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História Magoar, Perdoar e Esquecer (Edição de Ouro) - Alguém queimou


Escrita por: GSilva

Capítulo 22 - Alguém queimou


ALGUÉM QUEIMOU

Uma semana depois...

            É incrível como o tempo pode passar rápido quando tudo que nós queremos está a um metro de distância, hipoteticamente falando. Eu não vi os dias passarem, não senti o vento ou a chuva, não percebi que as provas e as aulas estavam cada vez mais difíceis, não notei que Larry e Anne realmente tinham ficado juntos. Por uma semana, senti como se tudo estivesse indo como água num riacho veloz: correndo em alta velocidade.

            A rotina se tornara uma forma de normalidade. Todos os dias, na hora do intervalo, eu e Lucas nos encontrávamos na quadra poliesportiva, sem exceções. Ele se mostrava cada vez menos sem timidez, como se realmente tivesse perdido o medo de socializar comigo, e até se ofereceu para quebrar a rotina: numa terça-feira, decidiu me levar para casa. Não o convidei para entrar, pois não queria que ele conhecesse meus pais, mas ficamos por um tempo no lado de fora do quintal. Ele também não parecia muito apto a conhecer minha mãe ou meu pai, aliás.

            Mas verdadeiramente, as coisas andaram rápido demais. É difícil explicar detalhadamente, porque até mesmo eu fiquei estupefato com a capacidade de mudança que tudo tomou em minha vida. Cada vez mais, Andrew se afastava de mim como se nunca tivéssemos nos conhecido. Nos primeiros dias de sua ausência, eu contava os minutos para o anoitecer porque sabia que ele iria me mandar uma mensagem. Mas, duas semanas depois, apenas alguns “olás” vazios dia ou outro. Ele não parecia muito empolgado em conversar comigo. Larry também se afastou, como o esperado. Sempre conversávamos nos intervalos entre as aulas, ou quando ele chegava à tarde na minha casa, convidando-me para ir ao parque. Depois, nossas poucas interações se resumiram a olhares trocados no corredor ou sorrisos em horas erradas. Não digo que a culpa era completamente deles, de Larry ou de Andrew, pois eu também me afastei gradualmente, parando de conversar aos poucos, mas simplesmente não conseguia aceitar o fato de que tudo tinha mudado.

            Eu não me sentia sozinho, para falar a verdade, porque Lucas estava comigo, sempre. Durante todos os dias, nos encontrávamos na hora do intervalo e na hora da saída. Meu irmão começou a ir sozinho para casa e eu me acostumei com um pequeno atraso de trinta minutos para voltar. Meus pais suspeitaram, obviamente, mas eu os convenci dizendo que estava fazendo um trabalho do colégio muito importante e que precisava ficar até mais tarde. No fim, eles pararam de fazer perguntas, entretanto não pararam de suspeitar.

            Eu gostava de sentir aquilo, o sentimento de que eu tinha uma vida onde ninguém estava metendo o nariz sem ser chamado. Lucas era exclusivo, na minha mente, para mim; e eu, para ele. Lucas disse que ainda não tinha contado para seus pais sobre nosso namoro, e achamos essa era a melhor opção.

            Porém, como tudo podia acontecer, no sétimo dia, algo entrou em nosso caminho.

 

            — O processo de divisão celular consiste na... — Disse a professora de biologia, erguendo os braços para simular que estava dividindo uma célula no meio. Eu olhei para ela e como sempre senti o tédio que me afligia nas aulas de Biologia.

            Desviei o olhar para minha mesa. Os riscos sobre a madeira pareciam evidenciar uma briga de gatos – muito, mas muito mais interessante do que uma aula sobre divisão celular. Fiquei olhando os riscos enegrecidos até sentir Alison se virar para trás. Diante da algazarra da sala, a professora mal notou seu desvio de comportamento.

            — Greg — disse Alison —, por favor, me mate. Eu não aguento mais essas aulas de Biologia.

            — Muito menos eu. — Respondi sorrindo. — A professora nunca notou que ninguém liga para divisão celular?

            — Acho que não. — Alison gargalhou. — Ela é mais chata do que nossa ex-professora. Vamos conversar.

            Alison realmente se virou na cadeira para olhar para mim. Seus olhos estavam acesos de empolgação, algo que eu geralmente encontrava em seu rosto. Ela colocou as mãos sobre a minha mesa e eu me afastei alguns centímetros para trás.

            — O que pode ser mais legal do que Biologia? — Perguntei sarcasticamente. — Sobre o que você quer falar?

            — Lucas. — Respondeu ela bruscamente. — Você quase não fala dele para a gente. Vamos, conte. Como vocês estão?

            — Huuuu bem, eu acho. — Respondi, estreitando os olhos. — Por quê?

            — Por nada. É só que você parece muito distante nesses dias, desde que começou a namorar.

            — Sim. Eu também me sinto um pouco distante. Mas... — Respondi. — Mas é só uma questão de se acostumar.

            — É tudo muito novo, não é?

            — É.

            — Eu sei como é. Meu primeiro namoro também foi assim. — Ela respondeu, desviando o olhar. Naqueles olhos eu pude ver a sombra de um passado que ela lutava para esconder. Fiquei ressentido. Eu nunca tinha parado para pensar em como tinha sido a vida emocional de Alison.

            — Mas não se preocupe. — Continuei animadamente. — Não vou trocá-las por ele. Lucas não é minha completa prioridade, só alguém muito importante.

            Ela olhou para mim por um milésimo de segundo e de repente pareceu se lembrar de algo extraordinário. Ela bateu na mesa, comprimindo os lábios, falando com voz fina:

            — Ah, sobre isso. Eu preciso falar com você!

            Eu franzi o cenho.

            — Você já está falando.

            — Não é sobre isso. — Alison respondeu, revirando os olhos. — É sobre Thomas. — Acrescentou, abaixando a voz.

            — Thomas? — Perguntei confuso.

            — Sim. Ele disse que quer falar com você. — Ela respondeu. — Na hora do intervalo.

            — Mas... Mas eu vou me encontrar com Lucas na hora do intervalo. Ele disse sobre o que é?

            — Não, mas parece sério demais. — Alison respondeu. — Esse Thomas é muito estranho.

 

            Na hora do intervalo, fiquei esperando a tal conversa com Thomas por uns dez minutos. Quando ele finalmente não veio me procurar (na verdade, ele sabia onde eu sempre ficava), saí da sala às pressas e corri para a quadra poliesportiva. Lucas não pareceu notar o atraso.

            Quando o vi, parado, ao lado da entrada da quadra, não consegui me segurar. Meus braços rodearam o corpo dele, abraçando-o ferozmente, e ele sorriu.

            — Bom dia pra você também. — Disse ele.

            Eu sorri e o beijei calorosamente. Ele deu um pequeno passo para trás, segurando meus braços, e ambos tropeçamos nos paralelepípedos do pátio. Quase caímos. Ele gargalhou e se afastou rapidamente.

            — Meu Deus, Greg. — Disse ele. — O que houve? Parece que nunca me viu na vida...

            — Se eu nunca tivesse te visto, não te atacaria dessa forma. — Respondi sarcasticamente, olhando. — Eu só queria te encontrar.

            — Ok. — Respondeu ele, estendendo a mão para mim. Eu a segurei com força e ambos começamos a andar.

            Grupos e mais grupos de alunos passavam de ambos os lados de nós, olhando-nos com expressões acusadoras. Não era para menos: nós formávamos o único casal gay que aquele colégio já tinha visto, desde seu início. Aposto que eles não esperavam que eu fosse encontrar alguém, na verdade, por causa de toda aquela história com Andrew e tal. Quando eu e Lucas decidimos andar de mãos dadas pela primeira vez, todas as pessoas olharam para nós. Eu realmente não me importava, mas não podia deixar de pensar que aquilo estava sendo tão novo para mim quanto para ele.

            Caminhamos lentamente pelo pátio, de mãos dadas, olhando em volta. Não vi algum sinal de Thomas. Fiquei pensando no que ele queria conversar comigo. Se, de fato, era algo muito importante, muito sério, por que ele simplesmente saiu da sala e nem sequer olhou para mim ou disse qualquer coisa?

            — Como foram as suas aulas? — Lucas perguntou, rompendo nosso silêncio.

            — Boas, eu acho. E estranhas. E as suas? — Perguntei de volta, olhando-o. O clima nublado dava a ele uma beleza muito mais pacífica, deixando seus olhos com um tom azulado, seus cabelos mais escuros e seu sorriso mais misterioso.

            — Boas também. — Respondeu ele. — Espere. O que você quis dizer com “estranhas”?

            Eu sorri.

            — Nada. É só que... Sabe aquele garoto que estava conversando comigo, há umas duas semanas, quando você veio me chamar? Então, ele está mais estranho do que nunca. — Respondi. — Ele sempre foi estranho, mas agora parece que piorou.

            — Sério? — Lucas perguntou. — Aquele garoto loiro?

            — Sim. Thomas. É o nome dele. — Acrescentei.

            Tínhamos chegado à parede de um dos pavilhões, cuidadosamente pintada de verde. Lucas se encostou a ela e segurou minha mão com força, puxando-me para perto. Estávamos tão próximos que eu podia sentir seu perfume e mal precisávamos falar em voz alta. Ninguém parecia estar prestando atenção na gente.

            — E qual é o lance entre vocês? Deve existir um motivo para ele ser estranho com você. — Ele perguntou. Eu pisquei os olhos freneticamente, tentando me afastar.

            — Nossa, que inesperado. — Respondi. — Não precisa ter ciúmes por causa do Thomas. Ele era só meu amigo.

            — Só? — Ele perguntou.

            — Sim. Tivemos algumas brigas por causa do que ele sentia por mim (devo dizer que era mais de amizade), porque eu não sentia a mesma coisa, e ele ficou nervosinho. — Respondi.

            — Você foi mal!

            — Eu não fui mal, só fui verdadeiro. — Respondi. — Enfim, não quero falar de Thomas. Você só não precisa sentir ciúmes por causa dele.

            — Isso é bom. — Lucas respondeu, puxando-me mais para perto. O sorriso dele era ainda mais lindo de perto. — Porque você é meu, e eu não costumo dividir.

 

***

 

            Ficamos (literalmente “ficamos”) por mais dez minutos após a entrada do intervalo. Ele não queria ir para a sala tão cedo e eu também achava mais interessante estar ali do que numa aula de Direito. Finalmente, após esses 600 segundos, ele decidiu que era melhor ir para sua aula.

            Eu o deixei ir e, então, subi as escadas até a passarela principal, indo para minha sala. No caminho, não encontrei ninguém conhecido, o que achei bom por um motivo: ninguém me denunciaria ao professor por estar dez minutos atrasado para a aula. Quando cheguei ao pátio do ensino técnico, senti que algo estava estranho. Sempre tive uma intuição muito forte, sempre senti quando algo estava diferente ou errado, e, naquele momento, o sentimento veio mais forte do que antes. Meu coração bateu forte e minha garganta ficou seca, evidenciando o nervosismo. Com uma dose de coragem, caminhei até o corredor e entrei na sala.

            O choque foi instantâneo. Toda a sala ficou em silêncio, olhando-me. Eu olhei para eles com o cenho franzido e perguntei:

            — Gente, o que foi?

            Eles nãos responderam, pois pareciam muito ocupados em me olhar com aqueles olhos arregalados. Quando desviei meu olhar para o lugar onde minhas amigas e eu sentávamos, percebi o motivo da apreensão.

            Andrew estava lá.

           

            Meu espanto foi momentâneo. Milhares de coisas passaram por meus pensamentos, desde “mas que merda é essa?” até “eu vou matar esse desgraçado!”. Fiquei em silêncio, controlando meus movimentos a fim de tentar esconder minha tremedeira, e caminhei lentamente até onde eles estavam. A sala começou a cochichar lentamente e logo depois todo um coro de conversas tomou conta do recinto.

            — Greg, não fale uma besteira. — Aqua aconselhou quando eu me aproximei de onde Andrew estava sentado (no meu lugar).

            Eu ignorei o olhar das minhas amigas e olhei em volta, procurando por Alexia, mas ela não estava em lugar algum. Retornando meu olhar para baixo, vi que ele não usava o uniforme do colégio.

            — Mas que merda é essa? — Perguntei, falando a primeira coisa que veio à minha mente.

            — Nossa, eu esperei algo mais gentil. — Disse Andrew. Seus olhos verdes varreram meu rosto com alegria.

            — Andrew, o que você está fazendo aqui? — Perguntei.

            — Eu vim ver como andam as coisas. Já faz um tempo que não converso com vocês e...

            — Venha. — Ordenei, virando-me de costas. — Vamos conversar lá fora.

            A sala inteira olhou Andrew se levantar, engolindo em seco, e começar a me seguir. Andei rapidamente até a porta, saindo ao corredor, e ele veio logo atrás. Ouvi os risos e as conversas se acalorando quando fechei a porta para ficar a sós com ele.

            Andrew se virou com as sobrancelhas levantadas e os braços abertos.

            — Desculpe Greg, mas eu vim te ver e é assim que você me recebe?

            Eu não escutei as palavras dele no primeiro momento. Avancei com o máximo de rapidez que consegui, antes que ele pudesse se afastar. Meus braços contornaram seus ombros largos e eu o apertei contra mim. Lentamente, enquanto eu sentia seu perfume e o abraçava, ele colocou os braços em volta do meu corpo.

            — Eu senti sua falta. — Respondi.

            — Eu também senti a sua. — Disse ele.

 

            Afastei-me gradualmente, como se estivesse com medo da reação dele, mas nada que ele fizesse poderia me assustar. Andrew me olhou enquanto nos afastávamos e um sorriso se abriu em seus lábios. Por um tempo, apenas ficamos parados, cada qual no seu lado do corredor. Havia tantas coisas que eu queria dizer para ele, tantas perguntas e tantas ofensas, mas naquele momento não consegui pensar em nada. Apenas consegui ficar parado, olhando-o, enquanto ele me encarava de volta.

            — Como você está Greg? — Ele perguntou, finalmente quebrando o silêncio entre nós.

            — Bem. — Respondi imediatamente, agora sorrindo para ele. — Agora estou bem. E você?

            — Não muito. — Ele respondeu, desviando o olhar. Aquilo me espantou porque, principalmente, ele nunca desviava o olhar. Era algo que tínhamos, a capacidade de um sustentar o olhar do outro. Contudo, seu olhar se dirigiu ao chão como se ele estivesse vazio por dentro.

            — Como assim? Você me parece muito bem. — Respondi, aproximando-me novamente. Ele não recuou.

            — Eu estou bem. — Andrew reafirmou. — Só não completamente.

            — Bom, acho que precisamos de um lugar mais reservado. Algum coordenador pode passar por aqui. — Comentei, olhando para o final do corredor. Ele assentiu lentamente.

            Enquanto cruzávamos o pátio, ambos em silêncio e visivelmente curiosos, eu parei para pensar no porquê de ele ter voltado. Não havia algum motivo explícito, a não ser que ele realmente tivesse voltado a ser um integrante da nossa sala. Mas eu duvidava que fosse isso, seriamente duvidava.

            — E então? — Perguntei, quando chegamos na “nossa” área ao lado do pavilhão: o mesmo lugar que ele havia me dito que amava a Alexia. — Por que está aqui?

            — Por você. Eu já disse. — Ele respondeu, arqueando as sobrancelhas. — Preciso de ajuda.

            — Ajuda? — Perguntei.

            Ele se aproximou. Eu estava com as costas apoiadas na parede, então não tinha mais para onde ir, portanto fiquei parado enquanto ele se aproximava cada vez mais. Sem aviso, Andrew parou a centímetros do meu rosto. Eu podia ver reflexos dourados em seus olhos e as pequenas imperfeições na sua pele.

            — Escute. — Disse ele. — O que eu vou dizer não pode sair daqui. Não quero... Nós não queremos que isso saia por todos os cantos.

            Eu assenti, ouvindo cada palavra com cautela. Havia uma seriedade ali que – para não dizer que nunca a vi – apenas a notei em uma situação: quando ele me mandou embora pela primeira vez.

            — Ok. — Respondi, quase sussurrando.

            — Acontece que eu e Alexia não estamos muito bem. — Respondeu ele, fazendo uma pausa. — Sei que parece idiotice, depois de tudo que aconteceu entre a gente, e depois que eu te magoei tanto... Mas simplesmente não estamos bem.

            — Andrew. — Eu respondi. — O que isso quer dizer?

            Ele fez outra pausa, desta vez olhando para o chão com mais seriedade. Quando voltou o olhar para mim, seus lábios estavam rijos.

            — Quero dizer que um término é iminente. — Ele respondeu. — Ela pode terminar comigo a qualquer hora.

            — Mas vocês se amam! — Eu rebati confuso.

            — Sim, mas... Mas acho que ela não vê mais isso. Acontecimentos recentes cegaram-na. — Ele respondeu.

            Ficamos em silêncio por alguns instantes. Eu procurava em seu rosto, em seus olhos verdes e em seus lábios enrijecidos, qualquer vestígio do que ele estava sentindo. Apenas encontrei angústia. Angústia e dor.

            — E você precisa da minha ajuda para...? — Perguntei.

            — Eu preciso que me diga o que fazer. Eu nunca passei por isso, por um “quase-término”. — Andrew respondeu. — Pensei que você poderia me ajudar.

            — Eu também nunca passei por isso, Andrew, e pretendo nunca passar. Mas... Mas já que você se dispôs a vir até aqui. — Respondi. — Diga para ela o quanto você a ama.

            — Eu digo isso sempre.

            — Então demonstre. Faça de tudo. — Rebati. — Mostre para ela que seu sentimento é maior do que o mundo. Porque é isso o que amor é.

            — Isso não vai dar certo. — Ele respondeu.

            — Por quê?

            — Você não gostaria de saber.

            — Por quê? — Perguntei novamente.

            — Porque ela acha que eu ainda gosto de você! — Ele respondeu, elevando a voz. — E talvez eu ainda goste. Não sei. Talvez eu devesse ter ficado com você, Greg. É algo muito complicado de se pensar. Eu a amo, mas ainda não estou pronto para deixar você sair da minha vida.

            Eu engoli em seco. Uma coisa era ver Andrew perder a paciência (já tinha visto algumas vezes – ele apenas ficava parado e esperava a raiva passar), outra coisa, completamente diferente, era vê-lo perder a paciência por um motivo tão nobre. Eu nunca tinha escutado aquelas palavras saindo da boca dele. É claro, eu sabia que ele já tinha gostado de mim, mesmo que fosse pouco e por pouco tempo. Contudo, ouvir aquilo dele, em voz alta...

            — Então diga para ela que eu não te amo. — Respondi. — Isso deve fazê-la acreditar. Eu... Eu simplesmente não sei o que pensar Andrew. Eu tenho o meu namorado, você tem a sua namorada. Não deveria ser tão difícil.

            — Não mesmo. — Ele respondeu, parecendo se acalmar. — Eu vou dizer isso para ela.

            Com isso, como sempre acontecia, ele andou para o lado antes que eu pudesse segurá-lo por mais tempo. Fiquei sem reação, enquanto ele cruzava o pátio e saía de vista. Foi inevitável o meu sentimento de culpa. Eu sabia que tinha o Lucas, que eu podia confiar nele e amá-lo, mas me senti culpado por perceber que ainda gostava tanto do Andrew.

 

***

 

            As meninas não perguntaram para mim porque eu estava prestes a chorar, apenas me olharam como se tivessem visto um fantasma. Eu também não disse nada. Mal conseguia pensar, quem diria falar. Cada vez que fechava os olhos era uma tortura, pois sempre via aqueles olhos verdes me encarando, ouvia aquelas palavras rodeando a minha cabeça. Talvez eu devesse ter ficado com você.

            Apenas conseguia pensar em duas pessoas que me acalmariam naquela hora: Larry e Lucas. Larguei meu olhar sobre o canto da sala onde Larry geralmente se sentava, mas, quando o achei no meio dos outros garotos, captei um sorriso em seu rosto. Parecia tão injusto, tão injusto incomodá-lo com meus problemas pessoais novamente, como se ele já não tivesse os próprios dilemas. Fechando os olhos, debrucei-me sobre a mesa e fiquei parado até o sinal para a saída tocar.

 

            Os alunos se levantaram freneticamente, arrumando suas mochilas e conversando em voz alta. Após um rápido tchau para Alison e Alicia (que sempre saíam mais cedo do que eu e Aqua), coloquei minha mochila nas costas e me levantei também. Aqua se juntou ao meu lado, em silêncio. O silêncio dela foi quase que uma forma de tentar me ajudar, pois, ela sabia, eu não estava muito aberto a conversas naquele momento.

            Porém, quando saíamos da sala, alguém entrou na nossa frente. Thomas.

            — Greg, fique longe deles. — Disse ele seriamente, colocando a mão sobre meu peitoral, impedindo-me de avançar.

            — Thomas? — Perguntei, assustado. O garoto era apenas um borrão de sobrancelhas franzidas e carrancas no meio da multidão do corredor. — O que é isso?

            — Fique longe deles. De Lucas, de Larry ou de Andrew... Seja lá de quem você pensa que gosta, apenas se afaste. — Ele disse.

            — Isso é uma ameaça, Thomas? — Perguntei. — Porque eu consigo lidar com ameaças muito bem e, se você pensa que...

            — Não é uma ameaça. — Ele interrompeu. — É um aviso.

            Algo me impediu de contra-atacar, talvez a seriedade no olhar dele ou no tom da voz. Fiquei olhando enquanto ele se juntava à massa de estudantes que naquele momento deixavam o pavilhão. Aqua se aproximou, aparentemente estupefata, e disse em voz baixa:

            — Alison disse que ele queria conversar com você.

            Isso foi tudo. Depois disso, saímos para o pátio e seguimos o fluxo de alunos até o pátio de entrada do colégio.

 

            Quando chegamos lá, havia tantas ideias na minha mente, tantas coisas que eu queria falar, pensar, gritar. Fiquei em silêncio, afinal, pensando que gritar apenas pioraria as coisas. Aqua entrelaçou o braço no meu e ambos andamos até o portão de saída, onde vi, à distância, Lucas parado.

            Ele sorriu quando nos aproximamos e estendeu a mão para mim, como sempre.

            — Oi de novo. — Disse ele, firmando os dedos nos meus. Com gentileza, ele me puxou para perto e eu deixei que seus braços me envolvessem.

            — Oi.

            — Você demorou. Eu estava ficando preocupado. Quero te levar para um lugar e não quero que seus pais pirem. — Ele respondeu no meu ouvido. Nesse momento, minhas ideias simplesmente não aguentaram. Milhares de sugestões surgiram na minha mente, mas nenhuma delas me explicava porque ele queria me “levar para algum lugar”.

            — O quê? — Perguntei.

            — Tem uma coisa que eu quero que você veja. — Disse ele. — Não vou demorar, eu prometo.

            Eu olhei para seus olhos e neles encontrei algum pedido de “por favor”. Com um pouco de relutância, admito, assenti levemente.

            Ele me puxou pelo pulso levemente, levando-me para fora do colégio. Nesse instante, nesse pequeno e aparentemente insignificante instante, eu vi o garoto que quase destruiu a minha vida. Por um milésimo de segundo, tudo ficou em câmera-lenta, e não havia mais multidão, não havia mais carros, Lucas ou qualquer outra coisa.

            Era Andrew e nada mais. Ele olhou para mim, e, pelo que percebi, notou que eu estava de mãos dadas com outro garoto.

            Lembrei-me do que ele tinha me dito, por mensagem, há dias, quando eu disse que estava namorando:

            “Quem é o sortudo? Quero conhece-lo. Ele parece ser uma pessoa ótima”.

 

***

 

            Poucas pessoas estavam do outro lado da rua quando atravessamos na faixa de pedestres. Lucas segurava a minha mão a todo o tempo e eu me senti como uma criancinha atravessando a rua de mãos dadas. Ele parou do outro lado, virando-se para mim com um sorriso. Olhando naquele tom de verde em seus olhos, esqueci Andrew por um instante.

            — Lucas, o que você quer me mostrar? — Perguntei.

            Ele intensificou o aperto em minha mão.

            — Um segredo. Venha. — Respondeu, puxando-me para o lado.

            Começamos a caminhar novamente, algo que eu realmente não pretendia que fosse acontecer. Eu esperava de tudo, desde palavras apaixonantes pela parte dele até beijos acalorados no muro, mas apenas continuamos a andar. Algumas pessoas passavam ao nosso redor e, se não fossem por seus olhares acusatórios na nossa direção, quase acreditei que estávamos sendo completamente ignorados.

            Continuamos até chegarmos a uma pequena depressão na calçada, que levava à entrada de um estacionamento abandonado. Uma cerca de metal cobria o perímetro e uma placa de “não entre” praticamente proibia nossa entrada. Eu já tinha ouvido falar daquele lugar: um antigo campo de futebol que não era mais usado. Frequentemente fotos surgiam daquele local, todas as imagens demonstrando um local árido, com a terra seca e poucas árvores. A única coisa que fazia o terreno não parecer tão horrível era uma casinha abandonada que antigamente servia de vestiário para os jogadores.

            — O que é isso? — Perguntei, desconfiado. Lucas olhou para mim e avançou na direção da cerca, levantando os fios levemente com as mãos. Por sorte não era arame-farpado.

            — É meu esconderijo. — Disse ele. — Vamos.

            Ele passou pela cerca, uma perna de cada vez, depois se abaixou para passar o resto do corpo. Eu fiz o mesmo. Aproximei-me e rapidamente atravessei a cerca. Ninguém do lado de fora parecia prestar atenção na nossa invasão – o que agradeci, internamente, porque não precisava de alguém me acusando de vandalismo.

            — Você sabe que a gente não pode vir aqui, não sabe? — Perguntei. Ele apenas abaixou a cabeça.

            — Eu sempre venho aqui. — Respondeu.

            Sem aviso, ele começou a descer um pequeno monte de terra que levava ao nível inferior do terreno. Eu fiquei parado por uns instantes para observar onde tinha entrado. Eu nunca havia estado ali, nunca tinha visto aquele campo abandonado ou o vestiário depredado. Realmente, as fotos diziam a verdade. Estava tudo vazio, desolado e árido, com poucas árvores e uma mísera vegetação. A casinha ficava ao lado de um retângulo cortado no chão, parecendo tristemente abandonada, e ainda podíamos ver as traves de futebol fincadas na terra.

            — Venha. — Disse ele, elevando a voz. Eu olhei para ele, sorrindo, e desci alguns passos.

 

            Cada vez que eu colocava um pé no chão, o som de folhas secas e gravetos se quebrando fazia-se presente. Parecia que o local realmente não recebia uma visita importante há anos. Eu respirei fundo, olhando em volta. A rua, com seus carros e suas pessoas, tinha ficado para trás, e estávamos tão longe do muro que acabamos ficando invisíveis aos pedestres. As poucas árvores do terreno cercavam-nos como vigias.

            — O que fazemos aqui? — Perguntei.

            — Quero te mostrar meu segredo.

            — Sim, você já disse, mas qual é esse segredo? — Perguntei outra vez. — Já estamos sozinhos, você pode falar.

            — Eu tenho que mostrar. — Ele respondeu, virando-se para trás e sorrindo. Percebi com espanto que aquela estava sendo uma das poucas vezes que andamos juntos, mas de mãos separadas.

            — Ok. — Respondi. — E o que você sabe sobre esse local?

            Ele reduziu o passo, deixando que eu me aproximasse. Começamos a andar mais lentamente agora. Ele estava com as mãos nos bolsos da jaqueta cinza, olhando para cima com uma admiração completamente nova para mim. Era como se aquele local fizesse parte dele, como se aquelas árvores fossem pedaços de sua mente.

            — Eu não sei nada, não mais do que você. Um campo de futebol abandonado. — Lucas respondeu. — Não sei por que gosto de vir aqui, mas gosto. Aquela casinha se tornou meu esconderijo.

            Eu olhei para Lucas enquanto nos aproximávamos da tal “casinha” e fiquei pensando em como ele podia esconder as coisas tão bem. Não fiquei bravo, ou triste, por descobrir que tinha uma parte dele que era desconhecida. Apenas fiquei curioso. Ele me viu olhando-o e sorriu.

            — Você disse que queria me conhecer... — Disse ele.

            Eu sorri de volta, esticando o braço. Entrelacei meu braço ao dele, sincronizando nossos passos. Era indescritivelmente grandiosa a minha vontade de beijá-lo naquele momento, mas eu me segurei e continuei a andar.

            — Você gosta daqui? — Perguntei.

            — Gosto. — Respondeu ele. — De verdade.

 

            Não fiz mais nenhuma pergunta, meramente continuei a andar com ele em silêncio. Vi a casinha se aproximando ainda mais e absorvi suas características: vidros quebrados, sem portas ou janelas, pichações sobre a tinta das paredes. Vi também algumas garrafas de vidro espalhadas pelo chão e até mesmo uma bicicleta abandonada.

            — O que tem lá dentro? — Perguntei, curioso.

            — Vai descobrir. — Respondeu ele.

            E eu descobri.

            Lentamente, nos aproximamos da casa, e eu percebi que podia estar me metendo numa enrascada. Claro, nunca fui idiota ao ponto de ir para um lugar desconhecido com um garoto semidesconhecido. Mas, alguma coisa no Lucas me fazia querer acreditar naquilo, acreditar que ele não queria me machucar fisicamente ou emocionalmente.

            Subi os degraus da entrada com calma, colocando as mãos no batente da porta para me equilibrar. Senti a presença de Lucas atrás de mim. Lá dentro estava um breu, uma verdadeira escuridão, e eu tive que tatear a parede para achá-la.

            — Suponho que aqui não tem energia elétrica. — Eu disse.

            — Continue andando. — Foi a única coisa que ele disse.

            A maioria das pessoas já teria saído correndo há muito tempo, mas eu, com todo o meu conhecimento de duas semanas de namoro, continuei a andar como se nada estivesse acontecendo. Como ele disse, continuei a andar. E, quase que imediatamente, aquilo se tornou uma tortura.

            Eu não enxergava nem a minha própria mão na frente do rosto e comecei a pensar em como uma casa poderia ser tão escura em pleno meio-dia. Ele devia ter coberto as janelas com alguma coisa. Continuei a andar. A pior parte é que eu sentia a presença de Lucas atrás de mim, sua respiração perto da minha nuca, mas simplesmente não podia parar. Eu não queria parar. De repente, o ar mudou, como se eu tivesse chegado num cômodo maior, mas ainda não conseguia ver nada.

            — Onde estamos, Lucas? — Perguntei mais seriamente desta vez. Senti a presença dele atrás de mim, porém nenhuma resposta surgiu dele.

            E então houve um “click”, algo como um botão acionando outra coisa, e a sala inteira acendeu em luz. Conforme meus olhos se ajustavam à luminosidade, olhei em volta.

            De fato, tínhamos chegado num cômodo maior, numa espécie de “ex-banheiro”, provavelmente onde os garotos tomavam banho antigamente. As cabines tinham sido destruídas e os estilhaços cobriam o chão, onde um colchão velho repousava. Olhei para as paredes, notando que minha tese estava certa: tábuas cobriam qualquer luminosidade que vinham das janelas. Mas não foram as janelas, ou os estilhaços, ou qualquer outra coisa que me atraiu a atenção. Foi uma das paredes.

            Na parede oposta a mim, havia um desenho pintado, como um grafite ou uma pichação, mas não era vandalismo. Era eu. Literalmente eu. Era um desenho meu, do contorno do meu rosto e dos meus olhos, dos limites da minha boca e das bagunças do meu cabelo. Tudo em tons em degrade: roxo para verde, verde para vermelho.

            — Lucas? — Perguntei, com minha voz soando pelo recinto, parecendo completamente embasbacado. — Lucas?

            — O quê? — Perguntou ele, gentilmente.

            — Lucas, você fez isso? — Perguntei.

            — Sim. — Respondeu ele. — Fiz porque queria te dizer uma coisa.

            Eu me virei para ele, olhando seus olhos acesos e seus lábios sorridentes, e me afastei. Não tinha ficado com medo.

            Ele andou pelo recinto por um tempo, depois parou na frente do desenho gigantesco de mim e me olhou. Havia uma espécie de tristeza nos olhos dele, algo que eu nunca tinha visto, nem em Andrew nem em Larry.

            — Lucas, o que foi? — Perguntei, quebrando nosso silêncio.

            Ele pareceu respirar fundo, prendendo a respiração para poder responder.

            — Eu... Eu fiz isso porque... — Gaguejou ele. — Eu fiz isso porque nunca fui bom com as palavras. Eu disse que nunca dei certo com ninguém, exceto com você. Eu nunca soube o que dizer nas horas que precisava falar algo, exceto com você. Eu nunca fui bom com as palavras, Greg, então usei meu maior dom para te mostrar o quanto eu te amo. E eu te amo muito.

            Ele fez uma pausa, depois continuou:

            — Eu sei que parece falso, porque só namoramos há duas semanas, mas eu te amo. Eu te amo muito, Greg. Você é a pessoa mais importante na minha vida e eu não imagino vivê-la sem você. — Disse ele.

            Eu fiquei em silêncio. Ele parecia uma estátua, olhando-me com aqueles olhos verdes, apenas a boca se mexia. Eu não consegui pensar em nada quando ele parou de falar, então continuei em silêncio. Ao contrário dele, eu sempre fui bom com as palavras. Ficar sem elas foi uma tortura. Mas eu sabia o que queria, e realmente não era falar.

            Rapidamente, aproximei-me dele, daquele rosto que pedia por compreensão, e coloquei meus braços em seus ombros, puxando-o para perto. Nossos lábios se encontraram com selvageria, como uma tempestade, e eu senti a pele dele queimando sob meu toque. Senti o perfume dele, cada músculo onde minhas mãos tocavam, e cada respiração.

 

            Lentamente, aquilo foi se intensificando, uma mistura de selvageria com amor, trocas de carícias intensas, até que atingimos a parede onde estava o desenho do meu rosto. Eu o pressionava contra a parede, fazendo-o ficar sem ar, mas ele não parava. Suas mãos passaram do meu rosto para meu pescoço, do meu pescoço para meus braços e meu quadril, e depois... Por algum motivo, ambos caímos em cima do colchão velho que já estava por lá.

            Isso não nos fez parar. Não queríamos parar. Aquilo que quase tinha acontecido na sala de aula, no outro dia, estava prestes a acontecer.

            Minhas mãos passavam por todo seu corpo, numa espécie de desejo de descoberta intensificado. Eu queria descobri-lo, tocar onde nunca havia tocado, sentir a pele dele sob meu toque. Lentamente, sem que nem mesmo me desse conta, minhas mãos entraram por baixo da jaqueta dele, e eu senti cada músculo e cada centímetro queimando.

            Ele parou de me beijar por um instante, arfando, mas suas mãos ainda me seguravam. Lucas parecia prestes a retomar os beijos quando eu o interrompi com uma pergunta.

            — É isso que você realmente quer? — Perguntei. Ele não pensou nem por um segundo.

            — Sim.

            Nossos lábios se encontraram novamente. E então tudo passou rápido demais. Num instante, ele tinha se levantado, retirando a jaqueta e a camiseta que usava por baixo. Eu o amei naquele instante, cada centímetro dele. Lucas não era magro demais, mas também não precisava perder uns quilos. Ele tinha a aparência ideal para mim, pensei (por mais superficial que isso fosse) e eu o amei por isso. Ele ficou me olhando por um tempo, procurando por respostas no meu rosto. Eu sorri de volta e me levantei também, colocando as mãos nas bordas da minha camisa e puxando-a para cima. Não senti o vento gélido sobre a pele, ao contrário. Tudo parecia queimar.

            Ele sorriu. Nossos corpos se chocaram um contra o outro e a partir daquele momento eu pude sentir cada milímetro dele sobre mim. Deitamo-nos novamente, um corpo contra outro, um amante contra outro, e foi nesse momento que percebi que estava amando alguém.

            Queimamos juntos.



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