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História Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Prólogo


Escrita por: GSilva

Notas do Autor


Sejam bem-vindos a mais essa história!

“Magoar, Perdoar e Esquecer” é a trilogia de histórias mais importante para mim e a mais pessoal, sendo praticamente inspirada em fatos reais (pasmem). Quem já leu a trilogia em sua edição de lançamento, que vem sendo atualizada desde março desse ano, já deve conhecer o personagem principal, Greg, e suas amigas e amigos. Mas, devo avisar, essa Edição de Ouro é uma forma que achei para arrumar alguns erros no enredo e até mesmo erros ortográficos. Além disso, os capítulos serão postados diariamente.

Abraços e até mais... <3

Capítulo 1 - Prólogo


Fanfic / Fanfiction Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Prólogo

PRÓLOGO

            Caminhei até a frente do portão de entrada ao Colégio Vargas. Meu irmão não parava de tagarelar sobre jogos ou qualquer coisa parecida ao meu lado. Apenas o ignorei. Se eu soubesse que aquele seria o momento decisivo, um momento que regeria todos os momentos seguintes da minha vida, não teria continuado. Para quê? Para chegar ao final e sofrer tudo isso?

            Entrei na frente, deixando meu irmão falando sozinho do lado de fora. Vários outros alunos atravessaram o portão também, e ficaram andando de um lado para o outro como um monte de formigas trabalhadoras.

            — Ei, Greg. Me espere! — Insistiu Ryan, quando viu que eu me dirigia à quadra poliesportiva sem esperá-lo. Já estava no meio do caminho quando senti sua mão me segurando pelo ombro. — O edital das turmas não apareceu ainda, espere um pouco. E, aliás, eu já te disse que eles não mudam as turmas do curso técnico.

            — Eu sei. — Respondi, sem muita certeza. — Eu só quero...

            Eu estava tão distante, tão entorpecido pelo início do ano letivo, que mal percebi a presença de alguém atrás de nós.

            — Greg? — Uma voz feminina e simples cortou minha conversa. Virando-me para trás, vi que era Alanis, nossa amiga. Ela estava trajada parcialmente com o uniforme do colégio e parcialmente com um chalé preto de crochê, evidenciando seu estilo mais do que duvidoso. O tecido azul escuro do uniforme combinava com a coloração azulada de seu cabelo.

            Alanis veio andando em nossa direção, parecendo estranhamente feliz, como sempre. Eu sorri de volta, achando-a, como sempre, um pouco “peculiar”, por assim dizer; ela era esse mar de rosas e sorrisos perto de nós, seus amigos, mas quando ficava sozinha era um poço de espinhos e lágrimas. Não conseguia imaginar o porquê.

            — Não sabia que vocês vinham hoje. — Declarou ela, abrindo os braços. Percebi o recado e a abracei. — Por que não me avisaram? A El tá louca esperando vocês.

            El (Eleonora, realmente) era outra que parecia feliz, mas que na verdade era um emaranhado de mau humor. Eu não as avisei porque, sinceramente, não esperava encontrá-las tão cedo. Eu apenas queria descobrir se havia permanecido na mesma sala do ano anterior e só isso.

            — Desculpe. — Murmurei, me afastando um pouco de Alanis.

            — Ok, não tem problema. — Respondeu ela e continuei com o sorriso para agradá-la. —Venham, o edital só sai daqui há uma hora.

            Para minha surpresa, Alanis segurou minha mão e começou a me puxar na direção do pátio onde ficava a loja de “refeições”. Estranhei principalmente porque ela nunca demonstrava afetos em público, e ainda mais porque ela parecia estar evitando meu irmão.

            O colégio era grande, não gigantesco, mas também não apenas um pavilhão. O pátio de entrada era repleto de tijolos de pedra no chão e possuía seis ligações com outras áreas do colégio: uma levava à secretaria, outra ao pátio de “refeições”, outra para os fundos do colégio; mais uma para a academia, outra para a quadra poliesportiva, e a última para a biblioteca/sala de informática e teatro. Era um colégio bem movimentado e muitos residentes do bairro ao redor lutavam para encontrar uma vaga.

            Chegamos à frente da loja onde vendiam as comidas na hora dos intervalos entre as aulas. De lá, podia ir para a secretaria, para o auditório ou para os últimos pavilhões do colégio. Encostados na parede esquerda do pátio, ao lado da loja, havia alguns bancos pretos, que serviam para aqueles de espera. Eleonora estava lá.

            — Alanis! — Disse ela, quando nos aproximamos. — Greg, Ryan!

            Sentamo-nos ao lado de El, mas rapidamente nos arrependemos, pois, Alanis e ela começaram a conversar sobre algo que não conhecíamos. Era sempre assim. Sentávamos por perto ou apenas nos reuníamos em grupo e as duas simplesmente nos ignoravam.

            Olhei para os lados, procurando algum rosto familiar no meio dos inúmeros grupinhos que passavam de ambos os lados. Ninguém.

            — Você sabe que eles não vão aparecer, né? — Ryan perguntou, quase cochichando ao meu lado. — Quero dizer, você não vai encontrar ninguém dos anos retrasados.

            Não sabia onde ele queria chegar insinuando isso. Talvez quisesse dizer que eu era um garoto deixado para trás, esquecido e abandonado. Mas naquele momento eu não estava com vontade de discutir com ele.

            — Cale a boca. — Disparei. — Quem disse que eu quero encontrar alguém dos anos retrasados? Se o que você disse for verdade, que eles não mudam as turmas do curso técnico, então isso é tudo que importa, porque eu só tenho um amigo além de Alanis e El.

            Nesse momento, quase como se elas estivessem escutando nossa conversa, as duas se viraram para nós.

            — Greg — disse El, como se estivesse me vendo pela primeira vez ali —, como foram suas férias?

            — Boas. E as suas?

            — Bom, nem tanto. Minha mãe me obrigou a sair numa excursão religiosa, mas fora isso tudo bem. — Respondeu ela, exasperada. — Alguma expectativa para esse ano?

            Não sei por que, mas essa frase me fez gelar. Os três olhavam para mim, como se eu fosse um juiz de um tribunal e estivessem esperando meu veredito. E, aliás, o que eu deveria responder? Que sim? Isso não faria sentido. Meu ano passado foi péssimo, carregado de decepções, e o que me levaria a crer que esse ano seria melhor?

            Ignorei a pergunta por uns dois milésimos, tempo suficiente para que pudesse olhar para o meio da multidão. No topo da pequena escadaria que levava à secretaria havia um garoto. Usava a calça azul do colégio e um moletom bordô. Os cabelos desgrenhados caindo sobre os olhos verdes. Por um momento, um ínfimo momento, eu estabeleci uma conexão com ele, olhando-o, enquanto ele me encarava de volta.

            — Não, acho que não. — Respondi.

 

***

 

            A inquietação das pessoas que iam à direção da quadra poliesportiva foi o suficiente para percebermos que o edital saíra uns quarenta e cinco minutos antes do esperado.

            — Será que ficamos na mesma sala? — Perguntou El, animadamente. Os três sorriram conjuntamente. Eu não expressei nenhuma reação porque sabia que seria inútil. Havia três tipos de ensino no nosso colégio: médio regular, técnico integrado e subsequente. As salas não se misturavam, o que significa que eles separavam pessoas do médio no médio, do técnico no técnico e assim por diante. Não haveria como eu estar na sala deles, porque eles escolheram o médio, e eu, o técnico.

            — Tomara que sim. — Respondeu Ryan. — Ia ser muito legal.

            — Eu ouvi dizer que as salas do técnico não mudaram. Será, Greg? — Perguntou Alanis.

            — Eu não sei. — Respondi.

            — Bom, assim é melhor. Pelo menos você ainda vai poder fingir que gosta daquele seu amiguinho. — Disse El, amargamente.

            Ótimo, pensei. Eleonora e sua falta de bom-senso acabou estragando o pouco de bom humor que eu me dispunha a ter, com seu comentário sem compaixão. Tudo bem, eu não simpatizava muito com o Thomas, por causa de problemas que tivemos no passado, mas isso não significava que eu precisava fingir qualquer coisa. Eu achava que nossa relação estava bem clara: eu aparentava não me importar com ele e ele aparentava não se importar comigo. Claro, se ele soubesse a verdade sobre mim, muito provavelmente iria se rebelar.

            — É. — Respondi, sem emoção, embora soubesse que isso demonstrava a minha raiva. Mas eu já havia me acostumado com a falta de bom-senso de El, então realmente não dei muita bola para o que ela disse. Eu só precisava ver edital. Só isso.

 

            Um grupo de quase cinquenta alunos se reunia na frente de uma dúzia de papéis colados na parede do ginásio. Olhei para trás, num último impulso, na esperança de ver novamente o garoto dos olhos verdes, mas não encontrei ninguém. Havia uma multidão ao nosso redor, mas ele não estava lá.

            Entramos na quadra, passando pelo portão de ferro acinzentado, e nos embrenhamos no meio do povo. Tínhamos que esperar as pessoas que estavam à frente verem o edital, depois nós iríamos até lá e verificaríamos para qual sala fomos enviados. Meu irmão, Ryan, decidiu não esperar e saiu para o meio da multidão. El e Alanis ficaram fora do grupo de pessoas, mas eu decidi ficar parado no meio da massa de estudantes que estavam esperando para ver o destino de suas vidas aparentemente pacatas. Ouvi a voz de Ryan ao meu lado.

            — Greg, o seu edital está do outro lado. — Disse ele. Olhei por cima das pessoas e vi que ele estava certo. Havia dois papéis na parede, mais distantes do que esses, e tinha um grupinho lá perto.

            Sem agradecer, saí do meio da multidão e comecei a caminhar na direção do grupinho. Não precisei pedir licença para eles se afastarem, pois saíram no momento em que cheguei. Com exceção a um garoto.

            — Droga. — Disse ele. Aproximei-me e percebi que já conhecia aquele moletom bordô e aqueles cabelos bagunçados. Forcei-me a lembrar se conhecia ele. Ele era estranhamente comum para mim, como se já tivéssemos nos visto. Tentei procurar algo em meus pensamentos, qualquer coisa, qualquer lembrança, e de repente algo surgiu. Um nome. Andrew.

            — Olá. — Eu disse, me aproximando. Aquilo foi um ato extraordinário, pois eu raramente falava com alguém naquele colégio. Ele olhou para mim, com, diria, um pouco de aversão, como se eu tivesse tentado assustá-lo ou ofendê-lo, e então saiu em outra direção, indo tão rápido que eu não tive tempo de perguntar o que havia lhe deixado irritado.

            Concentrei-me nos papéis. Sala 3ªTC (Terceiro ano Técnico, turma C). No décimo terceiro lugar estava o meu nome: Greg. E no primeiro lugar, seguindo a ordem alfabética, estava um nome já conhecido. O nome dele.

            Como Ryan disse, as salas não mudaram, afinal.

 

***

 

            A sala dezoito, no terceiro pavilhão do colégio, estava curiosamente vazia quando eu desci as escadas. Não esperava encontrar ninguém em especial, como dissera Ryan, e me surpreendi ao ser recebido com um sorriso e um olá animado de Thomas, meu único “amigo” na sala. O engraçado era que eu não queria ser amigo dele.

            — Até que enfim! Onde você estava? — Perguntou ele, enquanto eu caminhava até minha mesa pessoal, retirando a mochila das costas.

            — Eu só... — respondi, meio que tropeçando nas palavras. — Eu estava conversando com meu irmão.

            — Por quase duas horas?

            — É, você sabe. Muita coisa para falar. Nós passamos as férias juntos, mas eu fiz coisas que ele não fez. Estávamos colocando as novidades em dia. — Expliquei. Coloquei um pé no apoio de metal na parte de baixo da mesa, a qual rangeu enquanto eu me elevava e sentava em cima da superfície de madeira rabiscada. — E aí, alguma novidade? — Perguntei, ao acaso, sem esperar uma resposta. Estava mais preocupado em voltar logo para casa do que com o que ele fizera nas férias.

            — Na verdade, não. — Respondeu ele. — E você? Viajou ou fez algo importante? Quero dizer, sei que você não faz nada importante, mas vai que resolveu usar sua vida para algo...

            Ai. Thomas, assim como El, tinha um péssimo senso de sensibilidade social e emocional. Ambos, parando para pensar, poderiam até serem irmãos: cabelos loiros, olhos claros, pele pálida; e o egoísmo emocional adicionado do bom-senso de uma barata.

            — Eu faço coisas importantes. Esqueceu-se de que eu já planejei um livro? — Disparei. Afinal, se era para ser um egoísta emocional, não custaria nada atacar dizendo o que eu tenho e ele não (além de uma mente aberta). — Eu viajei, se é isso que quer saber. Fui para a praia. Foi ótimo. Meus pais têm uns parentes por lá e...

            Interrompi-me. Thomas não estava mais prestando atenção em mim. Estava com o aparelho celular nas mãos, claramente entretido com um jogo eletrônico e, obviamente, me ignorando por completo. Ele nem percebeu que eu parei de falar por causa de sua falta de educação. Seus olhos mostravam uma clara fúria entretida, o que eu atribuía, no caso dele, a assuntos relacionados com chacinas de Zombies ou corridas de carros.

            — Ei, olha o que eu consegui. — Disse ele, se inclinando em minha direção. — Eu juntei trezentas moedas e comprei essa nova arma, depois...

            Essa foi minha vez de parar de prestar atenção. Não me interesso por violência. E, além disso, estava certo: ele estava jogando algo relacionado a matar Zombies com facões e metralhadoras. Fiquei olhando a tela e apenas escutando a entonação de sua voz.

            — Legal. — Interrompi, sem emoção, como fazia quando estava com uma raiva escondida.

            Era sempre assim com Thomas. Ele simplesmente ignorava meus assuntos, como se meu bem-estar não fosse importante, mas se dispunha a me explicar sobre seus jogos violentos como se fossem a melhor coisa do mundo. Já lhe expliquei várias vezes, mas acho que ele não entendeu que eu não tenho nem um pouco de atração por jogos desse gênero.

            Thomas sempre foi muito distante de mim, com suas frases sem conexão com o contexto e os olhares subliminares. Eu nunca sabia o que ele realmente estava pensando, ou sentindo, mas sempre duvidei que ele quisesse ser meu amigo.

           

            A sala de aula foi enchendo aos poucos. Os alunos chegavam e se sentavam em suas mesas. Ninguém olhava para mim. Nada fora do normal.

            Até que, meio que através de um sexto sentido, meu coração disparou após escutar uma voz grossa e impassível. O professor já estava na sala, falando sobre algo que eu não queria saber, e então a porta estava fechada. Mas as três batidas na superfície da madeira foram o suficiente para me fazer ficar inexplicavelmente ansioso. Comecei a roer as unhas.

            — Posso entrar? — Disse uma voz já conhecida. Tentei conectar os timbres das palavras com a voz de todos que eu conhecia, até me lembrar de que essa mesma voz já falou algo perto de mim. “Droga”.

            — Claro, meu filho. — Respondeu o gigantesco professor de Educação Física, dando passagem para Andrew. Ao seu lado, mexendo entusiasticamente na mochila, estava Anne, uma garota que eu conhecia de anos retrasados. Então Anne é amiga de Andrew... Interessante.

            Os dois entraram e começaram a vir em minha direção, obviamente devido aos lugares vazios à minha frente. Anne se sentou exatamente na mesa em frente à minha, mas nem olhou na minha cara. Já Andrew... Ele olhou para meus olhos, com algo escondido sobre os seus, como um segredo cuidadosamente embalado, e sorriu. Pensei que o sorriso fosse por minha causa, que apenas minha presença o faria sorrir, mas rapidamente percebi que era Anne fazendo-o rir.

            — Vocês têm que entender, pessoal — reiniciou o professor. —, que esse ano as coisas têm que ser mais calmas. Estamos todos cansados de olhar para as mesmas caras todos os dias, e ainda teremos mais três anos juntos (contando com esse). O que eu quero dizer é que o relacionamento de vocês tem que ser mais harmonioso, seja nessa sala ou entre vocês e a outra turma. Eu vejo que vocês...

 

***

 

            Meu irmão me esperava ao lado do portão de entrada do colégio. Meu “déficit de atenção induzido”, digo, a minha escolha por não prestar atenção no que o professor dizia não me perturbou quando saí da sala e percebi que nem me lembrava do que ele havia dito. Ao lado de Ryan, ambas segurando cadernos nos braços, estavam Alanis e Eleonora.

            Rapidamente me desliguei novamente enquanto andávamos pela calçada, em direção a um ponto onde nos separávamos. Era estupidamente estressante o modo como elas colocavam seus assuntos no meio da conversa e nem perguntavam sobre como eu ou Ryan estávamos. Então, como uma forma de protesto, fiquei quieto durante todo o percurso. Chegamos até um “sinaleiro” (como chamávamos o cruzamento de várias ruas de pista dupla) e, finalmente, Alanis colocou em pauta um assunto do qual eu podia opinar.

            — Quem aqui tem um crush? — Perguntou ela, animadamente. — Vocês viram que essa é a nova moda? Todo mundo tem um crush hoje em dia...

            — Pra mim, “crush” significa “batida” em inglês. — Comentou Ryan, provocando risos, até mesmo de mim.

            — Não, não é isso. Dizem que crush é alguém que você olha e quer pegar. Não chega ser uma paixão, mas também não é algo passageiro. — Esclareceu Alanis.

            — Eu não sei se eu tenho. Sei lá. — Disse El, com uma careta, provavelmente pensando em alguém.

            — Você tem, não tem, Greg? — Perguntou Alanis. Ótimo, agora é ela que está sem bom-senso.

            Alanis me colocou contra um paredão, sem fuga. Senti os olhos deles me observando, como agulhas tentando infiltrar meus pensamentos. Alanis queria saber seu iria dizer a verdade, Ryan estava testando minha coragem e Eleonora... Não podia contar para ela que eu era gay. Alanis e Ryan já sabiam, mas eram meus confidentes, minha melhor amiga e meu irmão. El era outra coisa, uma amiga de uma amiga, alguém quase desconhecido.

            — Claro que não. — Respondi.

            Mas, enquanto Alanis se afastava, eu parei para pensar e descobri que estava enganando a mim mesmo. Eu tinha um “crush”, ou o que isso significasse. Mas a ideia de querer “pegar” Andrew me causava uma aversão estranha.

            Andamos até uma esquina, onde nos despedimos de El, e seguimos caminho. Éramos só eu e Ryan naquele momento, voltando para nossa “amigável” casa.

 

***

 

            Não fomos recebidos por beijos. Não fomos recebidos com abraços. Nem mesmo com sorrisos. Destrancamos o cadeado no portão de ferro e entramos. E, por um momento, eu imaginei que as únicas criaturas felizes por estarmos chegando eram nossas cachorras, presas em correntes ao longo da calçada de entrada. Nossa mãe estava sentada no sofá da sala. Um cigarro numa mão, um copo de Whisky na outra.

            — Bom dia. — Disse ela, muito desanimadamente, como sempre fazia. Abaixei-me ao seu lado e beijei sua bochecha.

            — Bom dia. Tudo bem? — Disse, tentando ser animado.

            — Tudo. — Respondeu ela, embora que, pela entonação, eu tinha percebido que não estava tudo bem.

            Era sempre assim. Nunca estava tudo bem. A depressão clínica de minha mãe afetava o humor de todos dentro de casa, fazendo todos ficarem desapontados de alguma forma. Ela poderia tentar ser um pouco mais animada, não poderia? Como, infernos, fumar seus cigarros e tomar seu whisky melhoraria algo? Não a faria ficar mais feliz, tampouco faria a depressão sumir. Mas eu não disse nada para contrariá-la.

            Larguei a mochila em cima do sofá e me dirigi à cozinha. Em cima da mesa de granito estava um cuidadoso almoço preparado. Pelo menos isso. O cuidado com que minha mãe preparava as coisas era o indício de que minha antiga mãe estava presa lá embaixo, em algum lugar por trás da depressão. Sorri.

            — Já arrumaram tudo que precisam? — Perguntou ela, chegando à cozinha. Agora parecia mais animada. Ryan, que estava rodopiando com um copo d’água em frente a pia, respondeu.

            — Arrumar o quê para quê? — Perguntou ele. Antes de prestar atenção na resposta de minha mãe, decidi dedicar parte de meu reparo à atmosfera que a cozinha transmitia. Estava tudo limpo, a louça lavada, o fogão brilhando, o almoço pronto. Estava tudo como eu gostaria, exceto pelas paredes de madeira desgastadas.

            — Digo, sobre a sala. Já descobriram a sala que vão ficar? — Disse ela, mostrando um súbito interesse. Ela nunca se importava com algo sobre nosso colégio. Passamos nossas férias pensando em como seria a volta às aulas. Pelo menos, eu passei. Obrigação. Nem sabia mais por que fazia aquilo. Eu nem sentia mais a adoção cuidadosa que as amizades geralmente trazem.

            — Já. — Respondi. — Eu continuei na mesma sala.

            — Eu já imaginava. — Disse ela. — E você, Ryan?

            — Eu não fiquei na mesma sala, mas mudei para uma melhor. — Meu irmão respondeu.

            Puxando a cadeira de metal para trás, me sentei à mesa do almoço. O cheiro de arroz e algo que eu julgava ser uma mistura de batata-frita e bacon subiu até minhas vias respiratórias e me ajudou a esquecer todo o resto.

            Tentei ao máximo esquecer as aulas, a depressão de minha mãe, a quase ausência completa de meu pai, a ignorância de meu irmão e de meus amigos, e a indiferença de minha irmã. Tentei esquecer até mesmo Andrew. Mas eu sabia que esquecê-lo não seria fácil.



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