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História Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Evitando alguém


Escrita por: GSilva

Capítulo 16 - Evitando alguém


EVITANDO ALGUÉM

            Foram Aqua e Alison que me levaram para casa naquele dia. Elas disseram que eu fiquei paralisado por uns cinco minutos, olhando o pessoal dançando e tentando achar Larry no meio deles. Mas ele já havia ido embora. Elas me disseram que eu não estava chorando, que apenas conseguia mirar um ponto fixo com os olhos e não me movia, como uma estátua, embora eu não tenha conseguido me lembrar disso.

            Lembro-me de ter chegado em casa, de minha mãe toda histérica dizendo que eu não deveria ter mudado de planos (pois o plano inicial era passar uma noite na casa de Aqua), mas minhas amigas acalmaram-na. Eu não disse uma palavra, disso me lembro, apenas abri o portão e corri para dentro do terreno, abrindo a porta e indo direto para meu quarto. Meu pai e minha mãe ainda estavam acordados quando cheguei e, para eles, foi estranho me verem daquela forma, totalmente mudo e sem reação. Foram Aqua e Alison que explicaram o que havia acontecido, mesmo que nem elas soubessem muito. Conseguia ouvir suas vozes falando através das paredes.

            Lembro-me da minha cama. Lembro-me de ter me jogado sobre ela e ter permanecido imóvel. Eu não conseguia pensar em nada além do que havia acontecido. Tudo, tudo, havia sumido de meus pensamentos e apenas aquelas cenas, petrificadas, ocupavam minha cabeça. Andrew, nu, ao lado de Alexia, que estava da mesma forma; Larry, dizendo que nunca tinha nem sequer gostado um pouquinho de mim, indo embora pela multidão. Não acreditei nele, num primeiro momento, porque a informação era tão chocante que simplesmente se tornava inacreditável. Mas não podia negar que poderia ser verdade. Ele disse que nunca gostou de mim quando eu disse que gostava dele. São dois extremos muito caóticos, que se chocaram.

            Nenhuma lágrima surgiu naquela noite. Era como se eu estivesse num choque. Apenas conseguia ficar deitado, de bruços, olhando a parede de meu quarto, na escuridão. A inegável frase reverberava em minha cabeça. Ele foi embora. Ele foi embora. Ele foi embora. Tentei me acostumar com o fato, para ver se conseguia parar de sentir o que estava sentindo – não chegava a ser uma tristeza, mas sim um vazio, como se todas as minhas crenças tivessem sido destruídas. Eu realmente – realmente – acreditava que Larry sentia alguma coisa por mim. Não sei por quê. Talvez fosse por causa da aproximação dele no parque, de seus sorrisos gentis e travessos, de seus olhos perspicazes que se moviam por meu corpo quando chegava perto. Mas não, era tudo mentira. Tinha sido tudo uma mentira. Ele disse que era mentira.

            Não chorei, mas isso não significa que não senti a dor. É claro que senti. Primeiramente veio como um choque, deixando-me paralisado. Depois veio a realidade. Eu realmente estava sozinho; não só por causa de Larry, mas por todas as minhas paixões. Todos eles me abandonaram de alguma forma, embora alguns (do passado) nem tivessem descoberto sobre meus sentimentos. A culpa era minha, afinal, como Larry dissera. Eu estava tão preocupado e tão desesperado em esquecer Andrew que acabei me envolvendo num amor que tinha consequências horríveis. Sentir a dor sem chorar é muito pior. Não conseguia retirar outra frase da minha cabeça: quando ficava em situações onde meu humor e sentimentos eram abalados, eu procurava por frases, cenas e/ou gestos nas histórias que gostava; dessa vez, era uma frase da série de livros fantásticos “Os Instrumentos Mortais” de Cassandra Clare:

            “Amar é destruir”

            Se amar é destruir, então, permitir ser amado é permitir ser destruído. Larry me destruiu. Andrew me destruiu. Droga, até Thomas me destruiu. Eu era facilmente destrutível quando me apaixonei por eles (com exceção à Thomas – ele era apenas meu amigo) e acabei estilhaçando em milhões de pedacinhos mais de uma vez. Algumas coisas não têm concerto depois de várias vezes remendadas. O coração, por exemplo, é uma delas. Você pode se magoar duas, três, quatro vezes, mas, num certo momento, a mágoa vai se tornar tão dolorosa que você poderá sentir seu coração se despedaçando. Eu estava dessa forma. Sentia-me destruído.

            Eu nem estava com raiva de Andrew, sinceramente. Tinha flagrado ele e Alexia na cama, juntos, no início de um ritual sexual, mas não estava de fato com raiva dele. Estava com raiva de mim. Eu não tinha percebido os detalhes. Eu não vi que eles estavam juntos novamente. Eu não percebi que estava entrando numa mata de espinhos. Vê-lo junto a ela foi mais uma confirmação do que um choque. É tipo quando chove, sabe? O céu está escuro, você acha que pode chover, e, quando chove, não fica surpreso. Andrew tinha sido minha chuva por muito tempo. Ele não se importava mais comigo, percebi isso. Ele não gostava mais de mim. Talvez nunca tenha gostado.

            Meu gesto foi impulsivo, não posso negar. Eu tinha mantido segredo por muito tempo, tinha deixado Larry às sombras enquanto me divertia. Eu fui estúpido. Porém, ele também não tinha sido compreensivo. Se ao menos tivesse me dado a chance de explicar, de dizer que eu estava muito magoado, em choque pela visão de Andrew e Alexia na cama, e, confesso, um pouco bêbado. Ele simplesmente quis se afastar. Acho que ele sempre quis se afastar, mas me usava para descobrir quem havia escrito o Correio Elegante. Maldito Correio, maldito pedaço de papel, maldito número de telefone. Diga que nunca mais vai falar comigo, que nunca mais vai olhar na minha cara, diga que nunca mais vai gostar de mim, aí sim eu irei me acalmar.

            Meu celular estava ao meu lado, na cama. Por que não liguei? Por não mandei uma mensagem? Por que não tentei forçar um contato?

            Ele podia me odiar mais se o fizesse.

            — Greg, você está bem? — Minha mãe perguntou, batendo na porta. Levantei minha cabeça num susto, mas não respondi. — Filho?

            Silêncio. Eu não queria falar com minha mãe, não porque estava bravo com ela, mas porque simplesmente queria ficar sozinho, em silêncio. E então ouvi passos, de mais pés do que minha mãe.

            — Como eu disse, aconteceu alguma coisa na festa. — Era a voz de Aqua. — A senhora sabe como o Greg é. Deixe-o ficar um pouco sozinho. Quando ele sentir que quer falar, vai falar.

            Aqua me conhecia. Alison me conhecia. Alicia me conhecia. Agradeci a Deus dez vezes naquela noite por ter amigas como elas, sempre atenciosas e gentis. Imaginei a cena que estava ocorrendo através da porta: minha mãe, encostada sobre a parede, parecendo cansada, e Aqua ao seu lado, forçando-a a voltar para a sala de estar. Porém, por mais que o ato de Aqua tenha sido em boa vontade, aquilo me deixou pior. Deixe-o sozinho. Eu realmente não queria ficar completamente sozinho.

            Num impulso rápido, procurei por meu celular às cegas e o achei não muito longe. Com destreza, desbloqueei a tela e procurei pelo aplicativo de mensagens. Quando abri, imediatamente vi o rosto de Larry. Nenhuma nova mensagem. Não hesitei. Não poderia hesitar.

            Com o pouco de coragem que me restava, abri a conversa com ele e comecei a digitar.

 

Eu: “Larry, por favor, fale comigo. Me deixe explicar. POR FAVOR, Lucas”

 

Usei seu nome verdadeiro porque sabia que ele se sentiria mais especial do que o normal. Ele tinha me dito para não usar seu nome verdadeiro, mas ninguém estava por perto.

Deixei o celular cair ao meu lado e fechei os olhos. A única coisa que eu conseguia pensar era em “veja, veja, veja essa maldita mensagem”, mas me recusava a olhar a tela num intervalo de dez em dez segundos. Minha garganta se trancou por todas as palavras que queria falar para ele. Eu sabia que ele se importava. Não tinha como não se importar. Ele não conseguiria mentir tão bem quanto alegava.

E, depois de cinco minutos, mirei a tela novamente. A mensagem, geralmente da cor azul, tinha se tornado verde, o que significava que ele tinha visto. Meu Deus, pensei.

— Larry? — Perguntei para mim mesmo em voz baixa.

 

Eu: “Lucas?”

 

Sabia que não podia dar continuidade aquilo, que provavelmente estava irritando-o mais ainda, só que eu simplesmente não conseguia ficar em silêncio sabendo que tinha magoado ele. Simplesmente não.

A segunda mensagem foi visualizada mais rapidamente. E, para meu agrado (ou desagrado), foi respondida com:

 

Ele: “Vc disse que nunca mais ia pensar em mim então me esquece!!!”

 

Havia muitos pontos de exclamação naquela frase, então concluí que ele realmente estava consternado.

 

Eu: “Mas eu não quero te esquecer”

 

Novamente, deixei o celular cair ao lado da minha cabeça. E, dessa vez, fechei os olhos definitivamente.

 

***

 

Soube que o dia no colégio não seria normal a partir de meu primeiro passo no pátio de entrada. É claro que não seria normal. Minhas expectativas deveriam ser destruídas antes mesmo do começo da primeira aula.

Eu e irmão nos separamos quando o sinal tocou. Ele desceu as escadas da passarela principal e foi para seu pavilhão, para sua sala e seus amigos, enquanto eu continuei andando. Passar por aquele ponto no colégio sempre me lembrava de Andrew. Em alguns dias, quando ele chegava mais tarde, podia encontrá-lo no final da passarela, com aqueles olhos brilhantes me observando. Mas ele não estava mais lá. Tinha parado de se atrasar quando começou seu primeiro namoro com Alexia. E, depois de tudo, duvidava muito de que ele ainda se atentasse ao fato de estar ou não atrasado. E naquele dia ele não estava.

Quase dei um pulo de susto quando o vi no final do caminho, com a mochila de um lado só, uma blusa cinza com uma escrita nas costas: 58. Aquela blusa tinha sido um presente de Alexia para ele, como fiquei sabendo, e usá-la na minha frente era como dar um tapa na minha cara. Todavia, eu não reduzi o passo.

— Greg. — Disse ele quando me aproximei. — Greg, precisamos conversar.

Meu plano era continuar andando, ignorá-lo, mas alguma força maior me fez virar e olhar em seus olhos. Seu braço se esticou para tocar meu ombro, mas eu me afastei como um anima arisco.

— Não, não precisamos. — Respondi, dando continuidade ao plano, voltando a andar.

 

Não encontrei Larry pelo caminho nem o vi perto do bebedouro – que por dedução, parecia ser seu lugar preferido. Não o vi no final do corredor, nem na entrada da sala. Não o vi conversando com seus amigos, nem falando com algum professor. Mas minhas amigas estavam lá.

Quando entrei, vi as garotas já sentadas em fila. Alison, Aqua e Alicia. Elas me olharam cuidadosamente quando cruzei a porta, como se estivessem analisando cada movimento meu, procurando por alguma dica do que havia acontecido na noite anterior. Eu sorri. Não sei por que, mas sorri. Pensando que Aqua e Alison tinham me visto com aquele choque na saída da festa, supus que um sorriso poderia ajudar.

— Oi. — Eu disse animadamente, sinalizando. Elas não responderam.

Andei lentamente até meu lugar, deixando minha mochila em cima da mesa, mas permaneci em pé ao lado de Alison. Elas ainda não paravam de me olhar. Aqua sequer piscava.

— Gente, alguém morreu? — Perguntei. — O que foi?

— Greg. — Disse Aqua. — Você... Você está bem?

Sabia que ela iria perguntar isso e me repreendi por não ter pensado numa resposta sensata. Sem sabe o que falar, percebi que não queria deixá-las preocupadas.

— Claro. Por que não estaria? — Perguntei casualmente.

— Sei lá. Ontem, na festa, você parecia tão perturbado. — Aqua respondeu.

— Sim, completamente perturbado. — Alison interrompeu, dando um ar mais cômico à situação. Eu ri.

— Eu sou perturbado. — Respondi.

Nesse momento, ouvi um som na porta e percebi, com minha visão periférica, que alguém estava entrando. Podia ser qualquer um. Virei minha cabeça instintivamente e olhei. Era Andrew.

— Greg, tem certeza que nada aconteceu ontem? Nada que queira contar para nós? — Aqua perguntou novamente. Eu balancei a cabeça, mirando os olhos verdes de Andrew, que, coincidentemente, miravam os meus.

— Tenho. — Respondi.

 

Passar por um dia de aula depois de uma noite tão exaustiva como aquela deveria ser considerado como um método de tortura. Não consegui me concentrar. Via os professos falando seus assuntos, suas bocas mexiam, mas eu não captava nada. Como minha mãe diria: entrava por um ouvi e saía por outro.

Quando o sinal do intervalo tocou, quase pulei de alegria. As meninas se levantaram, uma após a outra, conversando entusiasticamente sobre alguma coisa relacionada à Pierre. Alicia, como sempre, deixou a sala para se encontrar com o namorado que estudava na turma vizinha, então eu, Aqua e Alison seguimos para o intervalo.

Nada fora do normal. Os alunos que passavam por nós olhavam para nossos rostos, com as claras perguntas no olhar. Foram eles que fizeram aquilo com o tal de Andrew? O resquício das maldades de quem espalhou aquelas folhas de CMA ainda não tinha acabado. Eu ainda tinha que descobrir quem havia feito aquilo.

Porém, foi apenas no quinto minuto do intervalo que eu realmente percebi que deveria proteger alguém.

Minhas amigas diziam “Pierre é um idiota”, “ele não vale de nada”, “é um garoto tentando chamar atenção, um safado”, mas eu não acreditava. Claro, sabia que ele fazia parte de um grupo de bagunceiros da sala, mas apenas via-o como um garoto igual aos outros. Nada demais. Deveria ter escutado a elas.

Eu, Aqua e Alison estávamos andando pelo colégio. Era, ou ainda é, um colégio grande, o que significava (ou significa) que existem pontos aonde alunos quase não vão. Porém, como éramos diferentes da maioria, nós fomos exatamente num desses pontos. Era um local isolado da maioria, ao lado dos pavilhões, ao lado da sala do Grêmio Estudantil, e não havia ninguém lá quando chegamos. Aparentemente, quase ninguém.

Pierre saiu de trás da casinha do Grêmio Estudantil e imediatamente mirou Aqua com os olhos fixos.

— Olá. — Disse ele, com um ar de ternura na voz. Aqua não respondeu. Ao invés disso, Alison pareceu se comover pela causa.

— Pierre. O que faz aqui? — Perguntou ela.

Pierre olhou de Aqua para Alison e para Aqua novamente. Ele parecia irritado, talvez até um pouco bêbado.

— Eu vim encontrar sua amiguinha. — Ele respondeu, apontando um dedo para Aqua. — Ela me deve uma coisa...

— Não te devo nada. — Aqua protestou.

— Um beijo. — Disse ele, se aproximando predatoriamente. Alguma coisa no seu olhar ativou algo em mim. Ele olhava para ela com um leão olha antes de atacar ou como uma cobra antes de dar o bote.

— Greg, vá chamar a coordenação. — Ordenou Alison, com a voz passiva. Eu olhei para ela. Uma de suas mãos repousava no ombro de Aqua, a qual parecia muito nervosa.

Eu assenti.

Comecei a andar apressadamente pela escadaria, descendo até chegar ao caminho que levava à Secretaria. Mas não conseguia tirar o olhar dele da minha mente. Ele parecia muito, muito diferente; não mais o garoto que queria chamar atenção, não mais um simples garoto igual aos outros. Ele parecia bem diferente.

Num impulso de curiosidade, olhei para trás.

Pierre estava mais próximo de Aqua. Muito próximo, para falar a verdade. Já Alison parecia ter se afastado por alguns passos. Uma voz na minha cabeça dizia para eu ir logo à secretaria, porque Aqua corria alguma espécie de perigo. Mas, assim como minhas amigas me conheciam, eu conhecia minhas amigas. Aqua não se permitiria passar por qualquer tipo de perigo. Vi quando ele se aproximou mais. Vi quando seu braço tocou o rosto de Aqua. E vi quando ele se afastou bruscamente, atingido por um belo de um tapa na cara. Não conseguia captar o olhar dele, porque já estava muito longe, mas presumi que seria alguma coisa próxima ao desprezo.

Sem conseguir conter o orgulho por ter amigas iguais àquelas, sorri.

 

***

Algum tempo depois...

 

Não tinha certeza do que esperar dos dias seguintes. Uma parte de mim (uma grande parte de mim) queria que Larry entrasse por aquela porta, queria que ele me mandasse mensagens, dizendo que se encontraria comigo no nosso lugar especial, mas a outra parte insistia dizendo que tudo isso era impossível. Ele não ia aparecer, não ia voltar. Nunca mais ia voltar.

            Passaram-se cinco dias após nosso último encontro, que tinha sido somente na festa, e ele não tinha nem dado sinais de vida. Tentei perguntar para seus amigos, porque, por serem amigos dele, deviam saber por onde andava. Mas eles me ignoraram.

            Certa vez, no quarto dia desde que não nos vimos mais, reuni minha coragem para perguntar à William, um dos transferidos.

            — Eu não posso falar. — Ele respondeu, quando perguntei sobre onde Larry estava.

            — Por quê?

            — Larry disse que não posso falar.

            — Por quê? — Rebati perplexo.

            — Porque você o magoou, até onde eu sei. E ele me disse para não falar nada. — Ele respondeu bruscamente. — Olha, não sei o que aconteceu, mas tenho certeza que você o magoou muito. Se... Se essa mágoa dele se tornar uma cicatriz, eu vou vingá-lo. Você entende?

            Achei aquilo muito, muito estranho. Havia certa seriedade nos olhos castanhos de William, uma seriedade que eu não queria contradizer.

            — Entendo. — Respondi. — Afinal, quase ninguém gosta de mim.

            Bancar o ofendido e magoado para William não deu certo. Apenas me virei e voltei para meu lugar, do outro lado da sala, enquanto ele com certeza nem repensou no que tinha acabado de dizer, e muito menos pensou duas vezes para me dizer onde Larry estava. A sala estava muito cheia naquele dia, e, se não fosse por isso, eu certamente teria discutido com ele.

            Desde então, não forcei mais nenhum contato com outros amigos de Larry. Não parecia ter acontecido algo muito horrível a ele, pois todos seus colegas estavam felizes. Com certeza ele não fez nada estúpido, pensei, embora não tivesse descartado totalmente a possibilidade.

            Eu deixei Larry com muita, muita raiva; uma raiva que eu via que estava lá, sempre esteve, escondida debaixo de seus olhos, em cada movimento e cada inspiração. Mas ele nunca demonstrou. Pelo menos não até o dia da festa. Só Deus sabe o que desbloqueei de dentro de Larry.

 

            Porém, como tudo podia mudar até o dia festa, no sexto dia algumas coisas mudaram. Grandes coisas mudaram.

            Eu cheguei no mesmo horário, após me despedir de meu irmão na hora da entrada. Ele falava sobre Alanis e eu realmente não queria saber sobre ela. Eles estavam juntos, afinal. Andei até a minha sala, segurando a mochila de um lado só, não esperando nada em especial. Pensava que talvez Larry tivesse se mudado por minha causa, como Thomas já havia feito, e simplesmente só pensava nisso.

            Não o vi naquela hora. Meu coração disparou quando vi que havia um grupinho de pessoas ao lado do bebedouro (seu local preferido), mas ele não estava lá. Apenas Andrew. Olhei uma vez para ele, outra vez para Alexia, que estava ao seu lado, e continuei andando. Tentei colocar o máximo de significado naquele olhar, mas tenho certeza que apenas consegui parecer magoado. Andrew enxergava meu interior, e certamente enxergou naquele momento, quando eu estava me sentindo completamente abandonado. Passei pelo grupinho de pessoas e entrei no corredor, sem demorar a entrar na sala.

            Aqua, Alison e Alicia estavam lá, sentadas em seus lugares, conversando sobre alguma coisa. Em cima da mesa de Aqua, percebi com espanto, havia uma rosa vermelha, mas decidi não perguntar nada enquanto não tivesse dado um olá. Andei até elas e sorri.

            — Hello. — Eu disse, tentando parecer entusiasmado. Elas olharam para mim e sorriram tristemente. Eram tão ruins quanto eu no quesito de fingir sorrisos. — O que houve? — Perguntei imediatamente.

            Elas não responderam, o que me deixou irritado, mas abaixaram o olhara para a rosa vermelha sobre a mesa. Aproximei-me, colocando a mão ao lado da flor, mas sem tocá-la. Era uma rosa linda, com suas pétalas incrivelmente vermelhas. E, ao lado dela, havia um bilhete.

            — O que é isso? — Perguntei.

            — Uma rosa, Greg. — Alison respondeu, ressaltando como aquilo era óbvio. Eu sorri sarcasticamente.

            — Eu sei, mas o que significa? — Perguntei. — Quem deixou isso aqui?

            As meninas se entreolharam, nervosamente. Elas claramente estavam escondendo algo de mim e falhando epicamente em tentar encobrir.

            — Acho melhor você ler. — Disse Aqua, pegando o bilhete e me entregando.

            Não chegava a ser uma carta de verdade, apenas um pedaço de folha de caderno amassado. Desdobrei cuidadosamente. As palavras, num primeiro momento, não tiveram sentido. Não consegui ler, primeiramente, mas reconheci a caligrafia. Já tinha recebido uma carta daquele mesmo autor.

            — Andrew. — Eu disse, sussurrando. Elas balançaram a cabeça.

            — Fale baixo. — Aqua sugeriu. — Ele disse para mantermos segredo.

            — Ok. — Respondi.

            — O que o bilhete diz? Nós ainda não lemos. — Alicia perguntou curiosamente, aproximando-se de mim. Singelamente, bloqueei o ponto de visão dela do bilhete.

            Olhei novamente para o papel. Minha garganta estava trancada, não inundada pelas palavras que sempre quis dizer, mas como se pressentisse que algo estava diferente. As palavras, lentamente, se organizaram aos meus olhos e finalmente entendi a mensagem.

            Quando recoloquei o bilhete sobre a mesa, estava sem ar e com um princípio de desmaio. Apoiei-me nas costas da cadeira de Aqua para não cair.

            — Eu conto. — Respondi antes que elas perguntassem novamente.

            — O que está escrito, Greg? — Alison insistiu, impaciente.

            — Está... — Hesitei. — É de Andrew, realmente. Ele disse que quer se encontrar em segredo. E que sabe onde Larry está.

 

                O sinal para a hora do intervalo tocou cinco minutos mais cedo. Eu olhei para o lugar de Andrew, para checar se ele sairia comigo, mas ele não estava mais lá. Podia sentir os olhares de Aqua, Alicia e Alison sobre mim. Elas provavelmente se perguntavam sobre nosso encontro.

            — Andrew já saiu. — Respondi, olhando para elas no meio da multidão que se levantava e saía da sala. — Eu preciso encontrá-lo. Vejo vocês depois.

            Não parei para escutar as respostas delas. Eu realmente precisava saber onde Larry estava, e, se Andrew sabia, eu precisava fazê-lo falar, mesmo que isso estragasse de vez o nosso relacionamento. Cada vez que olhava para Andrew, para seus olhos ou para qualquer parte sua, eu não conseguia afastar a imagem de ele e Alexia nus na cama, naquele dia da festa. Já tinha se passado quase uma semana, mas aquela lembrança ainda permanecia imutável em meus pensamentos, cada detalhe, cada momento...

            Atropelei um grupinho de pessoas, entrando no pátio de entrada ao colégio. Procurei com os olhos pela multidão. Algumas pessoas olhavam para mim, provavelmente lembrando-se daquela disseminação de informações de CMA, mas a maioria parecia me ignorar. E então, quando olhei para o caminho que levava à Biblioteca, ao lado da quadra poliesportiva, vi Andrew. Ele também estava me observando, com um olhar sério, e à distância não consegui supor se ele estava bravo, magoado ou feliz. Apenas vi-o balançar a cabeça singelamente na direção da Biblioteca.

            Praticamente corri pela multidão, cortando suas conversas, deixando-as perplexas, enquanto ia para o caminho. Ele já tinha saído quando cheguei. Ele sempre andava mais rápido do que eu. Para não levantar suspeitas, reduzi o passo, mas continuei andando. Onde estava Alexia? Não conseguia parar de me perguntar. A cada passo, a cada centímetro mais perto do momento decisivo, eu imaginava que aquilo era uma brincadeirinha doentia dela, algum modo de se vingar por qualquer coisa. Mas não hesitei. Continuei a andar.

            Cheguei ao final do caminho após dois minutos. A porta e as janelas da Biblioteca – que se resumia, principalmente, a uma casinha pequena repleta de estantes de livros com alguns computadores antiquados – estavam fechadas, o que me fez concluir que a Biblioteca em si estava fechada. Olhei para o lado. Sempre houve uma escadaria que descia até um ponto mais baixo, para um local que ficava literalmente embaixo da última quadra do colégio. E Andrew estava lá.

            Não sinalizei um “oi” quando me aproximei, não sorri e evitei ao máximo olhá-lo nos olhos. Desci os primeiros degraus uniformes, enquanto ele permanecia lá embaixo, e cruzei os braços.

            — Chega de enrolação. — Eu disse. — Onde ele está?

            Andrew olhou para mim seriamente, com um ar muito estranho. Ele parecia prestes a explodir, mas, ao invés disso, apenas olhou para o chão.

            — Desça aqui. Alexia não sabe que eu estou conversando com você e não quero que ela nos veja. — Ele respondeu, parecendo desapontado.

            Pela minha idiotice, eu desci.

            Ficamos próximos, a sós pela primeira vez desde que tinha descoberto do retorno do namoro dele. Quando me aproximei, ele recuou, primeiramente, mas depois também se aproximou. Parecia magoado, triste, e até um pouco desapontado.

            — Andrew, onde Lu... Onde Larry está? — Perguntei, quase revelando o nome verdadeiro de Larry.

            — Tudo bem, eu não sei como dizer isso...

            Meu coração disparou. Andrew colocou as mãos nos bolsos da jaqueta preta que vestia – a qual, percebi com vergonha, deixava-o ainda mais lindo, realçando seus olhos verdes.

            — Dizer o quê? Andrew...

            — Ok, ok. — Ele interrompeu, elevando a voz. — Eu menti.

            Dessa vez, meu coração parou.

            — Você fez o quê? Andrew, você mentiu sobre isso? — Perguntei novamente, balançando o bilhete no ar. Ele olhou para o papelzinho e depois para mim, fazendo-me desviar o olhar. Mas antes de parar de olhá-lo, consegui perceber uma pontinha de tristeza em seu olhar.

            — Menti.

            Eu soltei um som que não sabia de onde tinha vindo. Com mais força do que o necessário, eu amassei o bilhete em minhas mãos, enquanto cerrava os dentes. Não podia acreditar. Não queria acreditar. Minha vontade era de socar a cara dele, mas eu apenas amassei aquele papelzinho.

            — Andrew, você é um idiota! — Rugi, olhando-o furiosamente. Ele desviou o olhar.

            — Me desculpe, Gregory, mas como faria você falar comigo? — Ele rebateu. — Eu precisava falar com você.

            Congelei. Ninguém nunca me chamava de Gregory, nem meus pais e meus amigos mais próximos, embora esse seja meu nome verdadeiro.

            — Não me chame de Gregory! — Interrompi, quase gritando. — Você é um babaca.

            Não conseguia mais olhá-lo nos olhos, nem ficar perto dele, então comecei a andar novamente, subindo os degraus. Uma parte de mim queria ficar, não minto, mas minha consciência maior dizia para ir embora. Contudo, não era a minha consciência que estava em questão. Era a dele.

            Andrew foi rápido o suficiente para me alcançar por trás e segurar meu braço.

            — Greg, desculpe... — Ele disse, parecendo mais magoado do que nunca. — Eu realmente precisava falar com você.

            — Para me dizer o que, Andrew? Que você e Alexia voltaram? Que vocês planejavam transar naquele dia e eu interrompi? — Rebati, gritando desta vez. Ele olhou para os lados, com medo que alguém estivesse escutando, mas não havia ninguém lá.

            — Não, queria falar com você porque te conheço. — Ele respondeu, fazendo-me aguçar os ouvidos. — Eu sei que você não está levando numa boa. Tenta mentir, mas não consegue.

            Eu olhei em seus olhos pela 342894ª vez naquela hora. Ele realmente parecia me conhecer, olhando-me daquele jeito, e não tive como não hesitar. Ele realmente me conhecia.

            — Andrew, eu... — Respondi, tentando me livrar do aperto dele. — Eu não...

            — Não, espere eu terminar. — Ele interrompeu educadamente. — Eu sei que te magoei, Greg. Sei que não devia fazer o que fiz, sei que não devia ter voltado com Alexia. Mas ela me ama, e eu amo ela. Eu realmente amo ela. Você entende, não entende? Já teve uma pessoa na sua vida que você realmente gostou? Eu gosto dela, gosto de verdade dela, e você precisa entender que eu a coloco acima de qualquer coisa.

            Aquelas palavras foram as mais sinceras que eu já tinha escutado de Andrew. Ele ainda segurava meu braço, e seu toque, ao contrário do de Larry, que parecia me queimar cada vez que me tocava, deixava minha pele gélida.

            — Eu entendo. — Respondi.

            — Eu sei que você tenta fazer parecer que está tudo bem, mas eu te conheço. Sei que está destruído por dentro. — Ele respondeu. — Me desculpe. Por tudo.

            — Eu desculpo, Andrew, sinceramente, é só que... — Hesitei. Minha garganta se trancou.

            De repente, tudo explodiu em minha mente. Não só o fato de Andrew ter voltado com Alexia, mas tudo, tudo. Desde o primeiro momento que o vi. Ele estava ali, mas eu não podia tocá-lo como queria, enquanto a outra pessoa de quem eu gostava estava em algum lugar me odiando. Se apaixonar por duas pessoas é algo perigoso. As duas pessoas pelas quais me apaixonei viraram as costas para mim. E, além de tudo, não foi somente isso que retornou à minha mente. Também vi como eu estragava a situação em casa, em Ryan, em Monique, em como havia, provavelmente, destruído o relacionamento de Ryan com Alanis.

            E então comecei a chorar.

            — Greg... — Disse ele, tristemente. — O que foi?

            — Eu... — Respondi. Ele não esperou eu terminar.

            Andrew me puxou para perto, gentilmente. Deixei meu peso ser levado por suas mãos, até que seus braços estavam em minha cintura. Eu ainda estava em cima dos degraus, então ele ficou mais baixo do que eu. Seu rosto se enterrou em meu torso e meus braços envolveram seus ombros.

            — Fale para mim. — Ele disse. Olhei para baixo. Seus cabelos negros e despenteados apareciam para mim como um emaranhado de fios negros. Fechei os olhos, deixando uma lágrima cair em cima dele. Repreendi-me por isso.

            — Eu só... — Hesitei novamente. — Eu não sei o que estou sentindo. Por um lado, entendo você e Alexia, sei que ambos se amam, mas por outro... Outra parte de mim ainda quer que fiquemos juntos. Eu sei que isso é impossível, porque você não me ama. Eu sei disso. E eu acabei estragando meu único outro relacionamento. Larry está em algum lugar me odiando, enquanto eu tento procurá-lo para pedir desculpas. — Parei por um momento, recobrando o ar. Já estava chorando escandalosamente nos braços dele, enquanto ele me abraçava mais fortemente. Continuei: — E você estava certo quando disse que eu fui a única pessoa que realmente aprendeu a como magoar alguém.

            Ele olhou para cima, levantando a cabeça. Não queria que ele me visse chorar. Não de novo.

            — Se lembra de quando Thomas me bateu? — Perguntou ele misteriosamente. Eu assenti. — Você foi comigo para a enfermaria. Lembra-se de quando fui atropelado? Você foi me visitar no hospital. Lembra-se de quando descobri sobre a traição de Alexia e fiquei chorando no banheiro? Então, você foi até lá. Você até pode ter aprendido a como magoar alguém, Greg, mas também foi o único que aprendeu a como perdoar alguém. Você curou a si mesmo, curou a mim, curou a todos nós. Sem você... Sem você eu não seria nada, apenas um garoto sem significado.

            Olhei em seus olhos novamente. Ele parecia estar falando sinceramente e eu simplesmente não aguentei. Abracei-o com mais força, recomeçando a chorar drasticamente, enquanto o sinal da volta do intervalo começava a tocar.

 

***

 

            Todos me perguntaram por que eu estava com os olhos vermelhos. Não podia contar para eles, nem para minhas amigas, que estava chorando na hora do intervalo. Eles me julgariam. Andrew conseguiu disfarçar direito, dizendo que tinha ido à Secretaria para arrumar alguns papéis, por isso tinha dispensado Alexia naqueles quinze minutos, mas eu sempre fui um péssimo ator. Mesmo quando jurava que conseguia esconder meus sentimentos, todos à minha volta já sabiam o que eu sentia. E naquele dia não foi diferente. As meninas, imediatamente após nos reencontrarmos, me inundaram de perguntas.

            — Greg, você está bem? O que aconteceu? — Aqua perguntou com sua voz sobrepondo-se à pergunta de Alison:

            — Foi o Andrew? O que ele fez?

            — Você viu o Larry? Ele voltou? — Alicia emendou.

            Eu me sentei no meu lugar e olhei para elas, apenas balançando minha cabeça. Tinha a plena consciência de que não conseguia esconder o fato de que estava chorando, então não tentei mentir. Apenas respondi:

            — Não, não foi o Andrew. E não vi o Larry. — Não era exatamente uma mentira, mas também não era completamente verdade. Como poderia explicar para elas que eu estava chorando por mim, por causa da minha capacidade de fazer merda em meus relacionamentos, sem que elas achassem que eu estava exagerando? Apenas respondi aquilo, fazendo de tudo para acalmá-las.

            Mas não eram elas quem eu precisava acalmar.

            — Greg, você está bem?

            Iliana surgiu de trás das garotas, com seus cachos loiros pendurados e balançando nos ombros. Ela estava usando um batom vermelho demais para ser considerado não vulgar.

            — Iliana. — Eu disse, surpreso, depois desviei o olhar. — Sim, claro. Sim, eu estou bem.

            — Não parece. — Ela insistiu. — Venha cá.

            Ela estendeu uma mão para mim e eu olhei dela para as garotas. Todas me olhavam com perguntas no olhar, tentando adivinhar o que eu faria em seguida. Com uma pergunta subjetiva, olhei para Alicia. Ela também respondeu com os olhos. Vá. A Reinserção.

            Assenti brevemente, segurando na mão de Iliana. Ela me puxou para longe das garotas, forçando-me a levantar da cadeira. Eu não queria, de fato, conversar com ela, porque sempre que a via, lembrava-me de sua traição. Mas fui do mesmo jeito.

            Ela me levou até um canto da sala, onde quase ninguém se sentava, sentando-se em cima de uma das mesas. Com um olhar rápido, vi que o professor ainda não tinha chegado, e então olhei para ela.

            Iliana era a última pessoa que eu esperava que fosse me consolar.

            — Greg, por que você está assim? — Ela perguntou. Eu fitei seus olhos verde-claros pela primeira vez. Havia uma verdadeira vontade de ajudar escondida sob seu olhar.

            — Por nada, Iliana. — Eu respondi apressadamente. Ela tentou me acalmar, mas até mesmo ela parecia prestes a explodir.

            — É por causa de Larry. — Ela respondeu. — Por causa do Lucas?

            Ouvir o nome dele saindo da boca dela foi muito pior do que me despedir dele na festa.

            — O quê? Como você sabe o nome dele? — Eu perguntei. Ela deu de ombros, parecendo não se importar com a minha irritação. De alguma forma, nós falávamos tão baixo que ninguém, realmente, estava prestando atenção na nossa conversa.

            — Eu conheço ele há muito tempo, desde a 5º série. Bem, a Aimee conhece há mais tempo. Eles são amigos de infância. — Ela respondeu. — Se ele fugiu, o que é verdade, porque nem os pais dele têm notícias, então é com ela que ele vai conversar.

            — Aimee? — Perguntei, olhando de soslaio para a garota loira no outro lado da sala. Aimee estava conversando animadamente com Pierre.

            — Sim. Ela estava conversando com Larry na última aula. — Disse Iliana. — E...

            Ela colocou uma das mãos no bolso da jaqueta, mexendo em algo. Quando retirou a mão de lá, estava segurando um telefone celular com a tela desbloqueada.

            — E eu pedi emprestado o telefone dela, para que você possa conversar com ele. — Ela respondeu. Meus olhos brilharam quando olhei para o aparelho. Aquela era a ponte. A ponte entre mim e ele.

            — Iliana! — Exclamei animadamente.

            Ela levantou as mãos e desceu da mesa onde estava sentada, no exato momento em que o professor entrava na sala. Vários alunos se sentaram rapidamente, ainda conversando, e eu peguei o telefone da mão de Iliana.

            — Ok. — Disse ela. — Considere isso como um pedido de desculpas.

            Eu sabia que não podia perdoá-la tão facilmente, pois ela tinha causado muito sofrimento para mim e para Andrew, mas aquele celular era a única coisa que me conectava à Larry. Então, simulando um sorriso mais do que falso, virei-me para ela.

            — Obrigado. — Respondi.

            Ela se virou e voltou para seu lugar.

 

            Ao contrário de antes, não consegui conter minha felicidade. Eu sorria igual uma criancinha que tinha acabado de ganhar um presente. Olhei para Andrew quando passei ao seu lado, para ir ao meu lugar, e ele me olhava com esperança. Acho que ele pensava que suas palavras tinham me comovido. Tinham, mas eu não sorria por causa dele.

            Sentei-me atrás de Alison, como sempre, e ignorei os olhares curiosos que caíam sobre mim. Foquei no telefone. Graças a Deus ele já estava desbloqueado e a conversa com Larry estava aberta, mas, ao invés de exibir “Larry”, aparecia apenas Lucas no lugar do apelido. Levou um tempo para eu digerir toda a imagem: o fundo verde, as conversas, as palavras dele em cinza e as dela, em verde, sua foto de perfil... E então comecei a digitar.

 

            Eu: “Larry?”

 

            Mensagem enviada. Foi um péssimo jeito de começar uma conversa, mas eu não tinha nem ideia de como voltar a falar com ele. Uma vozinha em minha cabeça dizia “veja o resto da conversa”, mas meu bom-senso me congelou. Não seria sensato. Além de que, com certeza eu iria me decepcionar. Tinha visto o modo como Anne olhava para ele.

 

            Ele: “Sim?”

 

            Quase dei um grito quando a mensagem apareceu na tela. O professor olhou para mim.

            — Celulares são proibidos na sala de aula, Greg, você sabe disso. — Repreendeu ele, fazendo todos olharem para mim.

            — Sim, eu sei. — Respondi. — Mas é um assunto muito, muito importante. Só vai levar alguns minutos.

            Ele assentiu com desgosto e não implicou mais comigo.

            Não sabia o que dizer. Perguntar se Larry estava bem? Se estava seguro? Se estava magoado? Nem uma dessas perguntas era uma boa ideia, então apenas mirei a tela por alguns minutos, sem saber o que falar. Até que, finalmente, a única pergunta que realmente importava apareceu em minha mente.

 

            Eu: “Onde vc está?”

 

            Ele demorou a responder, mas seu status dizia “digitando” por um longo período de tempo.

 

            Ele: “Aimee, de novo com isso? Eu já disse que não vou falar”

                   “ninguém sabe onde estou”

            Eu: “Ninguém? Tem certeza?”

            Ele: “Tenho”

                 “a não ser que...”

                   “Aimee, o Andrew tá aí do seu lado?”

 

            Olhei para o lado, Andrew realmente estava lá, mas parecia não se importar comigo. Eu sei que ele estava se importando, só não parecia.

           

Eu: “tá sim, pq?”

            Ele: “Aimee, ele falou alguma coisa de mim pra vc?”

 

            Eu não soube o que responder. Olhei para Andrew novamente, e, no movimento, encontrei os olhos de Iliana sobre mim.

 

            Eu: “falou”

                   “somente vc não confia em mim”

            Ele: “droga, garoto idiota!!!”

                 “eu disse para ele não contar para ninguém!”

 

            Meu coração disparou. Larry era muito, muito ingênuo para alguém tão decidido em suas convicções. Ele praticamente me contou onde estava, contou que Andrew sabia de seu segredo. Queria perguntar mais algumas coisas, mas quando olhei novamente em seu status, apenas aparecia “off-line”. Sorri novamente, não porque tinha enganado alguém, mas porque finalmente poderia reencontrá-lo.

 

***

 

            Sempre odiei banheiros públicos. Eles são, na maioria, sujos e fedorentos. E do colégio não era diferente. Eu realmente não gostava de ir àquele banheiro masculino dos fundos do colégio, mas precisava de um lugar para pensar, longe de todo mundo.

Com um movimento rápido, levantei-me e entreguei o celular para Iliana, que sorriu como resposta. Sem pedir permissão para o professor, e sem explicar porque estava saindo, fui até a porta, abrindo-a. O ar do corredor estava mais gélido, o que me fez clarear os pensamentos por um tempo, mas eu realmente precisava ficar completamente sozinho, então não parei.

Felizmente, estávamos no meio da quarta aula, então, não havia alunos perambulando pelos pátios (os professores eram muito restritivos quanto à liberação de alunos durante as aulas). O banheiro também estava vazio e parecia ter sido recém-lavado, o que eu agradeci internamente. Entrei sem hesitar e fechei a porta atrás de mim. Era proibido se trancar dentro do banheiro, mas eu não me importava.

Eu precisava pensar. O que tinha acabado de acontecer? Aquele dia foi o dia mais estranho da minha vida, desde minha reconciliação com Andrew até o surgimento da ideia de que ele sabia onde Larry estava. Ele não mentiu, afinal, quando disse que sabia onde Lucas estava. Idiota. Devia ter me contado a verdade. Mas eu e Deus sabíamos como ele conseguia mentir tão bem.

Então Andrew sabia e Aimee também estava prestes a descobrir. Eu precisava conversar com ele, precisava mesmo. Mas como fazê-lo me contar onde Larry estava? Isso não fazia sentido. Se Andrew sabia que Larry era importante para mim, por que não falou logo onde ele estava?

Caminhei até a pia, abrindo a torneira imediatamente. Um jato de água fria apareceu e eu coloquei minhas mãos abaixo do fluxo. Abaixei-me um pouco e literalmente joguei a água em meu rosto. Foi uma clareza imediata, como quando se tira um curativo. Minha mente se reorganizou. Eu soube o que fazer. Apenas precisava sair daquele banheiro e forçar Andrew a me contar a verdade.

Rapidamente, caminhei até a porta. Ela estava entreaberta, então, apenas coloquei a mão sobre a maçaneta. Mas, quando fui sair, alguém entrou. Uma forma grande apareceu e cobriu meu campo de visão do lado de fora do banheiro.

— William? — Perguntei, curiosamente, olhando-o nos olhos, que eram castanhos assim como sua pele e seu cabelo.

— Greg. — Disse ele, seriamente, com a mandíbula dura. Alguma coisa no modo como falou meu nome despertou algo em mim.

— O que houve? — Perguntei. — Por que está tão sério?

Tentei forçar algum tom animado na conversa porque, principalmente, me encontrar com ele no banheiro era a última coisa que eu pensava que ia acontecer.

— É sua culpa. — Disse ele, seriamente, com sua voz grossa praticamente ecoando pelo banheiro. Ele se aproximou de mim, depois se virou e fechou a porta. Mas, desta vez, ela não ficou entreaberta. Ouvi o barulho da chave quando ela se trancou. Não sabia como ele tinha arranjado a chave tão rapidamente, mas senti que não devia perguntar. Algo estava acontecendo. Algo ia acontecer.

— O quê? — Perguntei novamente. — O que eu fiz?

— Tudo. Fez de tudo para destruir a vida dos outros. — Ele respondeu, conectando nossos olhares. Recuei imediatamente, me afastando a uns três passos dele, porque vi o modo como ele me olhava. Raiva.

— William, o que é isso? — Eu perguntei.

Ele se aproximou, com as mãos cerradas ao lado do corpo. Eu tinha que olhar para cima para ver seu rosto, porque ele era muito maior do que eu, e algo na forma como se aproximou não me agradou muito. Felizmente, sempre fui bom em ler olhares.

— O que você está fazendo? — Perguntei. Ele gargalhou.

— Sempre com medo. Vocês bichinhas vivem sempre com medo. — Ele disse, sorrindo perversamente. — São pessoas estúpidas.

Bufei, revirando os olhos.

— William, se você queria apenas ser homofóbico comigo, podia fazer isso na sala de aula. — Respondi. — Agora, me deixe sair.

Andei para frente, contornando seu corpo grande. Senti a raiva dele quando passei ao seu lado e não gostei nem um pouco. Agarrei a maçaneta com força, tentando puxar a porta, mas nada se moveu. Pensei que ele poderia ter me enganado... Pensei que não tinha realmente me trancado lá.

— Garoto idiota. Você não pode fugir. — Ele respondeu. — E você tem certeza, eu sou homofóbico. Mas o que vou fazer não poderia ser feito dentro da sala de aula.

Virei para encará-lo. Ele se aproximou, ainda com as mãos cerradas ao lado do corpo. Ficamos tão próximos que eu pude sentir sua respiração sobre meu rosto, seu hálito e sua raiva. Ele colocou ambas as mãos acima de mim, formando um arco sobre minha visão, se aproximando. Sussurrou:

Greg...

— William, o que você está fazendo? — Perguntei outra vez, esticando minhas mãos para afastá-lo. Meus braços tocaram seu torso musculoso e eu o empurrei. Eu não tinha força para movê-lo, mas ele mesmo assim se afastou. — Me deixe em paz! — Insisti, sem gritar (um escândalo era a última coisa que eu precisava naquele dia), e andei até o outro lado do banheiro.

Ele se virou para mim, com mais perversidade no olhar.

— Quando eu acabar com você... — Disse ele. — Não vai nem poder olhar para seus amiguinhos novamente.

            — William, por que está fazendo isso? — Perguntei. Pela primeira vez, ele pareceu atingido por minhas palavras e recuou.

            — Por Larry.

            — O que Larry tem a ver com isso?! — Rebati.

            — Você o magoou! Ele é meu melhor amigo! — Ele gritou, fazendo-me recuar até bater as costas na parede. Ficamos nos olhando por um tempo, com nossos olhares se encontrando.

            — Você... Você não vai... — Hesitei, não conseguindo dizer o que precisava. — Você não vai me estuprar. — Respondi, tentando parecer forte, corajoso, mas ele gargalhou novamente.

            — Estuprar? Cara, eu não sou um veadinho viciado em sexo igual vocês, seus bichas. — Disse ele. — Eu não vou te estuprar. Não gosto de homens.

            — Então, o que vai fazer? — Perguntei, andando lentamente para o lado, agarrando a borda da porta de uma das cabines.

            — Eu já disse. — Ele respondeu. — Vou acabar com você.

            Corri.

            Nunca fui muito forte nem muito esperto, mas podia me orgulhar da minha rapidez. Praticamente pulei para dentro de uma das cabines, antes que ele me alcançasse, fechando a porta na minha frente. Dei um pulo e franzi o cenho quando ele bateu na porta com toda a força, mas nada aconteceu. Dei graças aos construtores de portas.

            — Greg, saia daí! — Ordenou ele. — Se não, quando sair, será pior...

            Outro barulho na porta. Eu pulei para trás, sentando-me em cima do vaso sanitário. Queria gritar, queria chamar por socorro, mas realmente não queria que alguém me visse histérico, num banheiro. Então, recorri ao número com o qual não conversava há uma semana.

            Pesquei o telefone no meu bolso, desbloqueando rapidamente a tela. Minhas mãos estavam trêmulas e suando, então quase derrubei o celular, mas concentrei-me rapidamente. Entrando no contato de Larry, digitei com pressa.

 

            Eu: “Larry, eu preciso de ajuda!”

                   “eu estou no banheiro, William está aqui”

                 “acho que ele quer me machucar”

                 “por favor, me ajude”

                 “venha rápido”

 

            E então a porta quebrou. Mandei todos os construtores de portas para o Inferno.

            — William! Por favor, não! — Gritei. Desta vez, eu gritei. Ele simplesmente sorriu.

            Uma dor aguda atingiu meu rosto, e vi, surpreso, que sua mão se retraía. Nunca tinha levado um soco na cara e percebi imediatamente que aquela era a dor sentida. Arfei, procurando por ar, tossindo, agarrado às paredes da cabine. William se aproximou mais e me puxou pelo colarinho da camisa, jogando-me para frente. Com força, bati a cabeça na pia do banheiro e minha visão se preencheu de estrelas. Caí no chão como um peso morto, mas ainda estava consciente. Infelizmente, ainda estava consciente. Ele era incrivelmente forte, de modo que me puxou novamente pela camisa e me jogou na parede oposta. Bati as costas com toda a força e caí no chão. Só por um milagre não desmaiei.

            Sangue se espalhou pelo chão, saindo do meu nariz. Minha visão estava escurecida e eu apenas consegui olhar para ele, erguendo a mão.

            — William, por favor. — Respondi, com a voz rouca. Ele chutou a minha mão. Gritei de dor.

            O que veio a seguir foi uma demonstração do próprio inferno. As pernas dele certamente eram mais fortes do que os braços, porque seus chutes doeram mais do que seu soco. Ele me chutou várias vezes, no torso, no rosto, nas pernas, na genitália. As dores não tinham mais lugar, não doíam mais apenas em um lugar. Tudo estava doendo. Tudo era um mar de sombras e dor. E a pior parte é que eu não desmaiei. Às vezes, desmaiar deve ser bom; e, naquele momento, com certeza era. Mais sangue se espalhava conforme ele me chutava, respingando nas minhas roupas, nos azulejos, mas ele parecia mais prudente quanto a isso. Não parecia querer ser incriminado e certamente não seria.

            — Isso. — Disse ele, me chutando. E a cada palavra, um novo golpe. — É. Por. Larry.

            Arfei quando ele parou, com o gosto de sangue invadindo minha boca. Já não enxergava mais e apenas conseguia ouvi-lo. Ele parecia com raiva, com muita raiva. E então escutei um som diferente, um som de metal.

            De repente, algo líquido e quente me atingiu no rosto, fazendo meus machucados arderem. Meu nariz, ainda doendo epicamente, ardeu quando captei o cheiro de urina.

            — E agora? — Perguntou ele, com desprezo, arfando. — Quem é você?

            O líquido parou. Ouvi novamente o som de metal contra metal – o que, concluí, era o barulho dele retirando as calças.

            Tentei gritar, tentei pedir ajuda, mas minhas palavras não saíam, simplesmente não saíam. Também tentei chorar, mas meus olhos não colaboraram. Ouvi o som da porta se abrindo e, momentos depois, o som de William trancando-a por fora.



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