fecharem e assim formando uma linha de perfeição impecável a qual nenhuma régua seria capaz de medir.
O sorriso era mínimo, só movia os lábios, mantinha os dentes salientes — que mais o assemelhavam a um coelho — ocultos, todavia ainda era o mais belo em minha opinião.

Sim, eu amava aquele sorriso, e saber que era dedicado a mim só fazia o amar mais.
— Pode me contar o porque deste rosto corado, Sue? — a surpresa e meu nome ser dito chamou minha atenção.
Em que momento meu pai chegara que não notei que estava a minha frente observando cada movimento?
— Não estou corada! — replico.
— Então o que são essas bochechas vermelhas? — indaga apertando-as. Os familiares diziam que eu era de certa forma fofa, meu pai concordava já que eu era sua "princesa", mas tenho consciência de seu temor caso minha expressão não mudasse para uma assustadora, afinal, uma Caçadora meiga não seria levada a sério.
— Não é nada — viro o rosto irritada, aquela era minha tentativa de por medo em alguém, concluí que precisava treinar mais minhas expressões macabras ao ouvir uma risada do papai — Deve ser só o frio.
Vejo ele olhar para seu próprio cachecol e logo o tirar.
— Então vamos resolver isso — diz pondo o acessório em volta do meu pescoço. Minha mãe o tinha tricotado como presente de aniversário no ano anterior, lembro-me até hoje de todas as tardes em que ficamos juntas na lareira da sala, eu a observava fazer o cachecol enquanto cantarolava na cadeira de balanço que rangia a cada nota tirada por mim do piano velho que funcionava de certa forma. O cachecol foi feito sob medida para meu progenitor, então digamos que... Ficou gigantesco para mim. Papai teve que rodá-lo algumas cinco vezes por meu pescoço a fim de que ele se mantivesse firme — Está melhor?
Simplesmente confirmei com um aceno.
Pensei em perguntar se ele não iria sentir frio, mas não, com certeza me viria com o velho discurso de que ele era um homem e que homens não sentem frio.
Não sei por que, talvez fosse só impressão, mas pude jurar ver um vulto correr por entre as extremidades das árvores ao longe. Possível que tenha sido realmente só minha imaginação, não seria possível notar uma sombra num já completo breu.
Uma pergunta atingiu-me como um soco, sempre a quis fazer, mas recordo bem da coragem que evaporava toda vez que me via tendo uma oportunidade de a introduzir a devida conversa.
Porém desta vez seria diferente!
Rápido, Sue, fale antes que novamente aquele irritante misto de covardia e medo a possua e sua única alternativa depois seja chorar agarrada aos lençóis perguntando as lágrimas o por que de ser tão patética!
Você é filha do casal Park, uma futura Caçadora, como pretende matar bestas com esta personalidade?
Talvez porque eu não queira.
— Papai, eu nunca vi um vampiro, tem certeza que eles são tão do mal assim?
Eu não sabia o que pensar, acho que nem ao menos havia um pensamento concreto. Não foi coragem, foi desespero.
Doia, mas a ardência em meus braços finos — cobertos por uma grossa camada de três blusas de lã e um sobretudo — mostrava que de fato eu não estava sonhando, realmente perguntei, sentia-me um tanto orgulhosa, mas quando a decepção nos olhos de meu pai foi substituida por um brilho insano percebi que eu não passava de uma estúpida que só desejava voltar no tempo sete segundos.
— Escute bem isso, Sue — ele mudava da água para o vinho, conseguia deixar de lado todo seu carinho paterno ao ponto de incorporar o líder temido por todos os reles subordinados — Nunca esqueça que eles não passam de animais sanguinários que não possuem nem um mísero escrúpulo! Essas bestas só pensam em matar e destruir pelo mero prazer, filha! — eu queria ser como ele, queria pensar assim, queria controlar o que rondava meu cérebro e duvidava meu coração — Eles aniquilam famílias e nós as salvamos, você me entendeu? — mas isso simplesmente não estava ao meu alcance — Eu perguntei se você me entendeu — a cada segundo suas mãos apertavam ainda mais meus braços, ele não queria machucar, só temia que eu não sobrevivesse a esse mundo de sangue. Para me salvar ele me magoaria, pode não ter lógica, mas era assim que Caçadores pensavam - EU PERGUNTEI SE VOCÊ ENTENDEU?!
Eu não sabia se esse mundo era pra mim, não tinha certeza se queria ceder ao destino traçado. Não queria acabar com uma tradição, mas também não queria brincar de sobreviver a cada novo dia.
— Mas, papai, eles também tem famílias, então não somos igualmente assassinos?
Me desculpe, mas eu simplesmente não poderia viver uma vida que não era minha.
— Não ouse nos comparar, Sue! Eles são mortos que simplesmente não tem a decência de ficar no túmulo! Por que é tão difícil compreender que dete-los é um privilégio e não uma culpa?
Talvez porque eu não acreditasse nisso.
— Me desculpe, papai...
Eu não queria discutir, amava meu pai, odiava trazê-lo incomodo e preocupação, então tudo o que teria de dizer era o que ele queria ouvir.
Bastava acreditar nas palavras do Caçador experiente, certamente ele tinha razão, eu não passava de uma criança repleta de complexos, eu ao menos estava em posição de discutir?
Eu só teria que repetir até que se tornasse uma verdade, a minha verdade.
O escutei suspirar, logo suas mãos se afrouxaram e o peso invisível de seus ombros pareceu se suavizar.
— Você só tem que odiá-los, Sue. Já será um bom começo.
Odiá-los. Odiá-los. Odiá-los.
— Só quando sentir estará segura.
Odiá-los, odiá-los, odiá-los.
— Pode fazer isso?
Odiá-los. Odiá-los. Odiá-los.
— Pode fazer isso... Por mim?
Odiá-los, odiá-los, odiá-los.
— Sim.
"Não" confecei.
Não importava o quanto tentava sentir, eu sabia que nunca passaria de uma verdade forçada, uma mentira.
Mas era por ele, eu poderia então me tornar uma mentirosa.
"Não".
Me desculpe, pai.
Isso era impossível demais para esta menina.
— Que bom — estava cabisbaixa, mas sabia que ele sorria soprado.
Isso foi o suficiente para que eu acreditasse que seria possível.
— Eu te amo — ele raramente dizia, talvez para que assim fosse mais especial quando falasse — Eu te amo, Sue.
As mesmas mãos que a instantes rendiam-me dor agora afagavam o topo de minha cabeça. Era incrível como a mão forte que manejava um bastão de ferro poderia ser a mesma de toques tão leves.
— Eu também te amo, papai — já esse sentimento... Ah... Era tão fácil te-lo como uma convicção — Muito.
Seu abraço acolheu-me tão forte que eu poderia morar ali. Era o melhor lar.
— Mas eu te amo mais — afastou-me um pouco de si para olhar em meus olhos. Alguns fios negros permaneciam presos a minha face, papai gentilmente os removeu e passou a admirar-me, não sei o que tinha para admirar, mas ele estava tão concentrado que por um instante achei-me a garota mais linda do mundo — A cada dia se parece mais com sua mãe — sinceramente? Este era o melhor elogio.
Olhei em volta a fim de procura a minha progenitora, não foi difícil a encontrar já que seus fios negros e longos contrastavam no horizonte.
Sua beleza era ofuscante, só a aparência já seria motivo suficiente para que meu pai — como os demais homens da vila — se apaixonassem. Mas quem a conhecia sabia que a aparência era só uma das vastas qualidades que possuía. Meu pai nunca escondeu que gostou dela pela beleza, se apaixonou pela graça, mas amou-a por sua força.
Eun Li era um pacote completo, quem não seria devoto?
Só então percebi o olhar apaixonado de meu pai para sua esposa. O amor era tão nítido que seria uma afronta o contrariar.
Eu poderia continuar admirando a mamãe que se parecia se distrair em uma conversa com a mãe de JungKook, porém a voz de papai despertou-me de minha admiração plena.
— Trouxe uma coisa para você, querida — anunciou já se preparando para tirar algo de sua bolsa de couro preta, está nunca deixava seu ombro.
— O que? — a curiosidade já me dominava.
Ele nada adianta, todavia não propagou minha ansiedade.
De sua bolsa tirou uma maçã de cor carmesim, rubra como sangue, minha preferida.
— Obrigada, papai! — já salivava — A tempos não vejo uma! — raramente comíamos maçãs, embora fosse sempre frio não tínhamos muitas macieiras na região. Meus pais falavam que só nobres as consumiam já que estavam caras demais no mercado, não vou mentir, me senti rica por possuí-la.
— Sabia que iria gostar — disse satisfeito ao ver minha animação.
— Eu adorei! — não era exagero, eu realmente amava maçãs, era isso que as pessoas chamavam de primeiro amor? — Onde a comprou?
— Na verdade eu a encontrei na floresta — sua mente parecia viajar até o momento em que a encontrou - Era a única em uma árvore, acho que tenho sorte de vez em quando.
Eu sorri, não pude evitar.
— Obrigada, papai!
Estava ansiosa para dar a primeira mordida, mas uma dor se alastrava por meu peito juntamente com a vontade de a manter intacta.
Papai começou a dizer algo, eu até prestaria atenção, mas um par de olhos brilhantes e vermelhos no meio da floresta despertou minha curiosidade. Era, no mínimo, hipnotizante.
— Feliz... — Papai não pode completar sua frase já que naquele momento estávamos ocupados observando o início do pior momento de nossas vidas.
Agarrei-me a maçã como se ela fosse nossa salvação, mas era só uma mera ilusão de criança esperançosa.
Foi naquela noite que vermelho se tornou a minha cor, meu passado, meu algoz.
Prepare-se, Sue, a era das manchas acaba de iniciar.


Notas Finais


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