1. Spirit Fanfics >
  2. Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) >
  3. Preparando alguém

História Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Preparando alguém


Escrita por: GSilva

Capítulo 14 - Preparando alguém


PREPARANDO ALGUÉM

Uma semana depois...

Eu realmente queria saber qual era o joguinho de Larry. Naquele dia, quando fomos ao parque pela segunda vez, ele tinha se aproximado tão rapidamente, como se fôssemos íntimos há mais de uma vida. Porém, depois de uma semana, ele já nem olhava mais para mim, tampouco tentava conversar comigo. Ficar longe dele daquela forma doía.

            No oitavo dia depois do nosso segundo “encontro” no parque, cheguei à sala de aula prevendo que algo estava errado. E, de fato, estava. Aqua, Alicia e Alison já estavam sentadas em seus respectivos lugares, o que achei estranho, pois quase nunca chegavam mais cedo do que eu. Aproximei-me e dei um oi animado para cada uma delas.

            Quando me sentei atrás de Alison, no meu local predeterminado, Alicia disse:

            — Vai, Aqua, conte!

            Eu estreitei os olhos.

            — Conte o quê? — Perguntei. — O que houve?

            Olhei para Aqua. Ela estava debruçada sobre a carteira, com Alicia sentada em seu colo (alguns considerariam tal atitude um pouco... suspeita), e com as mãos no rosto, tentando encobri-lo. Olhei para onde ela estava olhando. Não havia nada. Nem Andrew, nem Alexia, nem Larry. Ninguém. Quero dizer, ninguém exceto Pierre.

            — Foi o Pierre. — Alison comentou.

            — O que tem ele? — Perguntei, curioso. Aproximei-me da mesa de Aqua, debruçando-me sobre a minha para deixá-la mais confortável a contar qualquer segredo.

            — Ele tá dando em cima de mim. — Aqua respondeu.

            — Ah, mas isso eu já sabia. — Respondi.

            — Não. — Ela interrompeu, seriamente. — Ele realmente quer alguma coisa comigo. Ontem disse que me ama!

            Eu me afastei, tampando a boca com a mão.

            — O quê? Ama? Mas ele nem te conhece direito...

            — Exatamente! — Ela interrompeu outra vez. — Ele veio falar comigo pelo whats. Disse que precisávamos conversar. Eu disse que “ok”. Então ele falou, na maior cara de pau.

            — Ok. — Eu respondi bem lentamente. — E o que você respondeu? Garanto que não o deixou falando sozinho, deixou?

            Ela puxou o ar e parecia prestes a explodir. Queria não ter perguntado aquilo, pois perguntar claramente a deixou irritada.

            — Eu disse que também amava alguém. — Ela respondeu. — Só que ele perguntou quem era, e eu dei o maior fora. Disse que amava outra pessoa.

            — Você não mentiu, não é? — Rebati. Ela arregalou os olhos.

            — É claro que não! Eu amo o meu namorado! — Protestou. Eu assenti lentamente com a cabeça, olhando-a seriamente.

            Virei por um milésimo de segundo e encontrei os olhos de Pierre mirando nosso grupinho através da sala. Tentei desviar o olhar, mas não consegui – não porque ele era bonito ou algo assim (longe disso), mas porque havia algo estranho em seu olhar: olhava diretamente para Aqua como um leão olha antes de atacar ou como uma cobra olha antes de dar o bote.

            — Ele está te encarando. — Comentei lentamente, com a voz baixa. Aqua olhou de soslaio para o lado e o viu.

            — Não, não, não. — Choramingou ela. — O que eu vou fazer? Como vamos interagir daqui pra frente?

            — Simples. — Alicia interrompeu. — Você vai ficar com seu namorado e Pierre vai esquecer tudo isso e superar.

            Ambos olhamos para Alicia.

            — Sério? — Aqua perguntou. — Mas ele disse que ainda podíamos ter alguma amizade...

            — Vocês podem, mas quem disse que devem? — Alicia retrucou.

            Como sempre, indubitavelmente, Alicia estava certa. Aqua não tinha que prestar atenção nos movimentos de Pierre, não tinha que segui-lo como uma amiguinha obediente. O relacionamento de ambos podia acabar por ali, como estava. Foi nesse momento que percebi que estava sendo muito egoísta. Fiquei tanto tempo preso nos meus problemas com Andrew e Larry que mal percebi que os outros ao meu redor também tinham problemas. Eu tinha que ajudar alguém, talvez desse modo me esquecesse de Larry ou Andrew.

            — Sabe, eu acho que você tem que encarar de volta. — Respondi. — Mostrar que não vai se abalar pelas brincadeirinhas dele.

            Essa foi a vez de Alison, Aqua e Alicia olharem para mim. Eu desviei o olhar delas, um pouco tímido e envergonhado. Elas agiram como se seu tivesse dito para assassiná-lo e jogar o corpo atrás do colégio.

            — Greg, você está louco. Volte para casa. — Alison respondeu. — Aqua não pode fazer isso. Vai que ele se apaixona mais ainda...

            — Sinceramente, vocês realmente acham que isso é verdade? — Rebati. — Digo, realmente acham que ele está apaixonado por Aqua? Em minha opinião, é só uma brincadeira sem graça.

            — Eu também já pensei nisso. — Alicia respondeu. — Ele faz parte daquele “grupinho da bagunça”. E se tudo for uma brincadeira?

            Aquilo que Alicia falou me fez ficar pensando por muito tempo. Pierre realmente fazia parte do grupinho que geralmente bagunçava na sala de aula (todas as salas do mundo todo têm um grupinho assim), mas Larry também fazia parte. Isso significava que Larry tinha brincado comigo? Tinha feito de propósito eu me apaixonar por ele, para depois falar que estava brincando?

            Espere, eu não estava apaixonado por ele. Não podia estar. Sentia que não ia dar certo.

            — Vocês são gênios. — Aqua continuou, arregalando os olhos. — É claro que é uma brincadeira. Por que nunca pensei nisso antes? Não tem como uma pessoa amar outra tão rapidamente!

            Ela disse a última frase muito alta e alguns dos olhares caíram sobre nós. Para me certificar que nossa teoria era real, olhei para o Grupinho da Bagunça. Larry estava lá.

            Vê-lo novamente foi como um soco no estômago, mesmo que o tenha visto no dia anterior. Ele estava de costas para mim e eu aproveitei para observar uma “área” dele que nunca tinha prestado atenção. Ele tinha costas largas, provavelmente frutos de algum tipo de musculação, e ombros musculosos. Ele era pequeno, de fato, mas tinha um porte atlético. Percebi, num devaneio, que seu cabelo preto formava uma espiral na nuca.

            — Aqua e suas manias de falar muito alto. — Alison comentou, rindo. Também sorri.

            Esses eram os momentos que eu gostava de estar em sala de aula: não quando os professores ficavam passando conteúdos maçantes, não quando Andrew ou Larry me olhavam de uma forma estranha, mas quando minhas amigas melhoravam meus ânimos. Quando ficava ao lado delas, até podia esquecer Andrew ou Larry. Quando ficava ao lado delas, eles eram meros resquícios de lembranças.

            É claro, algumas lembranças voltam para assombrar o futuro.

            A porta se abriu num movimento rápido demais para ser considerado seguro e três pessoas entraram. Reconheci imediatamente quem eram. Iliana, Andrew e Alexia.

            — Ótimo, a falsa chegou... — Disse Aqua. Não pude deixar de me perguntar se ela estava falando de Iliana ou de Alexia.

            — Aqua, a Reinserção. — Repreendeu Alison. Voltamos a nossos lugares normais, como se estivéssemos seguindo um script, quando Iliana chegou por perto.

            A garota olhou para Aqua, Alison e Alicia, sorriu e disse um oi animado. Mas ela nem sequer olhou para mim. Com Alexia foi diferente. Vi uma pontinha de raiva no olhar dela. Não soube por que, mas já imaginava o motivo. Aparentemente, eu estraguei a vida dela. Andrew se sentou ao meu lado, deixando a mochila em cima da mesa. Não sei por que, mas alguma força maior me fez virar o rosto e encará-lo. Arrependi-me.

            Foi um milésimo, um mísero milésimo, mas ainda assim consegui ver o sentimento em seu olhar. Havia admiração, tristeza e até mesmo amor. Desviei o olhar. Já havia decido que nossas interações não podiam durar mais do que um milésimo.

            — Então... — Disse Alexia, surpreendendo-me. Eu quase nunca escutava a voz dela. — Quando você vai à minha casa pra conhecer meus pais?

            Olhei de soslaio, vendo-a se virar para encarar os olhos de Andrew. Ele pareceu muito consternado e eu não quis prestar atenção na resposta.

 

            Quando saíamos para o intervalo, Aqua e Alison quase sempre (e, com “quase sempre” eu quero dizer 98% das vezes) iam ao banheiro. Como um amigo obediente, eu ficava do lado de fora, claro – principalmente porque não podia entrar no banheiro feminino, obviamente. Em dias que as duas apenas iam se arrumar, isso durava uns dois ou três minutos. Mas, naquele dia, depois de uma semana após do encontro com Larry, elas demoraram mais do que o normal.

            Fiquei do lado de fora, com os braços cruzados, encostado em uma das colunas que sustentavam o teto do pátio. Vi algumas pessoas da minha sala passando por lá: Aimee, William, Pierre, Andrew e Alexia juntos, e outros. Mas nenhum sinal de Larry. Claramente, eu estava aflito. Ele tinha se aproximado muito intimamente e depois parou de falar comigo durante uma semana. Também não recebi novas mensagens em meu número do Correio Elegante (me assegurei de ainda não ter colocado uma foto minha). Ele parecia distante, diferente, e com problemas. Eu queria ir até ele e perguntar o que havia ocorrido, mas decidi ficar em silêncio. Se ele queria falar comigo, era só falar.

            Mas, naquele dia que as garotas demoraram demais no banheiro, naquele dia que Andrew e Alexia saíram da sala juntos, naquele dia que eu estava esperando no pátio, ele estava lá. Dei um pulo de susto quando olhei para o lado e o vi parado perto do bebedouro do pavilhão. Não sabia se ele sempre ficava ali, porque andava junto com Aqua e Alisson no intervalo, mas foi mais do que gratificante encontrá-lo. Por algum motivo, ele estava sozinho, o que achei estranho, mas decidi não permanecer dessa maneira. Saí do encosto da coluna de concreto e caminhei lentamente na direção dele. Larry apenas pareceu prestar atenção em mim quando me encostei à parede ao seu lado.

            — Lucas... — Eu disse baixinho. Ele se virou, com um sorrisinho, e me encarou face a face.

            — Não fale muito alto. Esse é nosso segredo. — Ele respondeu. Eu assenti lentamente, sorrindo.

            — E aí? Achou mais alguma pista do escritor do Correio? — Perguntei casualmente.

            — Não. Parece que a pessoa que escreveu não quer tanto assim ficar comigo, senão teria aparecido do nada pra criar alguma intimidade. — Larry respondeu seriamente, mirando os próprios sapatos. Parecia desapontado.

            — Concordo. Mas... — Hesitei. Sabia que ia falar uma besteira, mas simplesmente não consegui ficar de boca calada. — Mas e se a pessoa já não tem uma intimidade com você? Quero dizer, o escritor pode ser próximo a você...

            — Sem chance. — Ele interrompeu. — Não vi nenhuma alteração de humor nos meus amigos durante esse tempo. Alguém teria agido mais estranhamente se esse fosse o caso.

            — Na verdade, eu preciso te contar uma coisa...

            Droga, Greg, cale a boca! Minha voz interior gritava para eu ficar quieto. Não consegui. As palavras saíam como tiros de uma metralhadora, tentando perfurar o escudo de sentimentos de Larry. Estava pronto para dizer “fui eu”, quando ele olhou para mim e então hesitei.

            — O quê? — Ele perguntou.

            Eu respirei fundo. Foi isso. Eu precisava contar a verdade.

            — Está nos trocando agora, Greg? — A voz de Aqua surgiu nos meus ouvidos, vinda de trás. Virei-me rapidamente, respirando fundo. Elas me salvaram de fazer a maior besteira da minha vida.

            — Até que enfim! — Eu disse, pegando-as gentilmente pelos braços. Larry encostou em meu ombro, virando-me por um milésimo.

            — Ei, espere. O que você precisava contar? — Ele perguntou, com um olhar digno de pena.

            Não respondi, apenas vire-me e continuei andando.

 

            Ryan ficava com seus amigos na hora do intervalo. Na maioria das vezes eu, Aqua e Alison íamos para nosso “cantinho” ao lado do nosso pavilhão e deixávamos ele sozinho. Mas, como naquele dia tudo parecia ser diferente do que o normal, por algum motivo, as meninas queriam que fôssemos nos encontrar com Ryan, para perguntar se ele tinha alguma comida (elas viviam com fome). Fui rindo, como sempre, das brincadeiras delas e passei por Larry. Ele já estava com seus amigos e, como estava com eles, pareceu me ignorar de propósito. Aposto que ele não queria mostrar para seus amigos que tínhamos alguma intimidade.

            Quando chegamos aos fundos do Colégio Vargas, congelei, olhando para o muro. Ainda não tinha voltado para aquele lugar desde meu retorno ao colégio, e vê-lo foi como um soco na cara. Aqua e Alisson reduziram o passo. Foi ali que eu e Andrew conversamos pela primeira vez sobre nossos sentimentos, foi ali que ele confessou que amava Alexia, foi ali que nossas mãos se encontraram pela primeira vez. As lembranças surgiram, como flashes de imagens em minha mente, e eu fechei os olhos para afastá-las. Com algum espanto, percebi que consegui deixar tudo de lado por um tempo.

            Ryan estava, como de costume e já citado, nos fundos do colégio, com seus amigos. Alanis e Eleonora também estavam lá. Quase nunca mais tinha conversado com elas, e me senti estranho por chegar tão furtivamente, então, nem ao menos um “oi” eu dei. Fui direto para Ryan.

            Ver minhas amigas conversando com ele era estranho, principalmente porque elas falavam com ele como se estivessem falando comigo. E, se tinha uma pessoa que não era parecida comigo, essa pessoa era meu irmão (ao menos, na aparência ele era assemelhável).

            — Como está a vida? — Perguntei, tentando “puxar” um assunto na rodinha de amigos.

            — Nada demais. — Ele respondeu.

            — E a Alanis? — Perguntei, estreitando os olhos para ele, que desviou o olhar irritadamente.

            — Eu disse nada demais. Alanis está na mesma. — Ele respondeu.

            — Ela já... Sabe? — Perguntei baixinho.

            Aqua e Alisson deram sorrisinhos.

            — Sabe do quê? — Perguntaram em coro.

            — Não, ela não sabe. E, na verdade, preciso de ajuda quanto a isso. — Ele disse, ignorando as duas. Eu me aproximei para que ele pudesse cochichar.

            — Sim?

            — Está vendo aquele garoto loiro ali, ao lado dela? — Ele perguntou, apontando. De fato, havia alguém ao lado de Alanis e Eleonora. Tirando o cabelo bagunçado e algumas espinhas no rosto, até que o garoto era bonitinho.

            — Estou. — Respondi, desviando o olhar.

            — Então... Aquele é o Jhon de que te falei. Acho que eles estão ficando. — Ele respondeu, tristemente. Olhei para Alanis e Jhon novamente, mas apenas conseguia ver dois amigos conversando. Como Ryan mesmo disse: nada demais.

            — Sem chance. — Respondi. — Eles só estão conversando.

            — Sim, mas eu acho que rolou alguma coisa entre eles. — Ryan rebateu.

            — E você já falou com ela sobre isso? Tentou descobrir alguma coisa?

            — Não.

            — Por quê?

            — Porque eu não podia simplesmente chegar nela e perguntar “ei Alanis, eu gosto de você, mas você tá saindo com aquele tal de Jhon?” — Ele explodiu, falando com os dentes cerrados para que ninguém escutasse.

            — Ok, ok. — Respondi, arqueando as sobrancelhas. — Então, por que você precisa de ajuda?

            — Na verdade, eu só queria alguém para me sustentar agora. — Ele respondeu. Eu ri. Sinceramente, eu ri.

            Por que ele achava que precisava de alguém para não deixá-lo deprimente? Eu, quando precisava de ajuda, fui julgado e tido como “ignorante” nesses assuntos amorosos. Lembrei-me da forma como ele falou comigo quando voltei à cidade. E, por isso, eu ri.

            — Ok. — Respondi.

            — Ok. Você fala muito “ok”, sabia? Só Deus sabe que não tá tudo “ok” pra você...

            — Verdade. — Interrompi, ainda sorrindo. — Mas o fato da minha vida estar uma desgraça só mostra que as coisas podem melhorar daqui pra frente. — Rebati. — Além disso, eu aceito.

            — Aceita o quê? — Ele perguntou, franzindo o cenho.

            — Aceito te ajudar.

            Aqua e Alisson me seguiram quando comecei a andar. Ouvi Ryan praguejando atrás de mim, mas o ignorei. Apenas continuei andando. Tinha a máxima certeza do que deveria fazer, uma coisa que Ryan nunca havia feito e, aparentemente, nunca ia fazer. Segui em frente. A mesa onde Alanis estava sentada (uma mesa de xadrez que nunca tinha peças de xadrez) foi ficando mais próxima. Cheguei furtivamente ao lado dela, que, quando me viu, abriu um sorriso.

            — Greg, eu sabia que tinha voltado! — Ela disse, me dando um abraço rápido e aconchegante.

            — Oi, Alanis. — Respondi, sorrindo. Olhei para El e acenei um “oi”. Ela respondeu com outro aceno. — Na verdade, preciso falar com você. — Disse para Alanis, que deixou o sorriso de lado.

            — O que houve? — Ela perguntou, preocupada. Eu me aproximei, puxando-a pelo ombro e sussurrando em seu ouvido.

            — Ryan está apaixonado por você. É verdade.

            Não vi a reação dela, pois comecei a andar de volta para a sala de aula, rindo descontroladamente.

            Eu realmente precisava ajudar alguém.

 

            Quando o sinal do fim do intervalo tocou, eu e as garotas retornamos para a sala. Ela estava completamente vazia, somente nós a ocupávamos. Tudo estava quieto, sem aqueles grupinhos de pessoas nos rodeando, e eu não pude deixar de perceber que aquilo parecia estranho.

            — Qual a próxima aula? — Perguntei casualmente, sentando-me em cima da minha mesa. Aqua arqueou as sobrancelhas.

            — Filosofia. Ou física. Sei lá. Alguma coisa com “F”. — Ela respondeu, sentando-se ao meu lado.

            Havia momentos que apenas ficávamos lado a lado, sem falar nem uma palavra ou fazer qualquer comentário. Havia momentos que nosso silêncio era a forma de comunicação. E, nesses momentos, sempre surgia o fato de que nem tudo estava “ok”, como Ryan havia dito. Sempre nos lembrávamos de tudo que havia ocorrido, e sempre nos remediávamos por isso.

            — E então, você acha que fez a coisa certa por seu irmão? — Aqua perguntou. Eu assenti rapidamente, certamente decidido.

            — Claro. Já que ele não fez, eu tive que fazer por ele. — Respondi. — Não ia deixar que acontecesse com ele o mesmo que aconteceu comigo.

            — Tipo? — Ela perguntou.

            Eu olhei para ela, sentada ali, de aparência tão frágil, e depois voltei meu olhar para a sala. Ela ainda estava vazia e apenas alguns alunos passavam pelo corredor, mas nenhum se atrevia a entrar.

            — Sobre Andrew, você sabe. — Respondi. — Eu passei muito tempo escondendo o que sentia por ele e de repente tudo começou a desmoronar.

            — Sim, mas Ryan e Alanis são diferentes. Você sabe disso.

            — Sim, eu sei. — Respondi, e, subitamente, quis mudar de assunto. — Mas, e Pierre? Eu o vi te encarando hoje...

            — Ah. — Argumentou ela, virando a cara. — Ele está estranho. Ele é estranho.

            — É, eu percebi. — Comentei. — Ele realmente parece querer alguma coisa com você.

            — Ele quer. — Foi Alisson quem disse, intrometendo-se na nossa conversa. Alicia estava sentada em seu colo, segurando suas mãos. — Eu também o vi te encarando.

            — Isso não significa muita coisa. — Aqua respondeu. — Eu já vi o Greg encarando o Larry, e não parece que tem uma química entre eles. Não é, Greg?

            Minha garganta se trancou.

            — N-não, é claro que não. — Gaguejei. — Eu não tenho nem um tipo de atração por Larry.

            Respondi, abaixando minha visão para mirar meus sapatos. Mentir para elas era como enfiar uma adaga no meu peito. Não suportava isso, mas, se contasse a verdade, as notícias podiam chegar até ele. E ele não podia saber. Antes de abaixar a visão, vi Alisson me olhando de um jeito inquisidor. Ela era a única que sabia que eu achava Larry um pouco atraente. Mas, é claro, ela não sabia o que eu realmente sentia.

            — Mas, vocês acham que eu devo falar com ele? — Perguntei. — Com Pierre, quero dizer...

            — Não. Lembre-se: ele só tá brincando com a nossa cara. Não dou uma semana e essa história já vai estar desaparecida. — Aqua respondeu, bruscamente.

            — Concordo. — Respondi.

            Olhei novamente para a sala enquanto o silêncio tomava conta da nossa conversa. Já haviam se passado minutos e não havia nem um aluno dentro da sala. Numa certa hora, ouvi pessoas correndo e fiquei com uma espécie de urgência sem explicação. Foi como se eu soubesse que algo tinha ocorrido. Geralmente, pessoas correndo dentro do meu colégio significava que estava ocorrendo uma briga em algum lugar.

            Mas não era isso.

            Até que enfim, quebrando a ideia de que todos os alunos da nossa sala desertaram, alguém entrou freneticamente pela porta. Dei um pequeno gritinho e segurei no antebraço de Aqua quando vi quem era. Alexia. Ela estava descabelada, com a maquiagem um pouco borrada e parecia ter corrido uma maratona. Ela se aproximou de nós, ofegante, apoiando-se em uma mesa para não cair.

            — Greg... — Ela disse. — Você... Pátio de entrada... Estão te chamando.

            Olhei curiosamente para Aqua, Alisson e Alicia, depois tentei perguntar.

            — O quê? — Foi a primeira coisa que disse para Alexia desde que tinha voltado para o colégio, mas ela não respondeu. Quando me virei para perguntá-la, ela já havia ido embora.

            — Mas que merda é dessa vez? — Aqua perguntou. Eu olhei para ela e me levantei.

 

            Havia muitas, muitas pessoas no pátio de entrada. E durante o percurso até lá, eu esbarrei em tanta gente que cheguei a perder a conta. Senti-me claustrofóbico no meio do pessoal. Havia muitos alunos desorientados como eu, mas apenas continuamos a andar.

            Uma aglomeração enorme de alunos estava no pátio de entrada, o que me lembrou do primeiro dia de aula do ano letivo, quando os alunos se reuniam ali para saber em que salas estavam. Um coro de vozes se elevou quando cheguei, como se esperassem a minha presença. Ouvi algumas frases.

            “Todos os papéis são iguais”.

            “Esse Greg é doente”.

            “Por que ele foi mexer com o que estava quieto?”

            “Aquilo era assunto de casal. Greg tinha que ter ficado longe”.

            Meu coração disparou. As pessoas olhavam para mim como se eu fosse um monstro. Algumas apontavam e davam sorrisinhos, e eu quase corri para longe. Mas não. Tinha que descobrir o que era. Alexia sumiu no meio da multidão, não consegui ver para onde ela foi. Não encontrei o rosto de Andrew ou Larry no meio das pessoas, o que me deixou mais perturbado.

            — O que aconteceu?! — Gritei. As pessoas se calaram imediatamente.

            Percebi com espanto que todos os alunos estavam pisando em cima de folhas de papel. Mas que merda é dessa vez? Andei lentamente até a borda do grupo de pessoas, abaixando-me com cuidado para agarrar uma das folhas de papel. A página estava pisoteada, amassada e suja, com marcas de solas de sapatos sobre sua superfície branca, mas algo me deixou muito perturbado sobre aquilo. Eu reconheci a fonte da letra, reconheci o jeito da escrita, reconheci os parágrafos, reconheci tudo, inclusive as palavras.

 

Para onde quer que se olhasse, em todas as paredes e todos os adornos, havia cartazes colados. Todos mostravam fotos de Alexia beijando o cara desconhecido. Era quase dez horas da noite quando decidimos pendurar o rolo de impressão, e havia um lugar perfeito para isso: havia uma rampa que levava até a entrada do auditório, o qual ficava em cima de um pavilhão, então, era um bom ponto.

            Subimos a rampa e, com a ajuda de cordas e um pouco de fita adesiva, conseguimos amarrar o rolo de impressão. Descemos novamente, ofegantes, e percebemos o que havíamos feito.

Vingança.”

 

            Era um trecho do décimo terceiro capítulo de Como Magoar Alguém.

 

***

 

            Estava tudo lá. Tudo que eu havia escrito sobre a vingança que exerci sobre Alexia, pelo menos. Todas as palavras, desde como eu e minhas amigas formamos nosso grupo (chamando-o de Time) e depois colamos os cartazes da traição amorosa de Alexia no Colégio Vargas inteiro. Agora eles sabiam. Sabiam o que eu tinha feito e sabiam que a culpa era toda minha.

            — Por que você fez isso, seu veadinho? — Gritou um garoto do meio da multidão.

            — É, seu bichinha, por quê? — Outra pessoa gritou, uma garota.

            — Você é um monstro!

            Eles repetiam.

            — Destruiu a vida do cara, seu retardado! Agora vai voltar correndo pro colinho da mamãe e chorar sobre como vocês veadinhos são idiotas. — Disse outro garoto.

            Eu não conseguia raciocinar. Senti a presença de Aqua atrás de mim, segurando meus ombros, mas não consegui virar de tão chocado que estava. Meus olhos embaçaram por causa das lágrimas e tudo que eu via era a multidão enfurecida contra mim. Os gritos deles machucavam meus tímpanos, deixando-me tonto, e eu não conseguia respirar direito.

            — Greg, vamos voltar... — Aqua disse gentilmente, mas não me mexi.

            Minhas pernas tremeram, cedendo de uma vez por todas. Caí ajoelhado no chão, com as mãos nas coxas, enquanto as lágrimas percorriam meu rosto e pingavam no chão. As pessoas eram monstros, não eu. Eu não devia ser tratado daquela forma. Mas simplesmente não tinha energia para levantar.

            Vingança.

            Vingança.

            Vingança.

            Aqua, Alison e Alicia pegaram uma folha do chão e leram cuidadosamente os parágrafos. Não consegui ver a expressão delas, mas consegui perceber que ficaram consternadas.

            — Aqua, nossos nomes estão aqui. Precisamos voltar antes que sejamos apedrejadas! — Alicia gritou acima dos outros gritos. Aqua assentiu.

            — Greg, vamos! — Berrou ela. Eu não me movi.

            Não conseguia me mexer. Foi como se todo o peso de todos aqueles meses tivesse me atingido, e eu caí embaixo dele. Senti minha visão escurecer e olhei uma última vez para a multidão. Estava pronto para desmaiar, para morrer ou para qualquer outra coisa do gênero, mas então vi um rosto comum no meio dos outros desconhecidos.

            — Calem a boca! — Uma voz familiar gritou. Andrew. — Calem a boca!

            A multidão se calou, olhando para ele. Pareciam esperar algum pronunciamento muito importante. E de fato, foi um pronunciamento muito importante.

            — Vocês não sabem do que estão falando! Ele é Greg, não um monstro. Ele é só um garoto. Fez o que fez porque gostava de mim, num tipo de sentimento muito mais puro do que vocês jamais irão experimentar. — Ouvi o povo murmurar, mas não levantei minha cabeça. Já não sentia a presença de minhas amigas atrás de mim.

            Ouvi passos na minha direção.

            — Eu concordo! — Gritou outra voz. Uma voz grave e familiar. — Vocês são os monstros!

            Finalmente levantei meu olhar, porque reconheci aquela voz grave e familiar, porque queria vê-lo me defender. Era Larry. Ele estava com uma mão estendida para mim e eu segurei nela, apoiando-me para levantar.

            No final, fomos nós três contra a multidão, saindo do caos para a calmaria, conduzidos apenas por nossos sentimentos. Não era Andrew que estava segurando a minha mão, era Larry. Ele apertava meus dedos com uma pressão gentil, deixando-me com vontade de abraçá-lo. Mas não o fiz. Não porque Andrew estava ali, mas porque senti que não devia.

            Lembrei-me imediatamente da voz de Alicia repetindo uma coisa na minha cabeça.

            “A festa é só daqui a um mês. E, até lá, tudo pode acontecer”.

           

            Sim, tudo pode acontecer.



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...