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História Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Revelando alguém


Escrita por: GSilva

Capítulo 15 - Revelando alguém


REVELANDO ALGUÉM

            Os dias se passavam muito lentamente, como se predissessem que algo grande estava para ocorrer. Nenhuma pessoa olhava para mim, com sorrisos ou com xingamentos, com exceção às minhas amigas, Andrew e Larry. E mesmo Larry, que me tirara da multidão há uma semana antes, não falava de outra coisa além de matérias que necessitávamos estudar para a prova.

            Para falar a verdade, eu não me importava com a indiferença dos outros. Todos sabiam que eu tinha segredos escondidos e deixá-los descobrirem não feriu tanto meus sentimentos. Importava-me mais com as minhas amigas, com Larry ou com Andrew. Eles eram meu apoio. Apoiaram-me quando a multidão não parava de gritar coisas ofensivas, mas mal falaram comigo durante os dias que se seguiram. Apenas Aqua, Alicia e Alison pareceram se importar, mas voltaram de um jeito muito estranho e isso me deixava desconfortável. Até Alexia tinha me abordado uma vez, na saída do mesmo dia, dizendo que sentia muito. Eu não acreditei, é claro.

            Alguns dias depois, na próxima segunda-feira, todos pareciam ter esquecido do que havia ocorrido. Acostumei-me com os olhares das pessoas desviando de mim para algo mais importante. Naquele dia, Aqua e Alison tinham chegado mais cedo do que eu. Achei aquilo estranho, como sempre, mas coloquei na minha cabeça que precisava me acostumar. Aproximei-me lentamente, entrando na sala. Elas estavam sentadas em cima de suas respectivas mesas, conversando muito animadamente sobre algo que Aqua estava mostrando em seu telefone celular.

            — Oi. — Eu disse, com um aceno gentil. Elas sorriram quando me viram.

            — Oi. — Responderam em coro. — Ainda bem que você chegou, porque eu tenho uma tarefa pro gay do grupo.

            Eu estreitei os olhos, sorrindo. Não imaginava qual era a tarefa.

            — Qual? — Perguntei. Ela virou a tela do telefone celular para mim.

            — Qual desses é o melhor? — Perguntou ela. Analisei a tela. Era uma imagem de dois vestidos um ao lado do outro. Um deles era dourado, sem rendas, com uma aparência muito cara, e o outro parecia mais um vestidinho de balada, com rendas e tingido de azul.

            — O dourado. — Respondi. — Claro, se você quiser ir num baile de gala. Mas recomendo o azul para qualquer outra coisa... Por quê?

            Ela puxou o telefone novamente, olhando-me com os olhos arregalados.

            — Greg, eu não acredito que você esqueceu! — Ela disse, com a voz carregada de incredulidade. — A festa, Greg. Não uma festa. A festa!

            Eu recuei, fechando os olhos e arqueando as sobrancelhas. Obviamente, a festa de Iliana era a última coisa na qual eu queria pensar naquele momento.

            — Ah, claro! — Exclamei. — Eu esqueci mesmo.

            — Eu não te culpo. — Ela continuou. — Mas todos foram convidados, acho melhor você se preparar.

            — Nossa... Me preparar para o quê? É só uma festa. — Respondi, incrédulo ficticiamente.

            — Não sei. É Iliana. Só Deus sabe qual tipo de festa ela pode dar.

            Sim, tudo pode acontecer.

            Nunca iria conseguir esquecer as cenas que haviam se passado comigo na semana anterior, quando os papéis do décimo terceiro capítulo de Como Magoar Alguém foram jogados no pátio. Nunca iria esquecer a forma como Andrew e Larry me defenderam da multidão. Então, supus que uma festa poderia ser um tipo de distração dos problemas.

            — Eu não tenho uma roupa para ir. — Disse Alison subitamente, com um tom triste.

            — Não tem problema. Eu empresto. — Aqua respondeu. — Qual você quer: a coelhinha da PlayBoy ou a enfermeira safadinha?

            Eu ri.

            — Aqua! — Alison repreendeu, gargalhando. — Você só pode estar brincando.

            — Não. No convite diz “vá fantasiado”. — Aqua protestou.

            — Sim, mas já ouvi Iliana dizer que vai ser uma festa mascarada, nada de safadeza. — Alison respondeu. — Só vou tentar arranjar um vestido e uma máscara.

            — Ah, eu não sabia. Então acho que comprei meu vestidinho de vadia sem razão. — Aqua comentou, com um tom triste. Eu ri de novo.

            — Guarde, talvez vá precisar alguma vez. — Respondi sorrindo, no exato momento em que a porta da sala se encheu de um aglomerado de pessoas.

            Todos os alunos entraram de uma vez, indo cada um para seu lugar predeterminado. Andrew estava lá no meio, o vi conversando animadamente com Alexia. Iliana também, conversando com Aimee. Mas foi Larry que me deixou consternado. Ele parecia triste, de alguma forma, com um olhar dirigido ao chão. Já tinha perdido a conta de quantas vezes o vi entrando animadamente na sala, sorrindo e conversando com seus amigos, e vê-lo tão cabisbaixo fez meu estômago se revirar.

            — Isso não faz sentido, sabia? Por que uma festa mascarada? — Aqua perguntou, quando Andrew e Alexia se aproximaram. Ambos olharam para mim e sorriram gentilmente, depois se voltaram para seus assuntos particulares.

            — Sei lá. Iliana é louca. — Disse Alison, rindo. Vi uma pessoa chegar ao lado dela e imediatamente pensei que poderia ser Larry, mas não era.

            — Oi. — Disse Alicia, deixando sua mochila em cima de sua mesa.

            — Oi. — Nós respondemos, em coro.

            — Já estudaram para as provas? — Ela perguntou. Eu neguei com movimentos de cabeça. A última coisa que queria fazer era estudar. — Então é bom começarem. A primeira prova será na próxima aula.

            Eu ouvi o que ela disse e confesso que me senti inclinado a obedecer. Imaginei-me pegando o caderno, abrindo-o, deixando de pensar no resto do mundo para me concentrar na matéria da primeira prova, mas simplesmente não consegui. Agarrei meu celular, o qual havia deixado em cima da mesa, e coloquei os fones de ouvido.

            Larry. O nome dele pairava em minha mente, como uma linha de fumaça que começa muito forte e vai se extinguindo quando se expande. Por que ele estava tão triste quando entrou? Será que tinha sido alguma coisa sobre o Correio Elegante? Será que ele sabia que eu havia escrito aquilo para ele? Olhei de soslaio para o lado. O vi sentado perto de Pierre e Cia., mas nossos olhares não se encontraram.

 

            Ouvi as pessoas praguejando sobre alguma coisa, quase inaudíveis por causa do meu fone de ouvido, e parei a música por um instante. Aparentemente, a professora tinha pedido para ver o caderno de conteúdos (o que, geralmente, chamávamos de “vistar”), e as pessoas ficaram consternadas. A maioria dos alunos se levantou e começou a conversar, enquanto a outra metade – inclusive eu – tentava achar alguma coisa que tinha sido copiada no caderno. Não havia nada, é claro, porque, como já disse, a última coisa que eu queria fazer era estudar. Mas os alunos mudavam de grupinho para tentarem achar alguém que tinha o conteúdo completo.

            Quase pulei de susto quando Pierre apareceu ao nosso lado.

            De perto, ele parecia bem mais diferente. Tinha traços indígenas, que se resumiam à olhos estreitos, boca saliente e pele bronzeada. Seus cabelos, lisos e negros, estavam penteados para frente, formando uma espécie de topete. Estava usando o uniforme completo do colégio, então não consegui deduzir se tinha um bom gosto para roupas. Supus que não.

            — Aqua. — Disse ele. A voz de Pierre era grossa, desafinada, como uma criança no início da puberdade.

            — Sss... — Aqua se virou, com a boca formando um “sim”, mas parou bruscamente quando o viu. Eu fiquei de expectador, vendo a cena. Ela arregalou os olhos, aparentemente suprimindo um grito, e parou de falar imediatamente.

            — Pierre! — Foi Alison quem disse, animadamente. — Que milagre você vir falar com a gente.

            — Sim. Bom, eu preciso de um favor... — Ele respondeu, sem tirar os olhos de Aqua. — Eu preciso das matérias completas.

            Alison bateu na própria mesa, forte o suficiente para causar um pequeno barulho.

            — Ah, estávamos conversando sobre isso mesmo. — Disse ela. — Nós também precisamos da matéria completa...

            — Sério? Aqua? — Ele interrompeu. Aqua tinha virado a cara e, obviamente, mirava a cadeira de Alicia como se fosse matá-la com os olhos. Não sei se ela pensava ser possível matar uma cadeira. — Você tem?

            Ela se virou lentamente. Tirando um leve tremor em seu olho esquerdo, parecia controlada o suficiente para conversar.

            — Tenho o quê? — Perguntou.

            — A matéria completa... — Ele repetiu. Ela negou com a cabeça.

            Por um instante, pensei que aquele momento super constrangedor tinha passado, mas, quando ele quase estava desistindo de conversar com Aqua, a própria emitiu um comentário.

            — Não sei por que imaginou que eu o ajudaria em alguma coisa... — Ela disse.

            — Bom... — Ele argumentou. Foram duas frases, mas, juro, Aqua parecia prestes a explodir. — Talvez por isso.

            Antes que eu, Aqua, Alison ou Alicia pudéssemos fazer qualquer coisa, ele se afastou e agarrou a própria blusa. Não imaginei o que ele estava fazendo até acontecer de fato. Pierre puxou a blusa para cima, levantando a borda e deixando parte de seu abdômen à mostra (sim, eu desviei o olhar), retirando-a, ficando apenas com uma regata vermelha. Foi meio difícil não notar que ele tinha braços bem atraentes.

            — O que você acha que eu sou? Uma vadia? — Aqua disparou. Eu, Alicia e Alison apenas conseguíamos rir. Tive noção de que algumas pessoas olhavam a confusão, mas, para elas, não era nada demais.

            — Meu Deus... — Alison murmurou, rindo baixinho.

            — Ah, você sabe, poucos resistem à cor do pecado. — Ele comentou, rindo travessamente. Vi a raiva nos olhos de Aqua.

            Eu ri.

            — Vá embora! — Gritou ela, apontando para o lado do grupinho dele. — Vá!

            Pierre ergueu as mãos para acalmá-la.

            — Ok, tudo bem, calma. — Disse ele. — Se você insiste...

            Em menos de trinta segundos, a Cor do Pecado já estava sentado em seu lugar, conversando com Larry e com seus amiguinhos. Eu e Alison ríamos descontroladamente.

 

            A prova foi exaustiva. Uma mistura de biologia e filosofia, com alguma espécie de interpretação de texto. Biologia. Eu odiava biologia. Mas, quando a segunda aula terminou, eu pude respirar lentamente e afastar as lembranças das minhas notas ruins no colégio. Estava prestes a iniciar uma conversa com Alison sobre um assunto aleatório, quando vi Iliana parada na frente do quadro, pedindo silêncio.

            — Ei, pessoal! Escutem! — Berrou ela. Todos meus companheiros de sala se sentaram em seus lugares, ficando em silêncio. — Eu preciso falar uma coisa!

            Olhávamos para ela com curiosidade e eu imaginei as coisas estranhas que ela podia vir a dizer.

            — Como sabe, eu convidei todos vocês para uma festa na próxima semana. — Disse ela, lentamente. — E houve algumas mudanças. A festa ainda será mascarada, mas, além disso, agora também será com acompanhante. Isso significa que vocês têm o direito de chamar uma pessoa da sala, ou de fora dela, para formar um par.

            A sala entrou em colapso. Um monte de frases e palavras ditas sem nexo, jogadas ao ar. Vi Alexia e Andrew conversando e já soube que tinham formado um par. Vi Aqua e Alison se abraçando e também já soube que tinham formado outro par.

            Nunca me senti tão sozinho.

            Tão abandonado.

            Ninguém perguntou para mim “ei, você quer seu meu par?” ou algo do gênero. Eu sabia que a chance de Andrew me convidar era muito remota, por isso nem nutri esperanças. Mas, num último instinto, virei o rosto.

            Do outro lado da sala, Larry estava olhando para mim.

            Ele gesticulou em direção a seu coração e depois para mim, com seus lábios formando uma frase.

            — Nós dois?

            Assenti lentamente, sorrindo, quando ele abaixou a mão e sorriu timidamente.

 

***

 

            Eu nunca tive noção de como uma verdadeira festa era. Já tinha visto filmes e seriados com cenas de adolescentes bêbados em piscinas, pessoas largadas nos sofás, outras vomitando nos banheiros, mas acreditava que nem todas as festas eram daquela forma. Não sabia nem com qual roupa ia, ou se Larry realmente queria me acompanhar.

            E ele queria.

            Avisei meus pais com antecedência, faltando uns cinco dias para a festa, para que eles não estranhassem se eu saísse e voltasse apenas às quatro horas da manhã. Durante o dia da festa, tratei de me preocupar com o figurino. Era minha primeira festa, para falar a verdade, então eu não sabia exatamente o que vestir. Concluí que uma calça jeans preta e uma camisa azul não fariam mal, mas decidi procurar mais pela máscara. Além de tudo que eu não sabia, uma das coisas que tinha dúvida era como uma máscara deveria ser. Com um pouco de procura no centro da cidade, passando por lojas de fantasias e “cosplays”, achei uma máscara preta com um pequeno pauzinho para apoio. Era uma máscara normal, com detalhes de lantejoulas roxas ao redor dos olhos e nas bordas. Minha mãe disse que realçava os meus olhos claros.

            — Quem é o garoto que vai te acompanhar? — Perguntou ela, com um sorrisinho travesso, enquanto eu esperava a noite chegar.

            — Larry. Ele é um amigo. — Respondi, já tentando encerrar a desconfiança dela.

            — Amigo, sei... — Disse ela. — E quem fez o pedido? Ele ou você?

            Eu dei de ombros.

            — Sei lá. Foi, tipo, muito espontâneo. — Respondi. — Nós só nos olhamos e já soubemos que íamos juntos.

            Ela arqueou as sobrancelhas, olhando-me com seus olhos castanho-claros, não parecendo estar muito convencida que ele era apenas um amigo. Eu levantei as mãos e bati nas coxas.

            — Ok. Confesso que há uma chance de 5% de algo acontecer entre mim e ele hoje. — Respondi, sorrindo.

            — Que bom. Significa que você esqueceu o Andrew...

            Queria que ela não tivesse dito aquilo. Tinha feito tanto esforço para esquecê-lo desde a última semana, tampouco olhava para ele ou para Alexia. Mas quando ouvi seu nome, naquela hora, meu coração disparou. Eu sabia que ele estaria na festa, sabia que ele tinha sido convidado por Iliana, com certeza. E a leve menção disso me deixou inquieto. Por mais que houvesse 5% de chance de alguma coisa ocorrer entre eu e Larry, ainda havia outros 10% de chance de algo acontecer entre eu e Andrew. Os outros 85% de chance significavam que nada aconteceria.

            Quando a noite chegou, estava na hora de ir. Dei um tchau rápido para meus pais e segui em frente, sem parar para checar se minhas roupas estavam alinhadas, para ver se meu cabelo estava bagunçado ou se faltava algo. Eu sabia que Larry não se importava e eu não ligava para a opinião dos outros.

            Eu e ele combinamos de nos encontrarmos no nosso ponto de encontro no parque. Obviamente, carros não podiam entrar lá, então, quando cheguei, o vi parado logo na entrada. Ele tinha quase 18, o que, mais do que obviamente, proibia-o de dirigir, logo, supus que o carro era de seu pai.

            Parado embaixo de um poste de luz branca, ele quase parecia uma criança, com exceção a seu modo de olhar. Ele estava usando um blazer preto, com calças jeans da mesma cor. Ainda não tinha colocado a máscara, e eu preferi daquela forma. Queria ver o rosto dele, não só os olhos ou a boca. Queria vê-lo por completo.

            — Oi. — Eu disse, me aproximando. Ele sorriu quando me viu.

            — Oi. — Respondeu, com uma entonação de ternura. Ele olhou de cima à baixo em mim, analisando minhas roupas. — Já está pronto?

            — Já. — Respondi, olhando para meus próprios pés.

            — Você está... — Ele disse, olhando fixamente para meu torso. Não sabia o que ele procurava ali, mas supus que deveria ser o que estava por baixo da camisa. — Diferente. — Completou.

            Eu sorri.

            — Você também. — Respondi.

            — De uma forma boa ou de uma forma ruim? — Ele perguntou, erguendo as sobrancelhas.

            — Hmmm, não sei. — Respondi bem lentamente, sorrindo.

            — Vamos logo! Vocês querem passar a noite inteira nesse parque?! — Disse uma voz masculina de dentro do carro. Alguma coisa naquele timbre de voz me lembrou de alguém, mas não consegui recordar até me sentar e olhar pelo retrovisor. Larry abriu a porta para mim e eu entrei, olhando o estofamento e as janelas. Quando mirei o retrovisor, vi quem era.

            — Pierre. — Eu disse, num impulso, com um tom de espanto. — Oi. Não sabia que você dirigia.

            — Tecnicamente eu não poderia estar dirigindo. Mas a casa de Iliana não fica muito longe e, além disso, meus pais me prometeram esse carro quando eu ainda era uma criança. Uma hora eu teria que usá-lo. — Ele respondeu animadamente, apertando as mãos no volante. Seus olhos brilhavam quando olhava para o estofamento. — Larry. — Disse ele. — Vamos.

            E nós fomos.

            Larry se sentou no banco do passageiro, deixando-me sozinho no banco traseiro do carro. Os dois foram conversando durante grande parte do trajeto, falando sobre coisas de garotos (eu ainda não tinha descoberto o que aquilo significava) e fiquei em silêncio. Frequentemente a conversa era interrompida por um acorde mais pesado da música que tocava no rádio. Rock. Tipo, AC/DC, Metallica e etc. Meu estilo variava muito disso, mas fiquei em silêncio e não atrapalhei.

            O carro avançou lentamente até o centro da cidade, indo por um caminho que eu nunca tinha visto. Passei grande parte de meu tempo encostado no vidro da janela, olhando para fora, enquanto a cidade acendia suas luzes contra a noite que avançava. Fiquei sabemos que chegamos por causa da fila imensa de carros que se reunia na frente de um quintal.

            — Vamos procurar um lugar para estacionar. — Pierre disse, erguendo-se no banco para procurar a vaga. Bem rapidamente, ele praticamente empoleirou o veículo em cima de um gramado vizinho – o que, constatei, deveria ser muito proibido.

            Quando o carro definitivamente parou, e quando Pierre desligou o motor e retirou as chaves, Larry olhou para trás com um olhar que dizia “eu também não achava isso seguro, mas não tinha outra opção”. Seus olhares tinham significado para mim, percebi, ao contrário de Andrew, que sempre teve um olhar enigmático e indecifrável. E como sempre, apenas sorri.

            Desafivelei o cinto de segurança (eu tinha sido o único a colocá-lo) e abri a porta com cuidado para não atingir um muro ao lado. As engrenagens da porta rangeram quando a fechei. Deixei meus olhos se acostumarem com a cena à minha frente. De fato, havia muitos carros pelo quarteirão, todos circundando um único terreno em especial. Estávamos em um bairro rico da cidade, percebi isso quando vi as casas de dois ou três andares muito bem decoradas e feitas com cuidado. O terreno mais procurado, obviamente, era a casa de Iliana. E mesmo se não fosse pelos holofotes coloridos que iluminavam o gramado, eu não poderia errar o local da festa, pois um cartaz gigante “festa da Iliana” pairava sobre a calçada.

            — Ótimo. — Disse Larry. — Chegamos. Está pronto?

            — Como antes, sim. — Respondi, pescando minha máscara no bolso da calça. Ela era maleável e por isso consegui dobrá-la para caber ali, porém o pauzinho de apoio quase havia quebrado. Larry esticou o braço para mim e eu agarrei seu pulso, enquanto segurava a máscara com a outra mão.

            Precisava esquecer todo o resto, usar uma máscara para esconder meus sentimentos, e esquecer definitivamente do meu passado com Andrew. Precisava me concentrar em Larry.

 

            A massa de pessoas era sufocante. Elas andavam de um lado para o outro, sobre o gramado, na porta de entrada, no corredor, na sala de estar, nas escadas, em todo lugar. Enganchei meu braço no de Larry e continuei a andar, sem deixá-lo se afastar de mim. Desisti da minha máscara cinco minutos depois, quando vi que ninguém usava. A música estava alta demais para podermos conversar e algumas pessoas dançavam loucamente ao som do famoso funk brasileiro. Eu odiava funk brasileiro. Quero dizer, algumas músicas até que eram animadinhas, mas, tratando-se da festa de Iliana, as letras eram sobre sexo e drogas. Porém, não pude tapar meus ouvidos. Larry parecia deslocado naquele cenário caótico tanto quanto eu, mas ele sorria como um verdadeiro adolescente sorriria em um cenário caótico tanto quanto aquele. Seu braço apertava o meu, segurando-me com força.

            Mas quando vi Aqua e Alison paradas em um dos corredores da casa, tive que soltá-lo.

            — Eu vou ali, conversar com elas... — Comentei, falando alto o suficiente para machucar minhas cordas vocais, ainda assim mal consegui ouvir a minha voz. Ele confirmou com um aceno e soltou meu braço. Não sei por que, mas não queria conversar com minhas amigas com ele por perto. Seria perigoso.

            Vi Larry se afastar e entrar na multidão, enquanto me dirigia para a parede onde Aqua e Alison estavam.

            Sinalizei um “oi”.

            — Nossa, Greg, acho que nunca vimos você tão arrumado assim. — Disse Aqua, olhando-me dos pés à cabeça exatamente como Larry havia feito há minutos. Eu olhei para ela da mesma forma.

            — É, eu também nunca te vi tão arrumada... — Respondi sorrindo. — Vou levar como um elogio.

            — Eu também. — Ela respondeu, sorrindo comigo. Olhei para Alison. Ela parecia procurar alguém na multidão, seus olhos verdes perspicazes rodopiando pelas pessoas, mas isso era estranho, porque o par dela era Aqua.

            — E Alicia? — Perguntei. — Ela não quis vir?

            — Não. — Aqua respondeu, negando. — Ela não gosta muito dessas coisas de festas.

            A música atingiu um novo pico no momento em que ela terminou de falar e a multidão irrompeu num coro de gritos, assovios e barulhos animalescos. Eu arqueei as sobrancelhas e encostei-me à parede, ao lado de Aqua. Deixei minha cabeça tocar a parede de gesso, enquanto olhava as pessoas.

            Alguns dos convidados eram comuns para mim. William, Aimee, Alexia, Pierre, Anne. Todos estavam dançando, comemorando, e tive certeza de que eles nem sabiam que eu estava ali. Mas eu estava. E aparentemente, pela posição solitária de Alexia na “pista de dança”, supus que Andrew não tinha ido. Graças a Deus, pensei.

            — Eu nunca fui numa festa. — Comentei. Aqua virou o rosto para ver o meu.

            — Bem, você está numa agora. — Ela respondeu. — Como se sente?

            — Sei lá. — Respondi. — Não retirou nem acrescentou nada. Está tudo a mesma coisa. As pessoas se divertindo e eu sendo tratado como invisível. Nem Larry está aqui.

            — Mas foi você que o dispensou. Nós vimos. — Disse Alison, entrando na conversa. — E, além disso, esse papinho de invisibilidade não é do caráter de festa, Greg. Vamos, anime-se! Você está aqui. E o fato das pessoas te tratarem como invisível pode dar um ponto positivo. Pelo menos elas não estão te tratando mal.

            — Você tem razão. — Respondi bem lentamente.

            — Então... — Disse Aqua, segurando meu antebraço. — Vamos dançar!

 

            Dançar é exaustivo. Ignorei todas as minhas rejeições àquele gênero musical e continuei dançando. Tenho certeza de que eu deveria estar parecendo uma minhoca com ataques epiléticos, mas não me importava. Em algum ponto, Larry se juntou à nossa dança e começou a se animar. Ele tinha ficado sozinho e eu dei uma colher de chá para ele.

            — Eu não sei dançar. Você não sabe dançar. — Eu disse quando ele se aproximou. — Vamos fingir que estamos dançando juntos.

            Puxei Larry pelo braço até o meio da multidão e, assim como havia dito, começamos a fingir uma dança. Não chegava nem aos pés das pessoas que realmente dançavam bem; elas, com cuidado, estavam em cima de mesas ou cadeiras e não paravam de rebolar. Naquele momento, no meio da multidão, percebi duas coisas:

Quando várias pessoas se juntam para alguma coisa, uma festa, uma missa, ou até uma guerra, todas são vistas como iguais. Por isso, naquela festa, eu não fui mais o garoto que magoou Andrew, não fui mais aquele que estragou as vidas e os sentimentos dos outros, não fui o garoto que se apaixonou por quem nunca iria retribuir seus sentimentos. As pessoas dançavam loucamente e apenas faziam isso. Não julgavam, não xingavam, não discriminavam.     

E, naquele momento da dança, percebi que tinha de parar de pensar em “naqueles momentos” e realmente viver o presente. Percebi que tinha que parar de pensar no que já havia se passado e começar a viver o que estava acontecendo. Foda-se o Andrew. Foda-se a Alexia. Fodam-se os dois juntos!

Larry sorria de uma forma que nunca o vi sorrir. Ele apenas se mexia de uma forma pouco atrativa, mas, mesmo assim, adorei vê-lo dançar. Com medo que eu pulasse em seu pescoço e o beijasse ali mesmo, me contive e voltei para o outro lado.

— Para onde você vai? — Aqua perguntou, entre rebolados, jogando um pouco do conteúdo do copo que segurava na mão em mim.

— Para o banheiro. Sabe onde fica? — Perguntei. Ela apontou para um corredor que saía da sala de estar e gesticulou uma cobra com as mãos.

— Fica nos fundos, eu acho. Siga esse corredor, vire à direita, desça as escadas e vai encontrar. — Respondeu ela. Virei-me, olhando a entrada do corredor, e comecei a andar.

 

Fora da massa sufocante de pessoas, pude ver com clareza que o corredor de fato levava aos fundos da casa. Não parecia haver qualquer desejo das pessoas pelos fundos da casa, pois o corredor estava mais vazio do que uma cidade fantasma. Eu não estava, de verdade, precisando ir ao banheiro, apenas queria um lugar longe das pessoas, longe da música e das luzes frenéticas, para me acalmar. Tentei parar no final do corredor, porque já achava que era o suficiente, mas então decidi que realmente queria sair de perto daquela agitação.

Como Aqua havia instruído, dobrei o corredor à esquerda, me encontrando em outro corredor. Ao contrário do primeiro, neste havia casais se beijando (alguns gays, outros lésbicos e etc.) perto das paredes. Ignorei. Eu realmente – realmente – não queria ver casais felizes naquela hora. Quando estava quase chegando perto do final deste corredor, lembrei-me de Larry e de como ele estava tão perto enquanto dançávamos. Só por uma força divina eu não o agarrei e o beijei. Mas, pensando bem, por que eu não deveria ter feito?

            Sorri e continuei andando.

As escadinhas que Aqua prometeu estavam lá, um curto lance de degraus que levavam a outro corredorzinho mais estreito do que os outros dois. A única diferença desse corredor para os outros era que ele possuía uma porta em uma de suas paredes. E, chegando perto da porta, ouvi vozes conhecidas.

— Você sabe que ele não vai gostar. — Disse uma voz feminina

— E desde quando você se importa com o que ele pensa? — A voz masculina respondeu. — Vamos, nós conseguiremos voltar...

            Meu coração disparou. Não, não, não, pensei. Isso não pode ser o que estou pensando.

— Ah, qual é, garota, você sabe que eu te desejo. — A voz masculina disse. Aquilo foi demasiadamente íntimo. Resisti ao impulso de continuar andando, pois, as vozes me eram familiares.

— Não sei, Andrew... — A voz feminina respondeu.

Tudo girou em minha cabeça numa espécie de turbilhão de estilhaços cortantes. Eram Andrew e Alexia.

Sem conseguir conter meu impulso primitivo de sempre fazer merda em meus relacionamentos amorosos, entrei no quarto. Provavelmente, era o quarto do(s) empregado(s) porque quase não parecia decorado e tinha uma cama muito pequena para ser chamada de “cama”.

Mas isso, obviamente, não impediu os dois.

Contendo o grito que estava trancado em minha garganta, olhei a cena. Vou explicar de uma forma bem fácil de entender. Andrew estava deitado na cama, ao lado de Alexia – que, na essência, não tem nada de ruim –, porém, percebi com muito espanto, ambos estavam nus.

 

***

 

— Não, nós não reatamos. E acho que isso nunca vai acontecer. Eu só... Só retomei a minha amizade com ela. É bem diferente.

— Nem tanto. Só tenho uma única pergunta...

— Qual?

— Você ainda a ama?

— Se eu ainda a amasse, não teria vindo falar com você.

 

Não consegui ver a porta. Não consegui ver o corredor. Não consegui ver os casais se beijando. A única coisa que via era um borrão de luzes causado por minhas lágrimas. Ouvi Andrew praguejando de dentro do quarto. Droga.

Droga.

Droga, não fale “droga”. As lágrimas se tornaram incessantes quando lembrei que essa foi a primeira palavra que o ouvi dizer, há meses, quando estávamos procurando os editais de turmas no ginásio. Foi naquele dia que ele me viu pela primeira vez. Escutei-o praguejando, mas não o vi saindo do quarto para me confortar. Nem uma palavra de conforto, nem um “eu sinto muito” falsamente colocado, nem um abraço ou beijo.

Não consegui atingir o final do corredor. Bati minha mão na parede e caí por lá. As pessoas que estavam em volta não se importaram, tampouco pareciam ter notado minha aparição. Encolhi minhas pernas e coloquei minha cabeça entre os joelhos para esconder meu rosto, e comecei a chorar descontroladamente.

Para falar a verdade, nem sabia por que estava chorando. Todos os momentos, desde quando retornei da outra cidade, tinham sido uma farsa. Andrew tinha me enganado. E, ainda por cima, havia deixado pistas disso. Eu é que fui muito idiota e não percebi os detalhes, como sempre. Eles viviam conversando, trocando sorrisos e olhares. Como pude ser tão idiota?

As ideias vinham à minha cabeça e eu não conseguia afastá-las. Tudo, não só o caso de Andrew. Tudo floresceu como um monte de espinhos em minha mente. Naquele momento (desisti de parar de pensar em “naqueles momentos”) percebi que havia apenas uma coisa que eu podia fazer para parar todo esse sofrimento. Uma coisa que eu já devia ter feito há tempos.

Levantei-me, apoiando-me na parede, e comecei a andar. Cada passo parecia mais pesado do que o anterior, mas não desisti, porque sabia o que deveria ser feito. Eu precisava fazer aquilo, mesmo que gerasse a tristeza, ou luto e até mesmo mais sofrimento. Continuei a andar até a sala de estar.

Sim, eu ia confessar tudo para Larry, e, se pudesse, beijá-lo ali mesmo.

As pessoas não paravam de dançar e a música ainda estava alta. Vi Aqua e Alison pulando em dos cantos da sala, mas meus olhos estavam direcionados para um único ponto: o centro. Larry estava lá, dançando daquele jeito estranho. Ele estava lindo. Andei até ele.

— Greg? — Disse ele quando me viu, franzindo o cenho. — Você está bem? Por que está chorando?

— Está tudo bem, Larry. Eu só preciso falar uma coisa. — Disse, deixando-o mais calmo. Ele me puxou para fora da multidão pelo antebraço e resisti ao impulso de confessar tudo. Seu toque me queimava. Mas eu não podia mais resistir.

— O que foi? — Perguntou ele.

Eu olhei para seus olhos castanhos, seus lindos olhos castanhos, e respirei fundo.

— Fui eu. — Respondi.

— Você o quê?

— Fui eu que escrevi o seu Correio Elegante. — Rebati. — Fui eu que te mandei aquelas mensagens. Eu sou seu admirador secreto!

Ele franziu ainda mais o cenho e se aproximou de mim.

— Ok, essa brincadeira não cola. Qual é, mano, você não sabe mentir. — Ele respondeu com um sorrisinho, começando a sair em direção ao povo novamente, mas eu fui mais rápido. Com uma agilidade que não sabia que tinha, eu agarrei seu ombro.

— Não, Lucas. — Eu disse. — É verdade.

Dessa vez ele pareceu acreditar, não sei se foi por causa do meu tom ou se porque eu estava chorando. Deixei que ele me olhasse daquela forma acusatória, precisava disso. Deixei que ele se afastasse bruscamente de mim, queria aquilo. Queria que ele me desaprovasse, porque, depois, tudo o que viria seria um ganho.

— Não pode ser. — Ele disse, chocado. — Eu...

— É verdade. — Emendei, repetindo. — Eu escrevi aquilo. Aquele número é meu. Você falou comigo naquele dia.

— Você fez isso? Mentiu para mim? — Perguntou ele, olhando-me com uma espécie de desprezo.

— Um pouco, mas...

— UM POUCO?! — Ele gritou, com a voz abafada pela música. — Greg, eu não... — Hesitou. — Eu não acredito que você fez isso. Você brincou com meus sentimentos!

— Ei, não fale assim, eu posso explicar...

— NÃO, você não vai explicar nada! — Ele gritou novamente. — Sabe o que é passar a vida inteira achando que ninguém se apaixonaria por você e, finalmente, descobrir que alguém se apaixonou?

— Não, mas... Mas eu estou apaixonado por você.

— Eu não acredito em você. Aliás, nem confio mais em você. — Ele respondeu. — E, apenas para seu conhecimento, eu sou 100% hétero.

— Larry, espere um pouco. Se acalme.

— Me acalmar? Você quer que eu me acalme? — Ele perguntou se aproximando de mim novamente, mas, naquela vez, não gostei de sua aproximação. — Diga que nunca mais vai falar comigo, que nunca mais vai olhar na minha cara, diga que nunca mais vai gostar de mim, aí sim eu irei me acalmar.

Não respondi. A voz dele parecia grave demais em contraste com a música. Apenas fiquei fitando seus olhos.

— DIGA! — Ele gritou novamente. Tenho certeza que, se eu fosse escrever aquela cena, teria escrito seus gritos em caixa-alta.

Okay. — Respondi, desviando o olhar. — Eu nunca mais vou falar com você, nunca mais vou olhar pra você, nunca mais vou gostar de você.

Ele se afastou, deixando claro seu objetivo.

— Ótimo. — Disse ele, com um desprezo horrível na voz. — Eu nunca gostei de você mesmo. Apenas te usava para descobrir quem tinha escrito aquilo pra mim. Por que acha que eu quase não falava com você? E, agora que descobri quem escreveu, posso ir embora e deixá-lo sozinho. A culpa é sua, afinal.

Não falei mais nada. Não olhei em seu rosto. E, já naquele ponto, não gostava mais dele.

Vi Larry entrar no meio da multidão e sumir. Soube que ele tinha ido embora.

Ele tinha sido meu pilar por um mês, e quando se foi tudo começou a desmoronar.



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