Lauren leva os Iniciandos nascidos na Audácia por outro corredor, deixando os Transferidos sozinhos com meu irmão.
Tobias espera uns segundos para falar.
-Eu geralmente trabalho na sala de controle, mas durante as próximas semanas, serei seu instrutor. –diz ele. Ah, droga. Justo ele. –Meu nome é Quatro.
-Quatro? Como o numero? –pergunta a garota da Franqueza que estava falando com a Tris. Pelo visto não fui a única a escolher um novo nome.
-Sim. Você tem algum problema com isso? –retruca ele.
-Não.
Olho para ele na maior parte do caminho, procurando vestígios do garoto fraco e magrelo que era meu irmão. Mas só o que vejo é um mini-Marcus, traidor.
-Ótimo. Nós estamos prestes a entrar no fosso, que vocês um dia irão aprender a amar. Ele...
A garota da Franqueza ri com deboche.
-Fosso? Que ótimo nome.
Tobias anda até a garota e aproxima o rosto do dela. Recuso-me a virar e ver o que vai acontecer então apuro os ouvidos.
-Qual é o seu nome? –pergunta ele com a voz calma e suave. Cerro as mãos, era assim que o Marcus fazia antes de me bater.
-Christina. –sussurra ela.
-Bem, Christina, se eu quisesse aguentar os espertinhos da franqueza, teria me juntado a sua Facção. –diz ele, tudo na sua voz indica perigo. –A primeira coisa que você aprenderá de mim é como manter sua boca calada. Entendeu bem?
Ele passa por mim, sem nem me olhar. Nós o seguimos em silencio.
Quatro como quer ser chamado, empurra uma porta dupla, e entramos no tal “Fosso”.
Uma caverna grande com vários andares de rochas se agiganta ao meu redor. O teto do fosso é feito de painéis de vidro. Não observo muito bem as coisas, não vim para a Audácia ficar admirando a paisagem, se eu quisesse, ficaria na Amizade. Fecho a cara e cruzo os braços de forma impaciente.
-Sigam-me, e lhes mostrarei o abismo.
Abismo? Pelo nome não me parece uma boa coisa. Quatro nos guia pelo lado direito do Fosso.
Quatro para do nada e os iniciandos esbarram uns nos outros, me aproximo de uma grade de metal e semicerro os olhos para enxergar melhor.
Bem no fundo do abismo o som alto de água batendo contra pedras enche meus ouvidos.
Sinto um frio na barriga e um aperto na garganta ao pensar na profundidade do buraco. Se uma pessoa cair, certamente morrerá.
-O abismo serve para nos lembrar que há um limite tênue entre a coragem e a estupidez! –grita Quatro. –Um salto intrépido para dentro dele tomaria a sua vida. Isso já ocorreu antes e ocorrerá novamente. Que isso lhes sirva de aviso.
Quatro começa a se afastar com o grupo, mas eu fico. Agarro a grade e respiro fundo o ar de terra molhada. Sempre foi um dos meus favoritos. Uma onda atinge uma pedra e gotículas de água voam no meu rosto.
-Você vem, Teg? –pergunta a voz do Quatro atrás de mim.
Afasto-me do buraco e o sigo pelos tuneis estreitos e escuros.
Quatro nos leva até um enorme buraco na parede. No cômodo do outro lado é cheio de barulho e bagunça. Um refeitório, como o da escola só que com muita mais bagunça. Quando nos veem entrando gritam, nos aplaudem e fazem barulho, o nosso grupo senta em mesas próximas, conversado animadamente. Sento de frente para Tris e Quatro.
Ela pega um pedaço de carne e o segura entre os dedos. Meu irmão a cutuca com o cotovelo.
-Isto é carne. Coloque isto dentro.
Pego um pedaço de carne e o coloco entre um pedaço de pão repartido em dois pedaços.
-Vocês nunca comeram hambúrguer? –pergunta Christina para mim e para Tris.
Não respondo.
-Não. –diz Tris. –É assim que se chama?
-Os Caretas comem comidas simples. –diz Quatro.
-Você tem muita experiência para dizer isso, Quatro. –resmungo, mas ele ouviu. E notou o tom acido com que disparei seu apelido.
Sinto o olhar dele sobre o meu, ele me olha como Marcus.
-Por quê? –pergunta Christina, ela não se referiu ao meu comentário e sim ao de Quatro.
-Nós consideramos a extravagância autocomplacente e desnecessária.
-Nós não, Tris. Você os deixou e eu também. Não os trate como “nós” e sim como “eles”.
-Não me admira que vocês tenham partido.
-Claro, foi só por causa da comida.
Ergo uma sobrancelha para ela.
-Por causa da comida? –dou uma risada forçada. –Você é o que? Uma morta de fome?
Ela abre a boca para falar, mas a porta do refeitório se abre, e todos ficam quietos. Olho por cima do ombro de Tris, um jovem entra, reconheço ele como Eric, um líder da Audácia.
Seus olhos são frios e varrem o refeitório, vejo as bocas de Tris, Christina e Quatro se movendo, mas não escuto som, apenas encaro os olhos do garoto. Ele começa a se dirigir a nossa mesa, sentando ao lado de Quatro. Seus olhos varrem meu rosto e depois se voltam para Quatro, depois para mim de novo.
-E então, não vai me apresentar? –diz ele nos indicando com a cabeça.
Quatro engole em seco.
-Essas são Tris, Christina e Teg.
-Duas Caretas. –diz ele impressionando. –Fico surpreso de terem conseguido pular para dentro do trem.
Tris abaixa o olhar para Christina, mas eu continuo encarando Eric.
-Foi moleza. –digo.
-Vamos ver quanto tempo vão durar. –diz ele sorrindo.
Eles começam a conversar, mas tem algo na postura do meu irmão, que me inquieta. É como se ele estivesse prendendo o ar, tenso, com as costas eretas.
Eric se levanta e dá um tapa no ombro e Quatro. Quando Eric sai reparo que todos na mesa relaxam, menos eu. Eu me senti a vontade na presença dele, como se eu estivesse acostumada com a presença de veneno.
Tris abre a boca, depois fecha, depois abre novamente.
-Vocês dois são... amigos?
-Fomos da mesma turma de iniciandos. Ele se transferiu da Erudição. –diz ele com cuidado.
-Você também é um transferido?
Quatro cerra as mãos e olha para mim, não para Tris.
-Pensei que teria problemas com a garota da Franqueza perguntando demais. Agora tenho uma careta na minha cola também?
-Deve ser por que você é tão acolhedor. Sabe? Quase como uma cama de pregos.
Tento me conter para não rir da cara do meu irmão. Que desvia seu olhar de mim para Tris. Eles se encaram e o rosto de Tris fica vermelho, mas ela não recua. Lembro-me do cachorro no teste de aptidão. Eu o encarei por tempo demais com uma faca na mão.
-Cuidado, Tris.
Quatro levanta e sai da mesa, se juntando a um grupo de membros da Audácia.
-O que foi isso? –pergunto.
-Estou desenvolvendo uma teoria. Para vocês duas.
-E o que diz sua teoria? –pergunta Tris.
-Que ambas, estão pedindo para morrer.
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