Garota idiota!
E não é que ela teve coragem de atirar em mim? Em mim! Que sacrilégio. Agora eu teria que matá-la. Sim, porque Loreen precisava aprender que não se brinca com um Rei, de tal modo que minha pequena boneca logo estaria em pedaços.
Por que tinha de ser tão desobedientemente linda?
Ah é… agora eu teria de achar uma nova distração. Seria difícil encontrar alguém tão transparente e impulsiva como era a pirralha. Loreen podia tentar esconder o medo por trás de uma falsa determinação, ou a raiva em sua fria apatia. Mas seus olhos… não, aqueles belos olhos azuis eram a televisão da sua alma.
E tentar me matar prejudicaria a nós dois, ela morreria obviamente, já eu, ficaria sem sua rebeldia para brincar de corrigir.
Bem… eu sabia que a busca seria bem difícil encontrar uma nova boneca e era justamente por isso que havia começado. Esta era a primeira: uma vadia amordaçada presa à cadeira de frente para minha cama. Seu semblante era choroso, ela se remexia tanto que os cabelos negros já colavam no suor de seu rosto.
— Você está fazendo isso errado, querida. - acenei decepcionado. — Tente algo mais… raivoso.
A garota grunhiu alguma coisa em meio ao desespero me fazendo rir.
— Claro que você não vai falar desse jeito. - olhei para Um, ele tinha a encontrado e trago para mim. Como um bom mascote caminhou até ela tirando a mordaça dos lábios finos demais para o meu gosto. — Que tal agora?
— Por favor… - fungou algumas vezes entre as lágrimas. — Eu não tenho nada de valor, mas faço qualquer coisa. Por favor, não me machuque. - implorava patética por sua vidinha.
Oh, pelo amor de mim, essa garota não aguentaria nem uma ameaça. Assim as coisas não teriam graça alguma.
— Você é surda? - me impulsionei para frente claramente irritado. Senti meu abdômen queimar, abaixei minha cabeça encarando o sangue que se extravasou da sutura com o meu movimento. — Olha só o que você fez. - me levantei com dificuldade e andei lentamente até a garota chorona. — Eu deveria te dar uma surra.
— Por favor… - ela disse com a voz entrecortada. — Eu não quero morrer.
— Nós nascemos para morrer. - ditei impaciente. — A cada segundo estamos mais perto da morte. Então, por que o medo? Qual diferença de morrer agora ou daqui a quarenta anos? - estralei meu pescoço a fim de relaxar um pouco. — É incrível como algumas pessoas ficam apavoradas quando descobrem que um dia irão morrer, chega a dar dó.
— E-eu sou muito nova ainda.
— Ah, entendi. Então antes de morrer você quer se tornar uma marionete do teatro Gotham City. Que espírito pobre. - cuspi as palavras. — Sabe? Isso não vai dar certo. - apontei para ela e depois para mim. — A minha boneca, apesar de burra, era mais interessante que isso.
Me afastei voltando a encostar-me na cabeceira da cama. Limpei o ferimento com a camiseta que eu tinha tirado e joguei-a longe.
E claro, cansado dessa merda mandei Um se livrar do farrapo ridículo, a garota.
Tudo bem, haviam centenas de futuras Loreens a serem entrevistadas.
— Senhor temos um problema. - Albert, um cavalheiro muito útil e totalmente inconveniente entrou em meu quarto sem bater.
— Temos. Preciso arrumar empregados mais educados.
— Desculpe. - falou constrangido. Que imbecil.
— O que você quer?
— A conta que a Senhorita Johnson abriu para a movimentação do dinheiro está estagnada e… esvaziando. - explicou hesitante.
— Então bloqueia o sistema e reintegra a conta. Eu tenho mais o que fazer e você não vai querer me ver perdendo a paciência com alguns números.
— Mas Senhor…
— Dá o fora daqui! - ordenei perdendo a paciência. Que porra! A gente não pode nem se recuperar sem ter que arrumar o cagaço dos outros.
Quando Albert saiu todo chateado eu peguei meu celular discando o número que horas atrás havia me ligado. Não era possível essa garota ainda estar viva, o relógio já tinha zerado a uma hora e meia. Loreen não podia ter tanta sorte assim.
— Um a zero para mim, coração. - ditou cheia de deboche ao atender a ligação.
— Você é mesmo uma ratinha escorregadia, não é? - surpreendente. A curiosidade me abateu, como ela havia conseguido?
— É... bom… o que posso dizer? Eu tenho a sorte ao meu lado. - a vadia estava de bom humor não é? Pois eu também estava.
— Adoro jogos de sorte. - cantarolei para irritá-la.
— Não seriam de azar?
— Só se eu tivesse azar. - a ouvi resmungar qualquer coisa do outro lado da linha. — Mas eu sempre tenho sorte.
— Então use-a para reverter seu saldo bancário. Acredito que tenha me ligado justamente por isso, não é?
— Você não disse que estava cansada dos meus jogos? - indaguei irritado com a sua audácia, a pirralha acreditava mesmo que poderia me passar a perna.
— Eu estou. - sentia seu sorriso mesmo à distância. — É exatamente por isso que estou começando outro jogo. Um elaborado exclusivamente por mim, para você, Senhor C., afinal, eu sei o quanto gosta de um bom desafio.
— Você entendeu perfeitamente não é, amor? - Loreen não me enganava falando de tal maneira, toda cheia de si, esbanjando ironia. Eu sabia o que ela era no fundo, uma garotinha assustada. Só estava em modo de defesa mostrando as garras como uma leoa, no entanto era apenas isso: um mostrar de garras.
— O seu propósito doentio? Sim. - sou tom de voz tornou-se magoado. Como eu gostaria de vê-la agora, poderia imaginar sua expressão indignada, uma belíssima obra de arte que eu havia pintado sozinho. — Me colocar ao limite, me obrigar a fazer aquilo… eu poderia ter te matado.
— Admita: você sentiria minha falta. - descarreguei em cinismo. — Eu sou o único que te faz viver de verdade Loreen. Você é como um vegetal numa cama de hospital, eu sou os aparelhos que te mantém respirando.
— Não. Você é como um câncer, chega de repente e destrói tudo o que toca. - dizia cheia de rancor, algo que fiz questão de ignorar.
— Me diga: que porra você está fazendo com o meu dinheiro? - controlei minha ira em um sorriso forçado.
— Nada, ainda. - soltou um riso anasalado. — Mas não se preocupe, usarei com sabedoria. E dá próxima vez que você resolver tentar me matar lembre-se que sou extremamente rancorosa. - desligou.
“ — Loreen… Loreen… quando eu colocar minhas mãos em você, nem Deus vai te livrar de mim.” - era um pensamento animador que chegava a minha mente.
Era um fato, eu sabia... e as vezes admitia. A garota era uma espécie de obsessão. Loreen dizia o quanto eu era doente, mas ela havia impregnado esse vírus em mim que ia consumindo de pouco em pouco o meu ser. Com toda a sua afronta… sua pose e súbita impulsividade. Sua ferocidade era o meu veneno e seu efeito era um misto de raiva, ansiedade e irritação, tudo muito renovador.
Alguma coisa deveria ser feita antes que a vadia roubasse todo aquele dinheiro. Não era muito, apenas alguns impostos, custos de exportação e pequenos favores. Mas ainda assim era a porcaria do meu dinheiro, e ninguém mexe nas minhas coisas.
Levantei outra vez e fui até o banheiro com o auxílio da minha bengala. Tomaria banho e sairia. Afinal, eu tinha sido baleado, não morto e enquanto isso não acontecesse teria de resolveria todas as minhas pendências. E era noite, não dizem por aí que a noite é uma criança? Eu iria brincar então.
Vesti uma camisa social vinho para o caso de o ferimento voltar a sangrar. Uma calça negra e sapatos da mesma cor. Eu não estava mais tão bem humorado para escolher roupas. Precisava espairecer, relaxar e nada melhor do que algumas cobranças para isso.
— Está muito elegante, Senhor. - Albert comentou sentado no sofá da sala com um notebook sobre o colo. — Irá sair?
— E o dinheiro? - perguntei desinteressado. Peguei o coldre sobre a cômoda, vesti e tirei da gaveta minhas duas Glocks douradas.
— Estou rastreando. Logo saberemos para onde ele está sendo movido. - respondeu de imediato arrumando os óculos de grau que pendiam em seu nariz. Não perdi meu tempo com conversas, apenas me virei e saí acompanhado por minha bengala.
— Vai sair, Chefe? - Um perguntou-me quando passei pela porta de entrada do apartamento. Ele estava acompanhado por Sete e Cinco.
— Vamos. - o corrigi. — Alguém especial aguarda ansiosamente à minha visita. - sorri com a ideia.
Minutos depois eu dirigia o Mazda Shinari branco tendo os dois cães me seguindo em outro carro.
Não se engane. Não me sentia exatamente orgulhoso por possuir tantos carros, ou casas, tudo isso não passava de necessidade, eu não poderia ser pego, não é mesmo?
Claro que eu não reclamava do luxo e repudiava a miséria, mas não pela pobreza, nunca.
A miséria, uma criação do homem, é um nome bonitinho para lixo humanitário. É nela que você encontra a escória e o fruto do poder. O meu caso, por exemplo: drogas traziam-me muito dinheiro, este por sua vez me comprava o que eu quisesse, mas o negócio com as drogas também me rendia fama e todos nós sabemos no que esta acarreta: um punhado de mulheres e falsos amigos.
Isto é o poder, e o esgoto que escoa pelos encanamentos são os seres humanos dependendo daquilo que eu vendo, acabando não apenas com suas vidas, mas também com as daqueles que os amam. Exclusão social? Não, são apenas sacos de carne e ossos jogados ao relento.
O pobre está mais suscetível aos vícios? Talvez o químico porque é o único que seu dinheiro compra. Se ele fosse rico, o vício seria o poder.
Esquecendo tais devaneios desci do carro e andei até o final da rua vazia do Bairro Chinês demorando mais do que pretendia por causa do ferimento. Virei numa espécie de viela cheia de lanchonetes nojentas e entrei no sexto estabelecimento.
O cheiro de carne podre era horrível e mesmo assim não parecia afastar a freguesia.
— Jin Chang. - cantarolei o nome do velho gordo sentado ao redor de uma mesa de metal enferrujada. Estava animado em ver mais um ladrãozinho da Tríade, já ele não parecia nada feliz com a minha presença. — Esperando por mim?
— Você! - desceu a mão com força na mesa causando um barulho alto. Parece-me que nasci com o dom de enfurecer as pessoas. — Como tem coragem de aparecer aqui depois do que fez com Chao?
— Ora, mas que pergunta! É a mesma coragem que você está usando para importar cocaína do seu país para a minha cidade. - respondi como se fosse muito natural ele me dar um calote. — Vocês chineses tem um grave problema. — encostei o pé da minha bengala em seu peito e forcei-o a se sentar. — Acham que podem me agradar com suas bajulação e fazer as coisas por debaixo dos panos. - tirei uma arma do coldre e apontei para sua fuça amedrontada.
— Estamos cumprindo o acordo! Quem não está é você. Matando nossos integrantes e investidores. - o saco de gorduras mal encarado falou firme.
— Você disse… investidores? - o homem olhou incerto para os lados, pelo jeito teria dito algo que não deveria. — Chao era um desses tais investidores? - ele não queria dizer? Tudo bem, isso só tornava as coisas mais divertidas para mim. Levantei a bengala para o lado oposto ao que segurava e a desci sobre o chinês golpeando o rosto oleoso. Pelo menos agora a sua cara feia melhoraria com um pouco de dor.
Sabe? Ao contrário do que muitos pensam eu não sou sádico, mas a dor é algo belo sim, ela é capaz de fazer com que qualquer pessoa mostre sua verdadeira face. Ela culmina em desapego ao ilegítimo da alma, por isso as pessoas a evitam. Ninguém quer ser exposto afinal, não é mesmo?
— Seu desgraçado! - me lançou um olhar de ódio estalando dois dedos da mão direita. Vi ele se levantar e fazer um sinal para alguns imbecis se aproximarem, os garotos até tentaram me golpear com os facões que usavam para cortar a carne pútrida, mas não contavam com meus cães e suas sub-metralhadoras.
— Você quer estender isso? - sorri da situação. Entre nós havia cinco corpos esparramados no chão em meio a muito sangue e o chinês ainda queria continuar com aquela marra? Não no meu expediente. — Para mim não é um problema. Eu tenho a noite inteira, só não sei se você aguenta o meu pique. - debochei levantando minha bengala outra vez. — Que investidores são esses?
— Você sabe quem… - interrompi com um golpe que fez um corte em sua testa. Ele grunhiu de dor.
— Por que não batemos uma aposta, rapazes? - sugeri aos três que me acompanhavam. — Eu aposto que ele desembucha em dose destas. - indiquei a bengala.
— Cinco. - Um falou.
— Oito. - Cinco respondeu após um momento de reflexão.
— Três. - Sete foi rápido.
— Viu como eu tenho fé em você, Jin? Deveria ficar grato e me dizer quem são os investidores. - provoquei sorridente.
— Você é maluco! - suas palavras seguidas de uma cusparada sangrenta em direção ao chão.
Isso sempre me irritava profundamente. Ser taxado de louco, maluco, doente, isso já estava tão ultrapassado. Todos diziam isso apenas porque eu já havia andado algumas dezenas de casas a frente desta fita métrica chamada limite. A opinião alheia não me incomodava mais porque eu tinha quebrado todas as expectativas da sociedade sobre mim, as pessoas já sabiam o que esperar de e eu não me fazia de rogado em cada ação tomada.
— O que você vai fazer? - agora as coisas seriam mais interessantes. O chinês tinha os olhos arregalados sobre a navalha que eu segurava. — Não se aproxime! - ele fez menção de que se levantaria, mas meus amiguinhos o seguraram no lugar.
— Você está muito tenso, Jin… por que está tão sério? - eu lhe sorria divertido aproximando a lâmina de seus lábios. — Eu poderia eternizar um sorriso neste rosto nojento. Ou você pode me dizer quem são os seus amigos investidores. - forcei um pequeno corte no canto direito da sua boca e curvei meu corpo para ficar a sua altura, mas me afastei no momento em que senti minha camisa molhar na região do tiro. — De qualquer forma decida isto logo. - ditei irritado por conta do ferimento.
— Tá legal, cara. Que se foda, eu falo. - o que um rato imundo não faz para ficar vivo? Até mesmo é capaz de passar a perna nos parceiros. — Era o Bentley!
— Bentley? Esse nome não me é estranho, eu por um acaso já o ameacei? - encostei a ponta da navalha no meu queixo a fim de me lembrar.
— O investidor da Farmac International, Senhor C. - Um comentou para clarear minha memória.
— Ah…. era?
— Depois que você fez aquilo ele desistiu da parceria. - soou ofendido.
—Eu fui justo. - me defendi. — Tentar me afundar nunca é uma boa ideia. Digamos que eu seja genioso demais para aceitar atos contra a minha pessoa. Mas mudemos de assunto. Qual a relação da Tríade com a empresa?
— Você acha que vou te dizer? - ele riu amargurado.
— Tudo bem, eu posso tirar as respostas de você. - tornei a levantar a bengala sob o seu olhar aflito.
— Não! Não! Eu falo… A Farmac paga a importação da coca e nós exportados o produto deles para a China.
— Quem é o novo investidor? - indaguei impaciente.
— Não tem mais nenhum, graças a você! - o chinês se alterou socando a mesa outra vez.
— Ah… que dó. Estou prejudicando seus negócios? - perguntei numa falsa compaixão enquanto guardava a navalha e pegava minha arma no coldre. — Porque vocês também estão prejudicando os meus! - descarreguei o pente nele. Desgraçado, vai ser machão no inferno agora.
— Nos livramos dos corpos? - Cinco perguntou prestativo.
— Não. Isto é um aviso para os nossos coleguinhas. - me abaixei até o cadáver do saco de gordura e depositei uma carta Coringa em sua testa.
Saímos do lugar com olhares muito amedrontados às nossas costas. Uma sensação boa de que estava tudo no lugar. Bem, quase tudo, ainda existia Loreen me roubando.
Me perguntava quais seriam os seus planos, afinal, minha boneca não
era nenhum gênio em ascensão e de certa forma, apesar da impulsividade, era comedida. Provavelmente gastaria com algumas drogas e roupas. Teria que encontrá-la logo para resolvermos esse nosso impasse.
— Chefe. - Cinco me chamou segurando um celular. Já estávamos perto dos carros quando alguém ligou. — Albert está na linha e quer falar com o Senhor.
— O que é agora? - já tinha mando aquele incompetente resolver o assunto. — Estou ocupado agora, Albert. - falei assim que peguei aparelho.
— Desculpa, Senhor. Eu encontrei uma pequena parte do dinheiro, achei que gostaria de saber.
— É pra encontrar a grana toda seu inútil! Se eu quisesse uma parte já teria ido atrás da garota. Não acha? - eu já me irritava com toda essa demora. — Onde está?
— Quinhentos mil foram movidos para uma conta em nome da empresa imobiliária Dentry’s Residence e dez mil foram gastos com duas passagens de avião para a Europa. - a imbecil queria fugir? Imagino que estivesse desesperada para sair do meu alcance.
— Encontre o voo para o qual estas passagens estão marcadas. - desliguei o celular e joguei de volta para Cinco. — Encontrem os outros idiotas e vão para o galpão. Assim que amanhecer encontrarei vocês lá. - sorri com a ideia. — Preciso concertar esse desfalque na minha conta.
— Tem um plano, Senhor? - Um indagou abrindo a porta do motorista para mim.
— Algo com o Divard Houston e algumas bombas… - eu só pegaria de volta o que era meu. Bem, talvez um pouco a mais.
O dia ensolarado de Gotham reafirmava os meus planos. Seria lindo, eu até mesmo contava com a presença do Batman para brincar de casinha. Claro que o principal era recuperar minha grana, mas a diversão é essencial. Uma verdadeira casa de horrores com todas as pessoas assustadas sob a mira de uma arma e todo aquele dinheiro entrando fácil para meus bolsos. Eu mal podia esperar para chegar ao banco.
Três dos meus cães estavam comigo em uma van preta devidamente vestidos com suas máscaras de palhaço. Outros dois iriam pelos telhados para cortar a energia dos geradores e destrancar o cofre.
Antes de desembarcar pegamos o necessário, eles com suas elephant gun e revólveres. E eu com minha Glock e bengala. Por causa daquele tiro eu detinha certa dificuldade para sair correndo livremente por aí, mesmo tendo sido de raspão. Loreen parecia amar me dar trabalho.
— Bom dia, Gotham! - falei alto o bastante para interromper conversinhas e assustar as pessoas. — Está um belo dia para fazer um saque, não é mesmo? - todos me olhavam com os olhos arregalados enquanto meus cães recolhiam celulares e qualquer coisa que servisse de comunicação. — Sejam bonzinhos e entreguem seus celulares para meus amigos. - ditei com leveza andando para o centro do andar, até ver um rapaz jovem e burro tirar um celular do bolso. Engatilhei a arma e encostei na sua cabeça. — Todos, sem exceção. - avisei encarando-o, ele imediatamente me passou o aparelho. — Ótimo.
Sinalizei para que Cinco fosse mais a frente em direção ao cofre e de repente as luzes apagaram, parece que os lacaios haviam feito a lição de casa.
— Chefe! Olha só o que encontramos. - Cinco trazia minha boneca, ela não parava de se debater tentando fugir e junto dela estava uma mala.
— Então estamos em família! - comemorei vendo o velho Johnson sob a mira da arma de Um. — Que maravilha!
— Leve o dinheiro e nos deixe em paz, seu desgraçado! - o velho cuspiu raivoso, pelo menos agora eu já sabia de onde Loreen tinha tirado a ferocidade.
— Ah, mas eu vou levar. Já que a sua filha me roubou nada mais justo do que eu pegar de volta.
— O que? Do que está falando? - indagou estarrecido, é… muita informação para o papai.
— Você não contou para o papai, amor?
— Não ouse...
— Lembra-se de quando cheguei todo bondoso lhe oferendo uma determinada quantia para limpar algumas notas para mim? Você se negou, então eu tive todo o trabalho de arrumar outra pessoa que o fizesse. - fiz uma pausa dramática. — Loreen, tão descontente com a vida, aceitou.
— Você me ameaçou! - gritou estridente.
— Tá, tá. Corrigindo: eu encontrei outra pessoa para ameaçar. E a Loreen, sua amável filha esteve me ajudando este tempo todo. - encarei seu rosto avermelhado, que olhar furioso ela sustentava. — Mas nós tivemos algumas desavenças no meio do caminho e agora faltam alguns milhões em minha fatura. Que tal uma explicação enquanto eu pego o que é meu por direito, coração? - sugeri chamando-a por aquele apelido ridículo que ela havia falado anteriormente. Meu sarcasmo pareceu irritá-la, seu plano de fugir havia falhado? Tadinha.
— Você não vai se safar Coringa! - ela gritou de onde estava.
— Eu não quero me safar, minha cara, já você eu não poderia dizer o mesmo. - apontei para a mala que estava com ela.
— Seu filh… - Loreen tentou me ofender enquanto se debatia para escapar e quando conseguiu Cinco quase quebrou seu braço recuperando-a de volta. Ele sacou a arma e engatilhou na cabeça dela. Só não atirou porque uma espécie de boomerang disparou em direção á sua mão. Aquela arminha sem graça, preta e cortante. Cinco gritou de dor e acabou soltando a pirralha.
— Veio participar da brincadeira, gorcego? - fiz a retórica com entusiasmo. Bobinho, iria se concentrar em mim e esquecer que meus homens esvaziavam o cofre. — Não tivemos muito tempo para colocar a fofoca em dia, certo?
Ele disparou mais uma daquelas coisinhas e eu desviei atirando em vultos. O filho da puta era rápido.
— Desta vez você irá para o Arkham e não sairá mais de lá, Coringa.- ouvi sua voz atrás de mim. Girei meu corpo para lhe socar a cara, mas ele desviou do golpe e tentou me acertar.
— É realmente importante pra você me prender, se para mim não significa nada? - era de fato uma questão interessante de se pensar enquanto lutávamos. — Afinal, nós dois sabemos que aquilo não é o meu fim. Fugir daquele inferno é quase um hobby para mim. Até rimou. - ri com humor.
Mas parei assim que percebi meu maldito ferimento sangrar, acabei me distraindo ao conferi-lo, meu maior erro. Foi o momento perfeito para Batman me chutar para o outro lado me fazendo bater as costa numa coluna de aço.
— Desista, Coringa. O jogo acabou. - sua voz robótica retumbou por meus ouvidos. Ninguém aprendia que não se jogava comigo?
— Qual jogo? O meu ou o seu? - disse baixo por tê-lo me segurando pelo colarinho da blusa.
— O seu. - que ameaçador, ele quase rosnava as palavras.
— “Baaaaaaaang” resposta errada! - levantei a arma rápido demais para que ele impedisse, atirei em uma mulher com cara de funcionária e todos dirigiram seus olhares assustados para mim, até Batman estava surpreso.
— Doente! - disse antes de bater sua cabeça contra a minha. Doeu, mas assim eu pude ver o relógio acima de nossas cabeças. Os rapazes já deviam ter saído.
— Adorei o encontro, mas acho que vou deixar a conta pra você. - levantei meu braço batendo o cotovelo em sua mandíbula com força o suficiente para afastá-lo. Só que eu não sairia assim, de mãos abanando.
Enquanto o morcego se recuperava do golpe me aproximei da pirralha fujona apontando a arma para seu querido papai.
— Preciso de um refém e o escolhido foi você! -cantarolei perto o bastante para alcançar seu braço.
— Não! Me leve no lugar dela! - papai urso pediu.
— Você não é divertido velhote. - respondi já saindo com Loreen possuída por um espírito rebelde que não parava de me amaldiçoar. — Pense bem antes de me seguir Batman, eu posso deixá-la dirigir, seria um atentado às nossas vidas. - quando já estava prestes a atravessar a entrada me virei novamente sorrindo com gosto. — Ah! Eu já ia me esquecendo, deixei um presentinho para você no cofre. Se eu fosse você iria ver logo, dica: tem laço vermelho.
Agora o babaca ia salvar o dia e eu iria embora com o meu dinheiro. E sobre a minha criança de estimação? Bom, eu a deixaria se divertir um pouquinho.
Foi de todo modo um sacrifício fazê-la entrar na van, mas só precisei apontar a arma que ela ficou boazinha.
— Vai me sequestrar e colocar uma bomba em mim outra vez? - ignorei seu cinismo.
— Não gosto de repetir a brincadeira. - arranquei a mala de suas mãos e abri encontrando duas passagens de avião, passaportes e roupas. — Indo embora sem se despedir? Eu poderia oferecer uma carona.
— E eu negaria. - tentou afastar a mala sem mim. Eu a olhei feio e lhe dei um tapa na sua mão. — Se comporte. Deveria parar de me enfrentar, pirralha.
— Como você quer que eu faça isso se você me persegue? - um sorriso maroto brotou dos lábios cobertos por batom rosa. — Acho que você tem uma que por mim.
— Amor, isso se chama projeção. - provoquei vasculhando suas coisas. Levantei meus olhos para seu rosto e ela me encarava confusa. — Você se sente atraída por mim, mas isso é tão inaceitável para o seu consciente que o seu subconsciente acaba projetando o seu sentimento em mim para se defender. Nada que já não saibamos.
— Nunca. Nem em mil anos! - forçou uma risada desviando seus olhos azuis dos meus. Tão transparente…
— Acho que vou ficar com isso. - levantei uma peça de cor vermelha que estava dentro da mala. Loreen corou graciosa em sua raiva e constrangimento.
— Devolve isso agora! - avançou em minha direção justamente quando o babaca que estava dirigindo fez uma curva fechada. Ela se desequilibrou e eu tive que puxá-la para que não caísse, o impacto do seu corpo contra o meu não foi nada agradável para o meu ferimento.
— Merda… - praguejei baixo sentindo minha camisa molhar mais um pouco.
— Você está sangrando! - a pirralha praticamente gritou em meu colo e levantou a barra da camisa devagar.
— Não estaria se você não tentasse me matar. - ela me olhou séria e cheia de preocupação, eu tinha certeza de que ela remoia o ato. A fraqueza do ser humano, a bondade.
Senti ela se mexer para levantar-se do meu colo, mas eu a impedi travando meu braço em sua cintura. Foi engraçado o modo como me olhou confusa, e então enfiou a mão na mala retirando uma blusa branca que usou para pressionar meu ferimento.
— Não tentei te matar. - tentou se defender sem me olhar, ela estava tão perto que eu quase conseguia enxergar os vasos de sua pele dilatando em vergonha. — Para de me encarar assim?
— Assim como? - provoquei ao pé de sua orelha.
— Assim, como se fosse divertido para você. - falava contrariada sem ainda me olhar. — Você está ferido, seus pontos abriram, então por favor finge ser uma pessoa normal e…
— E?
— E pare de me encarar assim. - bufou. — Pra onde estamos indo? - tentou mudar de assunto.
— Noé.
— Noé? - arqueou uma sobrancelha com desentendimento. Esse era exatamente o motivo pelo qual eu não trocaria minha pequena boneca burra pelo papai urso.
— Noé da sua conta. - gargalhei sob seu olhar ameaçador.
— Que maduro. - rolou os olhos e tirou a compressa que fazia para ver se havia estancado. — Você não deveria estar andando por aí desse jeito.
— Preocupada comigo, amor? - e novamente ela virou o rosto.
— Não diga besteiras. - ah, sua teimosia era realmente instigante. — E me deixe sair daqui, nós já estamos longe não é?
— Eu disse que te daria uma carona, estamos indo rumo ao aeroporto. - fiz a minha melhor cara de alguém sincero. — Não é para lá que estava indo?
— Não… - olhou-me desconfiada. — As coisas nunca são tão fáceis com você.
— Assim você me ofende. - fingi sentir a ofensa. — Eu vou te deixar ir sim, apenas para vê-la voltar para Gotham com o rabo entre as pernas quando os seus planos não derem certo.
— Você me subestima não é mesmo? - cerrou os olhos como um felino e apertou um pouco mais meu ferimento.
— Loreen, querida. Você é apenas uma boneca, não pode ser muito mais do que isso. - falei baixo encostando nossas testas.
— Você está muito enganado. - um sorriso ladino cheio de más intenções decorou seu rosto. — Acho que o seu reinado está muito ultrapassado. Gotham precisa de um toque feminino. - disse antes de se levantar do meu colo soltando a blusa. Pegou a mala, abriu a porta da van e saiu em direção ao aeroporto em uma caminhada cheia de autoconfiança.
Como as crianças crescem rápido não é? Em um dia são pessoas contidas e medrosas. E no outro estão atirando e fazendo planos contra você.
Seria excitante vê-la tão desesperada em tentativas falhas de tirar a cidade das minhas mãos, aguardava ansiosamente por isto.
— Boa sorte, pirralha. - pensei alto. — Vai precisar.
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