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História Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Salvando alguém


Escrita por: GSilva

Capítulo 17 - Salvando alguém


SALVANDO ALGUÉM

 

            No topo da pequena escadaria que levava à secretaria havia um garoto. Usava a calça azul do colégio e um moletom bordô. Os cabelos desgrenhados caindo sobre os olhos verdes. Por um momento, um ínfimo momento, eu estabeleci uma conexão com ele, olhando-o, enquanto ele me encarava de volta.

 

            Tentei ao máximo esquecer as aulas, a depressão de minha mãe, a quase ausência completa de meu pai, a ignorância de meu irmão e de meus amigos, e a indiferença de minha irmã. Tentei esquecer até mesmo Andrew. Mas eu sabia que esquecê-lo não seria fácil.

 

            — Greg, está me ouvindo?

 

            Meus pais não sabiam que eu era gay, e, se soubessem, a reação deles não seria nada agradável. Escondi todos meus problemas atrás de uma parede. Sorri.

 

            — Ele vai ficar bem?

 

            A pressão por viver em um lugar onde seus próprios pais não te aceitavam por você ser gay. E eu gritei. Gritei tão alto que cheguei a machucar minhas cordas vocais: “O problema é que eu estou apaixonado por um garoto que vai embora”.

 

Ele estava sorrindo. Sorrindo. Droga, ele estava sorrindo. Como ele podia ser tão lindo? Mas aquele não foi um sorriso normal, foi o sorriso mais lindo que ele já deu, mais do que qualquer outro. E eu entristeci por saber que não era o motivo.

 

— Droga, a culpa é toda minha.

 

Supus que tinha de ser assim: o jogo também tinha mudado, não se tratava mais de como magoar alguém, mas sim de como perdoar alguém. Será que ele poderia ter me perdoado, verdadeiramente?

 

Eu me tornaria uma fumaça que se extinguiria com o tempo, dissolvendo-se no ar até desaparecer completamente. Mas será que Andrew sentia minha falta? Provavelmente não. Com certeza não.

 

— Eles conseguiram parar o sangramento, mas não podem garantir nada.

 

Não me permiti chorar. Não. Nunca mais choraria por algo assim de novo. Essa foi a promessa que fiz quando rasguei a carta de Andrew, e essa sempre será minha promessa.

 

A voz de Larry era inconfundível, provavelmente a voz mais grave que eu já havia escutado. Eu conseguia ouvi-lo através das palavras da professora, conversando com Pierre. Os dois sorriam a cada frase e eu tive uma vontade súbita de me levantar e ir até ele, abraçá-lo. Segurei-me.

 

— Ele não responde.

 

Não estava suficientemente apaixonado por Larry, mas também não posso negar que não queria ficar com ele. É claro que eu queria; quase qualquer um na minha situação iria gostar disso.

 

“Quer que eu diga que sinto muito? Sim, eu sinto. Quer que eu fale o quanto esperei por uma coisa que nunca aconteceu, mesmo sabendo que poderia acontecer? Andrew, eu estive lá, esperando por você, por nós, durante incontáveis dias e você apenas decidiu me ignorar, mesmo sabendo o que eu sentia por você”.

 

            — Greg, por favor, se você ainda está aí, responda. Por favor. Eu sei que não deveria ter me afastado de você, não deveria ter ido tão longe. Me desculpe, me perdoe por tudo. Eu te amo. Não como você me ama, mas ainda assim... Não quero que algo aconteça a você. Você é meu melhor amigo, agora que William mostrou quem verdadeiramente é. Por favor, me escute. Volte para mim.

 

***

 

            Ninguém nunca havia me preparado para acordar de um coma. É impossível. Ninguém pode se preparar para isso. Ninguém pode prever que entrará em coma. E eu nem sequer tinha consciência de que havia desmaiado.

            Quando abri os olhos, vi que Larry estava ajoelhado ao meu lado. O primeiro segundo após retomar minha visão foi o pior. Estava tudo muito claro, ou muito escuro, muito barulhento ou muito quieto. Eu estava sentindo uma dor terrível no torso e alertadamente não sentia minhas pernas e não conseguia mover meus braços. Meu tato foi se acostumando com a nova cena. Senti o peso do lençol sobre meu corpo, a textura do travesseiro na minha nuca, meus fios de cabelo nas têmporas. E então realmente vi onde estava. Nunca cama de hospital.

            Ele estava ajoelhado ao meu lado, segurando a minha mão. Larry estava com a cabeça abaixada, mas presumi que estava chorando simplesmente pela entonação da voz. E ele estava. Senti, com uma grande pontada de dó, que suas lágrimas estavam escorrendo por minha mão. E, quando ele levantou a cabeça, seus olhos estavam vermelhos. Ele me viu olhando-o e sorriu.

            — Greg! — Exclamou ele, esperançoso. Eu franzi as sobrancelhas.

            Vi seus olhos castanho-escuros, seu cabelo da mesma cor, emaranhado, seu porte forte e atlético. Ele sorriu quando me viu, então, presumi que eu fosse importante para ele. Estranho.

            — Greg? — Eu ecoei. — Sim, eu sou Greg.

            Ele riu desta vez, claramente muito feliz por me ver respondendo.

            — Finalmente, você acordou. — Ele disse, levantando-se e largando a minha mão. Não consegui me afastar quando ele se inclinou sobre mim, se aproximando e beijou o meu rosto. Senti o calor dele.

            Fiquei olhando-o enquanto ele se afastava, voltando a seu assento ao lado da minha cama. Percebi cada movimento seu, do modo como se sentou, apoiando-se nos braços da cadeira, ao sorrisinho no canto da boca. Ele se aconchegou na cadeira, trazendo-a para mais perto da cama com os pés, e olhou para mim. Havia um brilho em seus olhos.

            — Larry... — Eu murmurei, cansativamente. — Aquilo que você disse...

            — Esqueça, está bem? — Ele interrompeu.

            — É verdade? — Perguntei.

            Ele ficou por um tempo olhando para mim, com seus olhos felizes brincando por meu rosto. E então se levantou novamente. Não sei por que, mas pensei que ele sairia da sala, mas, graças a Deus, não saiu. Larry se aproximou, só que desta vez sem o sorrisinho no rosto ou seu jeito brincalhão. Ele passou a mão pela borda da cama, sentando-se ao meu lado. Estávamos próximos novamente.

            Larry se inclinou sobre mim, sem retirar os olhos do meu rosto, e colocou a mão sobre meu torso, cuidadosamente.

            — Escute Greg... — Ele começou. — Eu sei que esses últimos dias foram terríveis para você, sei que deve estar confuso e tudo o mais, porém...

            — Responda à pergunta, Lucas. — Interrompi bruscamente, com a voz grossa. Ele parou de falar e abaixou a visão. — Responda, porque não sei se poderei aguentar. Não poderei aguentar outra reviravolta, não poderei aguentar outra desilusão, assim como aconteceu com Andrew. Responda. Você me ama?

            Ele bateu gentilmente a mão sobre meu abdômen, e sorriu. Ele, incrivelmente, ainda conseguia sorrir mesmo sendo colocado contra um paredão.

            — É claro que sim, você sabe disso. — Respondeu sorrindo. — Mas, Greg, eu não... Não te amo da mesma maneira...

            — Não me ama da mesma maneira que eu te amo? — Interrompi novamente. Ele assentiu, desviando o olhar.

            — Me desculpe se eu te magoei, mas você pediu a verdade. — Ele respondeu. — Eu tive que falar.

            — Entendo. — Respondi.

            Ele olhou para mim outra vez. Foi o olhar mais estranho que já tinha me dado, não porque a intenção em si era errônea, mas por causa do clima que havia se formado entre nós. Eu tive consciência de cada som ao meu redor, cada imagem, e podia jurar que estava escutando as batidas do meu próprio coração. Ele se inclinou para frente, com a boca ligeiramente aberta, e então se afastou novamente.

            — Me desculpe, Greg, mas eu não posso. — Disse ele, olhando para o outro lado consternadamente. Queria levantar e abraçá-lo imediatamente, mas ainda sentia dores em meu torso. O estrago que William tinha causado realmente havia sido grave.

            Larry fez menção em se levantar, virando-se para o outro lado, mas eu fui mais rápido. Antes que ele pudesse retirar a mão do meu torso, eu toquei seu antebraço gentilmente.

            — Ei, Lucas...

            — O quê? — Ele perguntou, olhando para mim novamente. Havia dor em seus olhos.

            — Eu agradeço por ter vindo. — Respondi. — Se você não tivesse me achado, eu poderia estar morto...

            — Shhh, não fale isso. — Ele interrompeu, franzindo as sobrancelhas.

            — Aliás, você tem que me contar como me achou.

            Ele olhou pensativamente para mim, semicerrando os olhos.

            — Quem sabe outra hora? — Perguntou. — Vou avisar aos outros que você acordou.

            O que ele disse foi mais uma pergunta, como se estivesse perguntando se estava tudo bem em receber outras visitas, então assenti lentamente e sorri.

            — Claro. — Respondi, respirando fundo e esperando para um verdadeiro interrogatório.

 

            — E o que ele disse depois? — Aqua perguntou, com olhos perspicazes.

            As três garotas – Aqua, Alicia e Alison – se juntaram ao meu lado, todas sentadas na cama ao meu redor. Eu sorria quando elas perguntavam se eu estava realmente bem e assentia levemente – e, convenhamos, essa era a pergunta mais feita por elas.

            — Aqua, eu já respondi isso. É a décima vez que repito a história. — Rebati sorrindo. Ela bateu a mão na cama rapidamente.

            — Eu sei, só estou revisando. — Respondeu orgulhosa.

            — Está bem. Ele disse que ia dar um jeito em mim. — Respondi.

            — William é um babaca. Aposto que foi expulso do colégio. — Alison respondeu. — Deveríamos ter percebido que alguma coisa estava errada.

            — É, deveríamos. — Alicia e Aqua responderam em coro.

            — Ei, não tinham como saber, ok? — Interrompi. — A culpa não é de vocês. E eu estou bem. Não há motivo para ficarem tristes.

            — Talvez não. — Uma voz diferente, masculina, disse.

            Aqua, Alicia e Alison se viraram para trás e aproveitei para franzir as sobrancelhas e estreitar os olhos para a porta. Ela estava aberta e Andrew havia entrado. As garotas olharam para mim, e foi estranho porque tudo aconteceu tão rápido e tão mecanicamente. Elas se levantaram, uma de cada vez, olharam para mim sorrindo, e se dirigiram à porta, contornando o garoto parado na entrada.

            Eu olhei para ele quando ficamos a sós.

            Andrew parecia diferente. Não sei como, mas alguma coisa nele mudou desde a última vez que nos vimos (o que, concluí, tinha acontecido há poucas horas). Parecia mais... Receptivo, mais disposto a ajudar. Talvez tenha sido por causa do que William fez, ou por causa de outra coisa. Olhei de seus olhos até seus pés, e percebi que ele trazia uma caixa grande em uma das mãos, embora não parecesse ser pesada porque ele carregava com apenas uma mão.

            — Andrew. — Eu disse.

            Ele piscou gentilmente e se aproximou, cada passo dado muito lentamente. Parecia estar avaliando minha reação, como se não tivesse certeza de que eu estava gostando de sua presença.

            — Eu trouxe algo para você. — Disse ele, chegando ao meu lado e sentando-se na cama. Seu olhar estava repleto de esperança, uma espécie de esperança que eu apenas tinha visto quando ainda Alexia não nos conhecia.

            — O que é? — Perguntei. Ele deu de ombros.

            — Não sei. É de Alexia, ela que mandou. Só... — Respondeu ele, hesitando. — Só não abra agora. Ordens dela.

            Agarrei o pacote que ele tinha deixado ao meu lado, e, de fato, não era pesado. Parecia ter umas 500g apenas. Chacoalhei levemente e ouvi o barulho de papel.

            — Deve ter uma carta. — Comentei. Ele riu e olhou da caixa para mim.

            — O mundo dá voltas, realmente. — Respondeu. — Quando acharia que receberia um presente e uma carta da Alexia?

            Sorri.

            — Nunca.

            Ele sorriu de volta.

            Ficamos naquele espaço de tempo curto entre silêncios e olhares, como quando a gente se encontrava logo após o início do primeiro namoro dele com a Alexia. Era desconfortável e me dava vontade de gritar.

            — Então... — Disse ele. — Como está se sentindo?

            — Bem, eu acho. Acabei de acordar, então... Não tenho muita certeza. — Respondi. — Eu preciso pensar.

            — É claro. — Ele respondeu gentilmente. — Só queria saber se você estava bem.

            — Estou, graças a Larry. — Respondi. — Se não fosse por ele...

            Interrompi-me quando o olhar no rosto de Andrew mudou. Ele me olhava subjetivamente, como se esperasse o final da frase, o final da sentença. O que ele esperava que eu fosse dizer? Algo romântico em relação a Larry? Talvez fosse a segunda opção, porque ele estreitou os olhos e disse:

             — Greg, posso fazer uma pergunta?

            Assenti.

            — Qual é o lance entre vocês dois? — Ele perguntou. — Quero dizer, eu sei que você estava na dele e sei que eram, são amigos, mas... O que realmente está acontecendo?

            Estreitei os olhos, fitando o rosto dele.

            — Espere. Estou sentindo o cheiro de ciúmes...

            — O quê?! Não! — Ele interrompeu. — Eu não estou com ciúmes. Só queria sabe se ele é seguro pra você. Sabe, foi o amigo dele quem fez isso.

            Andrew apontou para meu corpo, olhando meus machucados na face. Mas, ao contrário dos outros (com exceção à Larry), ele não pareceu nauseado.

            — Ok. — Respondi. — Tudo bem, então.

            Pigarreei, procurando pelas palavras certas. Nunca tinha parado pra pensar nisso, na verdade. Nunca tinha pensado em como tinham sido meus sentimos sobre Larry. Claro, eu gostava dele, realmente gostava, mas nunca tinha admitido para ninguém; nem para mim mesmo.

            — Eu e Larry temos um relacionamento complicado. — Respondi. — Nossa primeira interação foi no meu primeiro dia de volta aqui. Ele me encontrou no corredor. Quando vi que estávamos na mesma sala, perguntei para as garotas quem era ele, e elas responderam que Larry era um transferido. Após isso, comecei a prestar mais atenção nele. Até o dia do Correio Elegante.

            — Correio? Aquele da Semana Técnica? — Andrew interrompeu curioso.

            — Sim. — Respondi. — Eu não tinha ideia do que aquilo podia causar, mas mesmo assim escrevi para ele. Coloquei o meu número de telefone (retirei minha foto do aplicativo) e esperei. Não demorou muito pra ele vir falar comigo, com o bilhete em mãos. Mas não era para isso que você está pensando. Ele só queria descobrir quem tinha escrito, e achava que eu podia ajudar.

            — Então você tinha que ajudá-lo a te achar? — Andrew perguntou. Eu assenti, fazendo-o estreitar os olhos. — Estranho.

            — Pois é. Demorou um mês para que ele descobrisse. Ao longo desse tempo, me passei por outra pessoa através do telefone e o fiz acreditar que realmente estava falando com alguém diferente. Contei tudo para ele no dia festa.

            Andrew arregalou os olhos e apertou o lençol sob suas mãos. Ele arfou surpreso, e deixou a pergunta escapar:

            — Depois... Depois de... Você sabe.

            — Sim, depois daquilo. — Respondi. — Ele foi embora e não falou mais comigo até hoje, quando acordei.

            — E como ele te achou, se estava com tanta raiva de você?

            — Eu mandei mensagens. Disse que estava correndo perigo. Consegui mandá-las antes de William me alcançar. — Respondi novamente.

            — Ainda bem. — Ele respondeu. E eu respondi:

            — Ainda bem.

            Ficamos naquele silêncio novamente. Ele olhava para mim com alegria escondida sob o olhar. Senti o que ele queria dizer: algo como “que bem que você está bem”, mas, aparentemente, ele não queria falar isso em voz alta. Apenas sorria e olhava para mim. E então se levantou rapidamente, limpando as mãos na calça.

            — Bom... — Disse ele. — Não sei se te falaram, mas você vai recebem alta em breve.

            Eu arqueei as sobrancelhas.

            — Não, não me falaram.

            Ele se aproximou lentamente de mim, colocando uma de suas mãos sobre minha têmpora direita. Seus dedos traçaram, gentilmente, o contorno do meu rosto e ele abaixou a mão, sorrindo. Disse:

            — Então se prepare. Você vai voltar para casa.

 

***

 

            Foram Ryan e Monique que me receberam em casa. Meus pais, após discutirem comigo sobre o motivo do espancamento e afins, ficaram no hospital, arrumando a burocracia dos pagamentos. Os pais de Aqua me levaram para casa, duas pessoas muito gentis, mas com certeza não passei uma boa impressão, porque fiquei durante todo o trajeto em silêncio. Não estava com vontade de conversar. Eles me deixaram em casa, onde minha irmã e meu irmão me receberam com beijos e abraços. Monique foi a primeira a perguntar sobre a agressão e Ryan ficou para trás nas perguntas, mas os dois queriam saber qual era o presente que eu tinha recebido de Alexia.

            — Eu não sei. Andrew levou para mim e disse para abri-lo mais tarde. — Respondi.

            No final, eles me abraçaram e perguntaram se eu estava bem de novo, assenti, deixando-os voltarem para seus respectivos assuntos. Assim, ainda cambaleando e sentindo leves dores no abdômen, fui para meu quarto. Ryan também tinha ido para lá e estava esparramado em uma das camas, com a cabeça apoiada em cima dos braços. Não falei com ele. Fui até a minha cama, sentando-me em cima dela, e finalmente decidi que era hora de abrir o maldito pacote.

            Quando mexi no presente, Ryan levantou a cabeça e olhou para mim, curioso. Eu desviei o olhar e voltei toda minha atenção para o quer que fosse aquilo. O pacote de presentes que revestia a caixa era bonitinho, uma estampa de ursinhos que aparentemente precisavam de abraços. Rasguei sem piedade. Não era justo ela querer ser fofa comigo quando já tinha arruinado a minha vida. A caixa interior era diferente, feita de papelão preto e com duplas camadas grossas. Quando Ryan viu aquilo, finalmente se levantou e foi até a minha cama.

            — Meu Deus, eu estou curioso. — Ele disse, sentando-se ao meu lado. Eu olhei para ele com um sorrisinho.

            — É, eu percebi. — Respondi.

            — O que tem aí? É pesado?

            — Espere. Eu ainda nem abri. — Respondi rapidamente, franzindo as sobrancelhas.

            Como já tinha constatado, o pacote não era pesado, mal parecia pesar 500 gramas. Chacoalhei o presente novamente, para que Ryan ouvisse o barulho de papel que ecoava dentro da caixa.

            — Papel? — Perguntou ele.

            Eu não respondi. Estava suficientemente curioso para não ter vontade de responder. Eu só queria abrir aquela caixa e acabar com o mistério duma vez. E foi isso que fiz.

            Ao abrir a tampa da caixa, a primeira coisa que vi foi uma folha branca. Uma folha indescritivelmente branca, com letras sobre sua superfície. Pisquei algumas vezes para enxergar melhor e vi que não se tratava de uma folha branca, mas sim de um monte de folhas grampeadas. Olhei as letras sobre a superfície da primeira página e franzi o cenho.

            — Como Magoar Alguém? — Ryan ecoou, olhando o papel. — Isso não faz sentido. O que a sua história está fazendo aí?

            Novamente, não respondi. Deixando a caixa cair no chão, peguei o monte de folhas, passando minhas mãos por sua textura. Precisava ver se aquilo era real, se realmente tratava-se de Como Magoar Alguém. Virei a primeira página e já encontrei o início do primeiro capítulo.

            Caminhei até a frente do portão de entrada ao Colégio Vargas. Meu irmão não parava de tagarelar sobre jogos ou qualquer coisa parecida ao meu lado. Apenas o ignorei.”

            Passei por mais páginas, olhando o conteúdo com olhos ligeiros e perspicazes. Reconheci alguns trechos, obviamente, e, ao chegar ao final do documento, percebi que realmente se tratava de CMA. O problema na verdade não foi ter recebido uma cópia de Como Magoar Alguém; o problema era que Alexia sabia.

            — Greg, olhe. — Disse Ryan, abaixando-se onde eu tinha deixado a caixa cair. Ele vasculhou entre os papéis de presente e quando levantou a mão, estava segurando um bilhete. Retirei o papelzinho de sua mão imediatamente, sem o deixar ler.

            — O que é isso? — Perguntei, mais para mim mesmo do que para qualquer outra pessoa. Desdobrei cuidadosamente o papelzinho e li.

            “Tenho muitas outras cópias, Greg, você deveria ser mais cuidadoso. Pergunte à sua mãe. Se não quer que isso caia em mãos erradas, se não quer que todos descubram sobre suas perversidades, vá embora. Você tem dois dias”

            — O que... O que está escrito? — Meu irmão perguntou, preocupado. Ele deve ter visto minha respiração aumentar de frequência e minhas têmporas começarem a suar, porque realmente parecia querer ajudar.

            — Alexia. — Respondi, deixando o monte de folhas caírem no chão com um estrondo.

            Sem esperar que ele perguntasse mais alguma coisa, levantei-me e saí do quarto. Precisava esclarecer algumas coisas.

 

***

 

            Foi a primeira vez que retornei para o parque depois da agressão de William. Antes de sair agarrei meu aparelho celular e digitei, com a máxima convicção que eu poderia passar através de mensagens escritas, várias frases para Larry. Pedi para que ele fosse me encontrar.

            Fiquei esperando por uma hora, mais ou menos, até vê-lo se aproximar lentamente. Ele estava usando uma calça jeans preta, uma jaqueta de couro sobre uma camisa branca. Seu cabelo, penteado para trás, mas que, obviamente, se rebelou e começou a cair em fios negros sobre as têmporas. Ele parecia deslocado, como sempre pareceu. E percebi tudo isso antes que ele me visse.

            Quando ele chegou ao meu lado, eu estava olhando o lago do nosso ponto de encontro. A água estava calma e parecia receptiva, mas era exclusivamente proibido nadar naquele lugar. Ele não disse “oi” quando parou ao meu lado.

            — O que houve? — Foi o que ele disse.

            Virei-me, unindo o pouco de coragem que tinha para olhá-lo novamente. Estava tudo bem em sentir medo dos nossos futuros encontros, e isso significava que nunca mais seríamos os mesmos. Ele nunca mais se aproximaria de mim como se aproximou há praticamente um mês, nunca mais falaria coisas românticas, nunca mais ressaltaria como eu era diferente dos outros. Eu sabia que corria esse risco, o risco de ter de me afastar da intimidade dele, quando achei melhor enganá-lo, mas ignorei o aviso. Arrependi-me.

            — Alexia. — Respondi, como se isso esclarecesse a dúvida dele. Obviamente não esclareceu.

            — O tem ela? Soube que você recebeu um presente dela. Andrew me disse. — Ele respondeu.

            — É exatamente sobre isso. — Respondi. — O maldito presente.

            — Nossa, foi tão ruim assim?

            — Foi. Porque não era um presente. Era uma ameaça.

            Ele parou de sorrir minunciosamente, olhando-me com seus olhos mais sérios do que nunca. Quando ele estreitava os olhos, seus cílios pareciam escurecê-los.

            — Uma ameaça? — Ele perguntou.

            — Sim. — Respondi. — Ela tem essa mania de me ameaçar. Já aconteceu uma vez. Acho que já te falei sobre isso.

            — Sim, falou. Alguma coisa sobre magoar antes de ser magoado e tal. — Ele interrompeu. — Mas e desta vez, o que ela disse?

            Eu fiquei em silêncio novamente, virei-me o olhei o lago. A lembrança de outros dias voltou à minha mente, sobre o dia que o Colégio Vargas inteiro soube o que eu tinha feito contra Alexia.

            — Lembra-se daquele dia que alguns trechos da minha história pessoal foram jogados no pátio do colégio? — Perguntei.

            — Sim. — Ele respondeu.

            — Então... Foi ela.

            Ele recuou, olhando-me consternadamente, com os olhos singelamente arregalados e a boca um pouco aberta. Suas sobrancelhas formavam um V.

            — O quê?!

            — Não tenho certeza se foi mesmo ela que fez aquilo naquele dia. Mas... Mas o presente que eu recebi na verdade era uma cópia da história, e havia um bilhete onde ela ameaçava tornar aquela história pública.

            Larry pareceu perturbado, mais perturbado do que achei que ele poderia ficar, e então se aproximou novamente. Mas não foi como naquele dia no mesmo parque, quando eu podia sentir sua respiração ou sua estática de tão próximo que seu corpo estava. Foi diferente.

            — Isso é horrível. — Disse ele após uma longa pausa. — Tem certeza que o presente veio dela?

            — Acho que sim. Eu conheço a letra de Andrew e com certeza não foi ele que escreveu aquilo. Fora que apenas minha família sabia da história. — Eu respondi. — E é aí que eu preciso da sua ajuda. Se você quiser, é claro.

            — Para quê? — Ele respondeu rapidamente, como se estivesse com medo de me desapontar.

            — Preciso que você interrogue a minha mãe. — Respondi. — Você nunca a conheceu, mas eu posso levá-lo até a minha casa. Diga que é meu amigo e que precisa saber se alguém recebeu uma cópia de CMA. Se ela responder de já deu a cópia para alguém, então...

            — CMA? — Ele interrompeu.

            — Como Magoar Alguém. É o nome da história. — Respondi rapidamente. — A única coisa que você precisa fazer é ir lá, agora, e perguntá-la.

            — Mas por que você não faz isso? Ela é sua mãe, confia em você.

            — É aí que se engana Larry. — Respondi, com um sorrisinho triste. Ele olhou para meus olhos e imediatamente ficamos naquele momento entre olhares recíprocos que poucas pessoas conseguem atingir.

            Finalmente, ele disse:

            — Ok, eu faço. Eu faço isso por você.

 

            Fiquei esperando o retorno de Larry, sentado na grama. Consegui explicar para ele onde eu morava, onde minha mãe estaria esperando, e ele simplesmente foi. Primeiramente, achei que ele ia recusar, mas não. Ele aceitou. Não consegui afastar a frase que ele disse. Eu faço isso por você. Ele mencionou sua concordância com tanto carinho, uma espécie de pena, talvez.

            Permaneci no parque por uma hora, esperando seu retorno, até que ele voltou, andando lentamente como sempre.

            — E então? — Eu perguntei, não conseguindo guardar a ansiedade.

            — Você não vai gostar. — Ele respondeu, sentando-se ao meu lado. Ele bufou, exasperado, e passou as mãos pelos cabelos negros. Queria abraçá-lo naquele momento, como sempre quis quando estava ao seu lado.

            — Larry, fale logo. Foi ela ou não? — Perguntei, impaciente. Ele olhou para mim, com um ar sério.

            — Foi. — Respondeu. — Ela disse que uma garota apareceu na casa e falou que você pediu a cópia de CMA. Sua mãe disse que a menina era loira, com olhos verdes.

            — Alexia. — Respondi, deixando-me cair ao chão. Minha cabeça tocou a grama e eu passei a fitar o céu. Larry fez o mesmo.

            — E agora? — Larry disse. — O que vai acontecer?

            — Bom, Alexia disse que se eu não fosse embora, ela iria divulgar essa história para todo mundo. — Respondi, arqueando as sobrancelhas.

            — E... Você não vai embora, vai? — Larry respondeu, se virando de lado para poder me olhar. Eu retirei os olhos do céu cinzento e mirei seu rosto. Ele parecia realmente preocupado.

            — Claro que não. — Respondi. — Eu vou dar o troco.

 

***

 

            Meu colégio inteiro esperava por meu retorno. Eu já esperava, sendo que Alexia tinha retirado minha máscara e todos passaram a olhar para mim como se eu fosse um monstro. Os olhares deles ainda me perfuraram quando cruzei o pátio e praticamente corri para a sala de aula.

            Em contraste com tudo o que eu imaginava saber sobre o horário de chegada das meninas à sala, elas não estavam lá, nem mesmo suas mochilas, o que me fez concluir que não tinham ido ao banheiro. Segurei minha mochila, deixando suas alças caírem, e caminhei até meu lugar. Felizmente, a sala estava inteiramente vazia – agradeci a Deus por isso. Mas, lentamente, um por um dos alunos foram entrando, e eles olhavam para mim como se eu estivesse com uma doença generativa. Não era nada demais. Eu só tinha sido agredido fisicamente por um dos garotos da sala.

            A sala estava quase cheia quando Aqua, Alison e Alicia entraram juntas, pela porta. Elas estavam sorrindo como criancinhas.

            — Greg. — Disse Aqua, vindo de encontro a mim.

            — Aqua. — Ecoei.

            — Como está se sentindo? — Alicia perguntou.

            — Bem, eu acho. Indisposto, mas bem. — Respondi.

            Elas olharam para trás em conjunto, como se esperassem por algo, cortando completamente nosso clima de reencontro. Quando voltaram os olhos para mim, estavam singelamente sorridentes.

            — Tá, ok, o que foi? — Perguntei. — O que fizeram dessa vez?

            Alison pareceu não conseguir se aguentar de ansiedade e respondeu apressadamente, numa voz tão baixa que mal pude ouvi-la:

            — Larry veio falar com a gente. Disse que Alexia te provocou. Ele não quis falar muito, mas quer que nós o ajudemos.

            Eu olhei em seus olhos. Ela estava entusiasmada, dá para acreditar nisso? Entusiasmada com a ideia de destruir (novamente) a vida de Alexia. Não posso negar, eu também estava, mas simplesmente não podia estragar tudo de novo. Da última vez que quis magoar a Alexia, Andrew foi o verdadeiro atingido.

            — O quê? O que somos agora, um grupo de vingança? — Perguntei. — Não. Não. Larry não devia ter falado.

            — Greg, está tudo bem. Queremos ajudar. — Aqua respondeu, calmamente.

            — Mas não podem. Não vou colocar vocês em outro escândalo. — Respondi. — Dessa vez, vou fazer tudo sozinho.

 

***

 

            — Qual é dessa história de que você está formando um grupinho contra a Alexia?

            Interceptei Larry enquanto saíamos daquele dia de aula. Estava uma bagunça ao redor, pessoas passando de ambos os lados, conversas, gritos e risadas mais altas do que o necessário. Olhei seriamente para Larry, parando em sua frente, impedindo-o de sair da massa de 500 estudantes que deixavam aquele pavilhão no momento. Ele sorriu, contrastando todos os meus desejos.

            — O quê? — Ele perguntou.

            — Você sabe do que estou falando. — Rebati. — Aqua disse que você foi conversar com minhas amigas e que pediu ajuda para se vingar por mim!

            — Ah, eu devia ter imaginado que elas abririam a boca. — Ele praguejou, não parecendo estar de mau-humor. — Só se acalme, está bem? Não é o que você pensa. Eu não vou assassiná-la.

            — Eu não disse isso. — Respondi. Ele tentou passar por mim novamente, mas eu o barrei, segurando seu antebraço. Mal consegui segurar seus músculos grossos com minha mão. — Larry, o que você vai fazer?

            — Nada, Greg. Eu só estava revoltado com a Alexia, não vou fazer nada.

            — Isso não soou convincente.

            — Ok, então. Eu juro.

            Estreitei os olhos para ele, tentando descobrir se ele estava me enganando. Eu não o conhecia muito bem, mas, ainda assim, conhecia-o mais do que maioria. E então me lembrei de que eu estava sendo o desconhecido ali, eu estava fazendo as coisas erradas. Ele não era daquele jeito, não era vingativo. Pelo menos era nisso que eu acreditava.

            — Tudo bem, assim está bem melhor. — Respondi.

            — Agora... — Disse ele, retirando seu antebraço de meu aperto. — Posso ir? Eu comecei a trabalhar de estagiário no mês passado e não gostaria de me atrasar.

            Eu assenti, deixando-o livre. Vi-o se afastar rapidamente pela multidão, com a mochila presa nas costas. Ele não sabia no que estava se metendo, não sabia que Alexia não era apenas uma garota da qual você poderia zombar e ela simplesmente o deixaria ir. Ela era vingativa. E não tão boa mentirosa quanto ele.

 

            O dia seguinte no colégio foi carregado de ansiedade. Larry não tinha chegado no horário, tinha se atrasado por uma hora ou duas, o que me deixou nervoso. Não pude deixar de me perguntar o que ele estava fazendo fora daquela sala, mas simplesmente não podia perguntar a ele. Foi quando decidi deixá-lo em paz. Eu já tinha me metido com Alexia o suficiente para saber que não deveria mais mexer com ela, e, obviamente, segundo ela, eu deveria me mudar em um dia – caso contrário, CMA seria divulgada. Mas isso não estava nos meus planos: eu realmente não queria sofrer as consequências, mas também não pretendia me mudar; ia apenas passar uns três dias fora e voltar com uma afronta contra Alexia. Esse era meu plano. Larry era (sempre foi) muito mais prático do que eu, preferia agir ao invés de planejar. Por isso tinha falado e feito coisas tão estúpidas quando abri o jogo para ele. Não foi como se pudesse manter o controle; e sobre a vingança contra Alexia não seria diferente. Porém, realmente quis deixá-lo aprender com as próprias atitudes, todavia, não queria que Alexia tocasse um dedo nele, por isso deixei os olhos bem abertos.

            — Você sabe que a prova final é amanhã. — Disse Alison, me acordando do devaneio, fazendo-me retirar os olhos de Larry por um momento.

            — Sim, eu sei, mas realmente preciso ir ver meu namorado. Ele está viajando há mais de um mês! — Alicia respondeu, consternada. — Não são emitidas justificativas de ausência para viagens?

            — Claro que não. Você vai viajar por que quis, e não por que precisou. — Aqua rebateu, com sua voz fina falando alto demais (como sempre). — O que você acha Greg?

            — Eu? — Perguntei, espantado, virando-me para ela. Eu realmente não tinha prestado atenção na conversa.

            — Terra chamando Greg. — Alison respondeu, com uma vozinha fina. — Tem alguém aí?

            Eu sorri desdenhosamente para ela.

            — Engraçadinha.

            — O que foi? — Alicia perguntou, preocupada.

            Estavam as três olhando para mim, com seus olhos cheios de preocupação. Eu já estava cansado da piedade delas e realmente me segurei para não ter um ataque de nervos. Nosso semicírculo estava quase fechado, então achei que poderia falar a verdade, se sussurrasse. Ninguém parecia prestar atenção na gente e o professor estava passando alguma matéria chata no quadro.

            — Nada. É só que... Esse negócio do Lucas está me matando. — Respondi. Aqua elevou a voz.

            — Lucas? Quem é Lucas?

            — Lucas? Eu disse Lucas? Queria dizer Larry... ops. — Olhei de soslaio para o lado, com medo que ele tivesse escutado. Mas, felizmente, todos ainda nos tratavam com indiferença.

            — O que ele fez desta vez? — Alison perguntou.

            — Nada. — Respondi. — É esse problema. O Larry que eu conhecia faria alguma coisa, qualquer coisa. Ele ainda não fez nada, e isso me assusta.

            — Acha que ele está guardando alguma coisa pro futuro?

            — Acho que sim. Tipo, ele parecia tão motivado a vingar o que aconteceu comigo, e, mesmo assim, desistiu muito rapidamente quando pedi para que ele se afastasse de Alexia.

            — Estranho. — Aqua respondeu. — Muito estranho.

            — Sim, muito estranho. — Alison respondeu em seu modo misterioso. — Mas você não perguntou para ele? Quero dizer, não tentou descobrir o que ele vai fazer?

            — Claro que já, mas ele parece inclinado a não querer me contar. — Respondi, fazendo-as franzirem as sobrancelhas.

            — Não sei, Greg. Essa história está mal contada. — Aqua respondeu, voltando para sua cadeira. Eu respirei fundo e olhei para o lado, ignorando o olhar de Andrew que certamente estava sobre mim. Foquei na aula.

 

            Pouco antes da saída para o intervalo, percebi que algo estava diferente. Geralmente, Larry partia com seus amigos, todo sorrisos e brincadeiras, imediatamente após o sinal tocar; mas, naquela vez, vi que ele ficou parado em sua cadeira. Todos seus amigos, o grupinho de transferidos, saíram para fazerem o que faziam, mas ele permaneceu sentado. Quando olhei para o lado, vi que uma garota estava indo de encontro a ele. Iliana.

            — Greg, você vem ou não? — Aqua perguntou, estendendo a mão para mim. Eu olhei para ela e depois dirigi o olhar para Iliana e Larry. Percebi que algo estava acontecendo.

            — Está tudo bem? — Perguntou Alison, olhando para o mesmo lado que meus olhos se dirigiam. Sorri e virei-me para ela antes que as duas vissem o que eu vi.

            — Claro. — Respondi. — Por que não estaria?

            Segurei na mão de Aqua e nós três saímos para o intervalo.

            Aquilo foi uma das coisas estranhas. Larry estava agindo de uma forma diferente, de uma forma furtiva, e eu não sabia como lidar com um Larry furtivo cheio de segredos e coisas do tipo. Não sabia nem mesmo como lidar com o Larry original, pois, da primeira vez que realmente falei sobre meus sentimentos para ele, ele se afastou drasticamente. É claro que aquele momento foi extremo, uma exceção, mas, da mesma forma... Simplesmente não sabia se conseguia aguentá-lo esconder coisas de mim. Sempre fomos muito abertos um com o outro, desde que nos conhecemos, desde quando ele esbarrou em mim no corredor.

            Durante o intervalo, não conseguia tirá-lo da cabeça. Tentei ficar perto de Alexia, mesmo furtivamente, dizendo para as garotas que eu queria ficar andando de lá para cá. Claro, seguir a Alexia também significava que eu tinha de vê-la com Andrew, ambos juntos, andando de mãos dadas, mas eu tinha que ter certeza de que Larry não estava tramando alguma bobagem. Continuei olhando-a de soslaio durante o intervalo. Obviamente, eu não estava zelando pela completa segurança dela (por mim, ela podia simplesmente explodir), mas estava preocupado com as consequências que recairiam sobre Larry caso ele fizesse alguma idiotice.

            Quando retornamos para a sala de aula, Aqua, Alison e Alicia fizeram o imprevisto.

            — Greg, vamos ao banheiro. Espere por nós aqui, ok? — Disse Aqua, com as sobrancelhas arqueadas.

            Eu olhei para os lados como se quisesse dizer “para onde mais eu iria?” e dei de ombros. Não me importava quando elas me deixavam sozinho, se fosse para ir ao banheiro (nunca entendi porque garotas precisam ir em grupinho ao banheiro). E, naquele dia, até achei aquilo um pouco... oportuno, pois, caso Larry entrasse por aquela porta, eu poderia interrogá-lo com mais liberdade. Mas não foi ele que entrou.

            Foi Alexia.

            Minhas lembranças de Alexia sempre se resumiram a uma garota loira, de olhos verdes, com mais ou menos a minha altura, sempre acompanhada com um garoto moreno de olhos verdes. Alexia e Andrew. Andrew e Alexia. Foi assim que formei minha imagem de ambos, não conseguia pensar em um deles separadamente. Mas Alexia entrou pela porta sem companhia. Esperava ver Andrew atrás dela, vindo com seu olhar abaixado e com as mãos cerradas, mas ele não estava lá. Franzi as sobrancelhas. Da última vez que Alexia se encontrou a sós comigo, me ameaçou e deixou bem claro que não me queria por perto. Por que daquela vez seria diferente?

            — Greg. — Disse ela, em tom sério. Para nossa felicitação, a sala ainda estava quase vazia, então ninguém estava realmente olhando nossa conversa.

            — Alexia. — Respondi, cruzando os braços. Encostei-me a uma mesa ao lado, ficando numa posição que considerava ameaçadora. Só Deus sabe como nunca fui muito bom em interpretar papéis.

            — Recebeu o presente? — Perguntou ela, cruzando os braços também. Mas vi em seu olhar que alguma coisa dizia a ela para não perguntar, como se ela estivesse com medo que minha resposta fosse negativa. Não consegui pensar em outra reação.

            — Presente? Qual presente? — Perguntei, franzindo as sobrancelhas.

            — Ah, Andrew... — Disse ela, após uma pausa, entredentes. Dava para ouvir a raiva emanar de sua voz. — Ele não entregou.

            — Ele entregou uma caixa para mim, disse que você tinha mandado. Mas lá não tinha um presente, tinha uma ameaça. — Rebati, deixando meu olhar fixo nos olhos dela. Alexia reagiu como se eu tivesse dito que ela era uma vadia idiota (o que, não posso negar, eu achava que ela era).

            — Fale baixo, ou...

            — É ruim quando ameaçam mostrar quem você é verdadeiramente, não é? — Rebati, estreitando os olhos. Não sei de onde retirei coragem, mas descruzei os braços e me aproximei dela. Nunca tinha percebido o quanto ela era mais baixa do que eu até pairar na frente dela como um monstro.

            — Greg, não ouse...

            — Não ouse o quê? Dar um conselho? — Respondi, interrompendo. Abaixei o tom da voz, quase sussurrando perto dela, ainda deixando os olhos presos nos dela. — Sabe, Alexia, da última vez que ficamos a sós você me deu um precioso conselho, se lembra? “Esse é um jogo”, você disse. “O perdedor sairá magoado. Para vencermos, resta apenas descobrirmos como magoar alguém”. Bom, agora me deixe fazer o mesmo...

            — Cale a boca. — Ela interrompeu. Eu levantei a mão, com o dedo indicador levantado e fiz uma carranca.

            — Não. Ainda não terminei. — Rebati. — Saiba que todos usamos máscaras. Todos nós. Alguns usam máscaras quase transparentes, outros, máscaras intransponíveis. Mas as máscaras foram feitas para serem retiradas. Uma hora, as máscaras de todos cairão.

            — A sua com certeza cairá. — Ela rebateu com os dentes cerrados.

            — Pois a deixe. Não preciso mais dela. Todos com os quais eu meu importo sabem quem verdadeiramente sou. Pergunte para Andrew, ele sabe a verdade; Larry também. — Interrompi. — Vá em frente, Alexia, com seus planos de arruinar a minha vida. Pois, quando eu estiver destruído, você pisará nos meus estilhaços e se cortará. Eu vou me reconstruir e me tornar inquebrável.

            — Você fala como um poeta. — Ela rebateu novamente. — Parece ter uma mente tão romântica, mas nem conseguiu manter Andrew ou Larry preso a você.

            — Não faça joguinhos psicológicos comigo. — Interrompi outra vez. — Vá e faça o que ameaçou fazer.

            Por causa da última frase, ela realmente pareceu estar ofendida e então se afastou. Os lábios dela estavam rijos em uma linha e tive certeza que vi alguns espasmos em seus olhos. Enfim, ela se virou para trás e saiu da sala, com seus passos pesados. Mas, na saída, esbarrou com Andrew. Ele sussurrou as palavras no ar.

            “O que aconteceu?

            Eu dei de ombros, soltando o ar que não tinha percebido que estava prendendo.

 

            Naquele dia, Ryan não tinha ido ao colégio, o que significava que eu tinha que ir sozinho para casa. Não era exatamente ruim, mas também não era exatamente bom, porque, principalmente, as baboseiras que ele sempre ficava falando durante o percurso me distraíam do que acontecia na minha vida pessoal. Então quando o sinal tocou e todos os alunos foram liberados, eu dei um tchau desanimado para minhas amigas e me misturei na multidão que estava andando.

            Tentei procurar por Alexia ou por Andrew, mas não os encontrei no meio do povo. Talvez ela tenha dito que eu a ameacei, fazendo-o virar as costas para mim. Eu não ficaria surpreso, afinal, depois de tudo que fiz. Sorri um pouquinho enquanto cruzava o portão, lembrando-me de como falei com ela na volta do intervalo. Ainda não conseguia imaginar de onde tinha retirado coragem ou inspiração para falar aquilo, apenas disse. As palavras saíram como uma cachoeira, e, a não ser que se construa uma represa, uma cachoeira não pode ser contida.

            — Olha só quem encontrei... — Disse uma voz ao meu lado. Eu dei um pulo de susto e olhei para a direita.

            — Droga, Larry, você me assustou. — Rebati, verdadeiramente irritado. Sempre odiei sustos.

            — Eu só queria dizer que pensei no que você disse. — Ele respondeu.

            — No quê?

            — Em como a vingança para cima de Alexia não ajudaria em nada. Na verdade, não ajudaria em nada para você.

            Eu soltei o ar, respirando levemente.

            — Graças a Deus, Larry. Ainda bem que percebeu que não pode fazer uma besteira. — Respondi. Ele deu de ombros e arqueou as sobrancelhas.

            — Eu disse que não ajudaria em nada para você, mas para mim, sim. — Ele respondeu.

            — Larry, por favor...

            — Não. — Ele interrompeu. — Não vou voltar atrás. É uma questão de honra. Ela mexeu com um amigo meu, e não se mexe com meus amigos.

            Ok, friendzone claramente conquistada.

            — Larry, você ainda vai se meter num grande problema por isso.

            — Eu duvido. Sou muito discreto. — Ele respondeu. — Você nem vai perceber o que fiz, até realmente ver.

            — Eu não acredito. — Respondi, após uma longa pausa. — Não acredito que você vai com isso até o final.

            — É claro que vou. — Ele respondeu, e, antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, partiu no meio da multidão e me deixou cheio de perguntas.

 

***

 

            Eu realmente não sabia o que ele ia fazer, realmente não. Várias ideias passaram por minha cabeça: ele assassinando-a, sequestrando-a, torturando-a e coisas do tipo; mas percebi que estava sendo idiota. Ele não ia fazer algo que fosse levá-lo para a cadeia, isso era óbvio. Mas, se não ia fazer algo realmente horrível, como ia se vingar? Digo, Larry podia arquitetar um plano em cima disso e executar com toda sua cautela?

            Afinal, só fui descobrir seu plano naquela mesma tarde, enquanto estava deitado em minha cama, tentando estudar para Prova Final do dia seguinte. Meu celular vibrou ao meu lado, assustando-me, e eu rapidamente desbloqueei a tela quando vi era uma mensagem de Aqua.

 

            Ela: “Greg, o que vc está fazendo?”

            Eu: “Estudando. Por quê?”

            Ela: “Veja isso”

 

            Prendi a respiração. Aqua sempre teve um modo de criar um suspense, mas naquela vez ela exagerou. Meu celular vibrou novamente quando recebi uma foto. Demorou alguns segundos para o sistema baixar a maldita informação, mas lá estava:

            Era uma foto, um print, para ser exato, de uma notícia postada em algum site local. Li o título, a manchete, bem lentamente, para ter certeza que estava lendo algo verdadeiro. “Jovem é encontrada nua e desacordada no interior do Museu Mayer”. Meu coração disparou. Mais abaixo, havia uma foto borrada da suposta moça encontrada no museu, e um pequeno textinho ao lado. “A jovem, identificada como Alexia Collier, foi encontrada nesta tarde (22/09/2016) no interior do Museu Mayer. A moça estava nua e com indícios de drogas no sangue. Ainda não há responsável”.

            Só consegui pensar em uma coisa.

            Droga, Larry.



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