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História Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Alguém declarou


Escrita por: GSilva

Capítulo 21 - Alguém declarou


Fanfic / Fanfiction Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Alguém declarou

ALGUÉM DECLAROU

 

            Perder. É uma palavra muito pequena para expressar uma emoção tão forte, tão intensa. O fato de perder algo gera um sentimento de vazio, de que está faltando alguma coisa, seja na sua vida ou não. Podemos perder tudo, inclusive pessoas.

Larry.

 

No próximo dia de aula, eu e meu irmão chegamos ao colégio exatamente quando o sinal da entrada tocava. Raramente nos atrasávamos, mas aquele dia foi uma exceção. Os funcionários da organização do Colégio Vargas praticamente nos obrigaram a entrar. Eu reagi bem ao fato de estar atrasado, porém, Ryan ficou visivelmente angustiado.

Eu segui para meu pavilhão sem pressa, com os funcionários ordenando atrás de mim. As salas já estavam repletas de alunos, pude ver pelas janelas conforme andava pela passarela, e eu presumi que, de fato, reencontraria todas as minhas amigas, não apenas Aqua. Quando cheguei ao final da passarela, encontrei o pátio do ensino técnico praticamente vazio, com exceção a alguns funcionários da limpeza. Eles pareceram me ignorar e eu fiz o mesmo. Continuei até alcançar o corredor. Quando entrei na sala de aula, percebi que tudo estava normal.

Existiam dias, ouso dizer, que eu acordava com um sentimento muito estranho, como se estivesse faltando algo, como se tudo fosse mais real. Eu não sabia o que era, até que dei o primeiro passo dentro da sala e a voz de Larry chegou aos meus ouvidos.

Eu não olhei para o lado, na direção do fundo da sala, onde ele e seu grupinho ficavam; apenas continuei a andar até o outro lado. Como o esperado, todas as garotas estavam lá: Aqua, Alicia e Alison. Eu sorri ao me aproximar.

— Greg! — Exclamaram as duas, levantando-se. Eu abri os braços para o abraço que certamente seguiria e não parei de sorrir. Ambas se entrelaçaram num abraço triplo desconfortável, porém revigorante.

— Oi. — Eu disse.

Elas se afastaram, com os olhares acesos, parecendo investigar o meu rosto atrás de vestígios de algo. Eu arqueei as sobrancelhas.

— Como foram as férias de vocês? — Perguntei, quebrando o "silêncio" entre nós. Alison foi a primeira a responder.

— Incrivelmente entediante. — Disse ela. — Fui obrigada a ir para a casa de campo da minha avó, no norte do estado. Lá é horrível.

— As minhas férias foram legais. — Alicia interrompeu.

Eu comprimi os lábios num sorriso condicente e me aproximei da minha mesa. Aqua, que ainda estava sentada, apenas sinalizou um "oi", dispensando qualquer necessidade de reencontro, pois nos encontramos no dia anterior. Eu larguei minha mochila (quase vazia) em cima da mesa, puxando a cadeira e me sentando.

— E aí, novidades? — Alison perguntou, sentando-se literalmente em cima da minha mesa. Eu franzi o cenho para ela.

— Não, eu acho. — Respondi.

— Mesmo? — Ela rebateu.

— Mesmo.

O professor entrou na sala neste instante, fazendo todos diminuírem o volume das conversas. O exímio professor de Economia foi até sua mesa particular e largou uma pasta sobre a superfície de madeira.

— E como Andrew está? — Alison perguntou, sussurrando.

— Eu não sei. Fiquei sabendo que ele se mudou. — Respondi, dando de ombros. Lembrei-me do dia anterior, quando conversei com ele por mensagens de texto. Quis (muito, mesmo), naquele momento, contar tudo para elas, mas me parecia pessoal demais para sair divulgando por aí.

— Sério? — Foi Alicia quem disse, com as sobrancelhas arqueadas de espanto. — Por quê?

— Também não sei. — Respondi. — Ele nem sequer se despediu.

— Estranho. — Alison comentou. — Ele nunca sairia sem se despedir.

Nessa hora, elas olharam para mim, até mesmo Aqua, que parecia relutante em entrar na nossa conversa. Eu olhei para cada uma delas seriamente.

— Gente, é serio, se eu soubesse de algo, não ia deixar de contar para vocês... — Respondi antes que elas perguntassem. Claramente, com aqueles olhares entrelaçados e aquelas bocas semiabertas, elas estavam duvidando do alcance do meu leque de conhecimento. — Eu realmente não sei por que ele foi. — Continuei. — Mas, tenho uma teoria.

— Teoria? — Alison perguntou.

— Sim. — Respondi. — Se lembram de quando ele e Alexia começaram a namorar? — As três balançaram a cabeça. — Então, naquela época, ele e Anne eram amigos. Tipo, melhores amigos. A minha teoria é que...

— Alexia proibiu o Andrew de se relacionar com você, assim como proibiu ele de conversar com a Anne. — Aqua interrompeu, falando pela primeira vez. Eu fiz que sim.

— Isso mesmo. — Respondi. — É só uma teoria, mas não deixa de ser provável.

— Se isso for verdade, então, ela é realmente uma vaca. — Alison respondeu. — Ela não pode te obrigar a ficar sozinho.

— Eu não estou sozinho. — Rebati. — Tenho vocês, e Larry...

— E eu?

 

A voz dona da última fala soou diferente, mais grossa do que qualquer outra. Meu primeiro impulso foi pensar em Larry, pois ele tinha um tom grave igual àquele, mas meus instintos diziam que era outra pessoa. Descartei a possibilidade de ter sido Andrew e olhei para frente. Thomas estava parado ao lado do nosso círculo de fofocas, com a cabeça no espaço vazio entre Alison e Alicia.

— Thomas? — Eu perguntei. Ele sorriu como resposta.

As garotas olharam para ele como se o garoto fosse um animal venenoso e se afastaram. Eu pude ver o espanto no olhar de Alicia. Até eu mesmo havia me espantado. Quanto da conversa ele tinha escutado?

— Thomas, não é educado ficar escutando a conversa dos outros. — Eu rebati. — Vá procurar segredos para cavar em outro grupo!

— Não. — Disse ele. — Eu não estava escutando a conversa de vocês. — Disse ele, entrando no espaço deixado pelas garotas. — E, aliás, nenhum outro segredo parece ser tão intrigante quanto esse.

— Thomas, saia. — Eu ordenei, mas ele apenas ficou estagnado como uma estátua. — É sério.

As meninas olhavam do rosto dele para o meu, como se soubessem que eu estava prestes a explodir. Confesso, eu não estava com uma completa raiva dele (não podia esperar que ele não fizesse perguntas após passar quase um ano fora), mas não suportei a ideia de que ele podia estar escutando a nossa conversa.

— Thomas, por favor. — Pedi com gentileza dessa vez, fazendo-o sorrir como uma criança. O garoto deu meia-volta e ergueu a voz.

— Tudo bem, então, eu vou. Está óbvio que você não quer me contar algo. — Disse ele.

Por um momento, apenas fiquei mirando suas costas e sua nuca, percebendo, com espanto, que seus cabelos loiros formavam um redemoinho atrás da cabeça. E, também por um momento, parei para pensar no que tinha acabado de fazer. Não tinha sido justo. Ele não tinha culpa de, algum dia, ter gostado de mim.

— Espere. — Eu disse, surpreendendo a todos e a mim mesmo.

Ele se virou com os olhos acesos, contente.

— Thomas, eu posso falar tudo para você, te contar tudo, mas não agora. — Respondi. — No intervalo, me encontre na entrada da quadra.

Os olhos dele encontraram os meus, fato que raramente acontecia, e senti a conexão por um instante, até ele se virar para trás com um sorriso.

 

***

 

No início da terceira aula, algo aparentemente importante aconteceu. Foi algo tão insignificante, tão subjetivo, que eu quase deixei escapar.

Sempre tive olhos perspicazes, observando cada detalhe à minha volta. Nem sempre me orgulhei disso, pois às vezes acabava percebendo até demais. Foi isso o que aconteceu no início da terceira aula: percebi demais.

Por alguma inspiração divina ou algum comando sobrenatural, olhei para o lado no momento em que os alunos se sentavam. Foi quase imperceptível, mas eu vi. Olhares e sorrisos...

Larry se sentava a duas mesas de distância de Anne. Eles raramente conversavam, pelo o que eu sabia, mas eu vi quando ambos se entreolharam e sorriram. Havia amor ali, uma espécie de amor que eu nunca tinha visto. Amor jovem, recém-chegado, como um bolo recém-saído do forno. Ele nunca tinha me olhado daquela maneira, talvez nunca olhasse.

 

***

 

Fiquei mais ansioso pela hora do intervalo do que eu gostaria de admitir. Quando saí da sala, entrando no corredor repleto de alunos, as garotas insistiram para se juntarem a mim. É claro que eu disse "não". Eu expliquei que devia conversar com Thomas sozinho, porque ele queria exemplificações bem detalhadas do que havia acontecido durante sua ausência, e não havia alguém mais próprio para isso do que eu. Elas aceitaram, no final, e me deixaram sozinho.

Como combinado, ele estava parado ao lado da entrada da quadra poliesportiva (um feito, digamos, bem rápido, porque nem o vi saindo da sala). Ele sorriu quando me aproximei, parecendo ignorar as pessoas em volta. Mas como eu não pude deixar de perceber, alguns alunos olhavam para ele com perguntas ofensivas no olhar.

            — Thomas, pare de sorrir. Isso não é uma brincadeira. — Eu disse, aproximando-me. Ele franziu o cenho e o sorriso diminuiu, porém, não desapareceu.

— Por que tanta seriedade? — Ele perguntou.

Eu olhei em volta.

— Está vendo esses alunos? — Perguntei. Ele assentiu. — Nenhum deles gosta de mim, depois de algumas coisas que aconteceram, e eles devem estar se perguntando o motivo da nossa conversa.

— E?

— E eu acho que você deveria tomar mais cuidado. — Respondi bruscamente. — Eu vou te explicar tudo, mas não fique andando por aí como se fosse meu melhor amigo.

Sem pensar duas vezes, eu segurei seu antebraço, firmando minha mão com força, e o puxei para longe da entrada da quadra. O conduzi até uma área ao lado da quadra, que geralmente ficava vazia, e soltei seu braço.

— Vamos, pergunte logo! — Ordenei. Ele arqueou as sobrancelhas.

— Ok. — Respondeu. — Vamos ver, por onde eu começo?

Houve um silêncio, onde ele ficou apenas olhando para o céu com as sobrancelhas franzidas e, de repente, levantou a mão.

— Ah! A minha saída. — Ele disse.

Eu limpei a garganta, olhando-o fundo nos olhos.

— Bom, depois que você saiu, eu cuidei de Andrew. — Respondi sem hesitar. — Você sabe, por causa do que você fez. Sabia que ele ficou com hematomas por quase dois meses? Eu o levei até a enfermaria.

— Não seja tão detalhado, Greg. — Thomas interrompeu.

— Está bem. Bom... Depois eu briguei com a namorada dele.

— O quê?! — Thomas arregalou os olhos.

— Calma, não é isso que você está pensando. Nós não saímos "no tapa". Foi uma briga social, por assim dizer. — Respondi. — Ela me ameaçou, dizendo que ia achar um meio de me magoar. Eu recebi como um desafio e tentei descobrir um meio de magoá-la primeiro.

— A Alexia fez isso? Ela me parecia tão... Inofensiva.

— Alexia tem muitas características, mas inofensiva não é uma delas. — Respondi. — Enfim, minhas amigas me ajudaram. Elas seguiram a Alexia e, adivinhe, descobriram que ela tinha um caso, que estava traindo o Andrew. — Fiz uma pausa, esperando que ele fosse xingá-la ou qualquer coisa parecida, mas Thomas apenas ficou parado. — Aqua, Alison e Alicia gravaram e fotografaram uma cena dessa traição. E depois, nós imprimimos vários cartazes.

— Espere, deixe-me adivinhar. — Ele interrompeu. — Vocês colocaram esses cartazes pelo colégio?

— Como você sabe? — Respondi, estupefato. Ele deu um sorriso orgulhoso e desviou o olhar.

— Eu tenho meus meios.

— Ok, então. — Respondi, achando profundamente estranho. Mas, pensando bem, não era de se espantar que meus segredos estivessem espalhados por aí. — Logo após isso, Andrew descobriu da traição e automaticamente terminou com ela. Acontece que a Alexia é maluca, esse é o problema. Ela causou um acidente, um grave acidente, e Andrew acabou indo para no hospital por causa de um atropelamento.

— Vaca. — Ele respondeu.

— Eu fui ao hospital e reencontrei-o. Mas, eu não esperava, a Alexia tinha subornado a Iliana (outra garota que me ajudou na exposição dos cartazes) e tinha descoberto a verdade. Ela contou para o Andrew. — Continuei. — Quando fui visitá-lo no hospital, ele disse coisas horríveis. No final, eu, Alexia e Andrew saímos magoados.

— É isso que acontece quando se brinca com o amor. — Thomas comentou.

— Foi nessa hora que eu percebi que deveria mudar de colégio, abandonar tudo. E fiz isso. — Continuei a falar. — Eu e meus pais mudamos para outra cidade. Entrei num novo colégio e, por três meses, tudo voltou ao normal.

Thomas não fez nem um comentário, apenas ficou me olhando com aqueles olhos claros. Eu parei para pensar no que tinha acabado de dizer e percebi que não tinha mencionado a carta de Andrew. Continuei em silêncio.

— E? — Thomas perguntou.

— E o quê?

— Como veio parar aqui de novo?

— Uma expulsão. Fui expulso do outro colégio. — Ele arqueou as sobrancelhas ao ouvir minha resposta e eu suprimi uma gargalhada por deixá-lo tão apavorado.

— Como assim?

— Um dos meus instrutores descobriu sobre meu passado aqui no Colégio Vargas e eu fui expulso instantaneamente. — Respondi. — Depois voltei para cá e descobri que, realmente, as coisas não tinham mudado. Literalmente. Andrew tinha voltado com a Alexia.

— Que merda.

— Exatamente. — Continuei. — Mas não fiquei com a consciência pesada, porque tinha minhas amigas e uma pessoa em especial.

— Quem? — Ele perguntou, parecendo aguçar os ouvidos para escutar melhor.

— Larry. — Respondi bruscamente. — Ele é meu amigo há algum tempo.

Thomas desviou o olhar e comprimiu os lábios, olhando ao redor como se estivesse com medo.

— Eu não gosto desse Larry. — Disse ele, surpreendendo-me. — Desde ontem.

— É um tempo muito curto para começar a odiar alguém, não acha?

— Acho, mas sei o que sinto quando olho para ele. — Ele respondeu, desabafando. — Ele me parece ofensivo. Se fosse por mim, vocês não seriam amigos.

— Me desculpe pela rispidez, Thomas, mas não é você quem decide quem serão os meus amigos. — Rebati um pouco irritado, admito. — Depois que você saiu, eu criei uma vida aqui, mesmo que você não goste.

Thomas fechou a boca no meio do ato de falar. Seus olhos ficaram presos aos meus até ele os abaixar. Senti uma pontada de dó e remorso por ter sido tão grosso, mas não podia deixá-lo achar que tinha o direito de decidir coisas importantes da minha vida.

— Desculpe. — Eu disse. — Mas...

Minha fala foi cortada por um inesperado e acalorado som de uma risada masculina. Eu não lutei contra o impulso de tentar identificar o timbre da voz. Não era Larry, nem Andrew. Virei-me para trás.

— Você está aqui! — Disse Lucas Matheus, aproximando-se com um sorriso no rosto. — Eu estava te procurando! Suas amigas disseram que você estaria por aqui.

— Lucas? — Eu perguntei, como se já não fosse óbvio.

— Oi. — Ele respondeu todo animado, chegando mais perto. — Sabe, não terminamos nossa conversa, ontem...

Eu olhei para o rosto de Lucas e notei que realmente havia algo ali que implorava pela minha atenção, mais do que Thomas.

— É, claro. — Respondi.

Ele estalou a língua e tirou uma das mãos do bolso, apenas para estendê-la à mim.

— Acha que podemos ir para um local mais reservado? — Lucas perguntou.

Há algo realmente tocante e acolhedor, talvez até mágico, no ato de segurar na mão se alguém. Toquei seus dedos com uma gentileza leve, depois apertei sua mão com um pouco de força.

— Greg, o que é isso? — Thomas perguntou, estupefato por eu estar largando-o para conversar com outro garoto.

Eu olhei para meu ex-amigo. Não tive nem um pouco de dó.

— Como eu disse, Thomas. — Respondi. — É a minha vida.

Com um último sorriso para ele, voltei-me para Lucas, que, após sorrir também, conduziu-me para longe daquela multidão.

 

***

 

Geralmente, são as coisas com as quais você mais se importa que passam mais rápido do que o normal. Minha vida passou muito rápido, minhas intrigas e indiferenças.

 

Eu e Lucas deixamos Thomas sozinho, parado ao lado da quadra com uma expressão acusatória, enquanto fomos para o outro lado do pátio. A massa de estudantes felizmente encobria a visão de Thomas sobre mim, o que, na essência, era bom: eu não queria que ele me visse conversando com o Lucas, por menos íntima que a conversa fosse.

E, definitivamente, foi íntima.

Ele me levou até o muro do colégio, ao lado do grandioso portão de entrada enferrujado. Apesar do céu, que estava nublado e cinzento, eu ainda podia ver reflexos dourados em seus olhos. Quando ele se encostou ao muro, aproveitei para observar suas roupas. Ele não parecia seguir a regra do uniforme, ao contrário de mim, pois estava usando uma calça jeans preta e uma jaqueta branca. Suas mãos estavam envolvidas pelas mangas da jaqueta e eu o odiei internamente. Eu adorava quando os garotos faziam isso com suas mãos, mas simplesmente sentia que tudo estava indo rápido demais. Eu não devia estar tão atraído por ele.

— E então? — Perguntei. — O que você não me falou ontem?

Ele ergueu uma perna e a apoiou no muro, olhando para a multidão. Eu caminhei até ele e fiquei ao seu lado.

— Muitas coisas. — Lucas respondeu. — Qual você prefere ouvir primeiro?

— Depende. — Respondi sorrindo.

Ele desviou o olhar, comprimindo os lábios.

— Provavelmente você não vai querer ouvir tudo. — Ele disse.

— Por quê?

— Porque é muito íntimo. — Lucas respondeu bruscamente. — Um monte de baboseira romântica...

— E por que eu não gostaria de ouvir isso? — Perguntei.

Pela segunda vez, nossos olhares se encontraram. Tudo em volta ficou em câmera-lenta. Foi como se eu estivesse mergulhando numa piscina de água quase congelada: um calafrio percorreu todo meu corpo. Mas mesmo que fosse puro gelo, eu me acostumaria. E então uma deturpação de sentidos surgiu, reaquecendo-me. Senti o sangue me corando na face.

— Vamos, me conte. — Pedi gentilmente, olhando com caridade.

Ele estalou a língua e olhou para baixo.

— Lembra quando eu disse que isso seria tão estranho para você quanto para mim? — Ele perguntou.

— Sim. — Assenti.

— Então... Eu estava falando do que sinto por você. — Lucas disse, olhando-me seriamente. — Eu sei que tudo está indo rápido demais, essa é a nossa segunda conversa, mas não consigo tirar você da minha cabeça desde o dia da festa, no ano passado.

— Isso é... — Eu comentei.

— Horrível, eu sei. Pareço um psicopata obcecado por você. — Ele interrompeu. — Me desculpe.

— Não. Não. — Falei sem hesitar. — Não é horrível. É ótimo. Sério.

A câmera-lenta parou, literalmente. Senti tudo parar ao nosso redor. É nesses segundos, quando tudo à sua volta para, que você percebe o que realmente importa. Naquele segundo, apenas nós importávamos.

— Greg? — Ele disse. — Posso te falar uma coisa?

— Pode.

— Eu estou profundamente, irremediavelmente, incondicionalmente apaixonado por você. — Ele respondeu.

Meu coração deu um pulo no peito. Eu simplesmente fiquei sem reação, como se não houvesse mais nada que podia acontecer. Eu já tinha esperado por aquele momento tantas vezes, quando alguém fosse se declarar para mim, mas ainda não tinha pensado em qual seria minha reação. Primeiramente, revisei todas as palavras dele, todas as letras. Depois, simplesmente não consegui acreditar.

Um silêncio se formou entre nós e, lentamente, o mundo começou a descongelar.

— E, tipo, eu agradeceria muito se você falasse alguma coisa... — Ele disse, com um sorriso nervoso.

Meu devaneio cessou. Estava na hora de encará-lo, encarar minha nova vida.

— Eu... — Respondi. — Eu queria dizer o mesmo para você, mas...

O sorriso e o brilho nos olhos dele cessaram. Tive a sensação de que tinha acabado de estragar a felicidade de alguém (de novo) e percebi que realmente não conseguiria aguentar o fato de estar magoando alguém novamente.

— Eu sou idiota. Nunca dou certo com as pessoas. — Disse ele, olhando para o chão. Pude ver a mágoa naqueles olhos, uma mágoa muito maior do que eu esperava.

Ele deu um passo para frente, ainda olhando para o chão, distanciando-se, e eu simplesmente não consegui ficar parado. Com rapidez, segurei seu antebraço e o puxei para perto de mim com gentileza.

— Eu posso não estar irremediavelmente apaixonado por você — eu disse —, mas isso não significa que não podemos tentar. Eu posso me apaixonar por você. Você é uma pessoa incrível, Lucas, e eu me sinto muito feliz por esse sentimento.

De alguma forma, fiz todo o mundo congelar novamente. Os olhos dele encontraram os meus e eu fiz de tudo para enxergar neles a força de que tanto precisava. E ela estava lá, escondida sob o amor que ele sentia por mim.

De alguma forma, o puxei para perto e meus braços envolveram seus ombros. Coloquei meu rosto em sua clavícula (ele era maior do que eu) e senti seu calor, seu perfume. O abracei com força.

— Podemos tentar. — Repeti.

Ele envolveu minhas costas com seus braços e apertou gentilmente.

— Sério? — Ele perguntou.

— Sério. — Respondi.

 

Minhas mãos escorregaram pelos braços dele, abaixando-se até seu pulso e então nossas mãos se tocaram. Foi um leve toque, quase como uma simples cócega, mas ainda assim senti a reação química subindo por minha pele e me arrepiando.

— Sabe — eu disse — Você foi a primeira pessoa que já me falou isso.

— É, você já me contou. — Ele respondeu com um sorriso. — E você é primeira pessoa que sorriu quando eu disse aquilo.

Sorri novamente.

— Você é o primeiro, Lucas. — Eu respondi, segurando sua mão. Ao contrário de Andrew, que tinha pele gélida, e Larry, que parecia me queimar com seu toque, Lucas tinha alguma espécie de estática sobre a pele, quase como magnetismo. Segurar sua mão foi a melhor coisa que me aconteceu em meses. — Se sinta importante. — Respondi, com um sorrisinho.

Ele sorriu, um sorriso lindo, e apertou minha mão com gentileza. Foi inevitável me lembrar da primeira vez que o vi, na festa do fim do ano passado. Quem diria que chegaríamos àquele ponto?

— Sabe o que também é importante? — Ele perguntou, sorrindo. — Estudo.

Eu o olhei debochadamente.

— Nem bem começamos. Não diga que vai me trocar por um livro... — Respondi, sorrindo.

— Nem pensar. — Rebateu ele, olhando para mim.

Senti Lucas me puxando para perto e permiti que ele passasse um dos braços por trás da minha nuca. Imaginei como estávamos parecendo naquele momento: um casal apaixonado. Éramos isso. Graças a Deus éramos isso.

— Então pretende matar aula? — Perguntei.

— Claro. — Ele respondeu. — Mas só se você matá-la comigo.

Eu olhei para ele, sorrindo, e naquele momento percebemos que estudar não deveria ser mais importante do que ficar com a pessoa que você gosta.

 

***

 

— Greg, seu louco, me conte tudo. — Disse Aqua, na hora da saída. Ela veio caminhando a mim e me entregou minha mochila, a qual eu tinha deixado na sala de aula no começo do intervalo. Ela sorria como uma criança.

— Sobre o quê? — Perguntei. Vi Alison e Alicia se juntando ao nosso grupo, e Ryan ao longe. Larry não parecia estar por perto.

— Sobre Lucas. — Aqua respondeu. — Thomas disse que você estava conversando com o Lucas.

— E você acreditou no Thomas? — Rebati. As três garotas arquearam as sobrancelhas.

— Larry estava na sala, Andrew não está mais aqui, Thomas também estava com a gente... Então, por que, ou por quem, você mataria aula?

Eu fitei o rosto de cada uma e desviei o olhar para o chão.

— Ok. — Respondi. — Eu estava com o Lucas.

Aqua se aproximou e arregalou os olhos para mim, mas foi Alison que perguntou, com ânimo:

— E então, como foi?

Eu, ainda olhando para o chão, lembrei-me das coisas que tinha dito para Lucas enquanto matávamos aula. Infelizmente, tive que deixá-lo ir embora, porque ele não podia se atrasar para o estágio, mas a lembrança de seus olhos claros não saía da minha cabeça.

Quando voltei a olhar para elas, tenho certeza, estava sorrindo como uma criança também.

— Acontece que... — Respondi. — Eu comecei a namorar!

 

O espanto delas foi evidente. Elas arregalaram os olhos e se aproximaram. Apenas Alicia sorria; Aqua e Alison pareciam desconfiadas, como se eu estivesse mentindo. Mas quando viram que eu realmente estava convicto, as três ficaram histéricas.

— Meu Deus, Greg, o quê?! — Elas perguntavam num coro de perguntas repletas de pontos de exclamação.

Eu levantei as mãos para acalmá-las.

— Ok, eu não sei se “namorar” é o termo certo, mas... Rolou algo entre nós. — Respondi.

— Você vai contar tudo para a gente neste exato momento. — Aqua ordenou.

E foi isso o que fiz.

 

***

 

Depois de explicar tudo para minhas amigas, e para Ryan (incluí uma parte extra, dizendo que essa história deveria ficar em segredo – ele jurou que não contaria para nossos pais), voltei para casa. Nada significativamente importante aconteceu num período de horas, e eu comecei a achar que aquilo que havia ocorrido era mais uma anomalia, algo que iria desaparecer.

Por horas, nada aconteceu, não até às sete horas da noite.

Eu estava deitado em minha cama, pensando em “reformar” o meu quarto – mudar a cama e os armários de lugar –, quando ouvi meu celular vibrar logo ao lado. Mais do que rapidamente, agarrei o aparelho e desbloqueei a tela.

Nova mensagem. De Andrew.

 

Ele: “oi”

Eu: “oi”

Ele: “tudo bem?”

Eu: “Sim, claro”

       “E vc?”

 

Dez minutos de silêncio.

 

Ele: “e aí, alguma novidade?”

 

Ótimo, ele realmente fez essa pergunta. Foi como levar um balde de água fria, algo como ter certeza que minha resposta poderia magoá-lo de alguma forma. Pensei no que tinha falado para minhas amigas, no que tinha contado para Ryan. E se eu contei para eles, por que não para Andrew?

 

            Eu: “Sim!!”

            Ele: “Nossa”

                   “O que é?”

 

            Pensei bem no que podia responder. Eu podia falar qualquer coisa (qualquer coisa mesmo), até mentir, mas realmente queria falar a verdade; não para esfregar minha felicidade na cara dele, mas para mostrar que eu finalmente consegui achar alguém.

 

            Eu: “Comecei a namorar!!”

 

            Uma pausa de minutos novamente. Ele viu a mensagem imediatamente, mas não respondeu. Foram minutos de tortura para mim e, provavelmente, para ele também.

 

            Ele: “Isso é ótimo”

                    “quem é o sortudo?”

            Eu: “Lucas Matheus”

                   “vc provavelmente não o conhece”

            Ele: “Quero conhecer [carinha feliz]”

                   “deve ser uma pessoa ótima”

            Eu: “Ele é”

 

            Finalmente, felizmente ou infelizmente, abri o jogo para Andrew. Fiquei imaginando como seria quando ele soubesse, e quando contei, senti que realmente estava fazendo algo importante.

            Finalmente comecei a (de verdade) aprender a como esquecer alguém.

 

***

 

            Contar a verdade realmente é muito bom. Isso libera você, lhe tira um peso da consciência. Eu acreditava que não precisava contar para todos sobre a minha vida pessoal, especialmente depois da saída de Andrew, mas não consegui aguentar a ansiedade. Sinceramente, fiquei pensando num modo de contar para ele, qualquer modo, qualquer palavra. Como eu podia falar que tinha seguido com a minha vida, sabendo que ele tinha sido o pilar que havia me sustentando há tanto tempo? Mas felizmente, ele pareceu levar numa boa. É claro, contei por mensagens no telefone, então não pude ver a reação dele, mas Andrew, acima de todas as coisas, era gentil. Ele não tentaria me advertir, não tentaria atrapalhar a minha vida. Ele apenas perguntou quem era o “cara sortudo”. Eu falei a verdade, obviamente, embora não pudesse saber se ele tinha acreditado.

            Dez, quinze, vinte minutos se passaram e ele não falou mais nada. Não disse, como era esperado, para eu tomar cuidado aonde jogava meu coração; não perguntou se eu estava realmente bem; não perguntou se eu amava o “cara sortudo”. Ele não disse mais nada.

            Fiquei deitado na cama, pensando no que ele havia me dito. Cara sortudo. Aquele foi o melhor elogio que ele já tinha me dado, pois praticamente dizia que seria sorte namorar comigo. Eu não tinha certeza se era verdade, nunca tinha pensado nisso. Eu não era visto como popular, embora muitas pessoas me conhecessem, pois não fazia amizade com muitas pessoas; não era desejado pelos garotos (ou garotas), com o que eu nunca me preocupei muito: eu era atraente, eles apenas não viam isso (acredito que algumas garotas do colégio ficaram desapontadas quando descobriram que eu era gay); e nunca tive muito dinheiro. Por que seria uma sorte namorar comigo?

            Fiquei me perguntando isso até se passar uma hora, quando fui chamado para o jantar, e, com cuidado, desviei de todas as perguntas e indiretas.

 

            Uma hora após o jantar, quando, felizmente, meus pais não me perguntaram mais nada e foram dormir, eu fiquei sentado na cama, olhando para o nada. Eu simplesmente não sabia o que fazer, ou o que falar. Foi tudo tão rápido, inesperado, como um tiro. Lucas entrou na minha vida, Andrew saiu. Não deveria ser tão complicado. Larry estava se preparando para sair e Thomas forçava a entrada. Isso sim deveria ser complicado. Mas estranhamente, eu me sentia mais aberto em relação à Larry do que à Lucas.

            E foi por causa de Larry que eu perdi o sono naquela noite.

            Ele somente tinha ido à minha casa uma vez, mas, supus, já era o suficiente para decorar onde ela ficava. Ao invés de ligar no telefone, perguntando se podia ir ao meu esconderijo emocional (minha casa), ele apenas mandou uma mensagem com:

 

            “Estou indo para sua casa

 

            Eu não pude simplesmente responder com um “não” porque, pelo jeito, ele já tinha saído. Então esperei por dez, quinze, vinte minutos. E enquanto isso, Andrew não respondia...

            Foi o barulho de um motor automotivo que me alertou da chegada dele. Eu não esperava, realmente não. Larry era imprevisível.

            Sem pensar duas vezes, deixei meu celular em cima da cama e levantei bruscamente, correndo pelo corredor até a porta da casa. Quando saí, consegui ver o contorno de Larry sob a meia-luz dos postes. Antes de sair correndo na direção dele, bati a mão num interruptor e liguei as luzes externas. De repente, a forma dele se tornou clara, e como eu me lembrava. Calça jeans preta, camiseta branca sob uma jaqueta de couro, os cabelos bagunçados e embaraçados... Larry.

            Saí da casa, sem parar de olhar para ele, e me aproximei lentamente, com cuidado para não acordar meus pais.

            — Larry. — Eu disse seriamente. — Você não pode simplesmente aparecer na minha casa, no meio da noite, sem me perguntar se pode vir antes. Não por mim, eu não ligo, mas meus pais podem me matar.

            — Eu sei, me desculpe. — Ele respondeu. — Mas aconteceu algo e eu acho que você precisa saber. Não podia falar por mensagens, é muito importante.

            — Ai meu Deus, Larry... — Eu comentei, revirando os olhos e agarrando as barras do portão para abri-lo. — Todo esse suspense vai te matar um dia.

            Ele sorriu, e, repentinamente, não pareceu mais que estava de noite, pois seu sorriso iluminou seu rosto.

            — Obrigado. — Disse ele, entrando.

            — Só tente ficar em silêncio, meus pais e meu irmão já foram dormir. — Ordenei quase cochichando, enquanto entrávamos pela porta.

            — Tudo bem.

 

            Com passos lentos, fomos andando até os fundos da casa, onde ficava meu quarto. Larry passou o trajeto olhando para os lados, como se nunca tivesse ido ali. Eu fiquei imaginando o quanto da minha casa ele já tinha visto. Quando eu menos esperava, ele teve um ataque de tosse.

            — Larry! — Eu falei com dentes cerrados, virando-me na direção dele. Ele realmente parecia ter se engasgado com algo.

            — D-desculpe. — Disse ele. — Estou meio gri-gripado.

            Ele colocou a mão na frente da boca, para abafar o som, e eu praticamente o empurrei para dentro do meu quarto, gargalhando.

            Quando o ar voltou aos pulmões dele e quando eu vi que podíamos falar normalmente, comentei:

            — Talvez não seja seu mistério o responsável por matá-lo. Será essa gripe.

            Ele gargalhou.

            — Provavelmente. — Respondeu.

            Larry olhou em volta, praticamente mostrando que nunca esteve no meu quarto. Eu sinalizei a cama, como se ela nem estivesse ali, e Larry entendeu o recado. Nós sentamos, de frente um para o outro; eu com as pernas flexionadas e ele em “posição de índio”.

            — E então? — Perguntei. — Sobre o quê queria conversar?

            Ele sorriu, com olhos brilhando. Eu nunca tinha visto-o tão feliz.

            — É uma novidade bem estranha, mas não inesperada. — Ele disse.

            — Eu também tenho uma novidade estranha, mas não inesperada, para te contar. — Comentei, semicerrando os olhos, lembrando-me que não havia contado para ele sobre Lucas.

            — Pois bem. — Disse ele. — Vamos falar no três.

            — O quê?

            — Vamos contar até três. Quando chegarmos no “três”, falamos ao mesmo tempo! — Ele respondeu todo animado, como se aquilo fosse uma brincadeira de criança. Eu revirei os olhos perante a insistência dele em arrancar um sorriso do meu rosto. E ele conseguiu, de novo.

            Respirei fundo. Eu realmente ia contar para ele, realmente queria contar, por mais que já tivéssemos passado por problemas e intrigas no passado. Afinal, se contei para Andrew, por que não para Larry? Ele descobriria de alguma forma, aliás, e eu não gostaria de esconder qualquer coisa dele novamente (da última vez foi um desastre: toda aquela história do Correio-Elegante).

            — Um. — Disse ele.

            — Dois. — Respondi.

            Nossos olhares se conectaram. Falamos ambos ao mesmo tempo.

            — Três!

            E então houve aquele pequeno momento que decidiu o resto da minha vida.

            Eu disse: — Comecei a namorar com o Lucas Matheus!

            E ele: — Comecei a namorar com a Anne!

 

            — O quê? — Larry perguntou, sorrindo. — Você também começou a namorar?

            Eu não respondi. Não conseguia. Fiquei olhando para ele, para seus olhos escuros, para a certeza de que nunca poderia tocá-lo como Anne em breve tocaria.

            — Sim. — Falei, após alguns segundos. — E você...

            — Também. — Ele respondeu todo animado. — Anne me pressionou, até que eu cedi e disse “sim”. Não é ótimo? E uma bela coincidência.

            — Sim, é ótimo. — Respondi, apenas assentindo. — É realmente ótimo.

 

            Como já dito, não consegui dormir naquela noite. Fiquei deitado, após que Larry foi embora, olhando o teto do quarto. O pior de tudo é que eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, aquilo iria acontecer. Eu realmente não estava mais completamente apaixonado por ele, mas, por alguma razão, talvez por esperança ou talvez pelo desejo de algo a mais com ele, fiquei profundamente triste quando Larry me disse que tinha começado a namorar.

            Tentei, mas não consegui dormir.

 

***

 

            No dia seguinte, não esperei Ryan ao sair de casa. Fui rápido, praticamente correndo pelo caminho até o Colégio Vargas, e fiquei esperando pelo sinal de entrada. Inúmeros alunos passavam de ambos os lados, e eu até vi Larry entrando pelo portão, mas ignorei. Não conseguia mais olhar para ele sabendo que nada mais aconteceria entre nós.

            Finalmente, após alguns minutos, o sinal de entrada veio, e com ele, minha consciência de que tudo estava prestes a mudar.

 

            Foi na hora do intervalo que eu realmente senti a minha ansiedade chegando. Aqua, Alison e Alicia ficaram perguntando, durante as três aulas, sobre Lucas Matheus e tudo o mais. E ainda assim, ficaram surpresas quando ele entrou pela porta quando o sinal para o intervalo tocou.

            — Ai meu Deus, Greg. — Disse Aqua. — Prepare-se.

            Como previsto, todo o resto do mundo pareceu ficar em câmera-lenta conforme ele se aproximava. Eu tentei sorrir, tentei mesmo, e acredito que meu rosto mais parecia uma mistura de felicidade e angústia. E de fato, meu coração estava daquela forma: feliz por Lucas e angustiado por Larry.

            — O que você está fazendo aqui? — Perguntei quando ele se aproximou. As pessoas passavam ao nosso lado, obviamente perguntando-se por que um garoto desconhecido, de outra sala, estava conversando comigo.

            — Oi para você também. — Ele respondeu sorrindo.

            Lucas estendeu a mão em minha direção e eu aceitei o pedido. Com firmeza, segurei em sua mão enquanto ele me puxava para perto e envolvia meus ombros com seus braços. Foi um abraço normal, não como o esperado, mas necessário assim como todos os outros. Quando o segurei em meus braços, abri os olhos e vi o que não queria ter visto.

            Thomas, ele estava olhando diretamente para nós; não somente olhando, ele tinha um ódio escondido sob o olhar. O ignorei.

            — Como achou a sala onde eu estudo? — Perguntei para Lucas, afastando-me alguns centímetros, mas sem largá-lo completamente.

            — Eu perguntei pros coordenadores. — Ele respondeu sorridente, com os olhos brilhando. — Você está bem?

            — Eu estou. E você?

            — Também.

            Deixei o silêncio reinar de propósito, olhando fundo nos olhos dele. Nesse momento, senti algo completamente novo. Tudo pareceu desaparecer, incrivelmente, tudo parecia não passar de um pequenino problema. Larry, Andrew... Eles pareceram insignificantes naquele momento. Senti que podia combater o mundo inteiro desde que ficasse ao lado de Lucas.

            Foi um sentimento estranho.

            — Ok. — Respondi. — Vamos sair daqui.

 

***

 

            Lucas se sentou na arquibancada, estendendo a mão para mim. Eu olhei para baixo, para seus olhos acesos, e me sentei ao lado dele. Nossas pernas estavam se encostando, assim como nossos braços. Embora estivéssemos devidamente vestidos, pude sentir a estática que me puxava para perto dele. E para não estragar o momento, para não deixar aquele desejo desaparecer, eu segurei a mão dele. Não demorou muito para Lucas perder a timidez: ele passou um dos braços por trás da minha nuca. Ficamos “semi-abraçados” por um tempo, olhando as pessoas na quadra poliesportiva.

            — Está realmente tudo bem? — Ele perguntou.

            — Claro. — Respondi, tentando parecer completamente indiferente aos meus problemas. — Só algumas coisinhas que me incomodam...

            — Tipo?

            — Nada. — Respondi, sorrindo gentilmente e olhando para ele. — São coisas sobre trabalhos e tal.

            — Ah. — Ele argumentou. — Isso é um saco. Estudar, quero dizer. Estudar é um saco.

            — Realmente. — Respondi. — Mas é necessário, se queremos ter um futuro.

            — Futuro? O que você quer ser “quando crescer”?

            Eu olhei novamente para ele. Éramos, novamente, um casal apaixonado que se entreolhava e sorria. Com um sorriso, não larguei a mão dele, mas me virei de frente. Olhando seriamente, respondi:

            — Você ainda tem que me conhecer bem, Lucas.

            Ele pareceu um pouquinho incomodado.

            — Estou tentando. — Respondeu com um sorrisinho.

            — Eu sei. Eu também não te conheço muito. — Respondi. — Mas, respondendo à sua pergunta... Eu quero ser escritor. Ou músico.

            — Escritor? Músico? — Ele respondeu, sorrindo. — É bem a sua cara. Você parece que gosta de escrever.

            Estreitei os olhos.

            — Ei, o que você quer dizer com isso? — Perguntei, sorrindo genuinamente agora, dando um leve empurrãozinho no ombro dele.

            Lucas olhou seriamente para mim, com um sorriso no rosto, e eu pude ver toda nossa conexão naquele olhar. Foi como se tivéssemos sido expostos à nossos futuros: seríamos amigos, melhores amigos, e namorados. Foi uma imaginação adorável.

            — E você? — Perguntei. — O que quer ser na vida?

            Ele desviou o olhar, olhando para a quadra poliesportiva repleta de alunos.

            — Eu não sei. — Respondeu pensativamente. — Nunca parei para pensar nisso. Mas, o que eu quero, agora, é ficar com você.

            Os olhos dele encontraram os meus.

            Naquele milissegundo, eu soube o que fazer.

            Esses momentos de profunda intimidade são estranhos, nunca sabemos muito bem o que fazer. Mas a falta de reação desbloqueou algo em mim. Eu me aproximei. Felizmente, ele não se afastou e apenas continuou me olhando com um sorriso no rosto. E então até ele começou a se aproximar. Estávamos a centímetros um do outro. Eu podia sentir seu perfume, seu calor. Larguei sua mão e o toquei na clavícula. Consegui sentir seus ossos sob meu toque e então ele se aproximou mais...

            E me beijou.

 

***

Uma semana depois...

 

            Ryan fez sua parte em guardar o segredo. Meus pais nem desconfiavam de qualquer coisa sobre a minha vida pessoal: não sabiam da saída de Andrew, da minha perda definitiva no que diz respeito ao Larry, e muitos menos sobre a aparição repentina e arrebatadora do Lucas Matheus. Eu também fiz minha parte. Falei somente o essencial e tentei ao máximo esconder meus sentimentos. Consegui.

            Passou-se uma semana após nosso primeiro beijo, e eles nem desconfiavam. Para falar a verdade, poucas pessoas sabiam desse beijo, pois eu apenas tinha contado para minhas amigas e para Larry. Larry, após ficar sabendo, apenas sorriu e disse “isso é ótimo” e então saiu de perto. As garotas ficaram bem mais histéricas. Elas não pararam de me perguntar como tinha sido, sobre tudo, desde o jeito que ele beijava até quem possivelmente tinha visto a cena. Eu respondi tudo igualmente histérico.

            Lucas Matheus realmente perdeu a intimidade depois daquele beijo. Ele começou a me mandar mensagens no celular, às vezes frases aleatórias sobre como ele gostava de mim. Eu e ele nos encontramos todos os dias durante a semana, nos intervalos das aulas. E é claro, sessões de carícias iguais a primeira se repetiram dia após dia. Felizmente, Lucas parecia mais apto a guardar o segredo de nosso namoro do que eu, porém, eu desconfiava que não conseguiríamos esconder nosso relacionamento por muito tempo. Ele concordou com isso, mas ainda assim ficou em silêncio sobre nossos beijos. Fiquei imaginando para quem ele contava coisas desse tipo. Será que ele tinha amigas como as minhas? Ou apenas amigos? Tentei perguntar isso para ele, certo dia, mas minhas perguntas foram desviadas com olhares insistentes.

            Finalmente, decidi que ficar com ele seria a melhor maneira de esquecer todo o resto. Ele me dava essa sensação, aliás, a sensação de que todo o resto não tinha importância, pois estávamos juntos, e isso já bastava. Foi uma guerra para falar a verdade, unir todos esses sentimentos que eu tinha por todos os outros e direcioná-los somente à Lucas. Foi horrível e belo ao mesmo tempo. Confuso, porém necessário.

            Tornou-se uma rotina, com certeza. Quando o sinal do intervalo tocava, eu saía em disparada para a quadra poliesportiva onde ele (na maioria das vezes) já estava me esperando. “Cegueira” é a melhor palavra para explicar como eu me sentia. Cego. Cego de todo o resto: a única coisa que eu via era ele.

 

***

 

            No sétimo dia, quando o sinal para o intervalo tocou e os alunos se levantaram das mesas, preparando-se para sair, olhei para Aqua, Alison e Alicia, e as três devolveram o olhar com expressões de “vá encontrá-lo logo”. É claro, não me detive em ficar sentado enquanto todos já sabiam a rotina. Porém, quando me levantei, o vi parado na porta da minha sala.

            Sem hesitar, sem ao menos olhar para minhas amigas ou para Thomas, corri até a porta e o abracei ferozmente. Ouvi o som da risada dele abafada pelo abraço e sorri de volta.

            — Por que veio até aqui? — Perguntei gentilmente.

            — Eu já estava por perto. — Ele respondeu.

            Foi inevitável não beijá-lo. Olhei para seu rosto sorridente e aceso, como uma criança que acabara de ganhar um presente, e levemente encostei meus lábios aos dele. Primeiramente, numa pressão leve, quase imperceptível, depois se intensificando e fazendo-me perder o ar.

            De repente, percebi que ainda estávamos na sala.

            — Querem um quarto? — Perguntou uma voz conhecida, bem aproximadamente.

            Lucas interrompeu o beijo e olhou para o lado instintivamente. E também não consegui ignorar a fala.

            Larry estava ao nosso lado, com um sorriso, claramente entretido na nossa troca de carícias homossexual.

            — Larry. — Eu disse, censurando-o, mas o sorrisinho brincalhão dele nunca se abatia por nada.

            — O que foi? Podem continuar... — Ele respondeu, saindo da sala.

            Com um último olhar constrangedor na direção da porta, olhei novamente para Lucas com uma expressão de desculpas. Foi realmente uma confusão, algo que eu nunca esperaria.

            Enquanto o restante da sala saía para o corredor, eu segurei na mão de Lucas e não fiz mais nenhuma pergunta. Apenas abri a boca para falar algo quando as únicas pessoas que sobraram na sala fui eu, ele e minhas amigas.

            — Aquele era o Larry. — Respondi à pergunta deixada no ar. Lucas comprimiu os lábios e depois sorriu.

            — Ok. — Respondeu. — Seu amigo?

            — Sim. Ele... Ele é.

            Poucos segundos de silêncio surgiram até Lucas falar algo completamente sem espera:

            — Ele é bonitinho.

            — Lucas! — Argumentei, sorrindo e empurrando-o gentilmente no ombro.

            — O quê? É verdade. Ele é bonitinho. — Lucas se defendeu. — Não se preocupe, Greg, eu não vou te trair com seu amigo.

            Os braços dele se levantaram subitamente, contornando meus ombros e puxando-me para perto. Ele se encostou ao quadro negro e eu coloquei minhas mãos em sua cintura. Ficamos um tempo ali, parados, olhando um para o outro, até que a Aqua resolveu interferir (infelizmente).

            — Olá? — Disse ela. — Tem alguém aí ou devemos voltar mais tarde?

            Lucas desviou os olhos dos meus para olhar para elas. Ele sorriu.

            — Vocês são...?

            Eu me virei apenas alguns centímetros, sem largar a cintura dele, e respondi com desgosto:

            — Minhas amigas. Aqua, Alison e Alicia.

            — Ok. — Lucas respondeu.

            Nossos olhares se encontraram novamente e eu tive a sensação de que não iríamos para nenhum lugar além daquele. Eu queria estar lá, como ele, permanecer lá com ele, algo que eu apenas tinha sentido uma vez na vida, quando Andrew se aproximou subitamente logo após o início de seu namoro. Aqua, Alison e Alicia pareceram notar que alguma química arrebatadora surgiu entre mim e Lucas, então, sem hesitarem, correram para fora da sala.

            Quando elas saíram, Lucas expirou debochadamente.

            — Ufa. Se conhecer a sua família for tão estranho quanto conhecer seus amigos, então eu nem quero. — Disse ele.

 

            Existe uma estranha sensação de liberdade quando se está dentro de uma sala fechada, com as cortinas cerradas e sem ninguém além da pessoa que você gosta. É estranhamente libertador, como tentar destrancar um cadeado que o prende.

            Não demorou muito para Lucas acatar a deixa (eu já havia acatado há tempos). Alguns segundos depois da última pessoa deixar a sala, eu fui até a porta e tranquei-nos lá dentro, com a promessa de que destrancaria antes do sinal tocar novamente – algo que eu não queria que acontecesse tão cedo. Também não demorou muito para retomarmos nossos beijos. As cortinas já estavam fechadas, afinal.

            Ele me puxou para perto, com um pouco mais de força do que antes. Tudo bem, ainda estávamos no início do namoro, mas não havia motivos para não irmos mais à fundo. Ele deu meia-volta, segurando meu antebraço, e eu bati as costas no quadro-negro. Não foi ruim, porque ele estava comigo.

            Perdi o ar, mas não por causa da batida.

            Um beijo mais caloroso, longo e apaixonante veio depois. Ele se pressionou contra mim, beijando-me com força, e eu pude sentir cada músculo de seus braços quanto passei as mãos por eles. A pressão que ele exercia sobre mim me fez esquentar. As mãos dele também encontraram um caminho, tocando-me no abdômen e subindo até meu peitoral. Qualquer toque parecia me puxar mais para perto.

            Mas já estávamos pertos o suficiente.

            As mãos dele subiram até meu pescoço, segurando meu maxilar enquanto seus lábios simplesmente não paravam. Após isso, ele puxou gentilmente meus cabelos, forçando-me a dar uma pausa.

            — Lucas... — Eu disse, quase sem ar.

            Ele finalmente abriu os olhos e, por um mínimo instante antes de suas pupilas focarem, pude ver todo o desejo escondido sob suas pálpebras.

            — O que foi? — Ele perguntou, parecendo ressentido. — Não é isso que você quer? Estamos indo muito rápido?

            Eu balancei a cabeça.

            — Não. — Respondi. — Nem perto disso. É só que... É só que eu não esperava que fosse ser assim.

            Sem esperar ele responder, segurei em sua cintura e o puxei para mais perto (quase tocando nossos corpos), e o virei para o lado, fazendo-o bater as costas no quadro-negro. Ele me olhou com espanto, mas, quando viu o sorriso em meus lábios, seus olhos acenderam numa selvageria indescritível.

            Realmente, perdi a noção de tempo depois disso.

 

            Quando o sinal para a volta do intervalo tocou, nós interrompemos nossas trocas de carícias rapidamente e abrimos a sala. E então toda aquela sensação foi se dissipando aos poucos, e eu fiquei me perguntando o que de fato faríamos quando estivéssemos sozinhos de novo. Aquilo não tinha passado de trocas de beijos e abraços acalorados, mas, eu não tinha dúvida, escapamos por pouco de algo mais sério.

            Os alunos entraram novamente na sala e nenhum deles pareceu perceber algo estranho. Até mesmo Aqua, Alison e Alicia não pareceram desconfiadas – o que eu achei estranho, primeiramente, porque elas sempre foram muito intuitivas.



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