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História Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Alguém conquistou


Escrita por: GSilva

Capítulo 20 - Alguém conquistou


Fanfic / Fanfiction Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Alguém conquistou

ALGUÉM CONQUISTOU

 

Abri o papel lentamente. Foi impossível não esconder o espanto ao ver que havia apenas uma frase escrita, em letra cursiva, e ainda menos ao perceber o significado.

“EU TE AMAVA.”

 

Aqua demorou mais do que eu para descobrir o que havia acontecido. Ela olhou para Thomas com as sobrancelhas franzidas, claramente tentando entender o que estava ocorrendo, e depois se virou para mim com olhos arregalados que diziam “ele voltou”. Eu, por minha vez, não parei de olhar para ele.

Era como uma miragem. Ele, ali, parado na frente da sala inteira... Não podia ser real. Sua aparência estava muito diferente da qual eu me lembrava: ele usava um sobretudo preto que cobria de sua clavícula até seus tornozelos, os cabelos cortados num topete. Antes, seus cabelos caíam sobre a face e ele se resumia a usar apenas uma calça jeans e a camiseta do uniforme.

Ao contrário de mim, ele parecia calmo. Na verdade, a sala inteira estava apreensiva, pois, digamos, a última lembrança que ele deixou foi uma briga com Andrew. Ninguém esperava que ele fosse voltar, ninguém esperava que ele fosse partir, e, mesmo assim, ele fez essas duas coisas sem o consentimento de ninguém.

O professor se aproximou dele e colocou uma mão sobre os ombros do garoto.

— Seja bem-vindo de volta. — Disse ele. Thomas sorriu: um sorriso doce que eu nunca tinha visto-o dar.

— Obrigado. — Ele respondeu, olhando uma cadeira vazia bem à frente.

Quando o professor retornou para sua mesa especial, e quando os alunos voltaram a conversar, Thomas olhou para cada canto da sala. E, como esperado (ou inesperado), seu olhar caiu sobre mim. Foi aquele milissegundo que parece durar uma eternidade, como se todo o resto estivesse em câmera lenta. Eu sabia quando alguém era importante para mim por causa desses olhares. Andrew, Larry, Lucas... Todos causavam o mesmo efeito de câmera lenta, e agora, Thomas também.

Porém, ele não sorriu nem acenou. Ao contrário, ele abaixou a visão e puxou a cadeira para se sentar. Esperei as conversas aumentarem de volume para poder falar:

Mas que merda é essa? — Perguntei para Aqua. Ela olhou para mim com um ar de desentendimento.

— Eu sei dessa história tanto quanto você. — Disse ela. — Meu Deus. O que Thomas faz aqui? Será que ele voltou para ficar?

— Muito provavelmente. — Respondi.

            Ficamos fitando o mais novo integrante da sala. Thomas parecia indiferente, como se uma entrada impactante fosse parte de sua rotina diária, roendo as unhas e olhando para os lados. Em nenhum momento seus olhos voltaram para mim, mas, estranhei, ele parecia especialmente focado no outro lado da sala, onde estava o grupinho de transferidos do ano passado: Larry, Pierre e Aimee. Era tão estranho para ele quanto para a gente, imagino. Mas a grande pergunta ainda resistia em minha mente...

            — Por quê? — Perguntei.

            — É isso que eu gostaria de saber. — Aqua deu de ombros. — Acha que devemos falar com ele?

            Eu estreitei os olhos e, quando ela estava quase se levantando para ir conversar com Thomas, ergui a mão.

            — Não! Não. — Respondi. — Vamos ver. Talvez ele tenha apenas se mudado por um período, talvez não fique permanentemente.

            Aqua olhou para mim e assentiu levemente. Depois, voltou a se sentar com um olhar nada amigável na direção dele.

            Foi nesse momento que meu celular apitou.

 

***

 

            Celulares sempre foram expressamente proibidos no Colégio Vargas. Às vezes, quando um aluno era pego usando seu aparelho celular, a coordenação chegava a afastar o usuário por tempo indeterminado. É claro que comigo isso nunca havia acontecido, eu nunca tinha passado dos limites. E como naquele dia o professor mal se limitava a conversar com os alunos, eu não vi problema algum em checar porque meu aparelho havia vibrado em meu bolso.

            Sem causar alarde, pesquei meu celular do bolso e desbloqueei a tela com o código. O choque foi instantâneo. Primeiramente, vi uma notificação piscando na tela, mas era muito mais do que eu esperava; depois, notei que tinha recebido uma mensagem, e o número que a enviou era muito, muito esquecido na minha lista de contatos.

            Andrew.

            Eu quase gritei. Rapidamente, agarrei o celular com as duas mãos e cliquei na notificação que piscava, abrindo o aplicativo de conversas. Vi Aqua se virar e olhar para mim, mas, felizmente, ela não se preocupou em perguntar o que havia acontecido. Em outras ocasiões, eu teria ficado sorrindo durante horas, mas a única expressão que exibia era o cenho franzido.

            Quando a conversa carregou, vazia, com apenas uma mensagem, meu coração bateu mais forte. Realmente era ele.

 

            Ele: “Greg?”

            Eu: “Andrew?”

 

            Mensagem enviada. Vi os dois traços azuis que indicavam que ele já havia lido. Digitando...

 

            Ele: “As aulas já começaram?”

            Eu: “Já”

            Ele: “Vc está bem?”

            Eu: “Mais ou menos”

 

            Uma demora a responder. Essas demoras eram os principais motivos pelos quais eu odiava conversar com alguém tão especial pelo celular: não tinha como saber o que a outra pessoa estava sentindo, não tinha como olhar nos olhos dela.

 

            Ele: “Mais ou menos? Pq?”

            Eu: “Vc não está aqui”

 

            Joguei a verdade. Afinal, não queria mentir para ele.

 

            Eu: “Posso perguntar por que você não está aqui?”

            Ele: “Pode, mas acho que não vai gostar da resposta”

 

            Eu fechei os olhos e pensei bem se gostaria de receber a resposta. Porém, havia aprendido que, com Andrew, segredos machucavam.

 

            Eu: “Por que não está aqui?”

            Ele: “Por causa da Alexia”

 

            Ok, eu não gostei da resposta, mas não esperava algo muito diferente.

 

            Eu: “Ela te obrigou a se mudar?”

            Ele: “Não”

                    “Ela está passando por problemas bem sérios, e eu mudei de colégio para poder ficar com ela, ajudá-la”

                    “Espero que você entenda”

            Eu: “Entendo”

 

            Por mais que pareça estranho, eu realmente entendia. Eles se amavam. Ele a amava de uma forma como nunca me amou. Nunca descartei o que ele havia me dito, que já tinha sentido algo por mim, mas nada entre nós ultrapassava o sentimento que havia entre os dois. Eu sentia isso em meus ossos: o sentimento de que eu e ele nunca daríamos certo.

 

            Eu: “Mas... pq vc não avisou?”

            Ele: “Não queria estragar suas férias”

                    “Queria que você ficasse feliz durante um mês, pelo menos”

 

            Silêncio. Quero dizer, um silêncio relativo. Estávamos em silêncio, sem nem uma palavra pronunciada. E ainda assim, eu me sentia tão próximo a ele como nunca.

 

            Eu: “É bom que vc esteja aí para ajudá-la”

                   “Ela te faz feliz”

                   “Mas, se me permite, qual é o assunto de emergência que precisa da sua atenção”

 

            Ele visualizou a mensagem no momento que a recebeu, mas demorou uns cinco minutos para responder. Fiquei pensando no por quê. Talvez ele não estivesse aberto a falar disso.

 

            Ele: “Isso é um assunto complicado e ela me fez jurar que não contaria para ninguém”

            Eu: “Entendo”

 

            Não tive tempo (nem pensei em algo) de falar mais alguma coisa, pois Aqua se virou para mim entusiasticamente entretida.

            — Greg... — Disse ela com um sorrisinho pretensioso. — Com quem está conversando?

            Eu olhei para ela e rapidamente pensei em algo para responder, algo que não envolvesse Andrew ou Alexia. Aqua ficaria mais curiosa nesse assunto do que eu, algo que poderia trazer problemas. E além disso, aquela conversa, por mais mínima que tenha sido, parecia algo tão íntimo, tão pessoal, que eu não podia simplesmente falar na lata.

            — Com ninguém especial. — Respondi. — É a minha mãe.

            Aqua assentiu lentamente e retornou sua atenção para o professor.

 

            Ele: “Vc está mesmo contente com isso?”

                    “Quero dizer, com esse lance de Alexia...”

            Eu: “Sim, claro”

                   “É algo que vc precisava fazer. Por ela.”

                   “E por vc”

            Ele: “Sim, eu sei, mas também é algo que (eu sei, não adianta negar), pode te magoar”

            Eu: “Lembre-se: apenas eu aprendi a como magoar alguém”

            Ele: “E também como perdoar alguém”

            Eu: “[sorrisinhos] acho que vou precisar aprender mais algo”

            Ele: “O quê?”

            Eu: “como esquecer alguém”

 

***

 

            Trinta minutos se passaram e mais nenhuma mensagem nova. Por motivos desconhecidos, até, talvez, por causa de Alexia, Andrew não disse mais nada. E eu apenas fiquei escarando a tela do celular por um tempo, esperando algo chegar. Mas nada chegou. Nem uma palavra. Esperei também por Aqua, porque tinha certeza de que ela iria me perguntar (novamente) sobre a conversa, mas nem mesmo ela se interessou em continuar o assunto.

            Quando o sinal da saída tocou, sorri de alegria.

            Todos os alunos se levantaram, carregando suas tralhas, celulares, mochilas e tudo o mais, e saíram da sala. Eu e Aqua fomos uns dos últimos, seguidos por Pierre e Larry, que vinham conversando entusiasticamente sobre qual ângulo era melhor para se cobrar um escanteio. Eu deixei ambos conversando e segui pelo corredor, ao lado dela. De repente, um muro de sobretudo e cabelos loiros apareceu na minha frente.

            Thomas sorria na minha direção, parado no final do corredor, com as mãos nos bolsos. Eu queria socá-lo. Eu realmente não tinha ficado com raiva por causa de seus sentimentos por mim, já tinha aprendido que não podemos escolher de quem vamos gostar, mas ainda tinha ressentimentos por causa da agressão à Andrew. Thomas não precisava ter sido tão violento.

            — Oi. — Disse ele quando me aproximei. Até a voz dele soava diferente, mais grossa, mais masculina.

            Eu não respondi. Aqua parou bruscamente e se virou para mim com um olhar que dizia “o que vamos fazer?” e eu dei de ombros. Pierre e Larry vinham logo atrás. Vi o outro garoto se despedir de Larry e sair de perto, passando ao lado de Thomas. Num piscar de olhos, aquela cena se transformou em uma das cenas mais constrangedoras da minha vida: eu, Larry e Aqua tentando sair do pavilhão, enquanto Thomas nos bloqueava.

            — Oi. — Disse Larry. — Você é o garoto novo, não é?

            Larry franziu o cenho para Thomas e pareceu aguçar os ouvidos. Nesse momento, percebi que ambos não se conheciam e seria de muito (MUITO) mau-gosto deixar que soubessem dos segredos um do outro.

            — Não tão novo. — Thomas respondeu.

            Um olhar de Thomas recaiu sobre mim, fazendo todo o resto ficar em câmera lenta, como sempre. O problema era que Larry percebeu essa conexão.

            — Como assim? — Perguntou ele.

            Eu me virei para Larry com as sobrancelhas arqueadas.

            — Larry, este é Thomas. Thomas, este é Larry. — Eu disse. — Eu e Thomas éramos amigos, até ele...

            — Bom, até eu sair do armário e fugir do colégio. Além disso, eu também bati no Andrew. — Thomas interrompeu, com um sorriso. Ele entrou no corredor e estendeu a mão para Larry.

            E então houve aquele sentimento. Foi a mesma sensação que eu sentia quando Thomas, Andrew ou Larry olhavam para mim, mas, desta vez, eu senti quando vi ambos num aperto de mãos. Os dois olhares se conectavam, criando uma rixa inexistente, algo que realmente não estava sob a superfície. Não posso dizer o que ambos estavam pensando, mas tenho certeza que os dois queriam algo sobre mim. Larry não sentia ciúmes de mim, obviamente (porque ele era hétero e nunca se apaixonaria por mim...), mas senti um senso de proteção emanando dele.

            — Prazer em conhecê-lo, então, eu acho. — Disse Larry, apertando a mão de Thomas.

            — O prazer é meu. — Thomas respondeu.

            — Mas, o que quis dizer quando falou que bateu no Andrew...? — Larry perguntou, afastando-se um pouco.

            Percebi a deixa e rapidamente segurei em seu antebraço.

            — Larry, acho que temos que ir. — Eu disse, puxando-o.

            — Mas eu quero saber... — Ele rebateu.

            — Eu te conto, outro dia.

            Thomas deu um passo para o lado, liberando nossa passagem, enquanto eu e Larry saíamos apressadamente do corredor. Aqua também saiu rapidamente, e Thomas ficou abandonado, na frente da entrada do pavilhão.

 

            Grande parte dos alunos já tinha ido embora e os funcionários de limpeza do colégio estavam nos apressando. Eu ainda não tinha soltado o braço de Larry quando chegamos ao pátio principal.

            — Larry, fique longe de Thomas. — Disse Aqua.

            O garoto fez uma carranca.

            — Por quê? — Perguntou ele.

            — Ele é uma bomba-relógio. — Respondi. — Já explodiu uma vez quando eu falei que era apaixonado por Andrew. Se não fosse pelos outros garotos da sala, ele teria assassinado o Andrew.

            — Vocês precisam me contar essa história. — Larry rebateu. — Eu estou completamente por fora.

            — Acontece que, no primeiro semestre do ano passado, antes de você chegar, eu e Andrew...

            — Ei pessoal, acho que podemos deixar essa conversa para depois. — Aqua interrompeu, claramente fixa em algum ponto longe de nós. — Greg...

            Eu olhei para onde ela olhava e notei o motivo da preocupação.

            O déjà-vu foi inevitável. Lucas Matheus estava vindo em nossa direção, com a mesma determinação de antes. Eu, instintivamente, olhei para trás e para os lados, mas havia apenas o meu grupo no pátio. Ele realmente estava vindo em nossa direção.

            — Prepare-se. — Disse Larry, ao meu lado. Eu prendi a respiração.

            Lucas estava perto o suficiente para poder notar minha expressão apreensiva e eu percebi que, se ele realmente queria conversar comigo, aquela não seria uma boa primeira impressão.

            — Okay. — Respondi baixinho, quando Lucas chegou à minha frente.

            Ele pairou como alguém realmente interessado em mim, olhando-me de cima a baixo com olhos perspicazes. Eu sorri e ele retribuiu o sorriso.

            — Greg, não é? — Disse ele. Sua voz parecia mais doce do que eu imaginava, mais fina, tão estranha para alguém com seu porte alto.

            Eu não parei de sorrir.

            — Sim. E você é... Lucas?

            — Isso. — Disse ele.

            Houve aquele segundo de silêncio desconfortável e eu finalmente consegui desviar o olhar. Larry e Aqua se entreolharam e, como se já tivessem ensaiado, afastaram-se de mim, deixando-me a sós.

            — Sabe, uma amiga minha, Alicia, já me falou sobre você. — Eu disse, tentando puxar algum assunto.

            — Sim. — Concordou ele, abaixando a cabeça e passando a mão na nuca. — Me desculpe por aquilo. Eu devia ter ido pessoalmente.

            — Okay, sem problemas. — Respondi. — Ela disse que você queria falar comigo, mas vieram as férias e então...

            — É, eu realmente preciso falar com você. — Disse ele. — Isso vai ser tão estranho para você quanto para mim.

            — Ok. — Respondi, rindo.

            Não me opus quando ele colocou uma mão sobre meu ombro e sugeriu, com uma expressão suave, que fôssemos para um lugar mais reservado.

            Aquele foi o início e o recomeço.

 

***

 

Lucas colocou as mãos nos bolsos quando chegamos, finalmente, ao outro lado da rua. Ele vinha rindo desde que saímos do Colégio Vargas, com seus lábios formando um adorável arco de orelha a orelha. Eu não tinha dito nada, não sabia o que dizer, realmente, e ele parecia menos apto a querer romper meu silêncio. Ainda assim, Lucas não parecia menos apto a querer conversar.

Após me conduzir gentilmente ao pátio de entrada do colégio, ele ficou em silêncio, me fitando com aqueles olhos claros. E, quando vi Larry e Aqua acenarem um "tchau" ao longe da minha visão, soube que Lucas apenas queria ficar sozinho comigo. Mas, o destino não estava ao lado dele. Os funcionários de limpeza do colégio insistiram para que saíssemos do local, praticamente nos expulsando, e assim o fizemos. Quando atravessamos a avenida, ele decidiu quebrar o silêncio.

— Greg, posso te fazer uma pergunta? — Disse ele. Eu sorri de nervosismo e olhei para ele.

Estávamos no exato ponto contrário ao qual eu e Andrew conversamos no final do ano passado, no muro à frente da entrada do colégio, do outro lado da rua. Foi inevitável não me lembrar do dia da festa. Mas, além de tudo que eu pensava sobre Andrew, não podia deixar Lucas no vácuo.

— Depende da pergunta. — Respondi. Essa foi a vez de ele sorrir.

— Digamos, hipoteticamente, que alguém esteja interessado em você... — Disse ele. — O que você faria?

Eu franzi o cenho. Não esperava uma pergunta como aquela, mas também não esperava algo muito diferente. Olhei para seus olhos verdes e tentei ao máximo não pensar que, por mais que eu não quisesse admitir, ainda queria o amor de Andrew. Sorri novamente e me aproximei dele.

— Não sei. — Respondi. — Ninguém nunca disse que está interessado em mim...

— Ninguém? — Lucas rebateu. — Nem um garoto, ou garota...

— Não. — Respondi novamente. — Não é como se eu tivesse passado toda a minha vida sozinho, aliás, mas ninguém se interessou por mim. E se alguém já me olhou de alguma forma diferente, essa pessoa nunca se pronunciou sobre isso.

— Triste. — Ele comentou. — E pouco provável.

Eu franzi as sobrancelhas.

— Como assim? — Perguntei. Ele deu um passinho para frente, ficando perto o suficiente para que eu pudesse ver reflexos dourados em seus olhos. Suas mãos ainda estavam dentro dos bolsos e ele parecia confortável demais para alguém em tal situação.

— Sabe, acho pouco provável que ninguém nunca tenha se apaixonado por você, nem uma vez... — Ele respondeu com um sorrisinho. — Você é...

Você é... Nenhuma parte feliz da minha vida apareceu depois de um "você é". Andrew e Larry tinham a mania de falar o que eu era, o que eu parecia ser, e eles nunca erravam. Mas, vendo o Lucas naquele dia, com as mãos escondidas e o sorriso exposto, eu realmente não podia deixá-lo falar o que eu era. Não queria colocá-lo em perigo com meus sentimentos.

— Bom, ninguém nunca se apaixonou por mim. — Interrompi, antes que ele continuasse. Ele enrijeceu a mandíbula. — A maioria das pessoas já ficou com alguém, mas eu, não.

Virei-me, encostado ao muro, olhando para a fachada do colégio. Lucas fez o mesmo. Carros passavam em alta velocidade pela rua e nós, de vez em quando, seguíamos o movimento com os olhos.

— Nem um beijo? — Perguntou ele.

Meu coração disparou. Alguma coisa na pergunta dele, talvez o tom, talvez a intenção, pareceu-me extremamente pessoal. Olhei para ele por um segundo, com a cara fechada, e ele entendeu o recado.

— Quero dizer... — Continuou ele. — Não estou perguntando se você quer me dar um beijo. Quero saber se...

Num reflexo de piedade, estiquei meu braço e toquei o ombro dele. Com um sorriso gentil (pelo menos eu achava que seria gentil), acrescentei:

— Tudo bem, eu entendi. E não, ninguém nunca quis... me beijar. Embora...

Interrompi-me. Havia muitas reticências naquela frase, naquele pensamento. Minha memória flutuou até um momento há quase exatamente um ano atrás, quando eu expus a traição da Alexia, quando Andrew me beijou. Foi um beijo de, digamos, força. Ele queria a minha força, porque eu estava curando-o dos males dela. E depois, lembrar-me dele parecia ter muito menos sentido.

— Embora? — Lucas perguntou, virando-se para mim.

Sem esforço, virei-me para ele, e, por um momento, nada mais existiu, nem Andrew nem Larry. O peso da minha mochila desapareceu, os carros desapareceram, o colégio desapareceu. Éramos apenas nós, encostados ao muro, mirando o rosto um do outro. E ele sorria.

— Embora — continuei — "sempre há uma primeira vez para tudo".

O sorriso dele se abriu, revelando dentes brancos e perfeitamente alinhados. Ele era lindo. Houve aquele momento de silêncio novamente, aquele de câmera lenta, mas eu não me senti desconfortável. Senti o sangue subindo ao meu rosto, corando-me, e ainda assim não senti como se houvesse borboletas em meu estômago. Lucas parecia ter o mesmo sentimento. Não sei o que foi, algo sobrenatural ou não, mas eu quis (muito mesmo) abraçá-lo. Era a primeira vez que conversávamos, não era para ser tão intenso. E mesmo assim ele sorria.

— Ótimo. — Ele respondeu.

Continuei olhando para ele. Seus olhos verdes pareciam firmes, sustentando meu olhar, com um singelo pedido de aproximação. Eu queria me aproximar, queria tocá-lo. Mas, então, ele desviou o olhar.

— Sabe — disse ele —, acho que eu preciso ir.

A câmera lenta parou.

— Por quê? — Perguntei. Ele abaixou o olhar e passou a mão na nuca.

— Compromissos. Estágio. — Disse ele. — Mas, depois eu ligo pra você...

Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ele saiu de perto do muro e começou a andar na direção contrária à minha. Fiquei estagnado, não acreditando no que quase tinha acabado de acontecer. Estávamos tão perto. Quando ele já estava longe de mim, ergui a voz e falei:

— Mas você não tem meu número!

Ele mal se virou para trás, para olhar a mim, e, com um sorrisinho no rosto, respondeu:

— Eu dou um jeito!

Meu coração parou. Fiquei congelado, olhando-o se distanciar, pensando que momentos como aquele, distanciações, eram mais comuns na minha vida do que eu gostaria.

 

***

 

Voltei sozinho para casa, a pé. Por algum motivo, não ter Ryan ou Aqua ali, para me fazer companhia, era ruim. De fato, eu nem sempre imergia em conversas com Ryan (ele geralmente falava sobre jogos e/ou política, quando não reclamava de nossos pais, é claro), mas eu havia me acostumado, acostumado a ter alguém ao lado.

Quando cheguei em casa, não fui recebido por abraços ou por beijos, muito menos por sorrisos. Minha mãe, que não tinha ido trabalhar naquele dia, havia feito um lindo almoço, mas eu não estava faminto. Porém, para preservar o pouco de interação que ainda havia naquela família, eu me sentei com eles à mesa. Ryan já estava lá há quase uma hora, e, com certeza, havia deixado minha mãe maluca com essa história da minha demora, provavelmente dizendo que eu estava me agarrando com algum garoto. Ele foi o primeiro a colocar esse assunto em questão.

— E então, Greg... — Disse ele. — Eu soube que o Thomas voltou.

— Voltou. — Respondi. Minha mãe respirou lenta e profundamente.

— Quem é esse? — Ela perguntou. — Thomas... Não é aquele que brigou com o Andrew? Lembro que li alguma coisa parecida em Como Magoar Alguém.

— Sim, é ele. — Confirmei. — E sim, ele voltou. Mas não, eu não vou voltar a ser amigo dele.

— Por que não? — Ryan perguntou, interessado, após uma longa garfada. — Só porque ele gostava de você, ou ainda gosta? Ou é por causa do tal do Lucas?

Eu olhei para meu irmão. Os olhos dele estavam acesos, carregados de uma energia estranha, talvez até maldade por estar me torturando socialmente. Ele segurava o garfo como se o objeto fosse uma arma. Fiquei imaginando as consequências de furar sua mão com a minha faca.

— Não é por causa do Lucas. Aliás, prefiro que o chame de Larry. — Respondi com os dentes cerrados. — Thomas não vai voltar a ser meu amigo porque, justamente, ele brigou com o Andrew ao invés de ser paciente e me deixar explicar a situação. Ele adora mentir.

— Talvez. — Ryan continuou. — Mas não é de Larry que eu falei...

— Ryan, por favor, agora não. — Interrompi, olhando rapidamente para minha mãe. Ela estava com os olhos semicerrados na minha direção, articulando algo em sua mente materna.

— De que Lucas ele está falando, Greg? — Ela perguntou. Eu olhei para os lados como se tivesse sido pego de surpresa e dei de ombros.

— Eu não faço ideia. — Respondi.

 

Após quase ter minha vida pessoal divulgada para minha mãe, eu fui direto para meu quarto. Ainda tinha esperança de manter essa história da aproximação do Lucas Matheus em segredo, embora, por mais que eu não quisesse, sabia que uma hora ou outra todo mundo iria ficar sabendo. Meus pais adoravam investigar minha vida pessoal, e Ryan adorava fofocar sobre minhas paixões. Na maior parte do tempo, ele nem tinha ideia do que estava falando. Todos achavam que sabiam como eu me sentia, mas apenas Larry e Andrew tinham esse privilégio.

Quando deitei em minha cama, com as pernas apoiadas na parede, retirei o celular do bolso e desbloqueei a tela. Respirei lentamente, exalando o ar. Nenhuma nova mensagem. Andrew realmente tinha parado de conversar comigo. Eu queria muito perguntar a ele sobre o motivo de sua mudança, qual era o assunto de emergência de Alexia que o obrigava a mudar de colégio. O que podia ser tão importante a ponto de fazê-lo se afastar de mim, depois de tudo? Tentei não ficar com raiva, pois provavelmente a culpa não era dele. Talvez Alexia apenas estivesse manipulando-o a se afastar de mim. Ela já tinha feito isso com Anne, aliás, quando começou a namorar com o Andrew: houve um tempo que Andrew e Anne (que sempre foram muito amigos) foram proibidos, pela Alexia, de sequer conversarem.

Coloquei na minha cabeça que a culpa era dela.

Sem querer, contra minha própria vontade, um grupo de flashs de imagens surgiu na minha mente. Eu vi tudo novamente: Andrew, no primeiro dia de aula do ano passado; Larry, na festa do fim do ano; e Lucas Matheus há horas atrás. Foi impossível não pensar nele. Eu não estava (e sabia disso com toda a veemência do mundo) apaixonado por ele, não devidamente, mas não conseguia tirá-lo da minha cabeça. Foi nesse ponto, quando relembrei como seus olhos tinham traços dourados sobre o verde, que o cansaço me dominou e eu acabei dormindo contra minha vontade.

Fui acordado de um sono sem sonhos alguns minutos mais tarde, por Ryan. Ele não estava sorrindo e mal parecia estar animado, pude perceber por sua expressão de tédio.

— Greg. — Disse ele. — Você tem uma visita.

Franzi as sobrancelhas. Ele saiu do quarto antes que eu pudesse perguntar quem queria me ver e então fui obrigado a levantar. Meu coração deu um salto inesperadamente.

Conforme fui andando pelo corredor principal, dei uma olhada em cada cômodo e percebi que a casa parecia vazia. E então saí para o quintal e o vi.

 — Larry? — Perguntei, aproximando-me do portão.

Larry sorriu através da grade, flexionando os braços contra o próprio corpo, com as mãos nos bolsos de uma jaqueta de couro preta.

— Oi. — Ele respondeu.

Eu fui até o portão, agarrei a grade, e o movi para o lado. Ainda com as sobrancelhas franzidas, perguntei:

— Desculpe pela grosseria, mas o que está fazendo aqui?

Ele não pareceu ofendido. Ao contrário, sorriu e acenou em direção ao parque, que ficava a algumas casas de distância mais à direita.

— Acho que quero conversar. — Disse ele. Eu percebi sua intenção, seu desejo implícito pelo olhar, e sorri de volta.

— Ok.

 

***

 

Larry não disse nem uma palavra até chegarmos ao nosso local. Era, no mínimo, a décima vez que eu ia até lá só naquele mês. Uma das partes das minhas férias que ocultei de todos era que eu e Larry nos encontrávamos, quase todos os dias, naquele local. À minha frente, o lago parecia mais calmo do que nunca, refletindo o azul do céu, e as árvores pareciam vigiar o andar dos visitantes.

Larry foi o primeiro a se sentar na grama, flexionando os joelhos e colocando os pulsos sobre os mesmos. Eu sentei ao seu lado, em "posição de índio", e resolvi quebrar o silêncio.

— E então? — Eu perguntei. — Qual é o assunto?

— Anne. — Ele respondeu misteriosamente, fitando o lago com os olhos semicerrados. Eu balancei a cabeça, sem entender nada.

— Anne? — Perguntei. — O que tem ela?

Anne, a amiga de Andrew, que também já tinha sido minha amiga, tornou-se, em minha mente, apenas mais uma lembrança de um tempo que eu lutava para esquecer. Por esse motivo em especial, por essa ânsia em esconder meu passado incrivelmente destrutível, eu quase nunca mais conversei com ela desde que Andrew e Alexia começaram a namorar. Por isso estranhei quando Larry disse o nome dela.

— Ela veio falar comigo. — Ele respondeu, como se aquilo respondesse a todas minhas dúvidas.

— E?

— Ela veio falar comigo. — Ele repetiu, desta vez mirando-me com os olhos. Eu senti que havia algo estranho, notei isso em sua entonação, no seu olhar, no seu modo misterioso e sério, repentinamente sério. — Ela se declarou para mim.

Fiquei em choque.

— Anne? — Eu perguntei. — Espere... O quê?

Ele se virou para mim, olhando-me seriamente, mas seus lábios já formavam o costumeiro sorrisinho brincalhão. Eu não consegui processar a informação, como se ele estivesse brincando comigo. Anne... Larry. Anne e Larry? Impossível. Eu nunca imaginaria os dois juntos.

— Após você sair — ele respondeu —, ela veio falar comigo. Ela disse que estava esperando pela hora da saída porque não queria que todos vissem. E então ela disse que está apaixonada por mim.

Eu franzi as sobrancelhas pela quadragésima vez só naquele minuto. Como era possível? Quais as probabilidades? Dentre todos os trezentos garotos daquele colégio, por que ela escolheu justamente ele? Tentei me recordar de tudo que sabia sobre Anne, desde o primeiro momento que a conheci: Uma pessoa legal, popular, amiga de Andrew, minha amiga, e namorada de...

— Mas, espere. — Eu interrompi. — Se eu me lembro bem, ela estava namorando com outro cara.

— Sim, mas ela me disse que não deu certo. — Larry respondeu. — Olhe, eu entendo se você ficar mal por isso, eu só queria...

— Não. — Interrompi outra vez. — Eu não estou mal por isso, nunca ficaria mal por isso. Eu apenas não processei ainda.

— Greg, qual é, você sabe que sentia algo por mim. Eu podia ver nos seus olhos, cara. — Larry respondeu, desarmando totalmente minhas defesas contra qualquer mágoa que podia surgir daquela história.

Porém, eu não estava mentindo. Eu realmente não podia ficar mal por algo como aquilo, pela possibilidade de ele ser feliz com outra pessoa. Eu não podia ser tão ciumento.

— Larry, é sério. — Eu respondi. — Eu não vou ficar mal por isso, não vou ficar magoado se você quiser ficar com ela. Não é só porque deu errado entre nós que vocês não podem dar certo.

— Isso ficou confuso. — Ele respondeu, franzindo o cenho. — Mas eu entendi. Você quer dizer que abre mão de qualquer possibilidade de algum relacionamento amoroso comigo, e que não ficaria magoado?

Eu demorei a responder.

— Sim. — Falei.

Ele olhou novamente para o lago e sorriu.

— Então não há problema se eu ficar com ela? — Ele perguntou. Eu respirei lenta e profundamente, pensando que a minha resposta poderia mudar todo o rumo daquele momento em diante.

— Não, é claro que não. — Respondi. Ele não parou de sorrir quando disse:

— Obrigado.



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