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História Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Surpreendendo alguém


Escrita por: GSilva

Notas do Autor


A partir deste capítulo, a segunda parte começa, intitulada de "Como Perdoar Alguém".

E a partir de hoje, três capítulos serão postados diariamente.

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Capítulo 10 - Surpreendendo alguém


Fanfic / Fanfiction Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Surpreendendo alguém

SURPREENDENDO ALGUÉM

Dois meses depois...

— “Coloquei a caneta no papel e rabisquei três palavras, como título. Como Magoar Alguém”. — Disse minha mãe, largando a pilha de folhas sobre a mesa. Ela olhou para mim. — É uma história linda, Greg, mas você sabe que não poderá lançá-la, não sabe?

 

Eu arqueei as sobrancelhas.

— Não? Por quê? — Perguntei. Ela apenas balançou a cabeça e olhou para baixo, exasperada.

— Porque Como Magoar Alguém viola uns vinte e poucos direitos de imagem! — Ela respondeu grosseiramente.

— Eu não esperei que fosse entender. — Respondi, angustiado. — Mas o que você precisa saber é que eu realmente preciso lançar essa história como livro. Não é um luxo. É pessoal.

— E quer mostrar a sua vida para o resto do mundo?

— Não tecnicamente, mas...

— Então por que quer lançar a história em livro? Ficou louco? As pessoas vão comentar, processar e você pode até ser preso! — Ela argumentou.

— Isso não é verdade. — Rebati. — Mas eu penso: se tudo isso aconteceu comigo, por que não tirar proveito de tudo?

— Com proveito você quer dizer “dinheiro”? — Ela perguntou. Eu sorri.

— Mais ou menos.

Ficamos em silêncio por um tempo. Eu havia dado a ela a cópia original de Como Magoar Alguém, para poder receber uma opinião diferente. Ela demorou uma semana para ler. No fim, pedi para que minha mãe lesse o último capítulo enquanto esperávamos pelos Inspetores do colégio, os Sérios.

Um barulho cortou nossa conversa. Um tom estridente que vinha do lado de fora. Eu e minha mãe nos levantamos na mesma hora, ela segurando o monte de folhas e eu com as mãos atadas.

— Os Inspetores chegaram. — Ela falou, seriamente. Eu arqueei as sobrancelhas de novo.

— Podem não ser eles. Pode ser o pai. — Respondi.

Minha mãe cruzou a sala e foi até a janela, abrindo-a cuidadosamente. Um vento gélido invadiu o recinto e me fez estremecer, mas minha mãe não parecia tremer de frio.

— Não, são eles. — Ela respondeu, rapidamente, fechando a janela de modo súbito. — Greg, vá para seu quarto. Fique lá até eu chamar. Não faça barulhos, pelo amor de Deus.

Eu me virei rapidamente e me dirigi ao corredor, enquanto minha mãe abria a porta para sair ao quintal. Mas, antes de começar a andar, ela se virou para trás. Sua mão tremia e eu temi que ela amassasse a única cópia impressa de Como Magoar Alguém – que, aliás, tinha sido bem cara para imprimir.

— Não se esqueça, Greg, isso é tudo para você. Se não quiser voltar para sua antiga escola, não faça nada inapropriado nos próximos momentos.

Apenas ouvi cada palavra com atenção, olhando-a fundo nos olhos e acenei um “sim” com a cabeça. Eu não quereria fazer qualquer barulho, de qualquer forma. Caminhei pelo corredor até o fim, onde mal dava para ouvir o portão se abrindo, e dobrei à esquerda. Abri a porta do meu quarto silenciosamente, entrando e fechando-a atrás de mim.

Ok. Silêncio. Eu precisava fazer silêncio. Não podia ligar qualquer tipo de aparelho de música, que geralmente me acalmariam em situações como aquela, mas eu precisava fazer algo enquanto os Sérios conversavam com minha mãe.

Os Sérios... Era como minha família chamava os instrutores do meu novo colégio, porque eles eram sempre muito sérios e nunca pareciam sorrir. Eles vinham à minha casa uma vez ao mês, e minha mãe sempre tentava passar a melhor imagem de mim e de nossa família. Se eu fosse considerado como “impróprio”, teria que sair do colégio. E eu não queria ser expulso. Minha mãe já havia dito – e reforçado várias vezes – que se eu fosse expulso, teria que voltar para meu colégio antigo. E aí está outra coisa que eu não queria fazer: voltar a ver aquelas pessoas, naquele mórbido colégio, cercado por pessoas que mal ligavam para mim. É claro, eu sentia falta das minhas amigas, Alison, Aqua e Alicia, mas preferia ficar longe de Andrew ou Alexia por um bom tempo.

Já se fazia três meses. Três meses que eu não me encontrava com minhas amigas. Três meses que não via Andrew. Três meses que não via Alexia.

Balancei a cabeça freneticamente e tentei espantar os pensamentos.

— Não pense nisso agora. — Disse para mim mesmo, baixinho. — Não pode pensar nisso agora.

Apertei os olhos e os abri, vendo a cama parada em minha frente. Entrava pouca luz pela janela do outro lado do quarto, mas a luz alaranjada enchia o quarto e brilhava no início do crepúsculo. Andei lentamente e me sentei na cama, passando as mãos suadas pela calça. Sem sucesso. Isso não me acalmou, nem um pouco.

— Estamos muito felizes em recebê-los....

Ouvi a voz de minha mãe falar, através das paredes. Provavelmente estava sorrindo, cobrindo todos os problemas que nós tínhamos com um sorriso. Pensei se, por um momento, conseguiria sair correndo do quarto e contar toda a verdade para os Sérios. Imaginei qual seria a probabilidade de me expulsarem, se soubessem que eu me meti num caso de atropelamento. Claro, eu não tinha falado para alguma autoridade sobre o que a Alexia tinha feito com Andrew, e preferi manter segredo. As únicas pessoas que sabiam era eu, Alexia e Andrew – e, agora, minha mãe.

Houve um barulho de algo se arrastando, vindo da direção da sala de estar, e eu pensei que minha mãe poderia estar fazendo os últimos ajustes para os Sérios. Olhei para o lado, tentando achar algo que não fizesse barulho e que me acalmasse. Nada. Levantei-me, começando a tremer um pouco.

E então alguém bateu na porta.

— Greg, querido, eles querem te ver. — Disse minha mãe, gentilmente.

Querido. Ela nunca me chamava assim, exceto quando os Sérios iam à nossa casa. E o tom que ela falou foi tão falso...

— Eu já vou. — Murmurei.

Ouvi passos distantes e, sinceramente, comecei a tremer de verdade. Era sempre assim. Não sei por que deveria ficar tão nervoso. São só pessoas. São só perguntas. São só mentiras. Eu posso falar qualquer coisa, sorrir e eles irão acreditar. Sei que vão.

Respirei fundo, uma última vez, e andei até a porta, agarrando a maçaneta.

— É isso, Greg. Se você errar em algo, terá que enfrentar tudo de novo. — Eu disse para mim mesmo, como um mantra, como fazia uma vez ao mês. Contei até três e girei a maçaneta. A porta se abriu e eu saí.

Não conseguia parar de imaginar se a tremedeira poderia ser considerada como um sinal de que algo estava errado em nossa casa, se eles iriam considerar meu nervosismo como um sinal de mau comportamento. Eu esperava que não. Aliás, eu não era o único aluno a ficar nervoso, era?

Mal ouvi meus próprios passos. O som da conversa na sala de estar se tornava cada vez mais audível, conforme eu andava pelo corredor. Em vez de seguir para a esquerda, para a sala de jantar – que era onde geralmente nos reuníamos com os Sérios – continuei andando e engoli em seco ao ver que tinha chegado.

Primeiramente, tentei analisar rapidamente o que estava acontecendo. A sala estava normal, com exceção à mesa de centro, que tinha sido arrastada para perto de um dos sofás. Minha mãe estava parada, ao lado da estante, com os braços cruzados e a boca rija. Duas pessoas sentavam-se no sofá e olhavam para mim. Sorri.

— Bom dia. — Eu disse, com mais gentileza do que o normal na voz. As duas pessoas se levantaram a acenaram com os olhares. Uma delas, um homem, usava um terno azul e uma calça social preta. Seus cabelos eram grisalhos e sua face parecia reprovar até cada respiração minha. A mulher ao lado dele parecia mais receptiva, mas eu não a conhecia. Ela usava uma calça social preta, uma camisa branca e um blazer azul.

— Bom dia, Greg. — Disse o homem. Eu já tinha visto-o aqui, há dois meses. Seu nome era Richard, ou Rickon, ou Robert...

— Bom dia. — A mulher ecoou. Ela tinha olhos gentis e parecia olhar com dó para mim. Eu odiava quando alguém olhava com dó para mim. Eu não era um cachorrinho abandonado que precisava de cuidados. Era eu, Greg. Mas supus que ela não achava isso, pelo contrário: seu sorrisinho e seus olhos gentis mais pareciam armadilhas.

— É uma honra recebê-los novamente. — Respondi, sorrindo. Prossegui lentamente até a poltrona que havia na frente do sofá, e, antes de me sentar, olhei para minha mãe. Ela disse “isso mesmo” com os olhos.

O homem e a mulher se sentaram. Eles esfregaram as mãos e pegaram pastas – que eu sabia que eram repletas de papéis – e olharam para mim. O homem parecia entediado.

— Acho que não precisamos fazer suspense. — Disse ele, com olhos pesados. — Você sabe por estamos aqui.

— Vocês querem ver minha conduta. — Respondi. Sabia que não seria educado interromper, mas o fiz mesmo assim. A mulher sorriu.

— Não falem como se fôssemos detetives. Estamos aqui para ajudá-lo. — Ela respondeu. Seu rosto tomava uma forma angular quando sorria, parecia como uma coruja. Quase gargalhei.

— Oh, desculpe. — Respondi, envergonhado.

— Acho que meu companheiro pode ter te assustado. — A mulher respondeu. — É minha primeira vez nessa casa. Meu nome é Sandra e esse é Fábio, meu... Superior.

Houve uma troca de olhares entre os dois, uma espécie de mensagem mútua, mas eu apenas consegui pensar que o nome dele não tinha nada a ver com Richard, Rickon ou Robert. Sorri.

— Prazer em conhecê-la, então. — Respondi.

— Não viemos aqui para falar sobre sua primeira vez nessa casa, Sandra. — Fábio interveio grosseiramente. — Viemos para falar sobre o garoto.

Garoto? Garoto?

— Desculpe-me, senhor, mas acho que se esqueceu do meu nome. Eu me chamo Gregory. — Interrompei novamente, sentindo o olhar da minha mãe perfurando minhas costas.

— Greg! — Ela interveio, em rejeição.

O homem olhou para mim e eu senti que ele estava enxergando a minha alma, não só a parte protetora que chamamos de corpo.

— Eu sei, sim, que é você. É Greg, um garoto que se mudou para essa cidade, com os pais, a fim de escapar de problemas anteriores. — Ele disse, com sua voz grossa. — Isso inclui uma suspeita de omissão de socorro e uma exposição indevida de imagens, com fotos e vídeos comprometedores de uma garota espalhados por você e suas amigas.

Eu arrepiei e perdi a respiração. Meu único impulso foi me afastar um pouco, mas senti o apoio da poltrona em minhas costas. Ele deve ter visto meu espanto, porque sorriu.

— Sim, eu sei de tudo isso. E de mais um pouco. — Ele disse. — Você foi a causa da saída de uma pessoa do seu antigo colégio, da saída de um garoto chamado Thomas. Você não é quem diz ser. Não é apenas Greg.

Eu definitivamente perdi a respiração, sentindo que poderia vomitar. Devia estar branco como papel. A voz de minha mãe foi a única coisa que conseguiu me tirar do torpor e me fazer olhar para cima novamente. A mulher, Sandra, havia colocado uma mão sobre o ombro do companheiro, como se quisesse acalmá-lo.

— Senhor, nós não fazemos ideia do que está nos dizendo. — Minha mãe disse. — Meu filho não passou por tudo isso.

— Não gaste sua saliva, senhora. Temos testemunhas. Vocês podem ser presos apenas pelo fato de seu filho ter divulgado imagens impróprias da garota, Alexia. — O homem interrompeu. Minha mãe descruzou os braços e eu olhei para ela. Foi a única vez que a vi furiosa daquela maneira.

— Me perdoem, instrutores, mas por mal conduta devo pedir que se retirem. — Ela falou grosseiramente. — Agora.

O homem se levantou, não parecendo mais disposto a entregar os pontos. A moça ao seu lado bufou.

— Você estará fora desse colégio antes de poder dizer “provas”. — Ele disse, olhando em meus olhos. Estremeci.

Enquanto minha mãe conduzia Fábio para a porta da casa, Sandra parou em minha frente e se agachou ao meu lado. Eu não sabia o que falar. Poderia ter perguntado sobre como eles tinham descoberto tudo, como sabiam de meus segredos, mas decidi ficar em silêncio. Sandra colocou a mão sobre meu antebraço e – incrivelmente – sorriu.

— Eu peço desculpas. Ele está muito estressado ultimamente. — Ela disse. — Nos perdoe. Mas acho que seria inútil pedir para que não se preocupe. Provavelmente o que ele disse é verdade: se o Fábio quer que você vá expulso, então você irá expulso.

Arrepiei e engoli em seco. Ela deu uma batidinha em meu ombro ao se levantar e se dirigir para a porta da sala. Só consegui dizer uma coisa, quando ela deixou o recinto.

— Provas.

 

Geralmente levavam-se poucas horas para que o resultado dos Sérios saísse. Minha mãe, após praticamente expulsar os dois de casa, voltou para a sala e – incrivelmente – parecia verdadeiramente solidária. Ela se sentou no sofá, à minha frente, com o monte de folhas de Como Magoar Alguém no colo.

  — Se você tivesse me dito pelo menos uma vez que estava passando por tudo isso... — Ela acenou para as folhas. Eu apenas revirei os olhos.

  — Mãe, vai começar de novo? — Argumentei. — Eu não estava, e não estou, apto a falar sobre tudo o que passei com Andrew, ou seja lá quem for.

— Eu sei disso, filho, mas eu poderia ter ajudado se tivesse falado. — Ela rebateu. — Eu poderia ter acobertado de uma forma mais convincente.

— Acobertado? Mãe, eu não matei uma pessoa. Eu só... Eu só me envolvi em alguns acontecimentos bizarros e sem explicação. — Respondi, estressado. — E o resultado dos Sérios já está me deixando nervoso o suficiente. Então, se você puder parar, eu agradeceria.

Olhei para minha mãe por um milésimo de segundo, e por menos de um milésimo pude jurar que ela realmente estava sentindo compaixão por mim.

— Tudo bem, não precisa falar desse jeito. — Ela respondeu, parecendo magoada. — Eu só queria ajudar. Só Deus sabe como seu pai se sentiria se soubesse o que ocorreu aqui hoje.

— Ele vai ficar sabendo de qualquer maneira...

— Sim, e ficará muito triste com isso. — Disse ela. — De qualquer maneira, acho que ele não dará muita importância para isso.

— E por que não? — Perguntei. Minha mãe olhou para mim e depois desviou o olhar. Eu soube naquele momento que ela estava guardando alguma coisa, que estava escondendo alguma coisa de mim. Mas ela apenas sorriu.

— Por nada, Greg. — Ela disse. — Vamos esperar pelo resultado e rezar para que você ainda possa ficar naquele colégio.

— Sim, vamos rezar. — Respondi, finalmente me levantando.

Foi como se eu estivesse há dois anos sentado. Senti dores por todo meu corpo, nos músculos da perna e no pescoço – dores as quais eu imediatamente atribuí ao nervosismo. Olhei uma última vez para minha mãe e voltei para o corredor.

  Eu só queria ficar deitado naquele momento. As visitas dos Sérios sempre me deixavam cansado, e eu precisava de alguma energia emocional para poder receber o resultado. Por isso decidi me isolar. Fui até meu quarto, entrando silenciosamente, e fechei a porta atrás de mim. Não me tranquei lá dentro, pois sabia que minha mãe entraria caso houvesse alguma ligação dos Sérios.

Graças a Deus estava tudo igual antes, tudo em seu devido lugar. O meu quarto, o único lugar onde eu podia fazer o que quisesse, na hora que quisesse e se quisesse. Sem ter forças para pensar em alguma coisa, apenas caminhei mais para dentro e me joguei sobre a cama.

Pensar em voltar para o Colégio Vargas me dava arrepios – e alguns pesadelos, de vez em quando, para ser sincero. Eu não tinha a mínima vontade de voltar e me deparar com os mesmos rostos de antes. Achava que não seria capaz de suportar o olhar de Andrew sobre mim. Ele escreveu aquela carta e eu não respondi. Nunca. Eu queria me afastar dele, queria mesmo, mas quando pensava em não pensar nele, acabava lembrando-me de tudo. Eu sabia que tudo tinha mudado, que ele não estava mais com Alexia, que tinha me perdoado e que eu poderia voltar a encontrar minhas amigas. Mas acho que não aguentaria mais ficar ao lado dele. Supus que tinha de ser assim: o jogo também tinha mudado, não se tratava mais de como magoar alguém, mas sim de como perdoar alguém. Será que ele poderia ter me perdoado, verdadeiramente?

Agarrei o cobertor que havia ao meu lado e, pensando nele e na minha antiga vida, adormeci de cansaço.

 

— Greg, acorde. Acorde. — Minha mãe disse, me acordando subitamente. Deixei que ela me sacudisse mais algumas vezes até eu mostrar que já estava acordado.

— Oi. O que... — Eu disse, sonolento. — O resultado... Já saiu?

Minha mãe passou as mãos por meus ombros e afagou meus cabelos. Estava escuro – eu havia adormecido demais – e não conseguia ver seu roto, mas senti que alguma coisa estava errada.

— Oh, Greg. — Ela disse. O tom triste na voz dela acendeu minha ansiedade e eu me sentei imediatamente, esfregando os olhos.

— Mãe, o que foi? — Perguntei. — Pode me falar...

— É o resultado. — Ela disse, puxando o ar. — Eles disseram que você foi expulso. Eu sinto muito, mas você terá que voltar para o Colégio Vargas.

 

***

 

            Por um momento, apenas fiquei parado e tentei digerir as palavras da minha mãe da melhor forma possível. Eu inconscientemente perdi o ar, numa espécie de surto de ansiedade misturado com ataques de pânico. Minhas mãos começaram a suar sem que me desse conta e meu coração disparou loucamente. Ela havia dito a frase maldita, aquela frase que eu tinha tentado evitar por todo esse tempo, por esses poucos meses que se seguiram. Mas ela disse. E não havia como voltar atrás.

            — O quê? — Foi a única coisa que consegui perguntar, aproximando-me dela. Ainda estava um pouco grogue de sono, então concluí que poderia ter sido um sonho ou uma alucinação.

            — Desculpe eu te avisar assim, tão de repente. Mas é verdade. — Ela respondeu, com um olhar triste. — Eles acabaram de ligar. Disseram que sua conduta e sua reputação são exclusivamente inconcebíveis, nessas mesmas palavras. E que você não poderá mais pisar nesse colégio. Nem mesmo amanhã.

            — Oh... — Eu disse, com a cabeça girando. Tentei me concentrar no que eu sabia que tinha feito para gerar tal resultado. Eu havia sido grosseiro com Fábio, havia insultado ele algumas vezes, mas nunca pensei que ele tinha levado ao lado pessoal a ponto de pesquisar sobre meu passado sombrio – fato que, obviamente, era outro motivo pelo qual decidiram me expulsar.

            — Eu sinto muito. — Minha mãe respondeu. Apesar das crises de humor dela, de sua depressão, de sua superficialidade, eu fiquei feliz que ela tentou me consolar naquele momento. Era de palavras gentis que eu precisava.

            — Eu não sei nem o que dizer. — Respondi, levantando. Minha cabeça latejava e eu sentia que o mundo estava realmente girando. Com certeza minha pressão estava caindo por causa do nervosismo – sim, isso acontece com algumas pessoas. Segurei no ombro da minha mãe fortemente, tentando parecer que não estava fazendo aquilo porque sentia que ia desmaiar.

            — Greg, você está bem?

            — Claro, eu só... — Disse, tentando parecer o mais sincero possível, mas eu sequer conseguia olhá-la nos olhos. — Eu só estou um pouco chocado, eu acho. Só isso.

            — Então está bem. — Ela respondeu, se levantando. Queria que ela ficasse ali, que me abraçasse, que dissesse que tudo ia ficar bem e que nada ia se repetir. Mas ela obviamente não percebeu que eu estava precisando de apoio, apenas se levantou. — Eu vou conversar com seu pai.

            Ela colocou a mão na porta, abrindo-a, e eu decidi falar alguma coisa. Talvez eu tenha tentado falar algo apenas porque achava que, se não falasse nada, ia explodir.

            — Mãe... — Eu sussurrei. Ela se virou.

            — Oi?

            — Quando? — Perguntei. — Quando eu tenho que voltar?

            — É isso que eu vou ver com seu pai. Mas, segundo a moça que veio aqui, a simpática, você deve voltar ao Colégio Vargas o mais rápido possível. E você sabe, essa nova cidade não tem outros colégios. Você realmente precisa voltar.

            E então ela saiu.

            Eu não pude dizer mais nada que poderia fazê-la voltar e me abraçar, não pude dizer que queria que me confortasse, porque ela simplesmente se virou e saiu. E eu, cansado emocionalmente e psicologicamente, apenas caí na cama e fiquei por lá.

 

            Meu pai apareceu alguns minutos depois. Provavelmente saiu correndo do trabalho e voltou para casa mais cedo, apenas por causa do meu “problema”. Tenho certeza de que minha mãe chamou essa situação de problema e a atribuiu a mim. Ele entrou sorrateiramente no quarto enquanto eu terminava de secar a quinquagésima lágrima que escorria por meu rosto. Droga. Eu odiava chorar, e ainda odeio. Droga. Ele me viu chorar. Achava normal chorar enquanto eles não me viam, e eu chorei muito nas primeiras semanas depois que comecei a escrever Como Magoar Alguém, mas não gostava que eles me vissem chorando. Principalmente meu pai. Ele já tinha de aguentar ver minha mãe chorar todas as noites. E eu sei que ela chorava, por mais que tente esconder isso.

            — Ei. — Disse ele, entrando no quarto como se fosse um ladrão. Eu levantei e minha cabeça e olhei para ele, mas na essência permaneci deitado.

            — Oi. — Respondi, voltando a fitar o teto. Escutei os passos conforme ele se aproximava e se sentava ao meu lado. Seria muito grosseiro se eu permanecesse deitado, então me levantei e ficamos lado a lado.

            — Sua mãe me disse o que aconteceu. — Ele disse. — Eu sinto muito.

            Não, não sente. Era o que queria falar para ele. No geral, as pessoas só dizem que sentem muito porque não suportam verem as pessoas que amam sofrendo.

            — Eu sei. Eu também sinto. — Respondi. E acho que esse foi o ápice de emoção que decidi mostrar, porque eu simplesmente nem sabia o que estava sentindo. Parecia uma mistura louca de emoções.

            — Olha — disse ele, após uma longa pausa, colocando a mão em meu ombro —, sei que não é o momento para falar, mas... Nós iremos amanhã. Já está tudo arrumado. Eu consegui nossa antiga casa novamente e conversei com os coordenadores do Colégio Vargas. Seu irmão, que, felizmente, ainda está com sua irmã, ficou feliz em saber que voltaríamos. Está tudo bem para você?

            Eu escutei cada palavra lentamente, mas de uma forma muito distante, como se meu pai tivesse dito-as de muito longe. Apenas concordei com a cabeça, passando os dedos nos olhos para não chorar novamente. Não podia chorar novamente.

            — É claro. Obrigado. — Respondi. Tentei ser forte e parecer indiferente até o último momento; pensava que se conseguisse convencer de que não me importava, talvez, tudo isso desaparecesse e no final eu acabaria não me importando. Mas algo em minha voz deve ter denunciado que não estava tudo bem, porque meu pai me puxou para si e me abraçou, com sua respiração nos meus cabelos.

            — Venha. — Ele disse, apertando ainda mais o abraço. — Eu sinto muito. E eu te amo.

            — Eu também te amo. — Respondi, dessa vez chorando de verdade. Não tinha motivo, de fato, para que ele ficasse repetindo que sentia muito; exceto pela probabilidade da minha mãe ter contado a história de Como Magoar Alguém para ele.

            Ótimo, pensei sarcasticamente. Agora todo mundo acha que ficarei mais magoado. Vão achar que herdei a depressão da mamãe. Provavelmente contratarão um psicólogo e eu vou ter que ir uma vez por semana no consultório, chorar, e contar como minha vida está uma merda. Ótimo.

            Mas eu não estava sentindo tudo como uma merda. É claro, eu fiquei extremamente revoltado e tinha vontade de sair chutando tudo pela frente, mas não foi como se eu conseguisse me magoar mais ainda. Já tinha passado por tanta coisa, aquilo era apenas um oitavo do que já havia me ocorrido. O grande empecilho era Andrew, mesmo que eu nem mesmo o visse mais.

            Meu pai se levantou e saiu, deixando-me sozinho novamente. Ele também não percebeu que eu precisava de alguém para realmente ficar ali comigo. Tudo bem, ele me abraçou e disse coisinhas fofas, mas eu queria mesmo era que ele ficasse ali durante a noite inteira. Mas ele não ficou. Olhei para trás e vi que já era quase noite. Faltava menos de um dia para tudo recomeçar, para possivelmente eu encontrar todas as pessoas que tinha tentado afastar durante todo esse tempo.

            Caí novamente na cama, mas decidi não chorar mais. Não adiantaria de nada, aliás. Não era como se Fábio fosse aparecer no meu quarto, me ver chorar, ficar com dó e dizer que tudo tinha sido um engano. Lágrimas não levam a nenhum benefício externo, concluí. Você pode ter câncer, mas chorar não vai te curar. Você pode perder um namorado, chorar não vai trazê-lo de volta. Alguém que você ame pode ter morrido, chorar não vai fazê-lo ressuscitar. Lágrimas apenas servem para levar você a um novo patamar pessoal, fazer você mudar, e não o restante do mundo. Eu podia chorar a noite inteira e Andrew não me amaria.

            Mas, espere. Eu não queria que ele me amasse. Não mais.

            Tentei pensar como seria quando voltasse. Meu pai disse que já haviam conversado com meus coordenadores, o que significa que provavelmente já estava tudo acertado sobre a mudança de colégios, mas duvido que eles tenham se atentado ao fato de que eu estava na mesma sala que Andrew, Alexia e outras pessoinhas desconfortáveis. Minhas amigas iriam me reencontrar e eu ficaria feliz por um instante, mas aí elas começariam a discutir comigo sobre por que decidi afastá-las durante esses meses. Não seria mentira. Eu realmente não falei com nenhuma delas durante todo esse tempo, mas eu não tentaria explicar o motivo para elas. Elas não entenderiam. Eu reencontraria Andrew e tinha certeza de que esse seria o clímax da situação. Tudo girava em torno dele. Mas também tinha Alexia. Não consegui deixar de me perguntar se ela havia sido transferida, expulsa ou apenas tinha mudado de sala. Andrew tinha sofrido graves danos por causa dela, isso era verdade, mas não achei que ele tinha denunciado ela às autoridades, então excluí a possibilidade de não encontrá-la.

            O pior de tudo realmente seria reencontrá-lo. Como seriam nossos olhares depois de tudo? Como eu poderia olhar para seus olhos – seus lindos olhos – e dizer alguma coisa? Eu não conseguiria, nem que tentasse. Mas percebi que seria inevitável. Haveria um momento em que nossos olhares iriam se encontrar, seria por coincidência ou por vontade, mas iriam. E nesse momento todas as nossas emoções iriam se conflitarem, nossos corações iriam travar uma batalha e nossos desejos iriam se misturar. Droga. Eu estava pensando nele novamente. Eu simplesmente não podia pensar nele, não dessa forma. Eu tinha que perceber que tudo entre nós havia acabado, que não haveria mais olhares significativos e muito menos essa história de briga entre emoções e corações. Mas será mesmo que não seria dessa forma?

 

            Eu não consegui dormir naquela noite. Tentei, mas não consegui. Apenas palavras e imagens apareciam em minha mente. Eu via o rosto de Andrew – assim como me lembrava dele, pelo menos. Ouvia as palavras da minha mãe dizendo que eu tinha sido expulso do “novo” colégio. E escutava o sussurro de meu pai em meu ouvido. Eu te amo. Na verdade, não podia simplesmente descartar o esforço deles para me ajudar; pois, em todos os cantos do mundo, eles tinham sido os únicos a fazer isso. Tentei não pensar em nada, esvaziar minha mente, mas percebi que isso também não daria certo. Eu não poderia esvaziar minha mente completamente. Ninguém consegue. Quando as pessoas se preocupam em esvaziar suas mentes, na verdade ficam pensando em esvaziar a mente. É impossível. Então apenas permaneci deitado até ouvir os pios dos pássaros indicando que o dia estava nascendo.

            Usualmente, aquela era a hora que eu levantava e ia me arrumar para o colégio. Não mais. Não sabia se agradecia por me livrar de qualquer colégio por pouco tempo, ou se falava mal de tudo por terem me livrado daquele colégio em particular pela minha vida inteira. Ainda estava deitado quando meus pais entraram. Minha mãe veio primeiro, aparentemente tentando tomar cuidado para não fazer muito barulho. Ela chamou meu nome uma vez e, como eu não estava dormindo de verdade, levantei a cabeça.

            — Você está bem? — Ela perguntou.

            — Estou. — Respondi.

            Um longo silêncio se formou e eu comecei a me sentir verdadeiramente desconfortável. Parecia que eles iam me contar que uma pessoa importante havia morrido miseravelmente, mas não. Eu sabia o que iam falar. Minha mãe foi até a minha cama e sentou-se ao meu lado. Dessa vez eu não me levantei.

            — O pessoal da mudança vai vir para ajudar daqui há pouco. — Ela disse, gentilmente. — Seu pai ficará para ajudá-los, mas eu e você poderemos ir mais cedo. Ok?

            Eu não respondi. O teto do quarto parecia suficientemente atrativo para que eu pudesse ignorar minha mãe. Porém, felizmente – eu acho – ela levou o silêncio como forma positiva e saiu do quarto, seguido de meu pai.

            Eu sabia o que aconteceria se ficasse ali, parado, fitando o teto. O pessoal da mudança, como ela mesma chamou, iria aparecer e meus pais gritariam comigo por ter me atrasado. Minha mãe ficaria especialmente irritada, porque ela odeia quando eu me atraso, e brigaria comigo. Eu acabaria explodindo e eles veriam cada dor por baixo de minha armadura. Eu iria gritar, exatamente como fiz quando contei para eles que era gay. Aquele dia foi desastroso. Ainda tenho a cicatriz do vidro quebrado, quando soquei a mesa de jantar e ela estilhaçou. Aí teríamos um problema de verdade. Meu pai se estressaria com minha mãe e ela se estressaria comigo. E nós voltaríamos para a antiga cidade com as caras fechadas e iríamos dormir de mau-humor, e tudo no Colégio Vargas seria muito mais insuportável se eu não pudesse contar com meus pais.

            Então, vendo tudo isso, levantei-me e comecei a me preparar. Fui até a cômoda de roupas no canto do quarto, abrindo duas gavetas. Retirei uma calça jeans amassada e uma camisa branca que mais parecia ter sido feita de cobertor. Com rapidez, tirei as roupas que vestia e coloquei as novas. Voltei para a cama, abaixando-me para procurar meu par de tênis embaixo dela. Os calcei normalmente. O engraçado é que eu não estava tremendo. Isso foi muito estranho. Eu tinha ficado ansioso quando fui recomeçar minha vida nesse novo colégio, mas não fiquei quando percebi que tinha de voltar ao antigo. Mais estranho ainda era que eu não sabia o que queria.

            Não tive tempo de pensar, porque minha mãe entrou no meu quarto e disse que haviam chegado. Eu não disse nada, apenas a segui para fora do quarto.

            Eu já tinha me mudado de casas quatro vezes na vida, então sabia como funcionava. Não precisava arrumar minhas coisas, guardar minhas roupas ou arrumar a cama, porque o “pessoal da mudança” ia pegar tudo e retirar da casa. Deixei tudo como estava. Foi um erro meu tentar mudar tudo quando parti do Colégio Vargas. Não tentaria mudar tudo saindo dessa cidade. Queria me lembrar daquela nova casa como ela era, e não como a deixei, e isso significava que não podia mover nem ao menos um alfinete. Mas havia algo que eu precisava fazer antes de sair.

            Estávamos quase saindo de casa quando parei bruscamente e minha mãe se virou para mim.

            — Greg, o que foi? — Ela perguntou. Eu olhei rapidamente para trás. O “pessoal da mudança” – um grupo de quatro homens – já estava retirando tudo da sala de estar e eu precisava de algo de lá.

            — Nada. Só... Só espere um pouco. Eu preciso pegar algo. — Respondi, voltando rapidamente. Eu sabia que tinha uma cópia salva em meu OneDrive e no meu e-mail, mas mesmo assim decidi voltar para pegar a cópia impressa de Como Magoar Alguém.

            E lá estavam as folhas, cuidadosamente paradas sobre a mesa de centro, como se nada tivesse acontecido ali pelas últimas horas. Caminhei até lá e peguei a cópia. Um homem passou ao meu lado e disse “ainda bem que você pegou, porque íamos jogar no lixo”. Eu o fuzilei com meus olhos e voltei a andar, quando outros homens riram. Era uma piada. Claro que foi uma piada.

            Encontrei minha mãe na porta e dei a mão para ela. Ela sorriu quando viu a cópia de CMA em meus braços.

 

            O trajeto da nova cidade até a antiga não durava mais de três horas. Minha mãe dirigia com cuidado, o que deixava tudo mais lento, mas não podia culpá-la. Nos meus braços, a cópia de CMA estava sendo amassada por uma espécie de abraço de urso. O lado bom de ficar nos bancos de trás do carro foi que eu podia chorar e minha mãe não veria. Mas eu não queria chorar. Droga. Eu não queria. Não queria. Não.

            Meus olhos arderam e eu senti minha garganta se fechar. Sem sucesso.

            A textura das folhas em meus braços era a única certeza de que estava no mundo real, de que tudo não havia passado de um terrível pesadelo mandado por uma divindade sem senso de humor. Não era um pesadelo. Eu olhei para as páginas impressas, percebendo que era uma verdadeira contradição aquilo estar ali. Eu estava tentando me afastar de tudo, mas mesmo assim carregava o passado em meus braços. E, além disso, era realmente a minha vida ali. Eu podia excluir qualquer parte da minha existência, não faria falta; mas, se eu excluísse o último ano da minha vida, nada mais faria sentido. Abracei as folhas mais fortemente e tentei não amassá-las.

            Foi aí que percebi o que realmente queria. Ninguém sentiria minha falta no meu novo-ex-colégio. Não tinha feito novos amigos, não tinha tido novas intrigas, e definitivamente não tinha me apaixonado por um garoto que começou a namorar com uma garota. Ninguém se lembraria de mim no próximo dia. Eu me tornaria uma fumaça que se extinguiria com o tempo, dissolvendo-se no ar até desaparecer completamente. Mas será que Andrew sentia minha falta? Provavelmente não. Com certeza não. Será que minhas amigas sentiam minha falta? Provavelmente não. Mas percebi que os últimos meses não tinham sido nem um pouco aproveitados por mim. Eu não tinha vivido, tinha apenas sobrevivido. São duas coisas bem diferentes, viver e sobreviver. Todos sobrevivem, mas poucos vivem.

            Talvez fosse meu retorno o responsável a trazer a vida para mim.



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